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Guias e Dicas
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Identidade e Diferença: Produção Social e Linguística, Resumos de Estudos Culturais

Textos de vários autores que discutem a relação entre identidade e diferença, enfatizando a importância de ter uma teoria sobre a produção social e linguística desses conceitos. Os textos abordam a dependência mútua entre identidade e diferença, as operações de inclusão e exclusão, a hibridização e a performatividade da identidade.

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Pernambuco
Pernambuco 🇧🇷

4.2

(45)

225 documentos

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Não perca as partes importantes!

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Coleção Educação pós-crítica
Coordenadores: Tomaz Tadeu
da
Si!
v a e Pab lo Gentili
-Gênero, sexualidade e
educação-
Guacira Lopes Louro
-Liberdades reguladas
-A
pedagogia construtivista e outras
formas
de
governo do
eu
-Tomaz Tadeu da Silva
(org.)
-Imagens do outro
-Jorge
Larrosa e Nuria Pérez de Lara
-A
falsificação do consenso -Simulacro e imposição
na
reforma
educacional do
neoliberalismo-
Pablo
Gentili
-Utopias provisórias
-As
pedagogias críticas
num
cenário pós-
colonial-
Peter McLoren
-Identidade e
diferença-
A perspectiva dos Estudos Culturais
-Tomaz Tadeu da Silva
(org.)
Dados Internacionais
de
Catalogação
na
Publicação (CIP)
(Câmara
Brasileira do Livro,
SP,
Brasil)
Silva, Tomaz
Tadeu
da
Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais
/Toma.Z
Thdeu
da
Silva (org.),
Stuart
Hall,
Kathryn
Woodward.-
Petrópolis,
RJ:
Vozes, 2000.
ISBN 85.326.2413-8
l.
Diferenças individuais
2.
Identidade
I.
Hall
Stuart.
li.
Woodward,
Kathryn. III. Título.
00-3345 CDD-302
Índices
para
catálogo sistemático:
L Diferença e identidade : Sociologia 302
2.
Identidade e diferença : Sociologia 302
Tomaz Tadeu da Silva (org.)
Stuart Hall
Kathryn Woodward
IDENTIDADE E
DIFERENÇA
A perspectiva
dos
Estudos Culturais
Traduções: Tomaz Tadeu
da
Silva
1/J
EDITORA
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VOZES
Petrópolis
2000
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f

Coleção Educação pós-crítica

Coordenadores: Tomaz Tadeu da Si!v a e Pablo Gentili

  • Gênero, sexualidade e educação- Guacira Lopes Louro
  • Liberdades reguladas -A pedagogia construtivista e outras formas de governo do eu - Tomaz Tadeu da Silva (org.)
  • Imagens do outro -Jorge Larrosa e Nuria Pérez de Lara -A falsificação do consenso - Simulacro e imposição na reforma educacional do neoliberalismo- Pablo Gentili
  • Utopias provisórias -As pedagogias críticas num cenário pós- colonial- Peter McLoren
  • Identidade e diferença- A perspectiva dos Estudos Culturais
  • Tomaz Tadeu da Silva (org.)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Silva, Tomaz Tadeu da Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais /Toma.Z Thdeu da Silva (org.), Stuart Hall, Kathryn Woodward.- Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.

ISBN 85.326.2413-

l. Diferenças individuais 2. Identidade I. Hall Stuart. li. Woodward, Kathryn. III. Título.

00-3345 CDD- Índices para catálogo sistemático: L Diferença e identidade : Sociologia 302

  1. Identidade e diferença : Sociologia 302

Tomaz Tadeu da Silva (org.) Stuart Hall Kathryn Woodward

IDENTIDADE E

DIFERENÇA

A perspectiva dos Estudos Culturais

Traduções: Tomaz Tadeu da Silva

1/J EDITORA

Y VOZES Petrópolis

LORDE, A. Sister Outsider. Trumansburg, Nova York: The Cros- sing Press, 1984.

MALCOLM, N. Bosnia: aslwrthistory. Londres: Macmillan, 1994.

MERCER, K. Welcome to the jungle, in: RUTHERFORD, J. (org.). Identity: community, culture, difference. Londres: Law- rence and Wishart, 1990.

-. "1968" periodising postmodern politics and identity, in: GROSSBERG, L.; NELSON, C. & TREICHLER, P. (orgs.). Cultural Studies. Londres: Routledge, 1992. MOHANTY, S.P. Us and them: on the philosophical bases of politicai criticism, The Yale ]ournal of Criticism, vol. 21, p. 1-31, 1989. MOORE, H. "Divided we stand": sex, gender and sexual diffe- rence, Feminist Review, n. 47, p. 78-95, 1994. NIXON, S. Exhibiting masculinity, in: Hall, S. (org.). Repre- sentation: cultural representations and signifying practices. Londres: Sageffhe Open University, 1997. ROBINS, K. Tradition and translation: national cnlture in its global context, in: CORNER, J. & HARVEY, S. (orgs.). Enter- prise and Heritage: crosscurrents of national culture. Londres: Routledge, 1991. ROniNS, K. Global times: what in the world' s going on? ln: DU GAY, P. (org.). Production of Culture/Cultures of Production. Lonch·es: Sage(fhe Open University, 1997. RUTHERFORD, J. (org.). Identity: community, culture, differen- ce. Londres: Lawrence and Wishmt, 1990. ROWBOTHAM, S. Hidden from History: 300 years of women's oppression and the fight against it. Londres: Pinto, 1973. SAID, E. Orientalism. Londres: Random House. SAUSSURE, F de. Course in General Linguistics. Londres: Col- lins, 1978. vVEEKS, J. The Lesser Evil and the Greater Good: the theory and politics of social diversity. Londres: Rivers Oram Press, 1994.

A produção social da identidade e da diferença

Tomaz Tadeu da Silva

As questões do multiculturalismo e da diferença toma-

ram-se, nos últimos anos, centrais na teoria educacional crí- tica e até mesmo nas pedagogias oficiais. Mesmo que trata- das de forma marginal, como "temas transversais", essas questões são reconhecidas, inclusive pelo oficialismo, como

legítimas questões de conhecimento. O que causa estranhe-

za nessas discussões é, entretanto, a ausência de uma teoria da identidade e da diferença. Em geral, o chamado "multiculturalismo" apóia-se em

um vago e benevolente apelo à tolerância e ao respeito para

com a diversidade e a diferença. É particularmente proble-

mática, nessas perspectivas, a idéia de diversidade. Parece difícil que uma perspectiva que se limita a proclamar a

existência da diversidade possa servir de base para uma

pedagogia que coloque no seu centro a crítica política da identidade e da diferença. Na perspectiva da diversidade, a diferença e a identidade tendem a ser naturalizadas, crista- lizadas, essencializadas. São tomadas como dados ou fatos da vida social diante dos quais se deve tomar posição. Em geral, a posição socialmente aceita e pedagogicamente re- comendada é de respeito e tolerância para com a diversida- de e a diferença. Mas será que as questões da identidade e da diferença se esgotam nessa posição liberal? E, sobretudo: essa perspectiva é suficiente para servir de base pm·a uma pedagogia crítica e questionadora? Não deveríamos, antes

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a diferença. Isto reflete a tendência a tomar aquilo que so- mos como sendo a norma pela qual descrevemos ou avalia- mos aquilo que não somos. Por sua vez, na perspectiva que venho tentando desenvolve1; identidade e diferença são vistas como mutuamente determinadas. Numa visão mais radical, entretanto, seria possível dizer que, contrariamente à primeira perspectiva, é a diferença que vem em primeiro lugar. Para isso seria preciso considerar a diferença não simplesmente como resultado de um processo, mas como o

processo mesmo pelo qual tanto a identidade quanto a

diferença (compreendida, aqui, como resultado) são produ- zidas. Na origem estaria a diferença- compreendida, agora,

como ato ou processo de diferenciação. É precisamente essa

noção que está no centro da conceituação lingüística de diferença, como veremos adiante.

Identidade e diferença: criaturas da linguagem

Além de serem interdependentes, identidade e diferen- ça partilham uma importante característica: elas são o resul- tado de atos de criação lingüística. Dizer que são o resultado

de atos de criação significa dizer que não são "elementos"

da natureza, que não são essências, que não são coisas que estejam simplesmente aí, à espera de serem reveladas ou descobertas, respeitadas ou toleradas. A identidade e a diferença têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas do mundo natural ou de um mundo transcenden- tal, mas do mundo cultural e social. Somos nós que as fa- bricamos, no contexto de relações culturais e sociais. A identidade e a diferença são criações sociais e culturais.

Dizer, por sua vez, que identidade e diferença são o

resultado de atos de criação lingüística significa dizer que

elas são criadas por meio de atos de linguagem. Isto parece uma obviedade. Mas como tendemos a tomá-las como da- das, como "fatos da vida'', com fi·eqüência esquecemos que

a identidade e a diferença têm que ser nomeadas. É apenas

por meio de atos de fala que instituímos a identidade e a diferença como tais. A definição da identidade brasileira, por exemplo, é o resultado da criação de variados e comple- xos atos lingüísticos que a definem como sendo diferente de outras identidades nacionais. Como ato lingüístico, a identidade e a diferença estão sujeitas a certas propriedades que caracterizam a linguagem em geral. Por exemplo, segundo o lingüista suíço Ferdinand de Saussure, a linguagem é, fundamentalmente, um sistema de diferenças. Nós já havíamos encontrado esta idéia quan- do falamos da identidade e da diferença como elementos que só têm sentido no interior de uma cadeia de diferencia- ção lingüística ("ser isto" significa "não ser isto" e "não ser aquilo" e "não ser mais aquilo" e assim por diante). De acordo com Saussure, os elementos- os signos- que constituem uma língua não têm qualquer valor absoluto, não fazem sentido se considerados isoladamente. Se considera- mos apenas o aspecto material de um signo, seu aspecto gráfico ou fonético (o sinal gráfico "vaca", por exemplo, ou seu equivalente fonético), não há nele nada intrínseco que remeta àquela coisa que reconhecemos como sendo uma vaca- ele poderia, de fmma igualmente arbitrária, remeter a um outro objeto como, por exemplo, uma faca. Ele só adquire valor- ou sentido- numa cadeia infinita de outras marcas gráficas ou fonéticas que são diferentes dele. O mesmo ocorre se consideramos o significado que constitui um determinado signo, isto é, se consideramos seu aspecto conceituai. O conceito de "vaca'' só faz sentido numa cadeia infinita de conceitos que não são "vaca''. Tal como ocorre com o conceito "sou brasileiro", a palavra "vaca'' é apenas uma maneira conveniente e abreviada de dizer "isto não é porco,, ~<não é árvore", "não é casa" e assin1 por diante. Em outras palavras, a língua não passa de um sistema de dife-

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renças. Reencontramos, aqui, em contraste com a idéia de diferença como produto, a noção de diferença como a ope- ração ou o processo básico de funcionamento da língua e, por extensão, de instituições culturais e sociais como a iden- tidade, por exemplo.

Mas a linguagem vacila ...

A identidade e a diferença não podem ser compreendi- das, pois, fora dos sistemas de significação nos quais adqui- rem sentido. Não são seres da nah1reza, mas da cultura e dos sistemas simbólicos que a compõem. Dizer isso não significa, entretanto, dizer que elas são determinadas, de uma vez por todas, pelos sistemas discursivas e simbóli- cos que lhes dão definição. Ocorre que a linguagem, entendida aqui de forma mais geral como sistema de

significação, é, ela própria, uma estrutura instável. É pre-

cisamente isso que teóricos pós-estruturalistas como Jac- ques Derrida vêm tentando dizer nos últimos anos. A lin- guagem vacila. Ou, nas palavras do lingüista Edward Sapir

(1921), "todas as gramáticas vazam".

Essa indeterminação fatal da linguagem decorre de uma característica fundamental do signo. O signo é um sinal, uma marca, um traço que está no lugar de uma outra coisa, a qual pode ser um objeto concreto (o objeto "gato"), um conceito ligado a um objeto concreto (o conceito de "gato") ou um conceito abstrato ("amor"). O signo não coincide com a coisa ou o conceito. Na linguagem filosófica de Derrida, poderíamos dizer que o signo não é uma presença, ou seja, a coisa ou o conceito não estão presentes no signo.

Mas a natureza da linguagem é tal que não podemos deixar de ter a ilusão de ver o signo como uma presença, isto é, de ver ':o signo a presença do referente (a "coisa") ou do conceito. E a isso que Derrida chama de "metafísica da pre-

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sença''. Essa "ilusão" é necessária para que o signo funcione como tal: afinal, o signo está no lugar de alguma outra coisa. Embora nunca plenamente realizada, a promessa da pre- sença é parte integrante da idéia de signo. Em outras palavras, podemos dize1; com Derrida, que a plena presença (da "coisa'', do conceito) no signo é indefinidamente adiada.

É também a impossibilidade dessa presença que obriga o

signo a depender de um processo de diferenciação, de diferença, como vimos anteriormente. Derrida acrescenta a isso, entretanto, a idéia de traço: o signo carrega sempre não apenas o traço daquilo que ele substitui, mas também o traço daquilo que ele não é, ou seja, precisamente da diferença. Isso significa que nenhum signo pode ser sim- plesmente reduzido a si mesmo, ou seja, à identidade. Se quisermos retomar o exemplo da identidade e da diferença cultural, a declaração de identidade "sou brasileiro", ou seja, a identidade brasileira, carrega, contém em si mesma, o traço do outro, da diferença- "não sou italiano", "não sou chinês" etc. A mesmidade (ou a identidade) porta sempre o traço da ouh·idade (ou da diferença). O exemplo da consulta ao dicionário talvez ajude a compreender melhor as questões da presença e da diferença em Derrida. Quando consultamos uma palavra no dicioná- lio, o dicionário nos fornece uma definição ou um sinônimo daquela palavra. Em nenhum dos casos, o dicionário nos apresenta a "coisa'' mesma ou o "conceito" mesmo. A defi- nição do dicionário simplesmente nos remete para outras palavras, ou seja, para outros signos. A presença da "coisa'' mesma ou do conceito "mesmo" é indefinidamente adiada: ela só existe como traço de uma presença que nunca se concretiza. Além disso, na impossibilidade da presença, um determinado signo só é o que é porque ele não é um outro, nem aquele outro etc., ou seja, sua existência é marcada unicamente pela diferença que sobrevive em cada signo como h·aço, como fantasma e assombração, se podemos assim

tivos"; "racionais e inacionais"); normalizar ("nós somos no1111ais; eles são anormais"). A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de incluir e de excluir. Como vimos, dizer "o que somos" significa também dizer "o que não somos". A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluí- do. Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, sig- nifica fazer distinções entre o que fica dentro e o que fica fora/A identidade está sempre ligada a uma forte separação ·- erfb·e "nós" e "eles". Essa demarcação de fi·onteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de poder. "Nós" e "eles" não são, neste caso, simples distinções gramaticais. Os pronomes "nós" e "eles" não são, aqui, simples categorias gramaticais, mas evidentes indicadores de posições-de-sujeito fortemente marcadas por relações de poder. Dividir o mundo social entre "nós" e "eles" significa classificar. O processo de classificação é central na vida social. Ele pode ser entendido como um ato de significação pelo qual dividimos e ordenamos o mundo social em grupos, em classes. A identidade e a diferença estão estreitamente relacionadas às formas pelas quais a sociedade produz e utiliza classificações. As classificações são sempre feitas a partir elo ponto ele vista da identidade. Isto é, as classes nas quais o mundo social é dividido não são simples agrupamen- tos simétricos. Dividir e classificar significa, neste caso, também hierarquizar. Deter o privilégio ele classificar sig- nifica também deter o privilégio ele atribuir diferentes va- lores aos grupos assim classificados. A mais importante fonna ele classificação é aquela que ' se estrutura em torno ele oposições binárias, isto é, em torno ele duas classes polarizadas. O filósofo francês Jacques Der-

rida analisou detalhadamente esse processo. Para ele, as oposições binárias não expressam uma simples divisão elo mundo em duas classes simétricas: em uma oposição binária, um elos termos é sempre privilegiado, recebendo um valor positivo, enquanto o outro recebe uma carga negativa. "Nós" e "eles", por exemplo, constitui uma típica oposição binária: não é preciso dizer qual te~mo é, aqui, privilegiado. As relações ele iclenticlacle e diferença ordenam-se, todas, em torno ele oposições binárias: mas- culino/feminino, branco/negro, heterossexual/homosse- xual. Questionar a iclenticlacle e a diferença como relações ele poder significa problematizar os binarismos em torno elos quais elas se organizam. Fixar uma determinada iclenticlacle como a norma é uma elas formas privilegiadas ele hierarquização elas iclenticlaclcs e elas diferenças. A nmmalização é um elos processos niais sutis pelos quais o poder se manifesta no campo ela iclenti- clacle e ela diferença. Normalizar significa eleger- arbitra- riamente- uma iclenticlacle.específica como o parâmetro em relação ao qual as outras iclenticlacles são avaliadas e hierar- quizadas. Normalízar significa atribuir a essa iclenticlacle to-elas as características positivas possíveis, em relação às quais as outras iclenticlacles só podem ser avaliadas ele forma negativa. A iclenticlacle normal é "natural"', desejável, única. A força ela iclenticlacle normal é tal que ela nem sequer é

vista como uma iclenticlacle, mas simplesmente como a iclen-

ticlacle. Paradoxalmente, são as outras iclenticlacles que são marcadas como tais. Numa sociedade em que impera a su- premacia branca, por exemplo, "ser branco" não é conside- rado uma iclenticlacle étnica ou racial. Num mundo gover- nado pela hegemonia cultural estacluniclense, "étnica" é a

música ou a comida elos outros países. É a sexualidade

homossexual que é "sexualizada", não a heterossexual. A

força h omogeneizaclora ela iclenticlacle nonnalé.diretameílte·-- proporcional à sua invisibiliclacle.

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Na medida em que é uma operação de diferenciação, de produção de diferença, o anormal é inteiramente constihl- tivo do normal. Assim como a definição da identidade de- pende da diferença, a definição do normal depende da de- finição do anormal. Aquilo que é deixado de fora é sempre parte da definição e da constituição do "dentro". A definição daquilo que é considerado aceitável, desejável, natural é inteiramente dependente da definição daquilo que é consi- derado abjeto, rejeitável, antinatural. A identidade hegemó- nica é permanentemente assombrada pelo seu Outro, sem cuja existência ela não faria sentido. Como sabemos desde o início, a diferença é parte ativa da formação da identidade.

Fixando a identidade

O processo de produção da identidade oscila entre dois movimentos: de um lado, estão aqueles processos que ten- dem a fixar e a estabilizar a identidade; de outro, os procesc __ ·sos que tendem a subvertê-la e a desestabilizá-I~. É um processo semelhante ao que ocone com os mecanismos discursivos e lingüísticos nos quais se sustenta a produção da identidade. Tal como a linguagem, a tendência da iden- tidade é para a fixação. Entretanto, tal como ocone com a linguagem, a identidade está sempre escapando. A fixação é uma tendência e, ao mesmo tempo, uma impossibilidade. A teoria cultural e social pós-estruturalista tem percor- rido os diversos territórios da identidade para tentar descre- ver tanto os processos que tentam fixá-la quanto aqueles que impedem sua fixação. Tem sido analisadas, assim, as identi- dades nacionais, as identidades de gênero, as identidades sexuais, as identidades raciais e étnicas. Embora estejam em fimcionamento, nessas diversas dimensões da identidade cultural e social, ambos os tipos de processos, eles obede- cem a dinâmicas diferentes. Assim, por exemplo, enquanto o recurso à biologia é evidente na dinâmica da identidade

de gênero (quando se justifica a dominação masculina por meio de argumentos biológicos, por exemplo), ele é menos utilizado nas tentativas de estabelecimento das identidades nacionais, onde são mais comuns essencialismos culturais. .. No caso das identidades nacionais, é extremamente co- mum, por exemplo, o apelo a mitos fundadores. Aside~Ú dades nacionais nmcionam, em grande parte, j)óí' meio daquilo que Benedith Anderson chamou de ··comunidades imaginadas". Na medida em que não existe nenhuma ··co- lllll_nid:.Jde natural" em tomo da qualse possam reunir as pessoas que constituem um determinado agrupamento na-

cional, ela precisa ser inventada, imaginada. É necessário

criar laços imaginários que permitam "ligar" pessoas que, sem eles, seriam simplesmente indivíduos isolados, sem nenhum ··sentimento" de terem qualque~ ~üiia em comum: A língua tem sido um dos elementos centrais desse processo - a história da imposição das nações modernas coincide, em grande parte, com a história da imposição de uma língua nacional única e comum. Juntamente com a língua, é central a consh·ução de símbolos nacionais: hinos, bandeiras, brasões. Entre esses símbolos, destacam-se os chamados "mitos fundadores". Fundamentalmente, um mi- to fundador remete a um momento crucial do passado em que algum gesto, algum acontecimento, em geral herói- co, épico, monumental, em geral iniciado ou executado por alguma figura "providencial", inaugurou as bases de urna suposta identidade nacional. Pouco importa se os fatos assim narrados são "verdadeiros" ou não; o que im- porta é que a narrativa fundadora funciona para dar à identidade nacional a liga sentimental e afetiva que lhe garante uma certa estabilidade e fixação, sem as quais ela não teria a mesma e necessária eficácia. Os mitos fundadores que tendem a fixar as identidades nacionais são, assim, um exemplo importante de essencia-

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diáspora forçada dos povos africanos por meio da escraviza- ção, por exemplo, ou podem ser simplesmente metafóricos. "Cruzar fronteiras'', por exemplo, pode significar simples- mente mover-se livremente entre os territórios simbólicos de diferentes identidades. "Cruzar fronteiras" significa não respeitar os sinais que demarcam - "mtificialmente" - os limites entre os tenitó1ios das diferentes identidades. Mas é no movimento literal, concreto, de grupos em movimento, por obrigação ou por opção, ocasionalmente ou constantemente, que a teoria cultural contemporânea vai buscar inspiração para teorizar sobre os processos que ten- dem a desestabilizar e a subverter a tendência da identidade à fixação. Diásporas, como a dos negros ali-icanos escraviza- dos, por exemplo, ao colocar em contato diferentes culturas e ao favorecer processos de miscigenação, colocam em mo- vimento processos de hibridização, sincretismo e criouliza- ção cultural que, forçosamente, transformam, desestabili- zam e deslocam as identidades originais. Da mesma forma, movimentos migratórios emgeral,_com~_cJs que, nas últimas âecadas, por exemplo,-desl~caram granles-cÓntillgenfes populacionais 'das antigas colônlas p;'liaas-antlgas nÍetrópÜ-- les, favorecem processos que afetam tanto as identidades subordinadas quanto as hegemónicas. Fímilmente, é a viagem em geral que é tomada como metáfora do caráter necessatia- mente móvel da identidade. Embora menos h·aumática que a diáspora ou a migração forçada; ã viagem obí1ga quem viaja a , sentir-se "esh·angeiro", posicionando-o, ainda que temporatia- mente, como o "ouh·o". A viagem proporciona a experiência do _ "não sentir-se em casá' que, na perspectiva da teoria cultural contemporânea, cm·acteiiza, na verdade, toda identidade cu!-· tural. Na viagem, podemos experimentar, ainda que de forma limitada, as delícias - e as inseguranças - da instabic !idade eda precariedade da identidade.

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r-Se o movimento - - ' - - -^ entre-- fronteiras coloca----"·---^ em^ evidência a

instabif~i§I~daiC!~n_tidacfe~~é Da§ p~·ó.P-~ias1TilhasJ~&~,;=:-.--

teira, nos limiares, nosinterstícios, que sua prec~~Úxl~de-se --- toma mais visível. Aqui, mais do que a partida ou a chegada, é cruzm· a fronteira, é estar ou permanecer na fronteira, que é oacontecimento crítico. Neste caso, é a teorização cultural contemporânea sobre gênero e sexualidade que ganha cen- tralidade. Ao chamar a atenção para o caráter cultural e construído do gênero e da sexualidade, a teoria feminista e

a. teoria queer contribuem, de forma decisiva, pat·a o ques, _

twnatnento das oposições binárias - masculino/feminino, heterossexual/homossexual- nas quais se baseia o processo de fixação das identidades de gênero e das identidades sexuais. A possibilidade de "cruzar fronteiras" e de "estar na fi·onteirá' de ter uma identidade atnbígua, indefinida, é uma demonsh·a~ çãQ do caráter "attificialmente" imposto das identidades fixas. o "cmzatnento de fronteiras" e ocnlti~opropo~Ít~do de ide~- tidades ambíguas é, enh·etanto, ao mesmo tempo uma podero- sa estratégia política de questionatnento das operações de fixação da identidade. A evidente artificialidade da identi-

c!ade das_p~sso_fls_tr_ayf)stidas_f)_das que se apresentatn como

drag-queens, por exemplo, denunci~menCl's-evidente _

artifiCi'alidade de todas as identidades.. - -- - -

Identidade e diferença: elas têm que ser

representadas

Já sabemos que a identidade e a diferença estão estrei- tamente ligadas a siBtemas de significação. A identidade é um significado ..:. cultural e socialmente atribuído. A teoria

:u~llr~ rec~~essa mesma idéia por meio do

--~to de representaçf(Q,_'f1!ra a teoria cultural contempo- ranea, a identidade e a diferença estão estreitamente asso- ciadas a sisten1a_sde repre_se_ntf(Ção. ~--~ ·-------- ----=----

Q conceito de representação tem uma longa história, o que lhe confere uma--:;:;;.~ltipÜ~idade de significados. Na histó1ia da filosofia ocidental, a idéia de representação está ligada à busca de formas apropriadas de tomar o "real" presen- te - de apreendê-lo o mais fielmente possível por meio de sistemas de significação. Nessa histó1ia, a representação tem-se apresentado em suas duas dimensões- a representação exter- na, por meio de sistemas de signos como a pintura, por exem- plo, ou a própria linguagem; e a representação interna ou mental- a representação do "reaYna ~o;;:;;-~iful.~ia=~-- --- Ó.pó;tl:.;t;;;:;J;~~~~~ch;;;;:~;d~-;;filofia da diferen-

ça'' erguem-se, em parte, como uma reação à idéia clássica

de representação. É precisamente por conceber a lingua-

gem - e, por extensão, todo sistema de significação - corno uma estrutura instável e indeterminada que o pós-es- truturalismo questiona a noção clássica de representação. Isso não impediu, entretanto, que teóricos e teóricas ligados sobretudo aos Estudos Culturais corno, por exemplo, Stuart Hall, "recuperassem' o conceito de representação, desen- volvendo-o em conexão com uma teorização sobre a identi- dade e a diferença. Nesse contexto, a representação é concebida corno um sistema de significação, mas descartam-se os pressupostos realistas e miméticos associados com sua concepção filosó- fica clássica. Trata-se de uma representação pós-estrutura- lista. Isto significa, primeiramente, que se rejeitam, so- bretudo, quaisquer conotações mentalistas ou qualquer as- sociação com uma suposta interioridade psicológica. No

registro pós-estruturalista, a representação é concebida uni-

camente cm sua dimensão de significante, isto é, como sistema de signos, como pura marca material. A repre- sentação expressa-se por meio de uma piútura, de uma fotografia, de um filme, de um texto, de uma expressão oral.

A representação não é, nessa concepção, nunca, repre-

90

sentação mental ou interior. A representação é, aqui, sempre

marca ou traço visível, exterior. Em segundo lugm; na perspectiva pós-estruturalista, o conceito de representação incorpora todas as características de indeterminação, ambigüidade e instabilidade atribuídas

à linguagem. Isto significa questionar quaisquer das preten-

sões miméticas, especulares ou reflexivas atribuídas à re- presentação pela perspectiva clássica. Aqui, a representação não aloja a presença do "real'' ou do significado. A repre-

sentação não é simplesmente um meio transparente de

expressão de algum suposto referente. Em vez disso a representação é, como qualquer sistema de significação,

uma f~rm~ de atribuição de sentido. Como tal, ii repre-

sentaçao e um sistema lingüístico e cultural: arbifra!Cío- indeterminado e estreitamente ligado a relações de poder.'

É aqui que a representação se liga à identidade e à

_diferença. A identidade e a diferença são estreitamente

dependentes da representação. É por meio da repre-

sentação, assim compreendida, que a identidade e a dife-

rença adquirem sentido. É por meio da representação que,

por assim dizc1; a identidade e a diferença passam a existir. Representar significa, neste caso, dizer: "essa é a identida- de", "a identidade é isso".

É também por meio da representação que a identidade

e a diferença se ligam a sistemas de poder. Quem tem o poder de rep1~esentm· tem o poder de definir e determinar a_identidade. E por isso que a representação ocupa um lugar tao central na teorização contemporânea sobre identidade· e nos movimentos sociais ligados à identidade. Questionar a identidade e a diferença significa, nesse contexto, questio- nar os sistemas de representação que lhe dão suporte e ( sustentação. No centro da crítica da identidade e da dife- rença está uma crítica das suas formas de representação. Não é difícil perceber as implicações pedagógicas e curri-

identidade. A eficácia produtiva dos enunciados performa- tivos ligados à identidade depende de sua incessante repe- tição. Em termos da produção da identidade, a ocorrência de uma única sentença desse tipo não teria

nenhum efeito importante. É de sua repetição e, sobre-

tudo, da possibilidade de sua repetição, que vem a força

que um ato lingüístico desse tipo tem no processo de

produção da identidade. É aqui que entra outra noção

semiótica importante, uma noção que foi especialmente ressaltada por Jacques Derrida. Uma característica es- sencial do signo é que ele seja repetível. Isto quer dizer que quando encontro um signo como "vacà', eu devo ser capaz de reconhecê-lo como se referindo, de forma relati- vamente estável, sempre, à mesma coisa, apesar de vadações "acidentais" - diferenças de caligrafia, por exemplo. Se as palavras ou os signos que utilizamos para nos referir às coisas ou aos conceitos tivessem que ser reinventados, a cada vez e por cada indivíduo - isto é, se não fossem re- petíveis- já não seriam signos tais como os concebemos. Derrida (1991) estende essa idéia para a escrita, em particulm~ e, mais geralmente, para a linguagem. Para Der- rida, o que caracteriza a escrita é precisamente o fato ele que, para funcionm· como tal, uma mensagem escrita qual- quer precisa ser reconhecível e legível na ausência de quem a escreveu e, na verdade, até mesmo na ausência de seu suposto destinatário. Mais radicalmente, ela é inde- pendente até mesmo de quaisquer supostas intenções que a pessoa que a escreveu pudesse ter tido no momento em que o fez. Tudo isso é sintetizado na fórmula de que "a escrita é repetível". Segundo Derrida, isso vale para a lin- guagem em geral. Ele chama essa característica, essa repe- tibilidade da escrita e da linguagem, de "citacionalidade". Nesses termos, o que distingue a linguagem (como uma extensão da escrita) é sua citacionalidade: ela pode ser

sempre retirada de um determinado contexto e inserida em um contexto diferente.

É exatamente essa "citacionalidade" da linguagem que

se combina com seu caráter performativo para fazê-la tra- balhar no processo de produção da identidade. Quando utilizo a expressão "negrão" para me referir a um homem negro, não estou simplesmente manifestando uma opinião que tem origem plena e exclusiva em minha intenção, em minha consciência ou minha mente. Ela não é a simples expressão singular e única de minha soberana e livre opi- nião. Em um certo sentido, estou efetuando uma operação de "recorte e colagem". Recorte: retiro a expressão do contexto social mais amplo em que ela foi tantas vezes enunciada. Colagem: insiro-a no novo contexto, no contexto em que ela reaparece sob o disfm-ce de minha exclusiva opinião, como o resultado de minha exclusiva operação

mental. Na verdade, estou apenas "citando". É essa citação

que recoloca em ação o enunciado performativo que reforça o aspecto negativo atribuído à identidade negra de nosso

exemplo. Minha fi·ase é apenas mais uma oconência de uma

citação que tem sua migem em um sistema mais amplo de operações de citação, de performatividade e, finalmente, de definição, produção e reforço da identidade cultural. Segundo Judith Butler (1999), a mesma repetibilidade que garante a eficácia dos atos performativos que reforçam as identidades existentes pode significar também a possibi- lidade da intem.1pção das identidades hegemônicas. A repeti- ção pode ser interrompida. A repetição pode ser questionada

e contestada. É nessa interrupção que residem as possibilida-

des de instauração de identidades que não representem sim-

plesmente a reprodução das relações de poder existentes. É

essa possibilidade de interromper o processo de "recorte e colagem", de efetum· uma parada no processo de "citacionali- dade" que caracteriza os atos performativos que reforçam

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as diferenças instauradas, que torna possível pensar na pro- dução de novas e renovadas identidades.

Pedagogia como diferença

Se prestarmos, pois, atenção à teorização cultural con-

temporãnea sobre identidade e diferença, não poderemos abordar o multiculturalismo em educação simplesmente como uma questão de tolerância e respeito para com a diversidade cultural. Por mais edificantes e desejáveis que possam parecer, esses nobres sentimentos impedem que vejamos a identidade e a diferença como processos de produção social, como processos que envolvem relações de poder. Ver a identidade e a diferença como uma questão de produção significa tratar as relações entre as diferentes culturas não como uma questão de consenso, de diálogo ou comunicação, mas como uma questão que envolve, funda- mentalmente, relações de poder. A identidade e a diferença não são entidades preexistentes, que estão aí desde sempre ou que passaram a estar a ai a partir de algum momento fundador, elas não são elementos passivos da cultura, mas têm que ser constantemente criadas e recriadas. A identi- dade e a diferença têm a ver com a atribuição de sentido ao mundo social e com disputa e luta em torno dessa atribuição. Nessa perspectiva, podemos fazer uma síntese, descre- vendo o que a identidade- tudo isso vale, igualmente, para

a diferença- não é e o que a identidade é.

Primeiramente, a identidade não é uma essência; não é um dado ou um fato - seja da natureza, seja da cultura. A identidade não é fixa, estável, coerente, unificada, perma- nente. A identidade tampouco é homogênea, definitiva, acabada, idêntica, transcendental. Por outro lado, podemos dizer que a identidade é uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo. A

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identidade é instável, contraditória, fi·agmentada, inconsis- tente, inacabada. A identidade está ligada a estruturas dis- cursivas e nan-ativas. A identidade está ligada a sistemas de representação. A identidade tem estreitas conexões com relações de poder. Como tudo isso se traduziria em termos de currículo e pedagogia? O outro cultural é sempre um problema, pois coloca pe1manentemente em xeque nossa própria identida- de. A questão da identidade, da diferença e do outro é um

pro~lema social ao m~smo tempo que é um problema pe-

dagogJco e curricular. E um problema social porque, em um mundo heterogêneo, o encontro com o outro, com o estra-

nho, com o diferente, é inevitável. É um problema pedagó-

giCo e curricular não apenas porque as crianças e os jovens, em uma sociedade atravessada pela diferença, forçosamente interagem com o outro no próprio espaço da escola, mas também porque a questão do outro e da diferença não pode deixar de ser matéria de preocupação pedagógica e curricu- lmc Mesmo quando explicitamente ignorado e reprimido, a volta do outro, do diferente, é inevitável, explodindo em conflitos, confi·ontos, hostilidades e até mesmo violência. O reprimido tende a voltar - reforçado e multiplicado. E (^0)

problema é que esse "outro", numa sociedade em que a

identidade torna-se, cada vez mais, difusa e descentrada, expressa-se por meio de muitas dimensões. O outro é o ou- h·o gênero, o outro é a cor diferente, o outro é a outra sexualidade, o outro é a outra raça, o outro é a outra nacio- nalidade, o outro é o coqJo diferente. Uma primeira estratégia pedagógica possível, que po- deríamos classificar como "liberal", consistiria em estimular e cultivm· os bons sentimentos e a boa vontade para com a chamada "diversidade" cultural. Neste caso, o pressuposto básico é o de que a "naturezà' humana tem uma variedade de formas legítimas de se expressar culturalmente e todas

identidades culturais e que as separam por meio da diferen- ça cultural. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença,

é preciso explicar como ela é ativamente produzida. A

diversidade biológica pode ser um produto da natureza; o mesmo não se pode dizer da diversidade cultural. A diver- sidade cultural não é, nunca, um ponto de origem: ela é, em vez disso, o ponto final de um processo conduzido por operações de diferenciação. Uma política pedagógica e cur- ricular da identidade e da diferença tem a obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença. Ela tem que colocar no seu centro uma teoria que permita não simplesmente reconhecer e celebrar a di- ferença e a identidade, mas questioná-las. Por outro lado, os estudantes e as estudantes deveriam ser estimulados, nessa perspectiva, a explorar as possibili- dades de perturbação, transgressão e subversão das identi- dades existentes. De que modo se pode desestabilizá-las, denunciando seu caráter construído e sua artificialidade? Um currículo e uma pedagogia da diferença deveriam ser capazes de abrir o campo da identidade para as estratégias que tendem a colocar seu congelamento e sua estabilidade em xeque: hibridismo, nomadismo, travestismo, cnizamen- to de fronteiras. Estimulm; em matéria de identidade, o impensado e o arriscado, o inexplorado e o ambígug, em vez do consensual e do assegurado, do conhecido e do assenta- do. Favorecei; enfim, toda experimentação que torne difícil o retorno do eu e do nós ao idêntico. Aproximar - aprendendo, aqui, uma lição da chamada "filosofia da diferença'' - a diferença do múltiplo e não do diverso. Tal como ocorre na aritmética, o múltiplo é sempre um processo, uma operação, uma ação. A diversidade é estática, é um estado, é estéril. A multiplicidade é ativa, é um fluxo, é produtiva. A multiplicidade é uma máquina de produzir diferenças - diferenças que são irredutíveis à identidade. A diversidade limita-se ao existente. A multipli-

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cidade estende e multiplica, prolifera, dissemina. A diversi- dade é um dado- da natureza ou da cultura. A multiplicidade é um movimento. A diversidade reafirma o idêntico. A multi- plicidade estimula a diferença que se recusa a se fundir com o idêntico. Como diz José Luis Pardo: Respeitar a diferença não pode significar "deixar que o outro seja como eu sou" ou «deixar que o outro seja diferente de mim tal como eu sou diferente (do outro)", mas deixar que o outro seja como eu não sou, deixar que ele seja esse outro que não pode ser eu, que eu não posso ser, que não pode ser um (outro) eu; significa deixar que o outro seja diferente, deixar ser uma diferençaquenão seja, em absoluto, diferença enh·e duas identidades, mas diferença da identidade, deixar ser uma outridade que não é outra «relativamente a mim" ou .. relativamente ao mesmo", mas que é absolutamente dife- rente, sem relação alguma com a identidade ou com a mesmidade (Pardo, 1996, p. 154). Essas poderiam ser as linhas gerais de um currículo e uma pedagogia da diferença, de um currículo e de uma pedagogia que representassem algum questionamento não apenas à identidade, mas também ao poder ao qual ela está estreitamente associada, um currículo e uma pedagogia da diferença e da multiplicidade. Em certo sentido, "pedago- gia'' significa precisamente "diferença": educar significa introduzir a cunha da diferença em um mundo que sem ela se limitm·ia a reproduzir o mesmo e o idêntico, um mundo

parado, um mundo morto. É nessa possibilidade de abertura

para um outro mundo que podemos pensar na pedagogia como diferença. Dessa forma, talvez possamos dizer sobre a pedagogia aquilo que Maurice Blanchot (1969, p. 115) disse sobre a fala e a palavra: fazer pedagogia significa "procurar acolher o outro como outro e o estrangeiro como estrangeiro; acolher outrem, pois, em sua irredutível dife- rença, em sua estrangeiridade infinita, uma estrangeiridade tal que apenas uma descontinuidade essencial pode conser- var a afirmação que lhe é própria''.

Referências bibliográficas

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cado. Pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autentica, 1999: 151-172. DERRIDA, Jacques. Limited Inc. Campinas: Papiros, 1991. PARDO, José Luis. El sujeto inevitahle, in: CRUZ, Manuel (org.). Tiempo de subjetividad. Barcelona: Paidós, 1996: 133-154. SAPIR, Edward. Language. Nova York: Harcourt Brace, 1921.

Que

recisa da identidade?

Stuart Hall

Estamos observando, nos últimos anos, uma verdadeira explosão discursiva em tomo do conceito de "identidade". O conceito tem sido submetido, ao mesmo tempo, a uma severa crítica. Como se pode explicar esse paradoxal fenômeno? Onde nos situamos relativamente ao conceito de "identidade"? Está-se efetuando uma completa desconstrução das perspectivas iden- titárias em uma variedade de áreas disciplinares, todas as quais, de uma forma ou outra, criticam a idéia de uma identidade integral, miginária e unificada. Na filosofia tem-se feito, por exemplo, a crítica do sujeito auto-sustentável que está no cenh·o da metafisica ocidental pós-cartesiana. No discurso da crítica feminista e da crítica cultural influenciadas pela psica- nálise têm-se destacado os processos inconscientes de fmma- ção da subjetividade, colocando-se em questão, assim, as concepções racionalistas de sujeito. As perspectivas que temi- zam o pós-modernismo têm celebrado, por sua vez, a existência de um "eu'' inevitavelmente perfoin1ativo. Thm-se delineado, em suma, no contexto da crítica antiessencialista das concep- ções étnicas, raciais e nacionais da identidade cultural e da "política da localização", algumas das concepções teóricas mais imaginativas e radicais sobre a questão da subjetivida- de e da identidade. Onde está, pois, a necessidade de mais uma discussão sobre a "identidade"? Quem precisa dela? Existem duas formas de se responder a essa questão. A primeira consiste em observar a existência de algo que distingue a crítica desconstrutiva à qual muitos destes con-