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Histeria: o caso Dora, Exercícios de Medicina

Em 1881, Sigmund Freud conclui o curso de medicina na. Universidade de Viena mas continua trabalhando no la- boratório de fisiologia dirigido pelo médico ...

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Nadiá Paulo Ferreira
Marcus Alexandre Motta
Histeria: o caso Dora
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Nadiá Paulo Ferreira

Marcus Alexandre Motta

Histeria: o caso Dora

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Introdução

Em 1881, Sigmund Freud conclui o curso de medicina na Universidade de Viena mas continua trabalhando no la- boratório de fisiologia dirigido pelo médico alemão Ernst Wilhelm von Brücke. Nesse laboratório, conhece o médico e fisiologista austríaco Josef Breuer, cujas pesquisas com hipnose teriam influência decisiva na criação da psicaná- lise. Formado, o jovem Freud decide pleitear uma bolsa de estudos em Paris para assistir aos cursos do neurologista francês Jean-Martin Charcot, que realizava experiências com histéricas. Com a ajuda de Brücke, obtém uma bolsa do Fundo do Jubileu Universitário e, em outubro de 1885, com 29 anos, chega à capital da França para estagiar no Hospital Salpêtrière, onde Charcot reina, com todo o es- plendor, na cátedra de neuropatologia. Um mês depois, já frequentando as aulas de Charcot todas as terças-feiras, Freud escreve uma carta à noiva, Martha Bernays, falando do impacto que suas teses sobre a histeria provocam nele: “Charcot, que é um dos maiores médicos, um gênio e um homem sério, abala profunda- mente minhas ideias e intenções. Depois de algumas con- ferências, saio como se fosse de Notre-Dame, com uma

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mulheres, não é o apanágio da meia-idade da vida e encon- tra-se por vezes nos velhos e nas crianças.” As sementes plantadas por Charcot germinam frutos. Ao retornar a Viena, Freud está convencido de que a fun- ção dos sintomas histéricos é ocultar sua origem, que está ligada a uma experiência sexual traumática. O des- conhecimento não só da causa, mas também da impli- cação do paciente com a produção de sintomas, leva-o a adotar em sua clínica o método catártico desenvolvi- do por Breuer, que usava a hipnose para fazer vir à tona lembranças apagadas da consciência de seus pacientes histéricos. Juntos, os dois escrevem e publicam, em 1895, Estudos sobre a histeria, no qual defendem que a origem dessa doença remete para experiências sexuais infantis traumáticas. Em 1900, o sonho de uma paciente, que se tornou co- nhecido como “sonho da Bela Açougueira”, leva Freud à descoberta da identificação histérica e da natureza do de- sejo na histeria, que é a fabricação de um desejo insatis- feito. Essa paciente era uma bela mulher que, apaixonada pelo marido, um açougueiro atacadista, interpela Freud em uma sessão dizendo que havia tido um sonho que con- tradizia a premissa freudiana de que todos os sonhos são realizações de desejos. Ela relata que, no sonho, quer ofe- recer uma ceia, mas só tem em casa um pequeno salmão defumado. Primeiro pensa em sair para comprar algo, en- tretanto, como é domingo à tarde, as lojas estão fechadas. Depois tenta telefonar para alguns fornecedores, só que seu telefone está com defeito. Então desiste do desejo.

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Freud faz duas interpretações que, longe de se contra- dizerem, se completam. Aliás, para ele, tais interpretações constituem “um exemplo do duplo sentido habitual dos sonhos e, em geral, de todos os demais produtos psicopa- tológicos”. A primeira interpretação se baseia no fato de que, no dia anterior ao sonho, a mulher visitara uma amiga – que é bastante magra e adora salmão defumado – de quem tem ciúme, porque seu marido está sempre elogiando essa amiga, ainda que prefira mulheres mais “cheinhas”. No en- contro, a amiga contara à mulher que desejava engordar um pouco e lhe perguntara quando é que seria convida- da para jantar, já que os jantares em sua casa eram sem- pre muito bons. Freud diz à paciente que o sonho é uma resposta à sugestão de sua amiga de ser convidada para jantar: “É como se diante da pergunta de sua amiga você tivesse pensado: ‘Qualquer dia eu te convido para que engordes, fartando-te de comer à minha custa, e agrades ainda mais o meu marido!’ Desse modo, quando, na noite seguinte, você não pode fazer uma refeição, você realiza o seu desejo de não colaborar para o arredondamento das formas de sua amiga.” A segunda interpretação liga o sonho ao desejo da pa- ciente de comer sanduíche de caviar todas as manhãs, o que havia feito com que pedisse ao marido que não lhe desse caviar, produzindo, dessa forma, um desejo insa- tisfeito. Segundo Freud, no sonho, quem deseja jantar salmão defumado não é a paciente, e sim sua amiga. A Bela Açou-

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o trabalho terapêutico tivesse prosseguido, certamente te- ríamos avançado em todos os pontos até o mais completo esclarecimento possível. Só posso oferecer aqui, portan- to, o fragmento de uma análise.” Na Introdução à edição de 1925 dos Estudos sobre a histeria, Freud alerta que esse caso é exemplar para “mostrar como a interpretação dos sonhos se entrelaça na história do tratamento e como con- seguimos, com sua ajuda, preencher as amnésias e conse- guir a solução dos sintomas”. A escolha do nome Dora, que vem do grego (doron) e significa “presente”, “dádiva”, não é casual. Dora revela a Freud o caráter homossexual do desejo insatisfeito. Essa homossexualidade é resultado de uma identificação com o homem, via pela qual a histérica se interroga sobre a feminilidade. Justamente por isso, em sua obra Lacan se refere à histérica como “mascarada”. O vestígio dessa identificação histérica é dado por Dora quando ela conta a Freud que, durante um passeio na cida- de de Dresden, na Alemanha, visita a famosa Pinacoteca dos Mestres Antigos e, ao olhar a Madona Sistina, quadro pintado por Rafael, deixa-se “ficar duas horas, sonhado- ramente perdida em silenciosa admiração”. Ante a per- gunta de Freud sobre o que tanto lhe agradara nessa tela, ela simplesmente responde: “A Madona!” A pintura de Nossa Senhora capturara Dora sem que ela soubesse por quê. Para Freud, esse arrebatamento é da mesma ordem da admiração de Dora pela Sra. K., sua amiga e amante de seu pai: uma imagem envolvida por uma aura que vela os mistérios do feminino.