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Guias e Dicas
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O Ontológico e o Individual na Lei: Estudo do 'Pater Familias' no Direito Romano, Notas de aula de Direito

Este documento discute a possibilidade de utilizar uma tese ontológica sobre o indivíduo na lei, com um particular foco no termo 'pater familias' na literatura clássica. O texto explora as diferenças entre a compreensão moderna do termo, derivada do direito romano, e sua utilização antiga. Além disso, analisa a importância da figura do 'pater familias' na literatura republicana e sua relação com padrões de responsabilidade e estereótipos relacionados ao comportamento econômico e à gestão de casa. O documento também aborda a teoria do homem médio em contextos matemáticos e econômicos, e a relação entre raciocínio jurídico e racionalidade jurídica.

O que você vai aprender

  • Como as teorias matemáticas e econômicas influenciam a compreensão do homem médio?
  • Qual é a origem e o significado original do termo 'pater familias' na literatura clássica?
  • Como a compreensão moderna do termo 'pater familias' difere da utilização antiga?
  • Qual é a importância da figura do 'pater familias' na literatura republicana?
  • Como a racionalidade jurídica se relaciona com o raciocínio jurídico?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Neilson89
Neilson89 🇧🇷

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GUILHERME FREDERICO GAZINEU RAFARE
HOMO JURIDICUS: TEORIZAÇÃO SOBRE O CONCEITO DE
INDIVÍDUO NO ÂMBITO DO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO.
Dissertação apresentada como
requisito parcial para a obtenção do
grau de Mestre em Direito, perante
o Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo,
Departamento de Filosofia e Teoria
Geral do Direito.
Professor Orientador: Doutor Celso
Fernandes Campilongo
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
SÃO PAULO
2010
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GUILHERME FREDERICO GAZINEU RAFARE

HOMO JURIDICUS: TEORIZAÇÃO SOBRE O CONCEITO DE

INDIVÍDUO NO ÂMBITO DO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO.

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, perante o Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito.

Professor Orientador: Doutor Celso Fernandes Campilongo

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

SÃO PAULO

2010

GUILHERME FREDERICO GAZINEU RAFARE

HOMO JURIDICUS: TEORIZAÇÃO SOBRE O CONCEITO DE

INDIVÍDUO NO ÂMBITO DO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO.

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, perante o Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito.

Professor Orientador: Doutor Celso Fernandes Campilongo

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

SÃO PAULO

2010

AGRADECIMENTOS

A idéia de desenvolver um trabalho envolvendo Direito e Economia surgiu no início da década de 90. Havia terminado de concluir a faculdade de Economia e ingressado na pós-graduação, ocasião em que fui aluno do Prof. Ubirantan Iório Jorge de Souza, o “Bira”.

Foi por intermédio do Bira que conheci no Instituto Liberal do Rio de Janeiro o Prof. Og Francisco Leme, um dos maiores pensadores brasileiros, e de quem tive a honra e privilégio de ser amigo e de conviver por onze anos. Com ele estudei Economia e Filosofia.

Semanalmente discutíamos por horas a fio, desde as obras clássicas até as mais modernas, às vezes em sua sala no IL, outras em sua casa, em restaurantes, enfim, em qualquer local que pudéssemos conversar. Provavelmente aqueles que sentavam ao nosso lado, inclusive sua esposa, Maria do Carmo, deveriam achar no mínimo curiosa a nossa conversa.

Roberto Campos, João Paulo dos Reis Velloso, Arthur B. Laffer e Alberto Oliva foram apenas alguns dos intelectuais brasileiros e estrangeiros que conheci e dialoguei na presença e olhar atento do Og. Para um jovem, recém-formado em Economia, no auge dos seus vinte e (muito) poucos anos, poucas experiências poderiam ser tão gratificantes.

Se não fosse por ele muito provavelmente eu teria embarcado para o Japão com o objetivo de cursar outra pós-graduação, desta vez em Economia. Na época tinha sido recomendado para a bolsa do Governo Japonês pelo Mario Henrique Simonsen e por alguns outros professores, mas o Og sempre dizia: “se você quiser estudar Economia, precisa ir para Universidade de Chicago”. Não precisou de muito esforço para que eu mudasse de idéia e desistisse da minha intenção inicial. Todavia, sem desistir de concretizá-la, o que pretendo no futuro.

Com seu incentivo, por volta do ano 2000 comecei a escrever um livro sobre a história do mercado financeiro brasileiro em co-autoria com Cláudio Haddad. Infelizmente o projeto foi abandonado alguns meses depois por falta de tempo. Mea culpa. Estava numa encruzilhada, onde deveria escolher entre abandonar a minha carreira profissional ou optar pela vida acadêmica. Mas a segurança é sempre um fator relevante quando se tem filhos, e o meu segundo estava a caminho.

Foram onze anos de convivência, diálogo e aprendizado. Arrependo-me de poucas coisas na vida, uma delas é de não ter estado presente na cerimônia de seu falecimento, em 6 de janeiro de 2004, aos 81 anos de vida.

Paralelamente, em 1999, quase quatro anos depois de ter desembarcado em São Paulo, fui apresentado aos professores Carlos Alberto de Bragança Pereira (“Carlinhos”) e Júlio Michael Stern (“Julinho”), ambos do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo. Na ocasião eu tinha acabado de deixar meu cargo de Diretor de um grande banco estrangeiro e alçado vôo próprio.

Em pouco tempo Carlinhos e Julinho se tornaram meus amigos e professores. Meu espírito inquieto, aguerrido, briguento e teimoso foi aos poucos sendo domado (mas não tanto!) por eles.

Aprendi muito com eles, não apenas um pouquinho de Ciência, afinal os dois são consagrados professores, mas também a ter paciência e agir com parcimônia. Sou muito grato pelas discussões, broncas, e, sobretudo, pela amizade sincera e presença constante de vocês ao longo de quase dez anos de convivência.

Há muito tempo já flertava com o Direito. Meu interesse surgiu quando ganhei do Og o meu primeiro livro sobre o assunto, chamado Origins of the Common Law , de autoria de Arthr R. Hogue, um dos amigos dele da época em que cursou a Universidade de Chicago, juntamente com Milton Friedman e Frank Knight.

Naquela época, ele sempre mencionava sobre a possibilidade de cursar em conjunto o PhD em Economia como aluno do programa administrado pelo Committee on Social Tought , em especial como student at large. Porém, ao contrário de meu mentor, eu achava que precisava aprender o Direito de forma sistematizada, mesmo sob pena de adquirir os vícios de um ensino formal de um curso de graduação.

Reconheço que não foi fácil. Longe disto. Aprender em tão pouco tempo o conteúdo necessário para desfrutar do conhecimento de meus mestres nas disciplinas cursadas não teria sido possível sem muito empenho e noites em claro.

Isso só foi possível pela boa-vontade, sempre presente, disposição de ajudar, e de discutir (mesmo ouvindo as maiores besteiras!). Celso: sou muito grato pelo seu apoio, paciência, presença constante e, sobretudo, por ter apostado em mim. Espero não ter frustrado suas expectativas.

Ao longo do Mestrado tive a oportunidade de cursar diversas disciplinas, na sua grande maioria na Faculdade de Economia, Administração, e Contabilidade e na Faculdade de Direito, ambas da Universidade de São Paulo.

A primeira disciplina na qual me inscrevi na Faculdade de Direito - Metodologia de História do Pensamento Jurídico - contou com uma turma pequena, de apenas dez alunos. Foi o meu batismo de fogo. Ainda sob o comando do mesmo professor, cursei outra disciplina, com conteúdo igualmente instigante. Há muito tempo não estudava tanto, com tanto interesse, e participava de discussões tão interessantes.

Nessas duas oportunidades interagi com aquele que, juntamente com o Celso, foi responsável por grande parte da minha formação intelectual no Direito. Foram horas de aula, um número maior ainda de horas estudando, discussões e sugestões de leitura e a oportunidade de participar de debates com outros professores, seus amigos. O Prof. José Reinaldo Lima Lopes.

As disciplinas que cursei na FEA também foram proveitosas e intrigantes. O Prof. Ricardo Abramovay me fez refletir muito sobre minha formação prévia e a influência que tive resultante de meus estudos de autores pertencentes à Escola Austríaca.

A Prof. Ana Maria Bianchi me cativou com os seus conhecimentos em metodologia econômica e história do pensamento econômico, clareza na exposição de idéias, franqueza e habilidade em conduzir discussões.

Devo bastante à Bianchi e ao Abramovay, mas, certamente, aquele que mais influenciou minha pesquisa em Economia e Filosofia Política foi o Prof. José Raymundo Novaes Chiappin, meu professor na disciplina Economia e Direito.

Discutir Bentham, Descartes, Hobbes, Jevons e Walras, dentre outros autores clássicos, pela óptica da Análise Econômica do Direito, e conduzido por um professor com formação em Física, Filosofia e Economia, foi de grande valia para os meus estudos.

Sem os ensinamentos do Chiappin e os estudos prévios feitos nas disciplinas do José Reinaldo eu não teria encontrado o fio condutor de meu trabalho. É bem verdade que ao Celso coube o papel mais difícil: a orientação necessária para dar coerência às idéias, com sugestões de leitura e diversas discussões.

Não posso deixar de mencionar um professor que se dedica a discutir as influências da sociedade moderna e da Economia no Direito. Apesar de ter lido algumas de suas obras, somente tive a oportunidade de conhecê-lo no final do segundo ano do curso de pós-graduação, quando cursei a disciplina Metodologia do Ensino Jurídico.

O dinamismo, vitalidade, conhecimento, clareza de idéias e franqueza do Prof. José Eduardo Campos de Oliveira Faria são dignos de nota. A ele faço um especial agradecimento.

Quanto às demais disciplinas, até mesmo aquelas que de alguma forma corresponderam às minhas expectativas, todas, sem exceção, contribuíram para a minha formação e estudo, pois sempre é possível encontrar em algum texto uma idéia, argumento ou referência que pode ser aproveitado.

Os meus professores na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo também desempenharam um papel imprescindível. Cursar em paralelo a graduação e a pós-graduação não é fácil e poderia ter sido ainda mais difícil. Sem suas exceções, tolerância, apoio e condescendência eu não teria conseguido freqüentar as aulas, encontrar tempo para estudar e fazer trabalhos e seminários.

Gilson Delgado Miranda, Luiz Antônio Castro de Miranda, Luiz Guilherme A. Conci, Mairan Gonçalves Maia Jr., Maurício Sheinman, Renato Rua de

RESUMO

Este trabalho objetiva a discussão acerca da possibilidade de se utilizar uma tese ontológica sobre o indivíduo no âmbito do Direito. Em primeiro lugar, é feita uma análise histórica de alguns dos conceitos e termos utilizados corriqueiramente pelo Direito e a presença de incerteza terminológica. No Capítulo 2, discute-se a necessidade de uma tese ontológica de indivíduo e a separação entre raciocínio e racionalidade. O Capítulo 3 é dedicado à análise do arcabouço teórico necessário à compreensão do lugar do Homo juridicus e do Homo oeconomicus. Para este propósito, escolheu-se a teoria dos Três Mundos, de Karl Popper.

ABSTRACT

This work aims the discussion about the possibility of using an ontological thesis about the individual in the Law. First, a historical analysis of some of the concepts and terms ordinarily used by the Law along with the presence of terminological uncertainty is made. Chapter 2 discusses the need for an ontological thesis about the individual and the separation between reasoning and rationality. Chapter 3 is dedicated to the analysis of the theoretical background needed to understand the place of Homo juridicus and Homo oeconomicus. For that, Karl Popper’s theory of the Three Worlds was chosen.

  • INTRODUÇÃO…............................................................................................................ Conteúdo
  • oikodespótes ao pater familias, até os dias atuais. CAPÍTULO 1: Uma tentativa de reconstrução histórica dos conceitos: do
  • 1.1. Possíveis motivos na demora.........................................................................
  • 1.2. A (re)introdução do oikodespótes
  • 1.3. Do oikodespótes para o pater familias
  • 1.4. Sobre o ( bonus ) pater familias propriamente dito.......................................
  • 1.5. A importância da religião doméstica e a origem do Direito Privado.
  • 1.6. O pater familias no Direito Pátrio.
    • Pátrio? 1.7. A incerteza terminológica: como se chama o pater familias no Direito
  • 1.8. O Homo oeconomicus historicamente considerado.....................................
  • a sua necessidade. CAPÍTULO 2: A ausência de um modelo de indivíduo na metodologia jurídica e
  • 2.1. Homo juridicus : algumas tentativas incompletas.
  • 2.1.1. As posições de Del Vecchio e de Supiot.
  • 2.1.2. Homo juridicus e Homo oeconomicus como entidades comunicativas........
  • 2.2. A necessidade de um modelo de indivíduo.
  • 2.3. A pessoa como destinatária do direito posto.
    • plano abstrato............................................................................................... 2.4. Raciocínio jurídico versus racionalidade jurídica: plano concreto versus
  • 2.5. Os diferentes tipos de racionalidade jurídica...............................................
  • 2.6. Os diferentes tipos de decisão......................................................................
  • CAPÍTULO 3: A teoria de Karl Popper como explicação e demarcação.
  • 3.1. Uma ontologia do indivíduo.
  • 3.2. O que seria um tipo-ideal?.........................................................................
  • 3.3. O individualismo metodológico: o tipo-ideal individualizado.
  • 3.4. A Lógica Situacional: o autismo acaba aqui..............................................
  • 3.5. O egoísmo ético: o homem deveria ser egoísta, mas não é.
  • 3.6. Racional, nem que seja de “mentirinha”....................................................
  • 3.7. A Teoria dos Três Mundos.
  • Conclusão …………………………………………………………………………….
  • Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

Uma breve revisão das obras de metodologia jurídica é suficiente para constatar a inexistência de menção sobre um modelo de indivíduo para o Direito.

Apesar disso, ocupa-se a doutrina jurídica em teorizar sobre a decisão judicial, empregando grande esforço para discutir a racionalidade atribuível ao Julgador^1

Procura-se, com o presente trabalho, endereçar estas situações e desenvolvê-las, para concluir com a proposta de utilização do Homo oeconomicus como tese ontológica de indivíduo para o Direito, pelo menos enquanto outra não tome o seu lugar.

de carne e osso, e a realização do Direito, enquanto o legislador edita normas para regular a vida em sociedade.

Parte-se da hipótese de que a doutrina jurídica não se ocupa em elaborar qual seria a tese ontológica de indivíduo, a qual nortearia o Direito, quer pela formulação de teorias, quer pela criação de normas jurídicas no seu sentido mais amplo.

É de se estranhar o fato de que, sendo o Direito uma Ciência Humana, tal como o é a Economia, ao contrário desta última, este não possua um modelo de indivíduo que possa ser utilizado como referência na formulação de enunciados.

Enunciados estes que serviriam para o desenvolvimento de teorias e, com isso, desenvolver ainda mais o Direito. Reconhece-se, porém, a proposta da Teoria dos Sistemas e a possibilidade de se teorizar sobre a função do Direito colocando o ser humano em segundo plano, o que, de certa forma, conflitaria com o aqui proposto.

Tendo em consideração este vazio deixado pela Teoria do Direito mais tradicional, a proposta da presente pesquisa envolve investigar quais seriam os modelos de indivíduo que podem ser tradicionalmente encontrados para o Direito, de modo a

(^1) Para o propósito do presente trabalho, integram o conceito de Julgador os magistrados, árbitros, órgãos colegiados com poder judicante e todos os demais que exerçam a função judicante pelo Estado ou em seu lugar. Mesmo quando for representado por uma coletividade, será sempre um conjunto de indivíduos que pode ser reduzido a sua singularidade. Logo, o Julgador será sempre um indivíduo.

Da mesma forma, são apresentadas algumas das características necessárias à tese ontológica de indivíduo para o Direito e uma forma possível para se flexibilizar o autismo característico do Homo oeconomicus. Neste sentido, utiliza-se a Lógica Situacional, outra teoria de Popper.

Em seguida, é apresentada a conclusão e, por último, a bibliografia.

CAPÍTULO 1: UMA TENTATIVA DE RECONSTRUÇÃO

HISTÓRICA DOS CONCEITOS: DO OIKODESPÓTES AO PATER

FAMILIAS, ATÉ OS DIAS ATUAIS.

O presente trabalho começa pela tentativa de reconstrução histórica de um dos conceitos mais enraizados no Direito de tradição romano-germânica – o (bonus ) pater familias – e também com uma afirmação: o Direito não possui um modelo^2

A dificuldade que se encontrou nesta reconstrução se deve ao caráter essencialmente argumentativo do Direito, o que prejudica a determinação do conteúdo de certos conceitos, não apenas deste que se busca reconstruir.

de indivíduo em seu centro.

Para supri-la, buscou-se primeiramente entender a sua evolução histórica para, posteriormente, seguir o mesmo caminho trilhado pela Economia até o surgimento do Homo oeconomicus.

Durante a tarefa de reconstrução, identificou-se a proximidade entre o pater familias e o Homo oeconomicus por conta de uma raiz comum: o oikodespótes.

Neste sentido, aproveitar-se-á da semelhança entre o pater familias e o oikodespótes , e da semelhança entre estes e o medieval “L’Economo prudente”. Além desta semelhança, far-se-á uso da afirmação de que este último seria um ancestral ou uma antecipação do Homo oeconomicus.

Semelhança e afirmação, juntas, fornecerão os elementos necessários para permitir argumentar pela possibilidade de utilização do conceito de Homo oeconomicus no Direito em substituição do conceito de pater familias.

O Homo oeconomicus assumiria, assim, os contornos de Homo juridicus.

(^2) Escolheu-se, por enquanto fazer referência a um “modelo de indivíduo” ou a um “tipo-ideal” ao invés de se utilizar “tese ontológica”. Esta substituição somente ocorrerá no Capítulo 3 com a apresentação da Teoria do Três Mundos, de Karl Popper.

“A comprehensive survey of all uses of pater familias in classical texts, however, reveals a major disjunction between this modern understanding of the term (rooted in Roman Law) and ancient usage”, Saller (1999:182).

O processo de transposição temporal do papel social desempenhado pelo pater familias não levou em conta a integralidade das funções por ele desempenhadas, deixando de lado certa dimensão de suas ações, mas dando ênfase à outra: a jurídica. Mesmo a dimensão jurídica somente ressaltou os aspectos relacionados ao padrão de conduta para a verificação do dever de indenizar e aos laços familiares.

Houve, assim, um processo de cherry picking empregado pelos doutrinadores para selecionar algumas características do pater familias a fim de transpô- lo para a sociedade brasileira, em especial a partir do século passado.

Com isto, ocorreu aparente desconsideração da estrutura social e de aspectos sócio-culturais da sociedade romana e, mais ainda, das influências exercidas na formação do Direito em Roma, conforme aponta Max Weber.

“Em particular, é difícil estabelecer se não só a grande propriedade imobiliária, mas também a economia agrícola em grande escala orientaram as instituições jurídicas especiais e, se o fizeram, por que caminhos as conduziram”, Weber (1994:186).

Não se pode dizer que a determinação do padrão de conduta reflete a dimensão patrimonial das funções do pater familias , por mais que esteja relacionada com o trato de bens e direitos, os quais possuem obrigatoriamente expressão econômico-financeira e, conseqüentemente, patrimonial.

Esta dimensão, deixada de lado pelos doutrinadores, é central ao entendimento do pater familias ; sendo, por assim dizer, a sua essência. Isto porque, para ser um pater familias não significava, obrigatoriamente, possuir uma família constituída com descentes.

A problemática acerca da transposição temporal durante a tradução de obras em outros idiomas e de épocas remotas é digna de nota. Não raro, equívocos são cometidos. Isto porque, tradutor e pesquisador sempre enxergarão a época sob análise através de lentes que refletem a sociedade na época em que vivem, por mais isentos e disciplinados que possam ser neste processo. Ou seja, o ponto de vista será sempre do futuro para o passado.

Tais lentes são repletas de conceitos, valores, usos e costumes que estão sob influência do referencial temporal e, por maior que seja o esforço para eliminar esta influência, ela, em maior ou menor grau, contaminará o resultado final.

Para melhor ilustrar esta problemática, pede-se licença a Neil MacCormick. O autor apresenta uma das passagens da obra “As Viagens de Gulliver” para discutir o ponto de vista interno e o ponto de vista externo das normas proposto por H. L. A. Hart.

Nesta passagem, os habitantes de Lilliput desconhecem o que seria um relógio e interpretam o objeto como sendo um animal desconhecido ou algo divino, Maccormick (2006:359-381).

Para aqueles que já tiveram algum contato com um relógio, por mais simples que possa ser o objeto, tal aproximação pode parecer absurda. Porém, não se pode esquecer que os habitantes daquela ilha não possuíam a noção do que seria um relógio; nunca haviam visto um, nunca haviam usado um.

Se for assumido que Gulliver se encontrava no futuro e os habitantes de Lilliput no passado ou em alguma sociedade imune aos efeitos do progresso, reações similares seriam obtidas se fosse introduzido nesta sociedade qualquer objeto desenvolvido por uma sociedade mais avançada.

O mesmo pode ser dito de profissões e papeis sociais. Ao passo que, resquícios do passado podem não parecer tão estranhos no futuro. A roda não foi inventada nos dias atuais. O carpinteiro não surgiu ontem. Já fazem parte da memória da