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A Disputa Sobre o Herói da Independência Mexicana: Hidalgo ou Iturbide?, Notas de estudo de Pedagogia

Neste documento, encontramos uma discussão sobre quem deve ser considerado o herói da independência do méxico: hidalgo ou iturbide. Após a fase centralista, que celebrava iturbide em 27 de setembro, substituindo a data de 16 de setembro, as homenagens a hidalgo foram retomadas com os reformadores e refendadas pelos pensadores positivistas. O consagrado como primeiro herói do méxico em 16 de setembro de 1910, nas festas oficiais do primeiro centenário do processo de independência. Visíveis sinais de um novo tempo incluem a recepção de iturbide na cidade do méxico e a introdução da bandeira das três garantias. Os títulos de periódicos, folhetos e outras publicações difundiram a ideia do méxico independente, marcando o pulso político do país.

O que você vai aprender

  • Quais foram os sinais visíveis de um novo tempo durante a independência do México?
  • Como as publicações contribuíram para a difusão da ideia do México independente?
  • Quando as homenagens a Hidalgo foram retomadas após a fase centralista?
  • Quem foi o primeiro herói da independência do México?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Maracana85
Maracana85 🇧🇷

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Reprodução
Irradiar a independência do México
para a população – Hidalgo ou
Iturbide? Uma pedagogia cívica
Laura Suárez de la Torre
Tradução de Gabriela Pellegrino Soares
e Rafael Dias Scarelli
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Reprodução

Irradiar a independência do México

para a população – Hidalgo ou

Iturbide? Uma pedagogia cívica

Laura Suárez de la Torre

Tradução de Gabriela Pellegrino Soares

e Rafael Dias Scarelli

Renomartin/123RF

resumo

Este artigo lança luz sobre diferentes suportes impressos que se prestaram à construção de narrativas sobre os movimentos independentistas que deram origem ao México. Dos calendários aos catecismos, desde cedo se demarcou o terreno dos repertórios simbólicos que balizariam os cidadãos na transição para uma nova ordem.

Palavras-chave: México; calendá- rios e catecismos; construção simbólica.

abstract

This article sheds light on different supports upon which the accounts on Mexico independence were built. From calendários to catecismos, from the very beginning we can follow the rise of references that would place citizens in the arising new order.

Key words: México; calendários to catecismos; symbolic construction.

dossiê independências latino-americanas

que vos redimiram da escravidão tirando do vosso pescoço o jugo abominável que sufocou nossos antepassados, e que fazia de nós tão infelizes como eles foram?...” ( Gaceta , 1821) 3.

Dois dias mais tarde, esse exército desnudo e sem soldo, valente e patriota, que lutou pela liberdade, entrou vitorioso na Cidade do México 4. As representações que se fizeram de sua entrada na capital mostram uma cara muito distinta daquelas em que apareciam as tropas luzindo suas melhores galas. O importante é reconhecer que a entrada de Agustín de Iturbide (1783-1824) se converteu em um espetáculo esperado, entre vivas, salvações e arcos triunfais. Uniu ao seu redor os novos mexicanos

que exaltavam o realizador da indepen - dência, que o reconheciam como herói. A partir desse 27 de setembro, se iniciava um novo tempo e os agora mexicanos nutriam grandes expectativas para o novo país independente. A presença de Iturbide parecia eclipsar a dos primeiros caudilhos da luta insurgente e estabelecia uma nova visão da guerra pela emancipação. Muitos foram os sinais visíveis de um novo tempo, como, por exemplo, a recepção a Iturbide na Cidade do México, reconhecendo-o como o consumador da liberdade, ou a introdução da bandeira das três garantias (união, religião e inde - pendência), com suas cores, branco, verde e vermelho, simbolizando o nascimento do México, o início de outro tempo, com uma situação política nova, independente da Madre Patria. Tudo isso, logicamente, não era suficiente para refletir e fazer penetrar na população todo o significado do nascimento do México como nação independente. Daí que se possa dizer que uma série de elementos e práticas ajudou nessa empresa, que durou um longo tempo. Para entender como se deu o processo de conscientização da nova realidade, México , é necessário perguntar-se como se foi incorporando entre os mexicanos o sentido de país independente, a mudança da denominação “Nova Espanha” para “México”, e o reconhecimento de novos símbolos que identificavam o novo país. Sem dúvida foi longo o processo que levou os mexicanos a se reconhecerem como tais e a entenderem a mudança de situação política que transferia da Coroa espanhola para o novo país as decisões sobre seu próprio caminho, independente. E os primeiros tempos dessa transforma -

3 No original: “Mexicanos: El ejército Trigarante que con la rapidez del rayo destruyó los obstáculos que se oponían al logro de la independencia de esta rica región, va a entrar en vuestra ciudad, la Corte del grande Imperio que ha formado. Su entusiasmo patriótico es igual a su bizarría y su valor en todo conforme a su subordinación y disciplina. Desprecia los peligros, no le arredran los riesgos, y la misma muerte le fue gustosa por conseguir la libertad de la patria. […] Lo componen en la mayor parte los soldados que visteis militar al servicio del Gobierno Español, el que ni los vistió en tiempo oportuno, ni les pagó sus alcances. […] La Patria eternamente recordará que sus valientes hijos pelearon desnudos por hacerla independiente y feliz; y vosotros, Mexi- canos, ¿no recibiréis con los brazos abiertos a unos hermanos valientes que en medio de las inclemencias pelearon por vuestro bien? ¿no empañareis vuestra generosidad en vestir a los defensores de vuestras personas, de vuestros bienes, y que os redimieron de la esclavitud quitándoos del cuello el yugo ominoso que agobió a nuestros mayores, y que a nosotros nos constituía tan infelices como ellos lo fueron?...”. 4 Sabe-se que, com o passar dos dias, fizeram-se dis- tintas coletas para vesti-lo dignamente. Diferentes documentos falam dos donativos que foram arreca- dados para vestir o exército (ver: Archivo Miscelánea Histórica, 1807-1830, Fondo Xi-3, Centro de Estudios Históricos Carso).

ção foram ganhando distintas expressões, entre as quais podemos indicar a cons- trução de heróis e a escolha de datas. Neste texto, me proponho a analisar a construção inicial de um culto cívico. Mostrar a maneira pela qual se integraram à consciência pública a ideia de México , os heróis, as datas e os atos mais representa - tivos da Guerra de Independência. Almejo referir por quais meios se foram incorpo - rando à memória coletiva dos mexicanos com o fim de fixá-los no calendário e nos relatos históricos. E expor como se lançou mão da palavra oral e impressa como um recurso para reforçar um ideal, a indepen - dência, e para recordar a atuação dos que em curto espaço de tempo se tornaram heróis na gesta libertária.

OS IMPRESSOS

A palavra impressa se converteu em uma grande aliada para tornar patente esta nova condição e para instaurar sua versão da guerra. Impressos variados eram dedi - cados ao tema, discursos e sermões eram escritos para homenagear os que haviam lutado ou trabalhado pela independência. Periódicos, sermões, catecismos, calen- dários e folhetos diversos deixavam ver em seus títulos e em seus conteúdos a nova realidade, a do México independente. Fala- vam de seu significado, sinalizavam em seus cabeçalhos com o novo nome do país, ou aludindo à cidadania; faziam referência às façanhas da guerra, aos grandes homens e aos esforços que fizeram para vencê-la.

Anônimo, Solemne y pacífica entrada del Ejército de las Tres Garantías a la Ciudad de México el día 27 de septiembre del memorable año de 1821 , ca. 1822, Museo Nacional de Historia

Já não havia retorno, o México se assumia independente e devia ser perce- bido assim pelos habitantes, fazendo-os conscientes disso todos os dias, ratificando a independência não unicamente como uma visão política, mas indicando e comemo - rando aquelas datas e aqueles atores impor- tantes que se pensavam indispensáveis para convencer a todos dessa nova realidade, em que pesem os problemas políticos que logo surgiram na cena pública. A comemoração dos primeiros caudi - lhos da independência se instaurou em plena luta insurgente. Desde 1812, Ignacio López Rayón, nos Elementos constitucio- nales , demarcou o 16 de setembro como um dia solene. A celebração foi levada a cabo em Huichapán com uma missa, “[…] na qual predicou o doutor briga - deiro Francisco Guerrero, tendo havido luzes, serenatas e repiques […]”, como mencionaria anos mais tarde o político conservador Lucas Alamán (1792-1853) em sua Historia de Méjico. Ali, aproveitou para observar que “[…] nesta ocasião se publicou mais tarde um manifesto que foi enviado a Rayón desde a [Cidade] do México, em que se apresentavam todos os acontecimentos ocorridos até então de uma maneira tão contrária à verdade, que parece ter sido o prelúdio do que se escreveu depois […]”^5 (Alamán, 1850, iii, pp. 207-8).

Alguns impressos que foram escritos e publicados na primeira década de vida independente nos servirão de exemplo para abordar a imagem que se queria oferecer aos ouvintes ou aos leitores, homens e mulheres, mexicanos e estrangeiros, sobre o passado imediato, sobre a guerra que possibilitou o surgimento do México, com seus principais atores, com suas memo- ráveis façanhas.

DE TÍTULOS, SERMÕES, CALENDÁRIOS E DISCURSOS: ITURBIDE OU HIDALGO?

Uma vez terminada a guerra, o novo país começou a reorganização política que, em verdade, representou um grande desa- fio, dado que rapidamente os distintos grupos políticos começaram a perfilar sua ideia de país e a lutar para dominar o âmbito público. Por outro lado, a paz significou a volta à normalidade naque - les territórios afetados pela luta insur - gente. Vale assinalar aqui que na capital, a Cidade do México, e em outros pontos do território não se havia perturbado tanto a ordem, embora o temor da guerra fosse sempre uma ameaça. Se algo se percebe neste novo tempo é a necessidade de concretizar uma ideia: a alusão constante ao país que começava a se construir, independente da Espanha. A referência ao México e aos mexicanos foi uma constante e uma necessidade urgente que devia alcançar todos os habitantes para que compreendessem paulatinamente a nova condição do país. Por isso, a imprensa se converteu em veículo de transmissão dessa nova situação.

5 No original: “[…] en la que predicó el doctor brigadier Francisco Guerrero, habiendo habido iluminación, sere- natas y repiques […]”; “[…] Con esta ocasión se publicó más adelante un manifiesto que le fue remitido a Rayón de Méjico, en que se presentan todos los sucesos ocur- ridos hasta entonces de una manera tan contraria a la verdad, que parece haber sido el preludio de lo que se ha escrito después […]”.

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Os títulos dados aos periódicos dei - xavam para trás a ideia de Nova Espa - nha para assumir a de México e a de mexicano. Assim vemos, por exemplo, diários com nomes como Gaceta del Gobierno Imperial de México (1821-1823), El Fanal del Imperio Mexicano (1822), La Águila Mexicana (1823-1828), Gaceta del Gobierno Supremo de México (1823), El Centzontli (1822), Diario Liberal de México (1823), títulos que vão marcando o pulso político do país, que vão difun - dindo pelo território a nova condição ou que vão assumindo traços particulares da nação, como sua fauna. São os títulos que também difundem a ideia do México independente, como império ou república, como federação ou centralismo, com uma visão liberal ou tradicionalista. Buscam-se palavras que reflitam a aspiração dos que estão por trás dos impressos e da situação política do país. Por exemplo, El Federalista (1823), Indicador Federal (1825), El Correo de la Federación Mexicana (1828), Diario Liberal de México (1823), El Observador de la República Mexicana (1827-1830), La Bandera de Anáhuac o el Patriota Sanju- anista, Periódico de Mérida de Yucatán (1827-1828), rubricas que logram impac - tar um território que vai mais além da capital – centro político e lugar onde se imprimiam os jornais – considerando-se a circulação que tiveram. Embora esses impressos alcançassem somente uma pequena parcela da popu - lação – os leitores interessados na vida política e cultural do México, da Europa e dos Estados Unidos –, sua presença cotidiana incidiu necessariamente em um círculo maior, que assumiu de alguma

maneira essa ideia de México^6 , pois “[…] existiram diversos níveis de leitura dos periódicos, o nível privado, por parte dos ilustrados; o nível de leitura de pequenos círculos ilustrados onde se dava o debate real em torno do que se publicava; e final - mente o nível público que se realizava nas ruas e praças” 7 (Pérez, 2015, p. 166). Seus conteúdos refletiram a nova reali - dade do país oferecendo as notícias mais importantes acerca da situação nacional, com os debates no interior das câmaras ou referindo as principais problemáticas do novo país ou das províncias e, mais tarde, dos estados, ou fazendo referên - cia às festividades cívicas, entre muitos outros temas. Embora o país já fosse independente e a vida pública cobrasse uma importân - cia central, muitas práticas às quais a população estava habituada não mudaram, apenas se ajustaram aos novos tempos. Os sermões podem ser um bom exem - plo disso. Sua missão recaiu “em ensi - nar, deleitar e comover”, como definiu frei Diego de Estella. Segundo Herrejón (2003, p. 11), os sermões “constituem um fenômeno histórico e literário – apresen - tando um desenvolvimento ligado às cir - cunstâncias de cada época – e integram

6 Os pregões dos folhetos e da imprensa, por exem- plo, assim como a leitura em voz alta, foram veícu- los para referenciar a ideia de México e para incidir na mudança de denominação de Nova Espanha para México. 7 No original: “[…] existieron diversos niveles de lectura de los periódicos, el nivel privado, por parte de los ilustrados; el nivel de lectura de pequeños círculos ilustrados donde se daba el debate real en torno a lo que se publicaba; y finalmente el nivel público que se desarrollaba en calles y plazas”.

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cou o jugo que por três séculos pesou sobre nós [...] no memorável dia 16 de setembro de 1810. Dia venturoso, tu foste o princípio de nossas alegrias; tu foste o mais belo que houve para nós na ordem dos tempos; que estejas gravado eterna - mente em nossos corações, que o ancião caduco ao expirar te repita, que o menino balbuciante quando começar a mover sua tenra língua, a primeira palavra que arti - cule seja Religião e Independência [...], que a jovem humilde, ao recordar a cena que nos deste, derrame lágrimas virtuosas de prazer; que todos, todos nós entoemos cânticos de alegria e gratidão ao Deus dos mexicanos” (San Juan Crisóstomo, 1828, pp. 2, 3, 9, 10) 13.

As palavras que se lançavam entre os muros das igrejas deviam exercer um forte impacto; os ouvintes, os reli - giosos e os fiéis ficavam impregnados dos termos “independência”, “liberdade”, “pátria”, de frases contra a Espanha ou dos nomes que se repetiam vez e outra como responsáveis por uma gesta, como forjadores do México. Paulatinamente, iam-se fixando na memória coletiva aquelas façanhas que se deviam reco -

nhecer, os fatos a se condenar, os nomes a destacar, as datas a celebrar. Daí os calendários – produzidos “[…] então como a literatura popular por exce - lência, já que eram de utilidade durante todo o ano, mesmo para os que não sabiam ler (pois as gravuras davam conta das fases lunares), para além de seu baixo custo […] e de sua ampla distribuição” 14 – transformarem-se em um meio eficaz para a ilustração e para a difusão das novas datas cívicas (Herrera, 2010, pp. 15-16). Depois da independência, esses livri - nhos baratos e acessíveis a um grande público agregaram aos habituais conteúdos dos tempos coloniais novos elementos, que enriqueceram suas páginas, como foram as composições religiosas, as gravuras que acompanhavam as pequenas leituras, a moda que ditava a Europa, as notícias históricas, e alguns traziam até mesmo partituras. E, como ocorreu com outro tipo de impressos, estes também aludi - ram à guerra insurgente e o fizeram de diversas maneiras. Setembro ganhou uma grande impor - tância porque no dia 16 desse mês, do ano de 1810, teve início a luta pela liber - dade e 11 anos depois, em 27 do mesmo mês, Iturbide era recebido na capital do país como o consumador da independên - cia. Dois momentos, dois homens, dois ideais, duas tendências políticas se dis - tinguiriam a partir das datas e das ações e, por isso mesmo, continham uma carga

13 No original: “[…] restableció a nuestra patria sus dere- chos, rompió nuestras cadenas, arrebató el yugo que por tres siglos habíamos arrastrado. […] en el memorable día diez y seis de septiembre de mil ochocientos diez. Día venturoso, tú, fuiste el principio de nuestras dichas; tú fuiste el más bello que ha habido para nosotros en el orden de los tiempos; que tú estés grabado eternamente en nuestros corazones, que el anciano caduco al espirar te repita, que el niño balbuciente cuando comienza a mover su tierna lengua, la primera palabra que articule sea la de Religión e Independencia […] que la joven sencilla al recodar la escena que nos diste, derrame lágrimas virtuosas de placer; que todos, todos nosotros entonemos cánticos de alegría y de gratitud al Dios de los mejicanos”.

14 No original: “[…] entonces como la literatura popular por excelencia, ya que eran de utilidad durante todo el año, aun para quienes no sabían leer (pues los grabados daban cuenta de las fases lunares), además de su bajo costo […] y de su amplia distribución”.

ideológica que se identificava ou com os liberais ou com os conservadores. Para uns, Miguel Hidalgo devia ser o herói por excelência, como iniciador do movi - mento insurgente, ao passo que, para os tradicionalistas, devia ser o soldado rea - lista Agustín de Iturbide, o qual havia logrado consumar a independência. Um dos escritores mais conhecidos, José Joaquín Fernández de Lizardi (Pen - sador Mexicano), logo assumiu a tarefa de confeccionar calendários (1824 e 1825) e neles incorporaria marcos históricos que considerou fundamentais para o leitor. O pequeno livro iniciava-se com a apresen - tação de uma alegoria da nação mexi - cana seguida de “Notas cronológicas”, que começam com a criação do mundo e incorporam, para o leitor, a ideia de México , remontando à fundação do Impé - rio Mexicano, em 1327, conquistado por Hernán Cortés em 1521. Em seguida, as Notas trazem o “Primeiro grito de inde - pendência […] dado pelo Generalíssimo cidadão Miguel Hidalgo y Costilla” e, depois de sua morte, “Agustín de Iturbide deu o segundo grito de independência no povoado de Iguala, em 24 de fevereiro de 1821”^15 (Pensador Mexicano, 1823, p. 11). O editor tem interesse em indicar as datas fundacionais do novo país; consi - dera um passado remoto, mas se preo-

cupa com um presente que anuncia um futuro promissor. Não marca setembro para Iturbide, mas fevereiro, quando este firmou o chamado Plano de Independên - cia para a América setentrional. A novidade desse calendário de 1824 reside na incorporação, nos distintos meses do ano, das ações gloriosas em que luta - ram ou perderam a vida os insurgentes. Destaca, por meio de pequenas gravuras, os personagens protagonistas da guerra de independência e, por meio de uma breve nota, os fatos que ele considerava funda - mentais para a memória histórica mexicana. Não importava o rosto de quem havia participado, mas os episódios em que haviam atuado. Daí os personagens em questão serem representados de maneira muito parecida, podendo o leitor identi - ficar o herói não por sua fisionomia, mas por sua participação na luta pela indepen - dência. Em suas páginas, também associa o mês de setembro à memória de Hidalgo, de Iturbide e daqueles outros heróis cujos restos mortais foram conduzidos “com a maior pompa e solenidade” à capital 16 (Pensador Mexicano (1), 1823, p. 51). Para o ano seguinte, de 1825, Lizardi publicou um novo calendário, “dedicado às senhoritas americanas, especialmente patriotas” 17. Já o título revelava o inte - resse pelas mulheres e em lhes oferecer um material que as fizesse sentirem-se parte da nova nação. Em sua introdução, faz referência àquelas que lutaram pela 15 No original: “Primer grito de independencia […] dado pátria, que tiveram ideais a defender. São por el Generalísimo ciudadano Miguel Hidalgo y Costilla”; “Agustín de Iturbide dio el segundo grito de indepen- dencia en el pueblo de Iguala el 24 de febrero de 1821”. A essas datas seguiam outras: a entrada do exército trigarante, em 27 de setembro de 1821; a instalação do Soberano Congreso, em 24 de fevereiro de 1822; a proclamação de Iturbide como imperador, em 19 de maio de 1822, e outras mais.

16 No original: “con la mayor pompa y solemnidad”. 17 No original: “dedicado a las señoritas americanas, espe- cialmente patriotas”.

Todos, com raras exceções, eram seus inimigos, e os que dirigiram o movi- mento contra ele necessitaram se unir àqueles [antigos insurgentes], lisonjeando - -os ao lhes atribuir todo o mérito pela independência, para fazer esquecer que esta se devia a Iturbide e assim tirar aos olhos do povo o seu motivo principal de afeto por ele. Tal foi a origem da grande importância que desde então se começou a dar à festa do 16 de setembro, fazendo cair em desuso a do dia 27 do mesmo mês, que, embora estabelecida pela mesma lei que a primeira, não vol - tou a ser celebrada até que o general D. Anastasio Bustamante entrou no governo como vice-presidente, em 1830, sendo coisa verdadeiramente prodigiosa que o exército que havia feito a independência renunciasse por espírito partidário a sua glória, até deixar que se transferisse aos inimigos que havia combatido, e que a mesma geração que assistiu a todos esses acontecimentos pudesse ser enganada de tal maneira que tenha chegado a crer no contrário do que viu. Esse resultado se explica, porém, considerando-se que as leis, os objetos materiais que se apre - sentaram à vista do povo, os discursos pronunciados em público nas ocasiões solenes, os historiadores parciais ou pre - ocupados, a imprensa, todos contribuí - ram para a porfia, para causar e sus - tentar o engano, e daqui provém que a grande festa nacional não apenas tenha por objeto celebrar uma falsidade, mas também seja um ato, todos os anos repe - tido, de ingratidão, atribuindo a glória de ter feito a independência aos que não a mereceram, para privar dela aquele a quem é devida por justiça, reiterando

contra a memória de Iturbide a ofensa que então se fez a sua pessoa. Como consequência desses princípios, o congresso aprovou o parecer da comis- são de prêmios que havia sido apre - sentado antes de sua dissolução e, por decreto de 19 de julho de 1823, decla - rou: ‘bons e meritórios os serviços fei - tos à pátria nos onze primeiros anos da Guerra de Independência, e beneméritos em grau heroico Hidalgo, Allende, D. Juan Aldama, Abasolo, Morelos, Mata - moros, D. Leonardo e D. Miguel Bravo, D. Hermenegildo Galeana, Jiménez, Mina, Moreno e Rosales’; mandaram escrever seus nomes em letras de ouro no salão de sessões do Congresso; levantar monu - mentos a sua memória nos lugares em que foram executados; e exumar seus cadáveres nos casos em que puderam ser achados para serem conduzidos à [Cidade] do México, fazendo-lhes no dia 17 de setembro um magnífico funeral na cate - dral, à cuja pompa assistiram muitos dos que os haviam mandado fuzilar. Seus ossos foram depositados na abóbada do altar dos Reis e as duas chaves de prata da urna que os continha foram entregues, uma ao presidente do Congresso, para que a guardasse no arquivo deste, e a outra ao [presidente] do Poder Executivo, que a colocou no Ministério de Relações. Aos nomes que, por aquele decreto, inscre- veram-se no salão de sessões, agregaram - -se depois por outros [decretos] diver - sos os de Barragán, Múzquiz, Victoria e Ramos Arizpe, o segundo, na verdade, com bem pouco motivo, e em virtude de suas faculdades extraordinárias, o Gene - ral Santa Anna fez incluir também os de Guerrero e de Ignacio Rayón. No meio

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de todos, por disposição do Congresso, colocou-se o de Iturbide e o sabre que tra - zia consigo quando entrou na [Cidade] do México” (Alamán, 1885, t. iv, pp. 582-5) 19.

O culto aos primeiros caudilhos foi se consolidando. Não obstante, as duas datas, o início ou a consumação da independên - cia, se mantiveram no ambiente político e se identificaram ou com a visão liberal ou com a conservadora, deixando claro que não se podia falar de uma perspectiva unívoca. As duas facções, federalistas e centralis - tas, liberais e conservadoras, republicanas e monarquistas, enfrentaram-se ao longo do século XIX e apelaram a seus heróis como parte da contenda ideológica. Hidalgo ficou ao lado do primeiro bando, ao passo que

Agustín de Iturbide foi acolhido pelos con- servadores. E o que Fernández de Lizardi havia querido instaurar como duas datas a se comemorar em igualdade de circunstân- cias, como uma homenagem justa aos dois personagens principais, foi se radicalizando ao longo do século em duas visões distin - tas, cada uma pertencente a uma facção política, a uma ideia de país, à veneração de determinados heróis.

À MANEIRA DE CONCLUSÃO

Esses exemplos constituem uma peda- gogia cívica que vai moldando a memória coletiva e consolidando o nome do país, o adjetivo “mexicano”, as datas a comemorar,

19 No original: “El haber sido nombrados individuos del Poder ejecutivo Victoria y Guerrero, fue efecto del cambio favorable para los antiguos insurgentes, que produjo el triunfo de la revolución contra Iturbide. Todos, con alguna muy rara excepción, eran enemigos de éste, y los que dirigieron el movimiento contra él, necesitaron unirse a aquellos, lisonjeándolos con atribuirles todo el mérito de la independencia, para hacer olvidar que ésta se debía a Iturbide y quitar así a los ojos del pueblo el motivo principal del afecto que le tenía. Tal fue el origen de la grande importancia que desde entonces se comenzó a dar a la fiesta del 16 de septiembre, haciendo caer en desuso la del 27 del mismo mes, que aunque establecida por la propia ley que la primera, no se volvió a celebrar hasta que entró en el gobierno como vice-presidente en 1830 el general D. Anastasio Bustamante, siendo cosa verdaderamente prodigiosa, que el ejército que había hecho la independencia, abjurase por espíritu de partido su gloria, hasta dejar que se trasladase a los enemigos que había combatido, y que la misma generación que vio pasar todos estos sucesos, pudiese ser engañada de tal manera, que haya llegado a creer lo contrario de lo que vio. Pero este resultado se explica, atendiendo a que las leyes, los objetos materiales que se presentaron la vista del pueblo, los discursos pronunciados en público en las ocasiones solemnes, los historiadores parciales o preocupados, la imprenta, todos han contribuido a porfía, a causar y sostener el engaño, y de aquí ha provenido que la gran fiesta nacional no sólo tenga por objeto celebrar una falsedad, sino que sea un acto todos los años repetido de ingratitud, atribuyendo la gloria de haber hecho la independencia a los que no la merecieron,

para privar de ella a aquel a quien es debida de justicia, reiterando contra la memoria de Iturbide, el agravio que entonces se hizo a su persona. En consecuencia de estos principios, el congreso aprobó el dictamen de la comi- sión de premios que había sido presentado antes de su disolución, y por decreto de 19 de julio de 1823, declaró: ‘buenos y meritorios los servicios hechos a la patria en los once primeros años de la guerra de independencia, y beneméritos en grado heroico a Hidalgo, Allende, D. Juan Aldama, Abasolo, Morelos, Matamoros, D. Leonardo y D. Miguel Bravo, D. Hermenegildo Galeana, Jiménez, Mina, Moreno y Rosales’; mandáronse escribir sus nombres en letras de oro en el salón de las sesiones del congreso; le- vantar monumentos a su memoria en los lugares en que fueron ejecutados; y exhumar sus cadáveres en los casos que pudieron ser hallados para ser conducidos a México, haciéndoseles el 17 de septiembre un magnifico funeral en la catedral, a cuya pompa ocurrieron muchos de los que los habían hecho fusilar. Sus huesos se depositaron en la bóveda del altar de los Reyes, y las dos llaves de plata de la urna que los contenía, se entregaron la una al presidente del congreso para que se guardase en el archivo de éste, y la otra al del Poder ejecutivo, la que se puso en el ministerio de relaciones. A los nombres que por aquel decreto se inscribieron en el salón de sesiones, se han agregado después por otros diversos, los de Bar- ragán, Múzquiz, Victoria y Ramos Arizpe, el del segundo a la verdad con bien poco motivo, y en virtud de las facul- tades extraordinarias, el general Santa Anna hizo poner también los de Guerrero y D. Ignacio Rayón. En medio de todos se colocó por disposición del congreso, el de Iturbide y el sable que llevaba cuando entró en México.

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