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Identidade Periférica do Bairro Grajaú: Buscando a Cultura e o Sentimento de Pertencimento, Notas de aula de Comunicação

Este documento explora as características do bairro grajaú, sua cultura e o sentimento de pertencimento de seus moradores. A autora realiza uma pesquisa de campo, observatória e exploratória do bairro e entrevista moradores para identificar as causas da insegurança e desvalorização da cultura local. O documento destaca a importância da comunicação e da participação dos moradores no desenvolvimento cultural e comercial do bairro.

O que você vai aprender

  • Quais são as principais características culturais do bairro Grajaú?
  • Como os moradores do bairro Grajaú se sentem em relação às mídias hegemônicas que retratam o bairro?
  • Qual é a importância da comunicação na construção da identidade periférica do bairro Grajaú?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Garrincha
Garrincha 🇧🇷

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
CENTRO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS SOBRE CULTURA E
COMUNICAÇÃO
BEATRIZ SILVA BACELAR
Identidade Periférica do bairro Grajaú:
O sentimento de pertencer a partir do âmbito cultural
São Paulo
2020
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

CENTRO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS SOBRE CULTURA E

COMUNICAÇÃO

BEATRIZ SILVA BACELAR

Identidade Periférica do bairro Grajaú:

O sentimento de pertencer a partir do âmbito cultural

São Paulo 2020

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES

CENTRO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS SOBRE CULTURA E

COMUNICAÇÃO

Identidade Periférica do bairro Grajaú:

O sentimento de pertencer a partir do âmbito cultural

Beatriz Silva Bacelar Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Mídia, Informação e Cultura

Orientador: Prof. Dr Dennis Oliveira

São Paulo 2020

1. INTRODUÇÃO

Neste trabalho pressupõe-se que o sujeito periférico do distrito Grajaú, Zona Sul da cidade de São Paulo, ainda está em busca de uma identidade. Cabe lembrar que a transformação é movimento constante na produção da identidade. Para Stuart Hall, a identidade torna-se uma “celebração móvel” transformada continuamente, mudando conforme como as pessoas são representadas ou interpretadas pelos sistemas culturais que as cercam (Hall, 1987). Por isso o primeiro argumento deste trabalho é essa busca: pois tudo ainda está em transição. Seguindo a linha de pensamento de Stuart Hall, existe uma perda de sentido, também chamado de deslocamento ou descentração do sujeito. A presença contínua das temáticas de inclusão, pertencimento e identidade sinaliza a manutenção constante que a sociedade passa. Também indica a tensão e conflitos históricos que se manifestam entre o indivíduo e a sociedade. Essa busca por pertencimento é imposta desde a primeira interação com o outro. Nesses processos que estruturam o pensamento do indivíduo há uma fragmentação do sujeito. Nisso, são questionados diversos pontos, inclusive, o pertencer. Stuart Hall (2006) apresenta a denominação de "identidades culturais" como aspectos de nossa personalidade que surgem a partir do sentimento de “pertencer” a culturas étnicas, raciais, linguísticas e religiosas. Hall entende que as condições atuais da sociedade estão "fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais" (HALL, 2006, p. 9). A análise foi realizada tendo como referência os conceitos de Identidade de Hall. O objeto de pesquisa neste trabalho é buscar a identidade do bairro Grajaú, usando como referência o autor Stuart Hall e entrevistas conduzidas com moradores do bairro. Os entrevistados foram questionados sobre as preferências do sujeito periférico e a possível a falta de valorização do local. Foi analisado o cenário cultural do bairro como argumento de resposta de uma das características da identidade periférica do Grajaú. Bauman (2005) define identidade como autodeterminação, ou seja, o eu postulado. Para ele, as identidades habitualmente referem-se às comunidades como sendo as entidades que as definem. De acordo com essa indagação pode-se afirmar que o eu em evidência refere-se à comunidade em que se pratica. O sujeito pode pertencer a tribos, ter religião ou participar de organizações sociais, pois todos esses movimentos irão moldar a identidade do indivíduo, e claro, seguindo a análise em questão, se definir morador de determinado local também. Partindo dessa definição, cabe a seguinte pergunta “o que a periferia significa para o morador do

bairro?”. A resposta dessa pergunta mensura muito o que o sujeito periférico vê, acredita e almeja do seu bairro. É nesse contexto, que hoje o tema sentimento de pertencimento manifesta-se cada vez mais, sobretudo na antropologia e sociologia, mas em outros campos como a comunicação. Esse sentimento se traduz de forma visível, em sentidos e motivações, sustentando a busca a participação em grupos, tribos e comunidades que possibilitam enraizamento e gerem identidade. Em decorrência disso, essas buscas suscitam a quebra de fronteiras entre a sociedade e o indivíduo gerando novas tensões e conflitos. Para Hall (2006) a identidade costura o sujeito à estrutura, mas se não há identidade qual caminho é seguido por esses moradores? Frequentemente é visto na fala dos residentes do bairro a insatisfação com assuntos importantes como saúde, educação e violência. São pautas que a grande mídia ressalta sobre o bairro e indaga os cidadãos. São questionamentos como esses que causam a insegurança no sentimento de pertencimento do bairro. Apesar da insegurança frequente dentro da comunidade, é inquestionável a presença de arte e cultura no bairro. É um bairro rico em música, pintura e empreendimento. A arte urbana é o reflexo dos moradores do local. É a expressão colocada para fora e sentimento compartilhado. Independente do reconhecimento da mídia hegemônica ou não, quem circula no local reconhece e se sente presente nas artes expressadas. Nesse entendimento pode-se afirmar que mesmo a grande mídia ignorando essas formas de expressão, a sociedade do local se reconhece nela e compartilha do mesmo sentimento. Em uma música do cantor de rap Criolo ou nos grafites Ver a Cidade, tudo fala um pouquinho do Grajaú. São nessas expressões de arte que o morador pode encontrar identidade e também uma resposta para a busca pelo enraizamento cultural. É importante indagar sobre o que motiva o pertencer no contexto de uma sociedade tão desigual. Segundo Mauro Wilton (2010), pesquisador da USP, a perda das referências coletivas e das utopias, leva à busca de novas formas de enraizamento e desenraizamento. Segundo Wilton: A temática do sentimento de pertencimento tem ainda sua atualidade e sua complexidade marcadas pela presença dos meios de comunicação atuando no imaginário social, nas diferentes formas de organização da vida individual e coletiva, na delimitação e criação de interesses que os condicionam. Os diferentes media podem, pois, estar atuando como mediação fundamental tanto na construção quanto na caracterização do pertencimento como linguagem de busca de identidade no contexto de um ausente comum aglutinador (WILTON, 2010, p.04).

A cultura articula conflitos e volta e meia legitima, desloca ou controla a razão do mais forte. Ela se desenvolve no elemento das tensões, e muitas vezes de violências, a quem fornecem equilíbrios simbólicos, contratos de compatibilidade compromissos mais ou menos temporários. As táticas do consumo, engenhosidades do fraco para tirar partido do forte, vão desembocar então em uma politização das práticas cotidianas (CERTEAU, 2009, p.44) Seguindo o pensamento de Certeau, pode-se afirmar que a participação dos moradores da região constrói laços de pertencimento. Além do participar o usufruir também é importante para a valorização cultural e, além disso, comercial do bairro.

2. PROBLEMATIZAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Diante de todas as inseguranças impostas pelo cenário periférico e pela mídia hegemônica, os moradores se identificam como sujeito periférico do Grajaú? O sentimento de pertencimento é presente na vida desses cidadãos? 2.1. GRAJAÚ Localizado na zona Sul de São Paulo, o distrito Grajaú tem hoje mais de 360 mil habitantes, segundo os dados demográficos da Subprefeitura Capela do Socorro. Seus limites são os distritos de Pedreira, Cidade Dutra, Parelheiros e o município de São Bernardo do Campo e Diadema. O bairro é rodeado por duas grandes represas: Represa Billings e Represa Guarapiranga. As represas criaram um potencial de lazer até então desconhecido na região, incentivando um intenso desenvolvimento imobiliária em torno de loteamentos para construção de equipamentos recreativos. Existe muitos projetos sociais para explorar as margens da represa e cuidar da preservação da mesma, como por exemplo o Navegando nas Artes. O distrito e o bairro são cortados pela Avenida Dona Belmira Marin que é considerada o centro comercial da região pois apresenta quantidade elevada de comércios. A Belmira Marin é considerada o centro comercial da região e os moradores podem encontrar diversas lojas de roupas, farmácias e restaurantes. A avenida também foi classificada como uma das mais perigosas da cidade no ano de 2018, segundo o jornal Estadão^3. A região também possui outras vias importantes de ligação com o restante da cidade (^3) Material do Estadão sobre as avenidas perigosas da cidade de São Paulo: https://jornaldocarro.estadao.com.br/carros/10-vias-mais-perigosas-sp-acidentes/

como Avenida Senador Teotônio Vilela e Av Paulo Guilguer Reimberg. Fonte: Google Maps Dados cartográficos do bairro Grajaú. Localizado na Zona Sul da Cidade de São Paulo. O Terminal Grajaú é terminal urbano integrado com uma estação ferroviária da Linha 9

  • Esmeralda da CPTM, e atualmente é o maior ponto de referência para a região, transportando pessoas do distrito e de regiões próximas. O bairro também possui muitas praças e espaços culturais como o Centro Cultural Carequinha e o Circo Escola. Ambos são referência de eventos artísticos e educacionais para os moradores do bairro. O Terminal Grajaú é um dos principais pontos de referência no bairro. Imagem retirada da internet sem autor.

Desse modo, a concepção do sujeito pós-moderno está totalmente atrelada à nossa realidade. A constante mudança deriva de várias questões e é tratada a partir da realidade de cada indivíduo na roda de amigos, no trabalho, tribos, religiões, e também sobre o objeto estudado nesse trabalho: o ambiente em que vive. A representação cultural se multiplica e atinge cada um de uma forma, ao menos de maneira temporária. Hall fala sobre identidades contraditórias que podem vir a surgir no indivíduo e isso diz muito dos locais em que convivem e quais tipos de motivações estão sendo distribuídas. A formação da identidade passa por uma gama de sentimentos e decisões racionais e irracionais na escolha dos investimentos pessoais. Cabe refletir novamente sobre o papel do morador do periférico fora do seu bairro. Essa energia depositada no desenvolvimento da identidade surge a partir do discurso e dos símbolos que nos são transmitidos. Tudo isso facilita tornamo-nos parte de um lugar. Assim, ganhamos um sentimento de identidade e lealdade para com aquela local. Vale ressaltar que a cultura de um povo está intrinsecamente relacionada à sua identidade, já que as pessoas que fazem parte de cada sociedade e suas respectivas culturas são expostas ao conjunto de conhecimentos que formam as práticas culturais. Dessa maneira, percebemos que a cultura tem grande influência na formação da identidade de uma sociedade, moldando-a segundo suas práticas e costumes. 2.3. A FORMAÇÃO DO SUJEITO PERIFÉRICO E AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS Segundo o sociólogo Tiaraju D’Andrea, em 1990 houve uma explosão de atividades culturais em bairros periféricos de São Paulo e a produção artística construiu significado para o termo periferia. O termo periferia associado muitas vezes por estigmas, começou a ter um novo significado: força. As produções culturais, a realidade social e o tempo histórico dessa realidade reforçaram tudo que pressupomos entender sobre periferia. Fundamentalmente pelo refluxo dos movimentos sociais e pelo avanço do neoliberalismo, o fazer político passa por um momento de crise nas grandes cidades em 1990. Uma das implicações desse refluxo foi o crescimento de coletivos de produção artística nos bairros populares que, na falta de um referencial oriundo de partidos políticos e de movimentos sociais, passaram a se agrupar ao redor de núcleos centrados na produção artística como forma de sociabilidade. Nessa dinâmica histórica, o movimento artístico foi um dos que melhor catalisou as impossibilidades da política, passando a fazer política por

meio de atividade artística, consolidando periferia como um modo compartilhado de estar no mundo, um posicionamento político e um discurso ressemantizados sobre o que venha a ser periferia. (ANDREA, p.45) Para pesquisadores e antropólogos existem muitas representações simbólicas, políticas muito pouco contempladas na periferia e a questão urbana começou a ser discutida como modo de vida. Para Durham, por exemplo, essas minorias emergem como novos atores políticos e organizam movimentos que exigem uma participação na vida nacional da qual estiveram excluídos. A falta de um representante que falasse sobre o que é viver na periferia, o fazer política banalizou nas comunidades. O que ganhou força nesse cenário foram as manifestações artísticas que abraçaram o discurso “ser periférico” e pautou publicamente esse território. O rap, excepcionalmente, é um ótimo exemplo de demonstração artística no qual se posiciona de maneira clara de como é viver na periferia. O “falar de dentro” foi utilizado como recurso para afirmar as narrativas. No caso do Grajaú, um exemplo explícito sobre essa manifestação é o rapper Criolo. O cantor cresceu no Grajaú e nas suas obras sempre retrata opiniões políticas e sociais sobre o que tem e/ou falta no bairro. O grupo Racionais Mc’s também é um grande nome do cenário artístico que discorre sobre o que é ser negro, pobre e periférico. Uma das faixas do grupo se chama “Pânico na Zona Sul”, gravada em 1988 e regravada em 1990 e virou um hit periférico: “só quem é de lá sabe o que acontece”. O Grajaú, mais uma vez, é um dos bairros da Zona Sul de São Paulo. Essas manifestações culturais ganharam espaço em 1990, quando as ilusões da igualdade social foram substituídas pelo avanço do neoliberalismo. Eram tempos de recessão e desemprego. Esses grupos artísticos contam a história da periferia e seus dilemas para elaboração de uma crítica à sociedade e apontar possíveis possibilidades de superação. Tiaraju D’Andrea utiliza o termo “segregação socioespacial” para se referir a essa diferença econômica e social entre os bairros próximos ao centro e os periféricos. Existe um deslocamento maior por parte dos moradores periféricos por causa da rotina do trabalho ou até mesmo por uma opção de lazer. É fato notoriamente observável que participantes do movimento, assim como jovens periféricos participantes de outros movimentos culturais ou formas de associativismo, possuem uma prática de circulação entre periferias na cidade de São Paulo. O advento de novas tecnologias das quais a internet é o maior

se periférico, que ocorreu entre indivíduos pertencentes a uma situação social próxima, que muitas vezes, numa cidade segregada como São Paulo, ocorreu no mesmo espaço geográfico. 2.4. ESTEREÓTIPOS MIDIÁTICOS Os meios de comunicação estão presentes em tempo integral na vida das pessoas, além de ter um papel central na difusão de representações do mundo social na sociedade contemporânea. Apesar de fazer o papel da propagação dessas representações, muitas vezes a mensagem é transmitida de maneira escassa, generalizada e principalmente estereotipada. A mídia hegemônica é a grande condutora de legitimação dos rótulos, colaborando deste modo, para a disseminação de notícias e narrativas vulgares. A mídia utiliza-se dos estereótipos, pois se baseia na suposição de que são amplamente conhecidos por todos e ajudam o público na compreensão do conteúdo da mensagem. Segundo Gramsci, um dos aspectos pela luta da hegemonia é a tentativa habitual das classes dominantes de modelar a sociedade com o seu sistema de valores, de forma que sua ascendência comande. Legitimar normas e conduta demonstra um conflito social existente na sociedade. Esse tipo de comportamento interessa somente a uma parcela da sociedade, no qual, a mesma sente-se superior a outra. A relevância do assunto se faz urgente diante das influências que sua manifestação pode causar na saúde sociocultural de indivíduos. Se a mídia representa somente os estereótipos, o indivíduo tem como consequência uma avalanche de preconceitos produzidos por uma parcela da sociedade que diz que tal discurso sobre algo ou alguém é verdadeiro a partir da visão desse sistema de valores. Segundo Sodré, o discurso midiático pode até mesmo deslegitimar grupos sociais e criar mais estímulo para a desigualdade social: A mídia funciona, no nível macro, como um gênero discursivo capaz de catalisar expressões políticas e institucionais sobre as relações inter-raciais, em geral estruturadas por uma tradição intelectual elitista que, de uma maneira ou de outra, legitima a desigualdade social. (SODRÉ, 1999, p. 243). Quando analisamos esse ponto de vista, por exemplo, no bairro do Grajaú, este estímulo funciona quando a mídia reforça palavras subjetivas e pejorativas em matérias jornalísticas^4. (^4) Materiais antes do Corona Vírus com o nome do Grajaú: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas- noticias/2019/12/24/tiroteio-na-zona-sul-de-sp-deixa-dois-suspeitos-mortos-e-um-policial-ferido.htm

Também encontramos esse tipo de discurso quando as seleções de pautas são sempre sobre violência. A disseminação, pelos meios de comunicação de massa, de representações inadequadas de minorias, estrangeiros, classes sociais e outras comunidades é destacada como um sensível problema para o processo democrático, pois na verdade, o desenvolvimento demanda a opinião de cada cidadão a respeito de questões capitais da vida política e social. Logo, julgar apenas por estereótipos é desqualificar todo desenvolvimento social por trás da pauta em questão. Assim, como afirma Sodré, o estereótipo atua também como forma de impor uma organização ao mundo social. Como observa Woodward, é por intermédio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência: A representação, compreendida como um processo cultural estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem possíveis respostas às questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser? Os discursos e os sistemas de representação constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar. Por exemplo, a narrativa das telenovelas e a semiótica da publicidade ajudam a construir certas identidades de gênero. Em momentos particulares, as promoções de marketing podem construir novas identidades como, por exemplo, o “novo homem” das décadas de 1980 e de 1990, identidades das quais podemos nos apropriar e que podemos reconstruir para nosso uso. (WOODWARD 2000 p.17) O autor ressalta os símbolos como condutores no desenvolvimento das identidades. São nesses meios de representação que muitos buscam inspirações e admirações. Por isso é importante ressaltar uma representação de maneira ampla e sempre discriminação, estereótipos e subjetividade. Chimmanda em seu discurso no TED falou sobre o perigo de uma história única. Para a autora, criar uma história e mostrar um povo como uma coisa, uma coisa sem parar, o povo acaba se tornando isso. Repetir a mesma história diversas vezes, reforça somente uma versão: A versão de quem está contando. Chimamanda ressalta a importância do poder como habilidade não apenas de contar uma história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história definitiva. “A história única cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/03/18/faria-limers-no-home-office-domingou-na- quebrada-sp-em-dia-de-covid-19.htm

que também são considerados cultura do bairro. A partir de todas as observações feitas e investigadas na parte bibliográfica o próximo passo foi explorar a identidade e questionar os moradores sobre o perfil do bairro. Para essas indagações foi feito entrevistas com moradores antigos do bairro e com personagens que frequentemente participam de eventos culturais e movimentos sociais na região. Para Gil (1999), a entrevista é seguramente a mais flexível de todas as técnicas de coleta de dados de que dispõem as ciências sociais. 3.1. ROTEIRO Para o desenvolvimento do artigo foi necessário fazer um trabalho de campo e entrevistar moradores do bairro e personagens da área cultural do Grajaú. Devido às consequências da pandemia, as entrevistas foram feitas de modo virtual por telefone. Os sujeitos foram selecionados para a pesquisa de acordo com suas atividades profissionais e artisticas no bairro. Toda conversa foi gravada com a permissão do entrevistado e o recorte feito com base nos temas apresentados no artigo. A primeira entrevistada é a passista da Escola de Samba Estrela do Terceiro Milênio, Thais Cristina. Thais é moradora do Grajaú e frequenta a escola de samba do bairro desde muito nova. O depoimento da Thais foi sobre a presença do samba no bairro e como isso impactou na sua vida. Além disso, a fala dela é importante para debater o quanto o estilo musical e as festas com a escola de samba estão presentes na vida dos moradores. A segunda entrevistada é a poeta Ana Beatriz, morada do Grajaú desde que nasceu. Ana dá aulas de literatura e escrita para espaços culturais e está estudando psicologia. As falas da Ana Beatriz agregaram muito no trabalho, pois ela se descobriu como artista a partir dos saraus que são desenvolvidos no bairro. A terceira entrevistada foi Nayara Mesquita, estudante e estagiária no Sesc Interlagos. Nayara compartilhou sua experiência com espaços educacionais e culturais, além do seu trabalho no Sesc Interlagos, o mais próximo da região. Segundo Nayara, apesar do Sesc ter o nome Interlagos quase todos os alunos dela são do Grajaú. O quarto entrevistado foi o rapper Jpa Epycentro. Jpa também é organizador da popular batalha de rimas que acontece na região. A participação do rapper foi para discutir sobre a importância da música na vida dos jovens e como a batalha de rima cresceu no Grajaú. A quinta entrevistada foi a cantora, compositora e comunicadora Nayra Lays. A jovem de 23 anos é uma figura marcante no bairro e está com seu novo projeto "Meu Casulo". O

depoimento da Nayra no artigo tem como intuito debater sobre jovens que estão buscando sua identidade na música com o cenário periférico. Até que ponto as vivências no bairro influenciam na criação das letras e produção musical? 3.2. PERGUNTAS Abaixo estão as perguntas elaboradas para cada entrevistado de acordo com o tema discutido por cada um. 3.2.1. Primeira Entrevistada ● Quanto tempo você mora no Grajaú? ● Você percebeu muitas mudanças no bairro no decorrer dos anos? ● Você considera o Grajaú um bairro cultural? ● Você acha a música uma ferramenta cultural importante para o bairro? ● Fazer parte da escola de samba do Grajaú fez com que você se identificasse mais com o bairro? ● Você acha que participar de grupos e movimentos sociais te ajudou na construção da sua identidade? ● Quais características você dá para o bairro Grajaú? ● O que o Grajaú é para você? 3.2.2. Segunda Entrevistada ● Quanto tempo você mora no Grajaú? ● Você percebeu muitas mudanças no bairro no decorrer dos anos? ● Você considera o Grajaú um bairro cultural? ● Quais as dificuldades de trabalhar com movimentos e instituições sociais no bairro? ● Você acredita que todos os movimentos culturais que o bairro possui impacta na identidade do bairro e dos moradores? ● Você acredita que o incentivo cultural é essencial para o desenvolvimento do bairro? ● Você acha que a mídia colabora com estereótipos no bairro? ● O que o Grajaú é para você?

● As vivências no bairro impactam no seu processo criativo? ● Você considera o Grajaú um bairro cultural? ● Quais as dificuldades de um artista periférico? ● Você prioriza apresentações no bairro? ● Você acredita que o incentivo cultural é essencial para o desenvolvimento do bairro? ● Você acha que a mídia colabora com estereótipos no bairro? ● Já aconteceu de você ser julgada por dizer onde mora? ● Você acredita que todos os movimentos culturais que o bairro possui impacta na identidade do bairro? ● Quais características você dá para o bairro Grajaú? ● O que o Grajaú é para você? 3.3. ANÁLISE Seguindo essa sequência de perguntas, foi feito uma análise da identidade periférica do bairro usando como base as respostas dos entrevistados do âmbito cultural. O intuito é estabelecer pontes entre visão sobre o bairro, visão crítica e a ação cultural dos personagens descritos no artigo. Os entrevistados opinaram sobre cultura, mídia, educação e pertencimento. As abordagens foram feitas por telefone por causa do período de quarentena. O distrito do Grajaú é repleto de cursos e movimentos culturais pelos bairros da região. Além disso, o local também possui uma escola de samba: Escola de Samba do Terceiro Milênio. A agremiação localizada no distrito do Grajaú tem uma comunidade forte e essencialmente jovem. Entre esses jovens está a sambista Thais de 24 anos. Thais sempre morou no Grajaú e faz parte da Terceiro Milênio desde 2015. Segundo Thais^5 , fortalecer os movimentos culturais do bairro é muito importante e isso causa ainda mais orgulho em pertencer ao Grajaú: Nós do Grajaú não temos referência de escola de samba. Tem gente que sai daqui para desfilar em outros lugares. Frequentar a Terceiro Milênio não é só gostar de samba, mas é fortalecer algo cultural do nosso país e que tem aqui no nosso bairro. Temos acesso, mas as pessoas não conhecem. Para mim é importante fortalecer as instituições daqui e os serviços do nosso bairro. Não tem coisa melhor do que vibrar pelo local que a gente mora. Se orgulhar e falar que é do Grajaú. (^5) 5 Entrevista concedida no dia 26/10/2020 por telefone. Entrevistador: Beatriz Silva Bacelar.

Os jovens que participam da Terceiro Milênio passam a maior parte do tempo no Grajaú por causa de todos os eventos que envolvem a escola. A maioria dos ensaios acontecem próximo ao Centro Cultural, local de referência cultural no Grajaú por possuir diversos cursos e eventos. Por que vou sair se tem aqui? Se eu sei que tem lugar aqui que é legal e está fazendo um corre para subir, para dar visibilidade... não tem coisa melhor do que fortalecer qualquer coisa cultural daqui. O Centro Cultural, por exemplo, com determinadas administrações ficou precarizado, então se a gente parar de acessar, não reivindicar, não ir lá e divulgar, nós que vamos sair perdendo. O que puder fortalecer eu fortaleço. Kowarick (1983) reforça que falar em periferia implica falar no plural, pois além de indicar a distância geográfica e a baixa estrutura em diversos quesitos (transporte, educação, saúde, etc), esquece-se de citar, sobretudo, que a periferia também é um espaço de sociabilidade, de arte e de intervenção político-cultural. Fazer parte da escola de samba fez com que Thais se identificasse mais com o bairro, além de criar vínculos com os amigos e colegas da escola de samba. O Centro Cultural no Grajaú, muitas vezes, é o primeiro contato que os jovens têm com os eventos culturais que o distrito possui, por isso participar de movimentos sociais fortalece o sentimento de pertencimento no local. Frequentar esses ambientes é importante para criar vínculos e identificação. No caso da Thais, estar na Terceiro Milênio e fazer cursos no Centro Cultural ajudou a criar essa relação de carinho. Eu estudava em outros bairros como na Cidade Dutra, então na minha época os adolescentes iam muito em matinês em outros lugares. Se eu fosse por esse mesmo caminho não teria a relação que tenho hoje com o Grajaú. Por causa da Terceiro Milênio eu ficava mais aqui, então eu descobri o Centro Cultural e lá tinha outras aulas...como sempre gostei de dançar comecei a fazer zouk, samba rock, tinha várias coisas que comecei a ter acesso, graças a minha entrada na escola de samba. Mas se eu fosse pelo viés de roles em outros bairros, pouco provável eu ia conhecer e me identificar mais com o Grajaú. É importante destacar que tais coletivos desempenham um papel muito importante na democratização da informação nas periferias e no exercício de repensar a prática da cidadania. Para Ana Beatriz^6 , poeta e moradora do Grajaú desde a infância, o distrito teve um papel importante na sua identidade, pois foi no local que ela teve conhecimento de temas culturais e conteúdo que fazem parte da carreira dela: (^6) Entrevista concedida no dia 29/10/2020 por telefone. Entrevistador: Beatriz Silva Bacelar.