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HISTOLOGIA DO FÍGADO, VIAS BILIARES E PÂNCREAS, Notas de aula de Histologia

Como já comentamos, a principal excreção exócrina do fígado é a bile, a qual é transportada para a vesícula biliar, pelos ductos biliares ou hepáticos, direito ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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CAPÍTULO
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HISTOLOGIA DO FÍGADO,
VIAS BILIARES E PÂNCREAS
Carla B. Collares Carla Buzato
Sarah Arana
Carolina Prado de França Carvalho
O pâncreas, o fígado e as vias biliares são órgãos anexos ao tubo digestivo
com origem embriológica de brotamentos endodérmicos da porção caudal do
intestino anterior em formação. Apesar dessa origem embriológica comum, cada
um desses órgãos apresenta organização tecidual e tipos celulares bem distintos
que, por sua vez, se relacionam diretamente com as funções que cada um deles
desempenha. Este capítulo traz breve introdução sobre os aspectos anatômicos
e do desenvolvimento embrionário do pâncreas, fígado e vias biliares, mas tem
como enfoque a abordagem dos aspectos da Biologia Celular e Tecidual, traçando
um paralelo entre a morfologia e função destes órgãos. Ainda este capítulo cui-
dasucintamente sobre histopatologia das doenças mais prevalentes que afetam o
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CAPÍTULO

HISTOLOGIA DO FÍGADO, VIAS BILIARES E PÂNCREAS

Carla B. Collares Carla Buzato

Sarah Arana

Carolina Prado de França Carvalho

O pâncreas, o fígado e as vias biliares são órgãos anexos ao tubo digestivo com origem embriológica de brotamentos endodérmicos da porção caudal do intestino anterior em formação. Apesar dessa origem embriológica comum, cada um desses órgãos apresenta organização tecidual e tipos celulares bem distintos que, por sua vez, se relacionam diretamente com as funções que cada um deles desempenha. Este capítulo traz breve introdução sobre os aspectos anatômicos e do desenvolvimento embrionário do pâncreas, fígado e vias biliares, mas tem como enfoque a abordagem dos aspectos da Biologia Celular e Tecidual, traçando um paralelo entre a morfologia e função destes órgãos. Ainda este capítulo cui- dasucintamente sobre histopatologia das doenças mais prevalentes que afetam o

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pâncreas e o fígado e relata algumas ideias atuais baseadas no emprego da terapia celular para o tratamento dessas doenças. 14.1 ANATOMIA E BIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO O fígado é a maior glândula do corpo humano, pesando aproximadamente 1500g no humano adulto. Ele está situado no quadrante superior direito da cavidade abdomi- nal, e é dividido em quatro lobos (o esquerdo, o direito, o quadrado e o caudado) com a sua região superior e arredondada inserida no domo do diafragma ( Figura 14.1 ). A vesícula biliar é um órgão piriforme e oco, que ocupa uma fossa rasa na superfície inferior do fígado ( Figura 14.1 ). Consiste de um fundo, um corpo e um colo (pescoço) que se continua com o ducto cístico. Normalmente, ela mede 10 por 4 cm e tem uma capacidade de 40-70 mL. O pâncreas é um órgão alongado situado retroperitonealmente na parede posterior da cavidade abdominal, ao nivel da segunda e da terceira vértebras lombares. Este órgão é comumente subdividido em cabeça, corpo e cauda ( Figura 14.1 ). A cabeça está alojada na concavidade em forma de C do duodeno e a parte mais afilada do corpo e a cauda estendem-se transversalmente através da parede posterior do abdome ao hilo do baço. No humano adulto, ele mede 20-25 cm em comprimento e pesa cerca de 100-150g. O pâncreas, o fígado e vias biliares são derivados de brotamentos endodér- micos da porção caudal do intestino anterior ( Figura 14.2 )1,2. No início da quarta semana de desenvolvimento, há a formação de um divertículo (divertículo hepático) na porção ventral da parede do duodeno que se expande em direção ao mesênqui- ma ventral (septo transverso). O divertículo hepático cresce rapidamente e origina os elementos do parênquima hepático (os cordões ou placas de hepatócitos) e os ductos biliares intra-hepáticos. O estroma hepático, por sua vez, se origina do me- sênquima do septo transverso. Na quinta semana do desenvolvimento, surge um divertículo (divertículo cístico), na base do divertículo hepático, que também cresce em direção ao mesênquima ventral e dará origem ao ducto cístico e à vesícula biliar ( Figura 14.2 ). Ainda na quinta semana, outro brotamento da parede do duodeno cresce em direção ao mesênquima dorsal, oposto ao divertículo hepático, formando o brotamento dorsal do pâncreas ( Figura 14.2 ). Poucos dias depois, enquanto este brotamento dorsal se expande em direção ao mesênquima dorsal, outro brotamento, o ventral do pâncreas, surge na região caudal da vesícula biliar em desenvolvimento ( Figura 14.2 ); o ducto principal do brotamento ventral se conecta à extremidade proximal do ducto biliar comum. Quando o duodeno roda para a direita e adquire o formato de um C, o broto pancreático ventral é levado dorsalmente, juntamente

338 Sistema digestório: integração básico-clínica

14.2 HISTOLOGIA DO FÍGADO O fígado é a maior glândula e o segundo maior órgão do corpo humano, com funções endócrinas e exócrinas. Entre as funções endócrinas, pode-se men- cionar secreção de vários hormônios como o fator de crescimento semelhante à insulina ou IGF ( insulin-like growth factor ), também conhecido como somatome- dina, e a eritropoetina. Ainda, essa glândula é responsável pela secreção da maio- ria das proteínas plasmáticas, como: a albumina, o angiotensinogênio, fatores de coagulação, proteínas carreadoras de ferro, proteínas do sistema complemento e proteínas que participam do transporte plasmático de colesterol e de triglicerí- dios. Como glândula exócrina, o fígado é responsável pela secreção da bile. Além das funções citadas acima, este órgão efetua centenas de outras funções, todas interligadas e correlacionadas, como, por exemplo, o processamento e o armaze- namento dos nutrientes absorvidos pelo trato digestório, o metabolismo e a de- gradação de hormônios, fármacos e toxinas. Assim, é fácil perceber que o fígado é um órgão vital, com anatomia e histologia bem particulares que garantem essa diversidade funcional. O fígado é revestido por cápsula de tecido conjuntivo, conhecida como cáp- sula de Glisson.3,4^ Cada lobo organiza-se em lóbulos. A vascularização hepática é um elemento da maior importância para garantir a multiplicidade funcional do órgão. O fígado, além de receber sangue arterial através da artéria hepática , recebe cerca de 70% a 80% do seu sangue através da veia porta hepática , de mo- doque quase todo o sangue oriundo do sistema digestório e do baço drena para o fígado. Ambos os vasos sanguíneos alcançam o fígado através do hilo, também conhecido como porta hepatis , com origem na qual se ramificam profusamente até que o sangue arterial e venoso se misture na ampla rede capilar hepática dos lóbulos, constituída pelos sinusóides hepáticos (Figura 14.3). Dos sinusoides, o sangue drena para a veia central e desta para as veias hepáticas, as quais drenam para a veia cava inferior. Uma vez nos sinusoides, o sangue entra em íntimo contato com a principal célula parenquimatosa do lóbulo hepático, o hepatócito , relacionado com a maio- ria das funções já citadas ( Figura 14.3 ). Como já comentamos, a principal excreção exócrina do fígado é a bile, a qual é transportada para a vesícula biliar, pelos ductos biliares ou hepáticos, direito e esquerdo, os quais se unem para formar o ducto hepático comum ( Figura 14.1 ). Os ductos biliares deixam o fígado por via do hilo e seus ramos menores intra-he- páticos são observados associados aos ramos da veia porta e da artéria hepática.

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Figura 14.3 – Representação esquemática de parte do lóbulo hepático e do espaço porta em fígado humano. Notar que os hepatócitos (H, em laranja) apresentam uma superfície voltada para o canalículo biliar (seta curta) e outra superfície voltada para o capilar sinusoide (S); repare que o sangue arterial (em vermelho) e o venoso (em azul) se misturam nesses capilares. Célula de Kupffer (K, em verde) é observada no lúmen do capilar sinusoide e, entre o capilar e o hepatócito, no espaço de Disse, se localiza a célula estrelada ou de Ito (I, em amarelo). No espaço porta, notam-se vasos linfáticos (L) que drenam o liquido intersticial oriundo do lóbulo hepático (fluxo indicado pela seta), ramo da artéria hepática (A) que se ramifica originando artérias menores (a), que, por sua vez, originam o plexo capilar (P) que irriga o ducto biliar (B), delimitado pelos colangiócitos (C, em rosa) e os outros elementos do espaço porta.

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Figura 14.4 – Esquema ilustrativo dos modelos de organização estrutural e/ou funcional do fígado. No lóbulo hepático clássico, que se baseia no arranjo estrutural de elementos hepáticos, a região periférica do lóbulo faz limites com lóbulos adjacentes e com o espaço porta, no qual se notam ramos da veia hepática (VP), ramos do ducto biliar (DB) e ramos da artéria hepática (A); enquanto o centro do lóbulo clássico é marcado pela veia central (VC). O lóbulo portal, por sua vez, leva em consideração o fluxo da bile; o centro do lóbulo é representado pelo ducto biliar e suas extremidades delimitadas pelas veias centrais de três lóbulos clássicos vizinhos. O ácino hepático baseia-se no suprimento sanguíneo dos hepátócitos, ou seja, na qualidade do sangue, quanto à quantidade de nutrientes e oxigênio, que nutre essas células: a zona I, que fica próxima ao espaço porta, é rica em oxigênio e nutrientes; a zona III, próxima à veia central, é pobre em oxigênio; e a a zona II é intermediária em relação à quantidade de oxigênio e nutrientes.

342 Sistema digestório: integração básico-clínica

Figura 14.5 – Fotomicrografias de corte histológico de fígado humano corado com tricrômico de Masson mostrando o lóbulo hepático (a, aumento pequeno), um detalhe do espaço porta (c, aumento médio) e dos cordões de hepatócitos entremea- dos por capilares sinusoides (d, sinusoides indicados por cabeças de seta; aumento grande). Em b, histologia do fígado de porco (coloração com Tricrômico de Masson) que mostra uma lobulação bem definida. Em a e b, cabeça de seta indica a veia central. Em c, asterisco indica ramo da veia porta; seta indica ramo da artéria hepática; cabeça de seta indica ducto biliar. A partir do espaço porta, os ramos da artéria hepática e da veia porta con- fluem para a rede de capilares sinusoides, onde o sangue venoso se mistura ao sangue arterial ( Figura 14.3 ). No sentido inverso, do interior do lóbulo hepático, canalículos biliares confluem para formar o ductulo biliar e assim conduzir a bile formada no interior do lóbulo para o ducto biliar no espaço porta. As funções endócrinas e de secreção da bile são desempenhadas pelo hepatócito, célula vo- lumosa e polarizada que apresenta seu pólo apical direcionado para o canalículo biliar , local de secreção da bile, e seus domínios basolaterais voltados para o ca- pilar sinusóide. O centro do lóbulo hepático mostra um vaso venoso para onde confluem os capilares sinusoides; por essa razão, a parede dessa veia é interrom- pida pela abertura desses sinusoides ( Figura 14.3 ). Por estar no centro do lóbulo,

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a síntese de ureia, com a gliconeogênese, e a formação de bile. Os hepatócitos da zona 3 estão preferencialmente envolvidos com a glicólise, a glicogênese, a liponeogênese, a formação de corpos cetônicos, a formação de glutamina, e o metabolismo de xenobióticos. Essa heterogeneidade dos hepatócitos também implica em diferenciada sus- cetibilidade aos agentes tóxicos e lesivos ao fígado de maneira geral, por exemplo: no caso de uma intoxicação, haverá maior concentração dessa substância na zona 1. Assim os hepatócitos dessa região serão mais comprometidos; por outro lado, em uma situação de redução dos níveis de oxigênio, os hepatócitos da zona 3 se mostrarão mais comprometidos. Pelo exposto, fica fácil compreender a importân- cia do conceito do ácino hepático na histopatologia hepática.

14.2.2 HEPATÓCITO

Os hepatócitos, no fígado humano, geralmente apresentam de 20 a 30 μm de diâmetro, são células poliédricas, dotadas de um núcleo central com cromatina descondensada, contendo 1-2 nucléolos evidentes no seu interior; ainda apresen- tam um citoplasma amplo e eosinofilico, devido principalmente ao grande nú- mero de mitocôndrias ( Figura 14.5 ). São células polarizadas que apresentam seis ou mais superfícies, ou faces, que se relacionam com o canalículo biliar, com a membrana de hepatócitos vizinhos e com o sinusóide, sendo que nesse caso existe um espaço entre estas duas estruturas, que é denominado espaço perissinusoidal ou espaço de Disse ( Figura 14.6c ).3- Por ser uma célula multifuncional, todas as organelas citoplasmáticas estão bem representadas nos hepatócitos ( Figura 14.6a ). O retículo endoplasmático rugo- so é abundante e está diretamente relacionado com a síntese de proteínas plasmáti- cas e lipoproteínas. O retículo endoplasmático liso está envolvido com a síntese de ácidos biliares, com a síntese de lipoproteínas e de colesterol e, ainda, contém en- zimas relacionadas com os processos de detoxificação, mediante os quais, molécu- las lipossolúveis são convertidas em moléculas hidrossolúveis. As mitocôndrias são numerosas, cerca de 1000 ou mais em cada célula, e de particular importância em função das variadas atividades metabólicas do hepatócito, como a detoxificação de espécies reativas de oxigênio (radicais livres) sob a ação de enzimas mitocondriais. O complexo de Golgi também se destaca, dada a sua participação na secreção das proteínas plasmáticas e lipoproteínas. Grânulos de glicogênio se acumulam no ci- toplasma, porém a quantidade armazenada varia com o nível de açúcar no sangue; quando esse nível cai, o glicogênio é degradado em glicose que é liberada para os sinusoides. Finalmente, lisossomos e outras vesículas da via endocítica também são

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observados. Os lisossomos podem conter lipofuscina, constituída por fosfolípides e proteínas e resulta da digestão incompleta dos restos celulares. Figura 14.6 – Em a, fotomicrografia ultraestrutural do fígado, mostrando hepatócitos (He) entremeados por um capilar sinusóide (S), no interior do qual é possível ver hemácias. Em b, hepatócitos (He) repletos de autofagolisossomos (setas) em modelo animal de esteatose hepática não alcoólica. Ainda, é possível observar em b, capilar sinusoide (S) e células de Ito (cabeça de seta) contendo gotículas lipídicas no seu citoplasma. Em c, fotomicrografia ultraestrutural (em grande au- mento) mostrando detalhe do espaço de Disse (Di) entre o hepatócito (He) e a parede endotelial interrompida por fenestras (setas em preto) no sinusóide (Lu, luz do sinusóide). Em d, imagem mostra ausência de fenestras na parede do sinusóide e acúmulo de material granular eletrondenso (setas em branco) no espaço de Disse (Di), o que está associada com um quadro de esteatose e fibrose hepática em modelo animal. Em e, fotomicrografia de células de Kupffer (K) no interior do sinusoide (S). Imagens a e b reproduzidas do periódico PLoS ONE 10(5):e0124173, 2015. doi:10.1371/journal.pone.0124173,(auto- res: Liang T. et al.), sob licença da Creative Commons. Imagens c e d reproduzidas do periódico PLoS ONE 9(12): e115005,

  1. doi:10.1371/journal.pone.0115005,(autores: Herrnberger L. et al.), sob licença da Creative Commons. Imagem d foi gentilmente cedida pelo Prof. Dr. Paulo P. Joazeiro. Na região de contato intercelular entre hepatócitos, são observadas, por mi- croscopia eletrônica de transmissão, junções intercelulares do tipo aderente, de oclusão e desmossomos que permitem uma adesão firme entre essas células, além de junções comunicantes que constituem uma via de comunicação intercelular.^6 À

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importante papel na remoção de partículas, células e substâncias tóxicas, ou es- tranhas que alcancem o trato portal, particularmente originárias do intestino. Es- tas células também secretam uma série de substâncias vasoativas ou citotóxicas, como radicais livres, citocinas, interferon, fator ativador de plaqueta e enzimas lisossomais, os quais podem estar envolvidos na defesa do hospedeiro ou em al- guns processos patológicos no fígado. As células estreladas , que recebem várias denominações na literatura médica como células armazenadoras de gordura, células de Ito ou lipócitos, apresentam seu citoplasma com numerosas gotículas de lipídio, e representam o principal sí- tio de estocagem de retinoides no organismo, como a vitamina A ( Figura 14.6b ).^5 Estas células possuem processos citoplasmáticos que se estendem pelo espaço de Disse e podem envolver e circundar a parede do capilar sinusóide, morfologia que justifica a denominação de células estreladas. Estas células também apresentam grande quantidade de microtúbulos e microfilamentos e estão em estreita associa- ção com terminações nervosas, sendo que tais características, somadas à constata- ção de que apresentam atividade contrátil, indicam sua participação na regulação do fluxo sanguíneo dos sinusoides. Como mencionado anteriormente, o fígado humano apresenta uma quan- tidade relativamente escassa de tecido conjuntivo (estroma). Contudo, algumas injúrias hepáticas, como as induzidas por consumo crônico de álcool, infecção viral, exposição às toxinas e drogas, podem resultar em aumento dos compo- nentes estromais levando à fibrose hepática ( Figura 14.7c ).5,7^ Na fibrose, os com- ponentes de matriz, incluindo colágeno tipo I, podem se acumular no espaço de Disse resultando em um processo conhecido como “capilarização” dos sinusóides. Este processo, que envolve desde alterações no endotélio vascular, como perda de fenestrações e formação de uma verdadeira membrana basal, até mudanças nas interações célula-célula e célula-matriz nos sinusóides hepáticos, nitidamente compromete o transporte de substâncias entre esses compartimentos, hepatócito e sinusóide, e prejudica a função hepática de maneira geral ( Figuras 14.6d e 14.7 ). A secreção de várias citocinas, como o fator de crescimento transformante β (TGF β), pela célula de Kupffer e pelo próprio hepatócito, que ocorre nessas injúrias hepáticas, modula o comportamento das células estreladas, processo de- nominado ativação.5,7^ Nesse processo, as células estreladas diminuem o armaze- namento de lípidios, proliferam e se tornam engajadas na síntese de proteínas de matriz extracelular, com este fenótipo estas células são denominadas miofibro- blastos ( Figura 14.7e ).^5 Com o progresso da doença, ocorre o aumento da resis- tência vascular, associado à diminuição do lúmen dos sinusóides pela contração dos processos citoplasmáticos dos miofibroblastos. O aumento dessa resistência vascular se reflete na hipertensão portal associada à cirrose. Assim, devido à im-

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portância da participação dos miofibroblastos nos processos de injúrias hepáti- cas, estas células são atualmente alvo de muitos estudos voltados para o controle da cirrose hepática. Em várias condições patológicas, associadas ou não com o consumo exces- sivo de álcool (como, por exemplo, na hepatite viral ou na intoxicação por certas drogas e metais, na obesidade e na diabetes), os hepatócitos podem acumular grande quantidade de lipídios, levando ao quadro conhecido como esteatose he- pática (ou “fígado gorduroso”).^7 A esteatose hepática pode preceder ou estar as- sociada à fibrose hepática nessas condições ( Figura 14.7b ). Figura 14.7 – Fotomicrografias de cortes histológicos, corados com hematoxilina e eosina, de fígado humano normal (a) e um com esteatose (em b, setas indicam hepatócitos com gotículas de lipídios e cabeças de seta, células de Kupffer) e fibrose (em c, seta indica acúmulo de tecido conjuntivo perilobular). Em d e e, cortes histológicos de fígado processados para imuno-histoquímica para actina alfa de músculo liso (em marrom), marcador de miofibroblastos, mostrando a ativação das células estreladas no fígado fibrótico (em e, marcação na região perilobular e ao redor da veia centrolobular) mas não no fígado normal (d), em modelo animal. Asteriscos em d e e indicam veia centrolobular. Imagens d e e reproduzidas do periódico PLoS One 8(7): e69114, 2013. doi:10.1371/journal.pone.0069114 (autores: Chiang D.J. et al.), sob licença da Creative Commons.

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Dos canais de Hering, a bile é drenada para os ductos intralobulares dos espaços portais.^8 Ductos menores são revestidos por um epitélio simples cúbico que passa a ser simples cilíndrico nas vias biliares de maior calibre. Os colangió- citos cilíndricos apresentam considerável aumento de retículo endoplasmático e do complexo de Golgi. Ductos de maior calibre também são envolvidos por fibras musculares lisas esparsas e, mais externamente, por tecido conjuntivo. Nesse teci- do conjuntivo, pode-se verificar uma rede capilar própria, denominada plexo vas- cular peribiliar, originário de ramos terminais da artéria hepática. Essas diferenças morfológicas estão diretamente associadas às distintas funções que os colangió- citos exercem ao longo da árvore biliar, como processos secretórios e absortivos. Embora os hepatócitos adicionem os elementos principais da bile, são os colangiócitos que ajustam o seu conteúdo e sua alcalinidade para que ela desem- penhe seu papel.^8 Para tanto, a atividade dessas células é controlada por uma complexa integração de fatores neuroendócrinos, parácrinos e autócrinos.Por exemplo, a secreção de bicarbonato é induzida por secretina, bombesina, gluca- gon e polipeptídeo vasoativo intestinal e inibida por somatostatina, insulina e gas- trina. Além de regular a alcalinidade, os colangiócitos são capazes de reabsorver componentes da bile como sais biliares, glicose e glutationa. Quadro 14.1 – Regeneração e proliferação hepática A velocidade de renovação dos hepatócitos no indivíduo adulto e saudável é bastante lenta; a vida média do hepatócito é de 200 a 300 dias; contudo, a capacidade regenerativa do fígado adulto é bastante ampla e reflete uma complexa resposta fisiológica à ressecção cirúrgica ou injúria hepática, onde a porção do órgão remanescente inicia uma série de reações que promovem a replicação celular ou o crescimento para restaurar as funções hepáticas, onde a replicação celular é mediada por fatores endócrinos, parácrinos e autócrinos. Assim, o fígado pode ser restaurado a partir de células maduras preexistentes, que constitue a primeira opção de resposta ao dano hepático.^9 Também mostra, entretanto, células progenitoras como um compartimento de reserva que é ativado quando a capacidade regenerativa das células maduras está comprometida.9, A origem das células progenitoras hepáticas é muito investigada e discutida, dado o interesse do tema para estabelecimento de terapias para o tratamento e controle de doenças crônicas hepáticas e para maior sucesso nos casos de transplante.9, Atualmente, parece já estar bem estabelecido que essas células se originam de nichos de células progenitoras no trato biliar, particularmente nos canais de Hering, sendo que estas células têm potencialidade tanto para originar hepatócitos como colangiócitos. Essa população de células progenitoras parenquimais é representada por células pequenas, quando comparadas com os hepatócitos preexistentes, de núcleo ovoide e citoplasma escasso e que por conta dessa morfologia foram denominadas células ovais. As células ovais respondem a uma série de eventos de sinalização, em momentos distintos, sendo que as respostas a estes fatores podem ser agrupadas em quatro estágios: ativação, proliferação, migração e diferenciação.

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Dada a associação das células ovais aos processos de injúria hepática, tem sido postulado que alterações na frequência ou capacidade proliferativa destas células podem contribuir para o câncer hepático.9,10^ De fato, a identificação de uma série de oncogenes (c-myc, Ras) e da expressão de proteínas fetais (como a proteína alfa-feto, proteína usualmente expressa por cé- lulas tumorais) nas células ovais ativadas tem contribuído para essa hipótese. Finalmente, outro aspecto que tem estimulado pesquisas na área é a estreita relação entre o fígado e o pâncreas durante o desenvolvimento embrionário. Estudos inves- tigam a possibilidade de existir uma célula precursora hepatopancreática (célula fonte ou stem cell) que possa persistir no fígado e no pâncreas do indivíduo adulto.9,10^ Esta hipótese tem sido fortalecida a partir de ensaios onde células semelhantes a hepatócitos surgem no pâncreas de roedores em resposta a numerosos estímulos, como carcinógenos, por exemplo. Em humanos, a existência dessa célula progenitora comum tem sido sugerida pela expressão de marcadores hepatocelulares em câncer de pâncreas. Por outro lado, também ocorrem células progenitoras no fígado que expressam marcadores pancreáticos, como células de colangiocarcinomas que expressam amilase e lipase do tipo pancreática. Observou-se ainda que células ovais em cultura secretam insulina e ao serem transplantadas em ratos diabéticos restauram a função pancreática. No entanto, apesar das várias hipóteses apresentadas, o completo esclarecimento da origem da célula precursora hepática ainda está por vir a partir de estudos in vitro, in vivo e clínicos que vem sendo desenvolvidos de forma crescente. 14.3 HISTOLOGIA DAS VIAS BILIARES EXTRA-HEPÁTICAS Os ductos biliares extralobulares confluem, formando ductos progressiva- mente maiores até drenarem um lobo hepático. Os ductos hepáticos direito e es- querdo coletam, respectivamente, a bile de todos os segmentos hepáticos da parte direita ou esquerda do fígado e no hilo se unem para formar o ducto hepático comum ( Figura 14.1 ). O ducto hepático comum se une ao ducto cístico (ducto da vesícula biliar) para formar o ducto colédoco (ou ducto biliar comum) ( Figura 14.1 ). Frequen- temente, o ducto pancreático desemboca no ducto colédoco, formando a ampola hepatopancreática, cuja extremidade distal estreitada se abre na papila duodenal maior (papila de Vater). Podem ocorrer, entretanto, variações anatômicas na de- sembocadura desses ductos no duodeno. Os ductos biliares extra-hepáticos são revestidos internamente por um epité- lio simples cilíndrico apoiado em uma lâmina própria de tecido conjuntivo com fibras musculares lisas esparsas, exceto nas regiões inferiores de desembocadu- ra dos ductos colédoco e pancreático na ampola hepatopancreática e ao redor dela.3,4^ Nessa região, as células musculares lisas se organizam circularmente, for- mando esfíncteres. O ducto colédoco e o ducto pancreático apresentam esfínc- teres próprios. Ao redor da ampola hepatopancreática, ocorre um espessamento dessa camada muscular, formando o esfíncter da ampola hepatopancreática, ou

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Figura 14.8 – Fotomicrografia de corte histológico de vesícula biliar em aumento panorâmico (a) e em médio aumento (b,c) mostrando as túnicas mucosa (b, e 1 em c), muscular (2, em c) e adventicia (3 em c) que compõem a parede do órgão. 14.5 HISTOLOGIA DO PÂNCREAS O pâncreas é a segunda maior glândula associada ao tubo digestivo. Ele é envolvido por uma cápsula muito delgada de tecido conjuntivo de onde partem septos que subdividem a glândula em lóbulos. Os septos de tecido conjuntivo contêm vasos sanguíneos, vasos linfáticos, nervos e ductos excretores. A irrigação do pâncreas é feita por vasos derivados da artéria celíaca, da artéria mesentérica superior e da artéria esplênica. A drenagem venosa flui para a veia esplênica e sistema porta. A inervação aferente é feita pelos nervos esplênico e vago. O parênquima do pâncreas consiste de: 1) uma porção exócrina que compõe cer- ca de 98% de todo o parênquima e secreta diariamente 1200ml de um fluido alcalino

354 Sistema digestório: integração básico-clínica

rico em enzimas necessárias para a digestão de amido, gorduras e proteínas; e 2) uma porção endócrina, que perfaz aproximadamente 2%, secreta cinco hormônios cujas ações estão direta e indiretamente relacionadas à homeostasia glicêmica.

14.5.1 PÂNCREAS EXÓCRINO: ORGANIZAÇÃO TECIDUAL,

CITOLOGIA E ULTRAESTRUTURA

O pâncreas exócrino é classificado morfologicamente como uma glândula acinosa composta, ou seja, é constituído por várias unidades secretoras arranjadas na forma de ácinos que desembocam num sistema ramificado de ductos ( Figura 14.9a ).3,4^ Os ácinos são do tipo seroso (secretor de proteínas) e, na luz deles, inicia-se o sistema de ductos secretor-excretores e também se encontram as células centroaci- nares, células exclusivas do pâncreas ( Figura 14.9b , setas). As células centroacinares são contínuas com o epitélio simples cúbico baixo que reveste o ducto intercalar ( Fi- gura 14.9c ). Os ductos intercalares convergem para formar os ductos interlobulares, estes revestidos por um epitélio simples cilíndrico com algumas células caliciformes e neuroendócrinas, e imersos no tecido conjuntivo do septo ( Figura 14.9d ). Os duc- tos interlobulares se anastomosam para formar o ducto pancreático principal (ou ducto de Wirsung), que apresenta uma estrutura histológica semelhante aos ductos interlobulares. O ducto pancreático principal tem um percurso retilíneo por meio da cauda e do corpo, coletando secreções dos ductos interlobulares e tornando-se mais calibroso à medida que se aproxima da cabeça ( Figura 14.1 ). Quando atinge a cabeça do pâncreas, desemboca diretamente no duodeno, na ampola de Vater, após se unir ao ducto colédoco (ou ducto biliar comum). O ácino seroso constitui a unidade histológica funcional do pâncreas exócri- no ( Figura 14.10a ).3,4^ O ácino (palavra derivada do grego que quer dizer “bago de uva”) tem um formato arredondado composto por 40 a 50 células, as células acinares pancreáticas , organizadas ao redor de um lúmen de tamanho bem reduzido. As células acinares têm um formato trapezoide ou piramidal, cuja base é mais larga do que o ápice, o que facilita a organização tridimensional do ácino ( Figura 14.10b ). Essas células apresentam uma polaridade bem evidente, representada por uma distri- buição assimétrica de organelas no citoplasma. Estas células estão firmemente uni- das umas às outras por junções intercelulares (principalmente junções de oclusão e desmossomos) localizadas na porção superior da membrana lateral, que impedem o refluxo para o espaço intercelular dos produtos secretados no lúmen do ácino. Em cortes histológicos, o citoplasma próximo à região basal da célula acinar é fortemente basófilo em virtude da grande concentração de retículo endoplasmático rugoso e polirribossomos (ricos em ácido ribonucléico) ( Figura 14.10a ). Essas orga- nelas perfazem quase 20% do total do volume celular e são fundamentais na síntese