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Uma análise preliminar sobre as histórias da música no brasil escritas e suas contribuições para a historiografia e musicologia. O texto discute as diferentes abordagens na história da música no brasil, desde a registros iniciais até as obras publicadas no século xx. Além disso, o documento destaca os livros de história da música no brasil mais importantes, como as obras de guilherme de melo e vasco mariz.
Tipologia: Notas de aula
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Música e Artes. (^) 415
CARLA BLOMBERG* RESUMO No Brasil, as Histórias da Música Brasileira foram poucas. Não se fala muito de seus autores, nem de seus métodos, nem de suas escolas, contudo os livros são referenciados e acessados por um público, tanto leigo quanto especializado. Assim, pretende-se primeiramente identificar, quais, das histórias da música no Brasil escritas, tornaram-se relevantes na historiografia e analisar se a história, assim como na musicologia estrangeira, desenvolveu-se como um dos objetivos principais da musicologia. Uma segunda parte do artigo pretende, mesmo que de forma preliminar, estabelecer quais foram e quais são as relações entre estas obras e as tradições históricas respectivas a seus períodos. PALAVRAS-CHAVE: História da Música; História; Musicologia. ABSTRACT There is a very few books arguing about the History of Brazilian Music in Brazil. There are no studies regarding their authorships, schools, methods, yet still the books are given as references and read by as diletant public as scholars. Therefore it will be identified which, from the histories written, were consolidated by the traditional historiography. Secondly, it will be analyzed if, as it had happened with the histories of music written abroad, the histories of Brazil were the goal of the Historical Musicology and at last, it will be analyzed the relation these histories bears with concurrent historical methodologies. KEYWORDS: History of Music; History; Musicology.
416 Projeto História nº 43. Dezembro de 2011 Histórias da Música no Brasil e Musicologia: uma leitura preliminar A Musicologia é um campo de estudos cujas disciplinas, metodologia e objetos foram demarcados inicialmente pelo alemão Guido Adler no final do século XIX. Segundo Adler, a Musicologia estava dividida em dois grandes grupos, o da musicologia histórica e o da musicologia sistemática, focada na investigação de leis que a regiam através dos diversos períodos e na descoberta da verdade e da beleza.^1 Para Adler, a musicologia histórica lidava com disciplinas que instrumentassem o tratamento de documentos, e a discussão conceitual histórica e filosófica da música. As ciências afiliadas da musicologia histórica eram, além da história e da filosofia, filologia, arquivologia, museologia, paleografia musical, história da literatura, história das artes miméticas, bibliografia.^2 A musicologia sistemática, por sua vez, deveria preocupar-se com as leis que regiam a música. Nela se encaixavam a física, a matemática, a pedagogia, a gramática dentre outras.^3 A história da música, centrada numa leitura ocidentalizada era pesquisada pela musicologia histórica, enquanto a história da música não-ocidental ficava aos cuidados da etnomusicologia, que já existia desde 1880,^4 ou da musicologia sistemática, cujo um dos propósitos era “ o estudo comparativo da música não ocidental com finalidades etnográficas ”.^5 Os cursos de musicologia na Europa estavam normalmente ligados ao departamento de Filosofia. Muitas vezes o ensino musical nestas universidades era responsabilidade de uma escola superior de música, a ela acoplada, na qual os ensinos prático e teórico, necessários à formação de um músico, eram ministrados. Ou seja, a área de Musicologia e a de Música eram independentes. A Musicologia, como área, estava aberta a alunos dos mais variados campos, sem a necessidade de serem previamente formados em Música, e existia tanto como curso de graduação, quanto de pós. Ela foi desenvolvida nos países anglo-saxões com um forte viés histórico, sendo que na Alemanha e na Áustria, estabeleceu-se independentemente das demais correntes históricas.^6 Este modelo foi absorvido pela estrutura americana, e intensificado com a ida
418 Projeto História nº 43. Dezembro de 2011 A Música, que se assume, tenha sido praticada desde os primórdios da descoberta do Brasil, seja pelas comunidades ameríndias, que aqui habitavam, ou posteriormente pelos europeus e africanos, análoga à própria escrita da história do Brasil, foi inicialmente registrada através de relatos de viagens de estrangeiros, missionários ou administradores.^11 Seria somente no século XX que a História da Música seria abordada com um viés de história mais criteriosa e metódica. A primeira história da música no Brasil foi escrita em 1908, por Guilherme de Melo (1867-1932) e foi intitulada “ A música no Brasil: desde os tempos coloniais até o primeiro decênio da República”. Este autor, baiano de nascimento, havia iniciado sua formação musical no Colégio de órfãos São Joaquim, no qual assumiu a banda musical em 1892 e foi bibliotecário do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro durante os últimos cinco anos de sua vida.^12 O segundo livro veio a ser publicado somente vinte anos depois. Foi A História da Música Brasileira (1926) de Renato Almeida (1895-1981). Almeida foi formado em direito e foi colaborador de diversos periódicos, não musicais em sua maioria. Ele foi também funcionário do Ministério das Relações Exteriores e um dos fundadores da Comissão Nacional do Folclore. Neste mesmo ano de 1926 foi publicado o livro a Storia della musica nel Brasile do italiano Vincenzo Cernicchiaro (1858-1928). Cernicchiaro, por sua vez, era um italiano radicado no Brasil, era violinista e lecionou várias disciplinas de música no Instituto Benjamin Constant no Rio de Janeiro, foi catedrático do Instituto Nacional de Música no Rio (1890), foi regente e também compositor. Seguiram-se a estas publicações os estudos de Mário de Andrade (1893- 1945), dentro os quais Ensaio sobre a Música Brasileira (1928) e Compêndio de História da música brasileira (1929) relacionam-se mais com a história propriamente dita. O Compêndio foi reeditado como a Pequena História da Música em 1942.^13 Contudo este último refere-se à história universal, dedicando o autor, à história brasileira, apenas dois capítulos. Ainda no ano de 1942 foi reeditada a história da música de Renato Almeida.
Música e Artes. (^) 419 Em 1956 o diplomata Luiz Heitor Correia de Azevedo (1905-1992) publicou o 150 anos de música no Brasil (1800-1950). Este autor, assim como Melo, foi também bibliotecário do Instituto Nacional de Música no Rio de Janeiro e assumiu posteriormente a cadeira de folclore nesta instituição. Foi responsável por seções de música em periódicos no Brasil e assumiu, na década de 50, o cargo de comissariado de música da UNESCO em Paris, aonde veio a falecer. Em 1977 foi publicada a História da Música Brasileira de Bruno Kiefer (1923-1987), este autor, nascido na Alemanha, imigrou para o Brasil ainda criança. Kiefer formou-se em Física, Química e Matemática. Foi funcionário público, compositor e professor universitário e contribuiu para a formação dos cursos superiores de Música nas faculdades federais de Santa Maria e do Rio Grande do Sul. É de 1981 a última obra escrita sobre a história da música no Brasil, do também diplomata e advogado Vasco Mariz (1921). Mariz é um autor profícuo na área de cultura musical. Sua obra História da Música no Brasil recebeu sua sétima reedição recentemente em 2009 e é, junto do livro de Kiefer, a bibliografia utilizada como referência nos cursos de nível superior de música pelo país. Livros ricamente documentados como Origem e Evolução da Música em Portugal - Sua influência no Brasil , de Maria Luiza de Queiroz Santos de 1943, ou enciclopédicos como Enciclopédia da Música Brasileira: erudita, folclórica, popular (1977) de Marcos A. Marcondes, são raramente mencionados. Maria Luiza, é uma autora de formação musical profissional, além de organista, foi professora livre docente da Universidade do Brasil (antiga UFRJ). Em seu livro proveu uma das primeiras análises sobre a influência lusitana na música brasileira, citando, dentro outros a História da Música de José Pessanha.^14 O traz exemplos musicais como transcrições e ilustrações de instrumentos e documentos, além de um índice alfabético biográfico. A autora referiu-se a muitas obras históricas, incluindo desde a Viagem pelo Brasil, de Spix e Martius,^15 a História da Música de José Pessanha, a obra de Padre Martini, ao falar da História da Música europeia. Em seu último capítulo traz, na forma de suplementos e anexos, biografias, quadros sinóticos de músicos e professores
Música e Artes. (^) 421 fundamentos conceituais do determinismo – geográfico, climático e biológico- trazidos nas obras de Friedrich Ratzel (1844-1904). Estes, de acordo com a historiografia, repercutiram em teorias sociais no decorrer do processo histórico, que se propuseram a examinar as composições populacionais do ponto de vista de diferentes raças. Foram também assimilados modelos evolucionistas, particularmente do evolucionismo de Darwin e do darwinismo social proposto por Herbert Spencer (1820-1903) que se inseriram no contexto, e por vezes intensificaram ideias de autores, que já eram influentes no âmbito historiográfico brasileiro, como Augusto Comte e o positivismo.^22 Estas influências marcariam os cientistas sociais, como defende Marta Abreu, cujas análises sociológicas estariam mais fortemente baseadas em questões internas brasileiras e menos voltadas à documentação histórica. É interessante notar que estes cientistas sociais, embora abordassem raízes do sentimento nacional, em grande parte não se dedicaram a análise de autores que tivessem tratado de música. Os trabalhos enfocaram basicamente questões de mestiçagem, da herança ibérica, da qualidade da natureza, no sentido da fauna, flora e clima brasileiros; ou da presença do homem no ambiente tropical.^23 A noção de que coexistia no Brasil uma multiplicidade teórica já havia sido notada e manifestada pelo consócio do IHGB Franklin Távora: Si se trata particularmente da historia do Brazil, como neste Instituto, é licito perguntar ao historiador: que theoria seguis- a de Martius, a de Buckle, a dos sectários de Spencer, a dos discípulos de Comte? Como exprimir tão diversas opiniões sem sacrifício de alguma dellas?.^24 Embora inicialmente as produções históricas estivessem mais relacionadas ao trabalho do IHGB, que de alguma forma ditou preceitos, sabe- se que foram muitas as instituições responsáveis pela produção histórica como as universidades, a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II o Museu Paulista, o Museu Histórico dentre outros. A passagem para uma história mais influenciada pelas ciências sociais, segundo a tradicional análise de Alice Canabrava, foi exemplificada no trabalho do historiador Capistrano de Abreu, contemporâneo de Silvio Romero, que expressavam “ sua inquietude em
422 Projeto História nº 43. Dezembro de 2011 compreender a realidade brasileira com o apelo das novas correntes científicas que, ao seu tempo, se desenvolviam vigorosamente no campo das ciências do homem ”.^25 Dentre os chamados cientistas sociais, os poucos que se encontram ligados ao grupo de autores musicais foram o próprio Guilherme de Melo, Luciano Gallet e Augusto Pereira da Costa. Destes três, apenas Melo escreveu uma História da Música. Luciano Gallet (1893-1931), assim como Augusto Pereira, enveredaram na pesquisa folclórica. Gallet, inicialmente formado em desenho arquitetônico, estudou música. Foi compositor, pianista, crítico, mas foi por seu trabalho etnográfico e pela inserção da disciplina de Folclore no currículo escolar que ficou conhecido na história.^26 Augusto Pereira (1851-
424 Projeto História nº 43. Dezembro de 2011 intitulado Canções Populares Brasileiras e Melodias Indígenas que contém 14 partituras.^38 Este material era conhecido dos autores das histórias da música. Alguns citam nominalmente estas obras como fontes, como Melo, Santos, enquanto outros simplesmente copiam e repetem trechos dos livros que os antecederam. Interessante notar, visto que finalizamos a primeira década do século XXI, que as histórias da música brasileira que existem, foram todas publicadas no século XX. A recorrência à comum forma narrativa, biográfica e linear é marca presente até mesmo naqueles livros que poderiam ter sofrido influência de novas escolas, como a dos Anais, durante o decorrer do século XX. Enquanto os títulos propõem uma história da música Brasileira ou no Brasil, de forma ampla, claramente seus conteúdos foram desenvolvidos de acordo com os recortes impostos ou, aos autores, por circunstâncias externas ou, pelos próprios autores. No caso da obra de Guilherme de Melo, por exemplo, o autor restringiu- se a estudos basicamente feitos na Bahia, no nordeste e no Rio de Janeiro. Ele baseou suas informações em documentos do Instituto Geográfico da Bahia e do Real Gabinete Português de leitura. Renato Almeida declarou no prefácio do livro História da Música Brasileira que seu trabalho consistia em poder resumir as impressões e os dados históricos que lhe permitiriam concluir pela afirmação de uma música brasileira, “ haurida nas fontes populares e que vinha se formando lentamente através do tempo ”.^39 Ele insistiu que a abrangência do estudo seria a mais ampla possível, dentro de diretrizes históricas, porque o seu livro, “ não é contudo de pesquisa folclórica, sinão de história ”.^40 Documentando o seu trabalho com transcrições de melodias e respectivos textos, o autor declarou que, por um lado, o material em grande parte lhe havia sido fornecido por “ pessoas de reconhecida autoridade ”, e por outro, havia sido compilado de uma vasta bibliografia, que ele citou logo de início em seu livro. Dentre os inúmeros autores citados por ele estavam os historiadores Alfredo Brandão, Artur Cesar Reis, especialista na Amazônia e membro do IHGB e Luis da Câmara Cascudo, além de figuras como o médico baiano Armando Sampaio Tavares reconhecido por sua grande erudição em literatura.
Música e Artes. (^) 425 No caso do italiano Cernicchiaro, o autor se propôs a uma história que abordasse as variadas formas das atividades musicais, desde a nomeação de compositores e músicos com suas biografias, mesmo que curtas, o ensino musical, as instituições como orquestras e associações musicais, além de discorrer sobre o movimento operístico, criticar os concertos nacionais e estrangeiros que foram trazidos ao Brasil, em uma tentativa que, segundo Luiz Heitor, era “ de cunho subjetivo e euro centrista ”.^41 Contudo, um dos capítulos da obra de Cernicchiaro, “Dell’opereta” é ainda tido como um dos mais confiáveis a fornecer dados sobre repertório, intérpretes, autores, compositores, montagens e etc. Dados relevantes, não só à historiografia musical, mas à teatral brasileira no Rio de Janeiro. Luiz Heitor, por sua vez, em 150 anos de música , fez uma apologia à busca das origens. O autor defendeu que se fazia necessário buscar, no passado mais distante possível, obras que pudessem criar um elo, formando uma linhagem de antecedentes até as obras atuais. Ele acreditava criar assim um desenvolvimento, num vínculo lógico, que segundo o autor já era forte e existente entre os períodos históricos.^42 Para ele, o objetivo da história era a busca deste material que então poderia “ compulsionar documentação que habilitasse julgar as produções dos mestres que o ilustraram ”. A documentação a qual o autor se refere são obras e gêneros musicais. Organizando as obras e seus respectivos compositores o autor tentou criar uma relação de causa e efeito entre elas. Sem prover análises das obras, nem descrevê-las com relação a suas estruturas musicais, o autor consegue apenas uma lista cronológica. Seu livro é dividido em duas partes: século XIX e XX. Assim como ele, Mariz e Kiefer também se utilizaram de títulos amplos. Kiefer propôs a história dos primórdios ao século XX sugerindo um longo tempo de abordagem mantendo também a organização cronológica dos capítulos e da nomeação de personagens. A história musical descrita por estes autores estabeleceu-se ou por períodos políticos (colônia, monarquia e república) ou por estilos. Na obra de Mariz, que data da década de 70 e foi a última a ser escrita, é a uma ordenação de gerações de compositores à que ele recorre ao organizar seus capítulos cronologicamente. Narra suas biografias dividindo-as em “ fases de
Música e Artes. (^) 427 segunda metade do século XX. Para Mário de Andrade, o Brasil perseverou musicalmente colonial até 1914, quando se firmou o estado de espírito novo.^47 Os escritos de Melo, Almeida e Mário de Andrade apresentam a preocupação com o papel social da música e suas definições. Nas obras de Almeida, História da Música Brasileira e Compêndio a primeira parte é sempre dedicada à música popular. Nestes livros são formas e gêneros musicais e não obras, que são identificados na narrativa dos costumes brasileiros. Estes costumes são comparados aos dos europeus, num primeiro momento e depois, dentro de um cenário já brasileiro, são confrontados com relação as suas origens, se urbana ou e rural. A identificação das formas musicais foi importante para todos os autores. Elas são basicamente danças (batuque, fandango, quadrilha, samba, maxixe, frevo, etc), cantigas (de trabalho, de ninar, sentimentais como modinhas e toadas, brejeiras como lundus e emboladas, religiosas, satíricas, fúnebres) e bailados (congos, maracatus, bumba-meu-boi e etc).^48 No decorrer do século XX, a separação entre música erudita, popular e folclórica foi intensificada na literatura. A popular que como vimos, corresponderia à música urbana, seria posteriormente confrontada com sua parceira cosmopolita, a música erudita, enquanto a folclórica seria definida ainda como uma música de origem rural. Em seu livro, Santos estruturou a segunda parte em capítulos de acordo com três tipos de música: música dos primórdios (a indígena); erudita e popular. Mário de Andrade, como vimos, dedicou dois capítulos à história da música brasileira, separando-as em erudita e popular. Kiefer dedicou-se aos temas em livros separados. Em 1977, publicou a História da Música Brasileira e em 1990 a Música e Dança Popular: sua influência na Música erudita. Outros autores passaram a se dedicar exclusivamente à música popular, como José Ramos Tinhorão (1928-)^49 com a Música Popular (1966) e a História Social da Música Popular Brasileira (1998), dentre outros.
428 Projeto História nº 43. Dezembro de 2011 Da Historiografia das Histórias da Música De acordo com a literatura surge basicamente uma vertente historiográfica com relação a este material. Antes de passarmos a ela, seria bom definir, que o termo historiografia aqui adotado é aquele que se refere à avaliação ou crítica de obras históricas enquanto documentos, como testemunhos de dimensões específicas de cada autor com relação à eleição de seus tópicos, métodos e contextos. Esta vertente historiográfica aponta uma história “evolutiva”.^50 As histórias ‘evolutivas’, como se assume, foram por vezes baseadas numa concepção emprestada das ciências da vida. Nas histórias da música identificaram-se duas formas de ‘evolucionismo’. A da concepção de uma música que evolui do simples para o complexo e a segunda concepção, a da história baseada na evolução de gêneros musicais e ou de estilos. Na primeira, a noção de evolução visou a formação de uma unidade nacional. Nesta leitura incluem-se as obras de Melo e Almeida, nas quais se tentou sintetizar as várias identidades musicais, em prol de uma unidade. Para Melo, por exemplo, “ reconhecer-se-ia a arte musical de um país, através da influência dos povos que contribuíram para a constitucionalização de sua nacionalidade ”.^51 A crença destes autores baseou-se na ideia de uma mestiçagem que não apresentou conflitos, nem sociais nem políticos, e que permaneceu isenta de problemas na sua apropriação de diferenças e na transmissão de suas características. Esta maneira de descrever o processo gerou a impressão de que a música brasileira já nascera mista. Melo, ao descrever o que chamou de “período colonial”, deu a entender que a mestiçagem musical e racial havia acontecido sempre, e que as formas e gêneros musicais ali apresentados só precisaram ser “desenvolvidos’ com o passar dos tempos.^52 A noção de evolução também apareceu na descrição classificatória da música brasileira como primitiva e da europeia como superior, principalmente nas obras de Melo, Almeida e Cernicchiaro em que se apontou uma necessidade de desenvolvimento da música brasileira para tornar-se mais complexa, a exemplo da europeia.
430 Projeto História nº 43. Dezembro de 2011 buscar e legitimar um exotismo divertido,^59 o músico brasileiro deveria ser o brasileiro normal e não de características excessivas, pois este se tornava exótico, “ exótico até para nós ”.^60 A concepção evolucionista não se perdeu nos livros posteriores, de Azevedo, Kiefer e Mariz, ela aparece com o desenvolvimento dos gêneros e estilos musicais. Os gêneros musicais, como vimos, são citados desde as primeiras obras. Mesmo com os primeiros autores, foi elegendo alguns gêneros musicais, como o lundu e a modinha, que eles muitas vezes acabaram definindo características gerais desta música. Uma linhagem dos gêneros chegou a ser legitimada através da descrição de evidências documentais que contribuiriam para provar a existência de um gênero desde os primórdios musicais.^61 O conceito de ‘estilo’, que não possui consenso acadêmico,^62 pode ser empregado para definir uma linguagem musical (e.g.música tonal), ou a música de um determinado período histórico (e.g. estilo barroco), ou a maneira de um compositor compor (e.g. ao estilo de Mozart). Esta, ainda hoje, constitui-se na maneira mais amplamente utilizada de se fazer histórias da Música, principalmente quando a história refere-se à música entre os séculos XVI ao XX. Normalmente nomeiam-se os estilos Barroco, Clássico, Romântico e Pós- Romantico. Segundo o autor Richard Croker, em seu livro A History of Musical Style , as propriedades dos estilos evoluem progressivamente e estilos pertencentes a períodos próximos deveriam apresentar um grau maior de semelhança em suas estruturas. Como para Croker, contar o que aconteceu é o que comumente se assume como narrativa histórica, em sua história narra a estória dos estilos na qual eventos como peças, estilos e gêneros musicais são elencados numa relação de causa e efeito, estabelecendo logicamente certas premissas das quais certas conclusões seriam geradas. Nas obras de Mariz e Kiefer principalmente, a noção de evolucionismo está no desenvolvimento e organização dos estilos musicais. Contudo, para exemplificar os estilos, seriam necessárias as análises de obras, que não são fornecidas pelos autores em seus livros. E mais, a classificação por estilos, implica na identificação das escolas de composição, e assim na escolha de compositores.
Música e Artes. (^) 431 O encadeamento das escolas de composição aparece claramente demarcado na obra de Mariz. Ao explicar a sua intenção e objetivos, o autor confessou: “que neste trabalho procurei transmitir minha opinião pessoal e também a de musicólogos e críticos musicais de renome, a fim de melhor apresentar a repercussão da obra do compositor em estudo ”. O autor também definiu como acreditava que devesse ser escrita a nossa história da música: “acho que a história da nossa música não deva ser uma relação de “todos” os brasileiros que fizeram música e sim apenas de aqueles que realmente deixaram sua marca permanente , por uma razão ou por outra”.^63 Mariz, cuja obra é a mais adotada nos cursos atuais de música e que não recebeu críticas da comunidade, foi premiada em 1983. Ela sucumbiria às críticas mais comuns dos fundadores da sociologia do começo do século XX. Augusto Comte ridicularizava a forma compilatória e defendia uma história sem nomes.^64 Herbert Spencer queixava-se que as biografias dos grandes, pouco esclareciam a respeito da ciência das sociedades.^65 Joseph Kerman, autor do único livro traduzido para o português sobre Musicologia, corrobora a análise que mostra serem permanentes as narrativas biográficas e de estilos na literatura histórica musical durante o século XX. E completava que muitas vezes estas obras foram escritas por conterrâneos dos biografados e que os estudos também tenderam a enfocar o estudo da gênese das formas musicais e dos gêneros.^66 Segundo o historiador Arnaldo Contier, da USP/SP, “ a bibliografia sobre a História da Música no Brasil durante o século XX, tem-se revelado, sob o nosso ponto de vista, muito restrita, frágil teoricamente [...] em geral as análises privilegiam a vida e a obra dos autores considerados mais significativos [...]”.^67 Da História da Música brasileira na Musicologia Brasileira Como vimos anteriormente, a musicologia estrangeira tem como uma de suas finalidades os estudos e a escrita da história da música, contudo, no Brasil, este trabalho se deu de forma diversa. Como vimos, os autores das histórias da música brasileira eram formados em áreas diversas. Segundo, que, exceção seja
Música e Artes. (^) 433 O autor assume que “ foram raras as publicações brasileiras destinadas a refletir sobre os significados da musicologia neste período [primeira metade do século XX] ”. Período que ele define como: a primeira grande transformação da musicologia no Brasil que ocorreu do início do século XX até meados da década de 1960, na qual os trabalhos passaram a se enquadrar em uma espécie de gênero intermediário entre literatura e ciência , incluindo–se aí as assim denominadas ”histórias da música brasileira” (ou no Brasil) e suas congêneres , como as de Guilherme de Melo (1908), Renato Almeida (1926), Vincenzo Cernicchiaro (1926), Mário de Andrade (1941), Maria Luiza de Queiroz Santos (1942), Francisco Acquarone (c.1948) e Luiz Heitor Azevedo (1956).^73 Exceção seja feita a citação de Acquarone, as demais obras foram aqui elencadas e o autor as define como obras de: 1. Abordagem literária: Guilherme de Melo (1908), Vicenzo Cernichiaro (1926) e Renato Almeida (1926 e 1942). 2. Preocupações musicológicas: Mário de Andrade (1941), Maria Luiza de Queiroz Santos (1942) e Luís Heitor Correia de Azevedo (1950 e 1956)”, e segue: “mas uma fase propriamente científica surgiu com as obras de José Ramos Tinhorão (1974, 1981, 1990), Bruno Kiefer (1976), José Maria Neves (1977), Ary Vasconcelos (1977 e 1991), Vasco Mariz (1981), e David Appleby (1983)”.^74 Manuel da Veiga, professor na UFBA, chama o trabalho de Melo de “amadorístico e provinciano”, mas exemplar para, Renato Almeida, cuja obra “não é história, mas etnografia e folclore, ora sob flagrante tendência nacionalista e historicalista, segundo as quais a base evolutiva da música artística teria de ser necessariamente a “sinfonia da terra” (termo da primeira edição, de 1926)”. Para este autor “ musicólogos históricos, ao contrário de outros historiadores, não podem se alhear daquilo que pesquisam ” [...] “ Se uns, os historiadores políticos, por exemplo, não precisariam gostar de Napoleão para escreverem sobre o Diretório, outros, historiadores de música, tendem a amar seu objeto de estudo em razão de sua essencial condição de músicos, além de musicólogos ”.^75 Outros autores acreditam que no cenário atual de “interação disciplinar” não existe lugar para a disciplina de História da Música, pois afinal “o que ali se apresentava nada mais era que o relato – totalmente interno ao próprio campo musical e alheio, portanto, ao desenvolvimento metodológico da História – destinado a afirmar e justificar a autonomia social e estética da Música”.^76
434 Projeto História nº 43. Dezembro de 2011 Segundo Budasz, “ o estatuto científico moderno em campo musical coube à musicologia ” e não à Música. Para ele a Música é um campo formado por várias ciências, “ algumas originariamente ligadas ao fazer artístico-musical, outras que encontraram um modo específico de se relacionar com o objeto musical, outras ainda, recentíssimas, que já nasceram como resultado de uma prática interdisciplinar anterior ”.^77 Conclusão Na primeira parte do artigo foi delineado o grupo de obras estudado. Este recorte foi historiográfico, ou seja, foram elencados os livros que recorrentemente são referenciados em bibliografias histórico-musicais, além de serem entre si referenciados. Estes livros foram todos publicados durante o século XX. Essas obras não foram escritas por historiadores. Assumem-se aqui causas diversas para dois períodos. No primeiro, relativo à primeira metade do século XX, foi provavelmente por causa da recente classificação das áreas do conhecimento e de um incipiente estatuto de fronteiras disciplinares. A partir do final do século XX, pelo motivo oposto, ou seja, pela institucionalização da Música, vista como uma área de Artes, na qual os professores de História da Música são, em sua maioria, bacharéis em Música, com pouca ou nenhuma formação histórica e que raramente enfocaram a história da música como uma história sujeita a discussões do método histórico. É interessante notar que neste sentido, o Brasil seguiu uma tendência oposta a do exterior, onde grande parte de historiadores da música são historiadores. Aliás, no século XX, os comitês formadores de currículos e de avaliação musical ou musicológica estrangeiros foram justamente criticados por serem majoritariamente compostos por historiadores, deixando de lado os sociólogos e antropólogos e demais intelectuais das áreas consideradas mais científicas.^78 Embora os autores das histórias da música brasileira não tenham sido historiadores, em alguns períodos os seus trabalhos apresentaram uma correlação com as tendências históricas.