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I-JUCA-PIRAMA, Slides de Cultura

São todos Timbiras, guerreiros valentes! ... Onde ora se aduna o concílio guerreiro ... Da vida escura, que será mais breve. Do que o festim!

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Roberto_880
Roberto_880 🇧🇷

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MINISTÉRIO DA CULTURA
Fundação Biblioteca Nacional
Departamento Nacional do Livro
I-JUCA-PIRAMA
Gonçalves Dias
I
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d’altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudes, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,
As armas quebrando, lançando-as ao rio,
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos ignavos lá rendem,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.
No centro da taba se estende um terreiro,
Onde ora se aduna o concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam d’outrora,
E os moços inquietos, que a festa enamora,
Derramam-se em torno d’um índio infeliz.
Quem é? — ninguém sabe: seu nome é ignoto,
Sua tribo não diz: — de um povo remoto
Descende por certo — d’um povo gentil;
Assim lá na Grécia ao escravo insulano
Tornavam distinto do vil muçulmano
As linhas corretas do nobre perfil.
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MINISTÉRIO DA CULTURA

Fundação Biblioteca Nacional

Departamento Nacional do Livro

I-JUCA-PIRAMA

Gonçalves Dias

I

No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos — cobertos de flores, Alteiam-se os tetos d’altiva nação; São muitos seus filhos, nos ânimos fortes, Temíveis na guerra, que em densas coortes Assombram das matas a imensa extensão.

São rudes, severos, sedentos de glória, Já prélios incitam, já cantam vitória, Já meigos atendem à voz do cantor: São todos Timbiras, guerreiros valentes! Seu nome lá voa na boca das gentes, Condão de prodígios, de glória e terror!

As tribos vizinhas, sem forças, sem brio, As armas quebrando, lançando-as ao rio, O incenso aspiraram dos seus maracás: Medrosos das guerras que os fortes acendem, Custosos tributos ignavos lá rendem, Aos duros guerreiros sujeitos na paz.

No centro da taba se estende um terreiro, Onde ora se aduna o concílio guerreiro Da tribo senhora, das tribos servis: Os velhos sentados praticam d’outrora, E os moços inquietos, que a festa enamora, Derramam-se em torno d’um índio infeliz.

Quem é? — ninguém sabe: seu nome é ignoto, Sua tribo não diz: — de um povo remoto Descende por certo — d’um povo gentil; Assim lá na Grécia ao escravo insulano Tornavam distinto do vil muçulmano As linhas corretas do nobre perfil.

Por casos de guerra caiu prisioneiro Nas mãos dos Timbiras: — no extenso terreiro Assola-se o teto, que o teve em prisão; Convidam-se as tribos dos seus arredores, Cuidosos se incumbem do vaso das cores, Dos vários aprestos da honrosa função.

Acerva-se a lenha da vasta fogueira, Entesa-se a corda de embira ligeira, Adorna-se a maça com penas gentis: A custo, entre as vagas do povo da aldeia Caminha o Timbira, que a turba rodeia, Garboso nas plumas de vário matiz.

Entanto as mulheres com leda trigança, Afeitas ao rito da bárbara usança, O índio já querem cativo acabar: A coma lhe cortam, os membros lhe tingem, Brilhante enduápe no corpo lhe cingem, Sombreia-lhe a fronte gentil canitar.

II

Em fundos vasos d’alvacenta argila Ferve o cauim; Enchem-se as copas, o prazer começa, Reina o festim.

O prisioneiro, cuja morte anseiam, Sentado está, O prisioneiro, que outro sol no ocaso Jamais verá!

A dura corda, que lhe enlaça o colo, Mostra-lhe o fim Da vida escura, que será mais breve Do que o festim!

Contudo os olhos d’ignóbil pranto Secos estão; Mudos os lábios não descerram queixas Do coração.

Mas um martírio, que encobrir não pode, Em rugas faz A mentirosa placidez do rosto

“Morrerás morte vil da mão de um forte.”

Vem a terreiro o mísero contrário; Do colo à cinta a muçurana desce: “Dize-me quem és, teus feitos canta, “Ou se mais te apraz, defende-te.” Começa O índio, que ao redor derrama os olhos, Com triste voz que os ânimos comove.

IV

Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi: Sou filho das selvas, Nas selvas cresci; Guerreiros, descendo Da tribo Tupi.

Da tribo pujante, Que agora anda errante Por fado inconstante, Guerreiros, nasci: Sou bravo, sou forte, Sou filho do Norte; Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi.

Já vi cruas brigas, De tribos imigas, E as duras fadigas Da guerra provei; Nas ondas mendaces Senti pelas faces Os silvos fugaces Dos ventos que amei.

Andei longes terras, Lidei cruas guerras, Vaguei pelas serras Dos vis Aimorés; Vi lutas de bravos, Vi fortes — escravos! De estranhos ignavos Calcados aos pés.

E os campos talados,

E os arcos quebrados, E os piagas coitados Sem seus maracás; E os meigos cantores, Servindo a senhores, Que vinham traidores, Com mostras de paz.

Aos golpes do imigo Meu último amigo, Sem lar, sem abrigo Caiu junto a mi! Com plácido rosto, Sereno e composto, O acerbo desgosto Comigo sofri.

Meu pai a meu lado Já cego e quebrado, De penas ralado, Firmava-se em mi: Nós ambos, mesquinhos, Por ínvios caminhos, Cobertos d’espinhos Chegamos aqui!

O velho no entanto Sofrendo já tanto De fome e quebranto, Só queria morrer! Não mais me contenho, Nas matas me embrenho, Das frechas que tenho Me quero valer.

Então, forasteiro, Caí prisioneiro De um troço guerreiro Com que me encontrei: O cru dessossego Do pai fraco e cego, Enquanto não chego, Qual seja — dizei!

Eu era o seu guia Na noite sombria, A só alegria

Que filho tem, qual chora: és livre; parte! — Acaso tu supões que me acobardo, Que receio morrer! — És livre; parte! — Ora não partirei; quero provar-te Que um filho dos Tupis vive com honra, E com honra maior, se acaso o vencem, Da morte o passo glorioso afronta.

— Mentiste, que um Tupi não chora nunca, E tu choraste!... parte; não queremos Com carne vil enfraquecer os fortes.

Sobresteve o Tupi: — arfando em ondas O rebater do coração se ouvia Precipite. - Do rosto afogueado Gélidas bagas de suor corriam: Talvez que o assaltava um pensamento... Já não... que na enlutada fantasia, Um pesar, um martírio ao mesmo tempo, Do velho pai a moribunda imagem Quase bradar-lhe ouvia: - Ingrato! ingrato! Curvado o colo, taciturno e frio, Espectro d’homem, penetrou no bosque!

VI

— Filho meu, onde estás? — Ao vosso lado; Aqui vos trago provisões: tomai-as, As vossas forças restaurai perdidas, E a caminho, e já! — Tardaste muito! Não era nado o sol, quando partiste, E frouxo o seu calor já sinto agora!

— Sim, demorei-me a divagar sem rumo, Perdi-me nestas matas intrincadas, Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo; Convém partir, e já! — Que novos males Nos resta de sofrer? — que novas dores, No outro fado pior Tupã nos guarda? — As setas da aflição já se esgotaram, Nem para novo golpe espaço intacto Em nossos corpos resta.

— Mas tu tremes! — Talvez do afã da caça... — Oh filho caro! Um quê misterioso aqui me fala, Aqui no coração; piedosa fraude Será por certo, que não mentes nunca! Não conheces temor, e agora temes? Vejo e sei: é Tupã que nos aflige, E contra o seu querer não valem brios. Partamos!... — E com mão trêmula, incerta Procura o filho, tateando as trevas Da sua noite lúgubre e medonha. Sentindo o acre odor das frescas tintas, Uma idéia fatal correu-lhe à mente... Do filho os membros gélidos apalpa, E a dolorosa maciez das plumas Conhece estremecendo: — foge, volta, Encontra sob as mãos o duro crânio, Despido então do natural ornato!... Recua aflito e pávido, cobrindo Às mãos ambas os olhos fulminados, Como que teme ainda o triste velho De ver, não mais cruel, porém mais clara, Daquele exício grande a imagem viva Ante os olhos do corpo afigurada.

Não era que a verdade conhecesse Inteira e tão cruel qual tinha sido; Mas que funesto azar correra o filho, Ele o via; ele o tinha ali presente; E era de repetir-se a cada instante. A dor passada, a previsão futura E o presente tão negro, ali os tinha; Ali no coração se concentrava, Era num ponto só, mas era a morte!

— Tu prisioneiro, tu? — Vós o dissestes. — Dos índios? — Sim. — De que nação? — Timbiras. — E a muçurana funeral rompeste, Dos falsos manitôs quebraste a maça... — Nada fiz... aqui estou. — Nada! —

Tomando a vez de meu filho, De haver-me por pai se ufane!”

Mas o chefe dos Timbiras, Os sobrolhos encrespando, Ao velho Tupi guerreiro Responde com torvo acento:

— Nada farei do que dizes: É teu filho imbele e fraco! Aviltaria o triunfo Da mais guerreira das tribos Derramar seu ignóbil sangue: Ele chorou de cobarde; Nós outros, fortes Timbiras, Só de heróis fazemos pasto. —

Do velho Tupi guerreiro A surda voz na garganta Faz ouvir uns sons confusos, Como os rugidos de um tigre, Que pouco a pouco se assanha!

VIII

“Tu choraste em presença da morte? Na presença de estranhos choraste? Não descende o cobarde do forte; Pois choraste, meu filho não és! Possas tu, descendente maldito De uma tribo de nobres guerreiros, Implorando cruéis forasteiros, Seres presa de vis Aimorés.

“Possas tu, isolado na terra, Sem arrimo e sem pátria vagando, Rejeitado da morte na guerra, Rejeitado dos homens na paz, Ser das gentes o espectro execrado; Não encontres amor nas mulheres, Teus amigos, se amigos tiveres, Tenham alma inconstante e falaz!

“Não encontres doçura no dia, Nem as cores da aurora te ameiguem, E entre as larvas da noite sombria

Nunca possas descanso gozar: Não encontres um tronco, uma pedra, Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos, Padecendo os maiores tormentos, Onde possas a fronte pousar.

“Que a teus passos a relva se torre; Murchem prados, a flor desfaleça, E o regato que límpido corre, Mais te acenda o vesano furor; Suas águas depressa se tornem, Ao contacto dos lábios sedentos, Lago impuro de vermes nojentos, Donde fujas como asco e terror!

“Sempre o céu, como um teto incendido, Creste e punja teus membros malditos E o oceano de pó denegrido Seja a terra ao ignavo tupi! Miserável, faminto, sedento, Manitôs lhe não falem nos sonhos, E do horror os espectros medonhos Traga sempre o cobarde após si.

“Um amigo não tenhas piedoso Que o teu corpo na terra embalsame, Pondo em vaso d’argila cuidoso Arco e frecha e tacape a teus pés! Sê maldito, e sozinho na terra; Pois que a tanta vileza chegaste, Que em presença da morte choraste, Tu, cobarde, meu filho não és.”

IX

Isto dizendo, o miserando velho A quem Tupã tamanha dor, tal fado Já nos confins da vida reservara, Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias Da sua noite escura as densas trevas Palpando. — Alarma! alarma! — O velho pára! O grito que escutou é voz do filho, Voz de guerra que ouviu já tantas vezes Noutra quadra melhor. — Alarma! alarma! — Esse momento só vale apagar-lhe Os tão compridos trances, as angústias,

Seu canto de morte, que nunca esqueci: Valente, como era, chorou sem ter pejo; Parece que o vejo, Que o tenho nest’hora diante de mi.

“Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo! Pois não, era um bravo; Valente e brioso, como ele, não vi! E à fé que vos digo: parece-me encanto Que quem chorou tanto, Tivesse a coragem que tinha o Tupi!”

Assim o Timbira, coberto de glória, Guardava a memória Do moço guerreiro, do velho Tupi. E à noite nas tabas, se alguém duvidava Do que ele contava, Tornava prudente: “Meninos, eu vi!”