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A Língua de Sinais Brasileira: Natural para Surdos ou Recurso Adicional?, Notas de estudo de Linguística

Este documento discute a importância da língua de sinais brasileira (lsb) como língua natural para surdos e sua relação com a língua oral. O autor reflete sobre a identidade surda e a importância da lsb na comunicação entre surdos e entre surdos e ouvintes. Além disso, são discutidas as contribuições das abordagens linguísticas para o estudo da lsb e as desafios enfrentados na implementação da lsb no ensino.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Pipoqueiro
Pipoqueiro 🇧🇷

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ANDRÉ LUÍS BATISTA MARTINS
IDENTIDADES SURDAS NO PROCESSO DE
IDENTIFICAÇÃO LINGÜÍSTICA: O ENTREMEIO
DE DUAS LÍNGUAS
Uberlândia, MG
Universidade Federal de Uberlândia
2004
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ANDRÉ LUÍS BATISTA MARTINS

IDENTIDADES SURDAS NO PROCESSO DE

IDENTIFICAÇÃO LINGÜÍSTICA: O ENTREMEIO

DE DUAS LÍNGUAS

Uberlândia, MG

Universidade Federal de Uberlândia

ANDRÉ LUÍS BATISTA MARTINS

IDENTIDADES SURDAS NO PROCESSO DE

IDENTIFICAÇÃO LINGÜÍSTICA: O ENTREMEIO

DE DUAS LÍNGUAS

Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Mestrado em Lingüística da Universidade Federal de Uberlândia como requisito parcialpara a obtenção do título de Mestre em Lingüística, área de concentração Lingüística Aplicada, linha de pesquisa Estudos sobre o ensino/aprendizagem de língua materna e

língua estrangeira.

Orientador: Prof. Dr. Ernesto Sérgio Bertoldo

Universidade Federal de Uberlândia

Instituto de Letras e Lingüística

Uberlândia, MG

No desenvolvimento de uma obra, sempre contamos com a presença do outro. O agradecimento e reconhecimento devotados às alteridades presentes e passantes no desenrolar dessa obra se faz, portanto, necessário e justo. A colaboração nasce de diversas fontes, de diversos discursos: tanto da anuência, quanto da contestação; tanto do incentivo, quanto da provocação; tanto da colaboração, quanto do estorvo... Assim, é o trilhar daqueles que se dispõem a navegar ....

Dirijo meus especiais agradecimentos a todas pessoas, surdas e ouvintes, que de forma particular ou investidas de um cargo institucional contribuíram para que pudesse aportar essa nau.

De forma explícita quero agradecer ao meu orientador, o Prof. Dr. Ernesto Sérgio Bertoldo pela seriedade profissional e pela forma dedicada empreendida durante todas as etapas do polimento desta dissertação.

DESENCONTRO

Moravam na mesma casa e não se conheciam. Quando o homem saía de manhã, a mulher dormia, e quando à noite ele chegava cansado, depois de muito trabalhar, ela também cansada, por sua vez, dormia. E passando-se muitos e muitos anos nunca se encontraram, até que um deles morreu ou foi embora e sua falta não foi sequer notada, porque não chegaram a se conhecer morando sozinhos na mesma casa. Maria Lúcia Simões

ABSTRACT

This research deals with the notion that deaf identities are constituted as a result of the tension produced by the contact of two languages: LIBRAS (Brazilian Sign Language) and Portuguese. This situation makes deaf students live between the desire to speak and the need to access a gesture language (LIBRAS), which is supposed to assure them their identification with their peers. Theoretically and methodologically, the analysis was supported by concepts of Discourse Analysis and to some other concepts from Psychoanalysis, which enabled us to deal with the notion of the subject divided - who assumes different positions in discourse – and split, once he is constituted by the unconscious. Conceptions such as interdiscourse and discursive formations are also used, once discourse of deaf students are always crossed by other discourses, being often reconfigured in order to adapt itself to the ruling linguistic scene. Aiming at checking our hypothesis about the linguistic identities that constitute deaf students, whose parents were listeners, this research worked with deaf students, in the official public school system. Twenty-four reports about their relationship to LIBRAS and Portuguese were videotaped and fourteen of them were selected and analyzed. All this process of data collection had the contribution of interpreters of LIBRAS. The analysis has shown that it is by being crossed and affected by two languages that deaf students constitute their linguistic identities, which allow them to find ways of expressing themselves inside and outside school. Important advances towards the education of the deaf can be undertaken if homogeneous approaches, which tend to prescribe what is good or not to deaf students, are not taken into account.

KEY WORDS : Teaching and Learning; Education of Deaf; Portuguese and Sign Language; Brazilian Sign Language; Deaf Identities; Linguistic Identification;

RESUMO

Esta pesquisa defende a hipótese de que as identidades surdas se constituem na tensão resultante do entremeio das duas línguas a lhes afetar: a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e o Português. Esse contexto faz os alunos surdos viverem, constantemente, entre o desejo da fala e a necessidade do acesso a uma língua gestual (LIBRAS), a qual lhes possibilitaria uma certa identificação com seus pares. Teórica e metodologicamente, as análises são fundamentadas por conceitos da Análise do Discurso e algumas contribuições da Psicanálise, que nos possibilitam trabalhar com a noção de sujeito dividido - que assume diferentes posições discursivas – e barrado, uma vez que o inconsciente o constitui. Conceitos de interdiscurso e formações discursivas são também mobilizados, uma vez que a maioria dos discursos do e sobre o surdo vem intermediada e sofre reconfigurações constantes para adaptar-se ao ambiente lingüístico dominante. Com vistas a comprovar a hipótese sobre as identidades lingüisticas que constituem os alunos surdos filhos de pais ouvintes, essa pesquisa tomou os depoimentos de alunos surdos inseridos no sistema regular de ensino público. Filmamos vinte e quatro entrevistas com esses alunos nas quais eles responderam sobre o relacionamento mantido com a LIBRAS e o Português. Desse total, quatorze foram selecionadas e analisadas. Todo esse processo de coleta de dados teve a participação de intérpretes de LIBRAS. A análise comprovou que atravessados e afetados pelas duas línguas é que os alunos surdos constituem a sua identidade lingüística, que lhes possibilita, assim, encontrar a maneira pela qual vão se expressar dentro e fora da escola. Deslocamentos importantes na questão da educação dos surdos podem ser empreendidos, à medida que ocorra a superação de abordagens que homogeneízam e tendem a prescrever, indistintamente, o que seja melhor para os alunos surdos.

PALAVRAS-CHAVE : Ensino e Aprendizagem de Língua; Educação de Surdos; Surdez; Português e Língua de Sinais; LIBRAS; Identidades Surdas; Identificação Lingüística; Política de Inclusão

entrevistei, a qual enunciou o seguinte : “Muito tempo eu pequena, eu não sabia surdo, eu pensava ouvir. Eu não sabia o que LIBRAS (...)”. Acredito que esse tipo de descoberta só é possível mediante uma constituição histórica dessas identidades no interior de uma sociedade de ouvintes e falantes. Outra preocupação correlata a assediar minhas reflexões são as implicações das chamadas políticas de inclusão. Parto do pressuposto de que elas prometem condições de igualdade ao deficiente auditivo que, a meu ver, não existem, porque não há como camuflar a barreira da linguagem com a qual se depara o surdo. E essa é uma realidade que não se resolve com a mera tolerância e a aceitação da diferença. Entendo que a diferença sensitiva da pessoa surda implica diferentes condições discursivas. Ou seja, a preponderância do visual sobre o auditivo implica a consideração de outros padrões de aquisição lingüística. Quero me referir aqui à questão de duas modalidades de língua (oral-auditiva e gesto-visual) entrecruzarem-se nesse processo. Questão essa que voltarei a abordar oportunamente, no capítulo III. Dessa forma, a surdez estabelece a existência de outra configuração lingüística para a qual, acredito, toda pesquisa na área da surdez deve estar atenta ao aproximar-se do universo da comunicação gestual. A proposta desta pesquisa surge, assim, a partir da reflexão prática e angustiante que envolve a vivência de um processo de ensino/aprendizagem do Português para alunos com diversos níveis de surdez. O que provoca limitações diferenciadas nos padrões de aquisição da língua escrita, que é uma das ferramentas fundamentais para se lidar com os conhecimentos escolares. A padronização do surdo como uma categoria discursiva fixa não resolve o problema educacional desses alunos. É importante levar em conta o entendimento das

múltiplas facetas que a condição de surdez demanda tanto no âmbito lingüístico, quanto no campo político-pedagógico. Por isso, acredito na relevância de uma reflexão teórica acerca das identidades e identificações surdas antes de acolhermos qualquer paradigma vigente na educação do surdo. Isso porque, se por um lado a língua de sinais oferece à pessoa com surdez profunda a real possibilidade de comunicação, configurando-se como uma língua de fato, por outro lado o aprendizado da Língua Portuguesa configura-se para ela como uma possibilidade de se inscrever nas práticas letradas de nossa sociedade, advindas tanto do desejo do surdo de não ser surdo como devido a uma imposição, ou melhor, a uma relação de poder que uma língua exerce sobre a outra. Contudo, não há método algum de ensino de língua que garanta ao aluno surdo a condição de usuário de uma língua oral tanto no que diz respeito à fala quanto à escrita. A hipótese que defendo, portanto, é de que toda e qualquer proposta no âmbito do ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa para alunos portadores de deficiência auditiva, principalmente no que diz respeito a alunos surdos filhos de pais ouvintes e expostos a um contexto de língua de sinais (a grande maioria), deve-se pautar pela consideração da existência de uma heterogeneidade tanto lingüística quanto identitária. Ora, isso não implicaria, dentre outros aspectos, também considerar o fato de que esses alunos convivem com a constante quimera de tornarem-se ouvintes e constituírem-se na Língua Portuguesa? Por outro lado, há de se levar em conta, ainda, que a língua de sinais também não constitui condição bastante para que todas as necessidades de interação comunicativa que os alunos surdos apresentam, na escola ou fora dela, sejam atendidas. E, em última instância, não se tem a garantia de que, necessariamente, identificações aconteçam nesse processo. Pois, assim como há surdos que se identificam com a língua de sinais, há aqueles que a ela resistem. Assim, a constituição do sujeito

um empecilho para o acesso ao Português como querem os defensores do Oralismo; tampouco pode ser encarada como uma garantia de seu sucesso, como argumentam aqueles que acreditam na possibilidade de um suposto bilingüísmo na educação dos surdos. Como já dissemos, é no entremeio das duas línguas, portanto na heterogeneidade das identificações, que pode ocorrer a aprendizagem. A LIBRAS, como toda língua de sinais, apesar de se garantir conceitualmente como um sistema de signos lingüísticos independente, merecendo o status de língua, não se garante como sistema cultural à parte da sociedade ouvinte, mas sim faz parte da mesma. Isso porque não há como negar que, ontologicamente, as línguas de sinais estejam indissociavelmente ligadas à deficiência auditiva. Ademais, o fenômeno da emergência dessas línguas vincula-se às condições de produção discursiva daqueles que têm na surdez um caráter irreversível. E essa não pode, biológica e cientificamente, ser considerada como natural, mesmo em se tratando de surdez congênita, haja vista que a audição é um dos sentidos constitutivos do ser humano pelo qual a cultura se manifesta. A sua privação implica desvantagens na convivência com as manifestações culturais. Contudo, não deixa de ser verdade que o ser humano, pela sua enorme capacidade de adaptação, tenha transformado uma limitação (a surdez) em uma potencialidade lingüística (a língua de sinais). Todavia, isso não é suficiente para que possamos falar da língua de sinais como a língua natural do surdo , mesmo que se entenda o termo natural como “ (...) uma língua que foi criada (sic) e é utilizada por uma comunidade específica de usuários, que se transmite de geração em geração, e que

muda (...) com o passar do tempo.” (SKLIAR 1998, p. 27) 3. Acredito que a surdez, por si só, não isola, culturalmente, o indivíduo da sociedade, criando comunidades à parte. Pela constituição própria do discurso, evidencia-se, destarte, uma heterogeneidade no processo de identificação constituinte das identidades surdas que é algo da ordem dos processos inconscientes em andamento e não algo inato, mas sim marcado pela fragmentação (HALL, 2000, p. 38). Essa heterogeneidade, advinda dos processos de identificações das identidades surdas em relação à língua, constitui-se, pois, no meu objeto de pesquisa a ser analisado pela perspectiva teórica da Análise do Discurso (AD) pecheutiana, atravessada por conceitos da psicanálise lacaniana. Procuro abrir um espaço para compreendermos qual o sentido de ser constituído pela surdez, a partir de um sujeito desejante, conforme a perspectiva psicanalitica de Lacan, focalizando a concepção de que a língua é constituída pela incompletude, pelo não-todo (MILNER, 1987) e, ainda, tendo em vista que o discurso manifesta-se pela dispersão, marcado por processos de exclusão (FOUCAULT, 2000). Para tal empreendimento, tomo como referências básicas as noções da AD de interdiscurso e de formação discursiva, tendo em vista que a maioria dos discursos do e sobre o surdo é necessariamente intermediado e sofre reconfigurações constantes para adaptar-se ao ambiente lingüístico dominante, evidenciando uma heterogeneidade discursiva marcada pela polifonia. Pelo recorte teórico por mim delineado, apesar de a surdez ser um componente de identificação dentro do par binário surdo/ouvinte, ela não é a única a ser

(^3) Diante dessa definição, levanto os seguintes questionamentos: Como uma língua que se quer natural, “foi criada”? O termo “comunidade” é adequado e apropriado para falarmos dos surdos que secomunicam por meio da língua de sinais entre si? Com relação ao termo “comunidade” ver nota 6, p. 20

algo da ordem do desejo e a LIBRAS deva ser tratada como algo da ordem do viável. Ou seja, a língua de sinais pode atender às necessidades imediatas de comunicação dos surdos e servir-lhes como instrumento para a produção de uma discursividade na qual a preponderância do visual e do gestual é um ponto de apoio lingüístico alternativo. Contudo, o “fantasma” da língua oral sempre habitará o imaginário daqueles que percebem que os movimentos dos lábios produzem efeitos de sentidos múltiplos, configurando-se em uma língua de difícil acesso. Segundo tal argumento, mesmo não havendo garantias de que a língua oral seja apropriada, adequada ou viável para os surdos, ela acaba se configurando, via a secularização e a erudição da linguagem escrita, em uma condição imposta para que a almejada inclusão^4 social torne-se uma realidade. Ao contrário, a LIBRAS, apesar de constituir-se em uma língua verdadeiramente funcional, não habilita o aluno surdo para a desejada eqüidade de oportunidades face a um imaginário que, socialmente, o constitui, ou em relação aos ouvintes. Ele, via de regra, estará em condição de desvantagem, por mais que as políticas educacionais tentem camuflar ou maquiar essa realidade com eufemismos inclusivos. Nesse intuito, apropriam-se daquilo que é próprio e singular de um grupo de surdos, ou seja, a língua de sinais, para, a partir dessa, prometer uma condição bilíngüe aos surdos que, via de regra, não se verifica, a não ser em casos isolados e observadas certas condições. Quando digo acreditar na demanda urgente de um espaço interlingüístico, marcado pela heterogeneidade, a fim de promover o diálogo entre as duas realidades lingüísticas e que não seja unilateral, tenho em mente a relação que o ouvinte, especialmente aquele que convive direta ou indiretamente com o surdo, mantém com a

(^4) Refiro-me às atuais políticas educacionais, adotadas pelo governo brasileiro, que dispõe sobre o atendimento, no ensino regular, às pessoas portadoras de necessidades educativas especiais.

LIBRAS. Em outras palavras, acredito na necessidade de questionarmos os ideais e parâmetros estabelecidos pela filosofia do bilingüísmo como um discurso idealizado por ouvintes para os surdos. O que vejo subjacente a esse discurso é a supervalorização dogmática da língua de sinais como uma condição sine quae non para que os surdos exerçam seu direito à educação. Mas, na verdade, o que está em jogo para o surdo é o aprendizado da língua do outro. E, para que isso ocorra, necessário se faz que haja um canal visual de intercâmbio em uma língua viável aos dois interlocutores, afim de possibilitar a inscrição do sujeito surdo nas múltiplas formações discursivas e ideológicas que envolvem o uso da Língua Portuguesa As identidades surdas são marcadas essencialmente pela diferença (surdo/ouvinte) e no desdobramento lingüístico desta limitação: por um lado, o desejo e a necessidade de acesso à língua do outro e, por outro, o convite a uma língua gesto-visual restrita basicamente aos seus pares. Claramente, as identidades surdas não podem ser tratadas de maneira unívoca, porque a questão da limitação e da identificação com a LIBRAS e/ou com o Português pode diferir de um surdo para outro. Com isso, as propostas inclusivas do Governo, ao deixarem de enxergar essas diferenças, promovem uma homogeneização identitária, cujos esforços “inclusivos” acabam tendo direção oposta. Pretendo, também, estabelecer relações entre a propalada política de inclusão, verificando até que ponto a língua de sinais corrobora para este ideal e qual o nível de identificação do aluno surdo com esta proposta. A questão do ideal lingüístico, sob a ótica do ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos, tem implicações na política educacional de inclusão. Em minha análise, o Governo, ao mesmo tempo em que reconhece e legitima o direito de acesso igualitário à educação para a minoria surda, também maquia a realidade com promessas

causados pela adoção de políticas que tentam vestir a camisa de força da homogeneização nas identidades surdas diferentes entre si, e por vezes, distantes dos ouvintes. Pretendo discutir quais seriam as implicações ideológicas de se fazer crer que certos recursos como a presença de um intérprete de língua de sinais (pelo simples fato de promover uma certa mediação) garantiriam aos alunos surdos condições de igualdade. A reflexão que trago é de que, tomando como pressuposto que a língua de sinais possui uma natureza de não se deixar aprisionar em uma folha de papel, não comportaria o mundo letrado da sociedade grafocêntrica em que vivemos. Outro fator preocupante é que, por uma questão de falta de identificação, raros são os profissionais ouvintes que se dedicam ao aprendizado da LIBRAS. E, mesmo aqueles que o fazem, muitas vezes, não têm como aprofundar seus estudos por uma série de motivos. O desenvolvimento de uma política educacional para alunos surdos com padrão de comunicação gestual requer, portanto, que se volte os olhos para a questão das identidades surdas para precisar a relação entre a língua oral e a língua gestual, bem como para avaliar as implicações de um possível determinismo lingüístico em relação a essas identidades como pressuposto. Ou seja, levanto o seguinte questionamento: esses surdos estariam confinados à língua de sinais e o seu letramento seria algo da ordem da impossibilidade? Antes de mais nada, julgo importante ter clareza sobre as “vozes” ou ausências que constituem lingüisticamente a surdez. Dessa forma, estarei problematizando os modelos educacionais oferecidos à sociedade pelo Governo e questionando se os mesmos contemplam as expectativas educacionais dos surdos.

Pretendo, enfim, dimensionar a discussão para o âmbito político-pedagógico, levantando a questão do preconceito lingüístico, porque aceitar um padrão lingüístico diferente (gesto-visual) do que se está habituado (oral-auditivo), implica não apenas aceitar a existência de tal diferença como um paliativo ou ferramenta didática para o adestramento escolar. Mais do que isso, requer uma política que abra frentes de atuação profissionalizante para que essa minoria identifique-se na sociedade e busque seu espaço sem desperdiçar tempo perseguindo ideais intangíveis. Por essa razão, é preciso implementar ações no sentido de explorar toda a potencialidade e peculiaridade dessa diferença lingüística apresentada por certos surdos. Diferença essa que, segundo minha hipótese, está ligada diretamente à demanda por uma política de representação lingüística, que valorize a língua de sinais, sem deixar de tratar das relações LIBRAS com a Língua Portuguesa. Enquanto essa última se impõe ao surdo como um terreno árduo e penoso a ser trilhado, aquela se apresenta como referência de pertencimento para uma minoria. Há que se levar em conta, pois, que a diferença entre um surdo e outro não está apenas nos decibéis de perda auditiva, mas, também, nos processos sociais e simbólicos, presentes na construção e manutenção das identidades que dependem da diferença para se estabelecerem, conforme assinala Woodward:

As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. Essamarcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representaçãoidentidade, pois, não é o oposto da diferença: a identidade quanto por meio de formas de exclusão dependesocial. (^) daA diferença. (WOODWARD, 2000, p. 14, grifos da autora). A surdez, portanto, ao estabelecer uma fronteira física, a partir da marcação de uma diferença lingüística, garante a incidência de sistemas simbólicos de