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HermesTrismegistoCorpus.pdf, Notas de estudo de Tradução

HERMES TRISMEGISTO E O CORPUS HERMETICUM: UM ESTUDO SOBRE A. RELAÇÃO DO HERMETISMO COM O PENSAMENTO FILOSÓFICO. RENASCENTISTA. UBERLÂNDIA.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Rafael86
Rafael86 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
THIAGO BARBOSA VIEIRA
HERMES TRISMEGISTO E O CORPUS HERMETICUM: UM ESTUDO SOBRE A
RELAÇÃO DO HERMETISMO COM O PENSAMENTO FILOSÓFICO
RENASCENTISTA
UBERLÂNDIA
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

THIAGO BARBOSA VIEIRA

HERMES TRISMEGISTO E O CORPUS HERMETICUM : UM ESTUDO SOBRE A

RELAÇÃO DO HERMETISMO COM O PENSAMENTO FILOSÓFICO

RENASCENTISTA

UBERLÂNDIA

THIAGO BARBOSA VIEIRA

HERMES TRISMEGISTO E O CORPUS HERMETICUM : UM ESTUDO SOBRE A

RELAÇÃO DO HERMETISMO COM O PENSAMENTO FILOSÓFICO

RENASCENTISTA

TrabalhoUniversidade Federal de Uberlândia como requisito apresentado à banca examinadora da à obtenção do título de bacharel em Filosofia. Orientador:Sobrinho. Prof. Dr. Rubens Garcia Nunes

UBERLÂNDIA

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, dou graças pela síntese amorosa que se manifesta por meio destas palavras. Sem seu apoio e confiança incondicionais, as conjecturas que potencializaram este breve estudo nunca teriam tido oportunidade de acontecer. Aos meus irmãos agradeço pelos anos de convivência que me fizeram compreender primordialmente o calor fraterno que enriquece as relações humanas. Agradeço aos meus amigos por estarem presentes em todos momentos, não importa a distância, seu suporte faz que eu sou. A todos os colegas do curso de graduação em Filosofia cuja companhia no aprendizado fez toda a diferença na formação de quem agora escreve. Sou grato à Universidade Federal de Uberlândia por me proporcionar os anos de formação acadêmica e humana, os que foram e os que ainda virão. Aos professores e técnicos cuja oportunidade eu tive de conhecer e dos que para mim ainda são incógnitos, mas que em algum grau contribuíram para meu desenvolvimento, meu muito obrigado. Um agradecimento especial para meu orientador Rubens Garcia Nunes Sobrinho, pela confiança e paciência em me orientar em um ritmo ímpar, pela amizade empreendida nas conversas amistosas que me motivaram a escrever sobre um tema que é muito caro e por compartilhar com este estudante a busca por um paradigma superior sobre a vida. Fui agraciado pela companhia de mestres que se tornaram queridos e que hoje tenho a honra de partilhar de sua amizade. Cometerei o injusto pecado de não poder citar a todos que me apoiaram com o afeto e atenção na minha jornada de graduação. Entre eles, agradeço especialmente ao José Benedito de Almeida Júnior que me mostrou o caminho do verdadeiro ofício de professor, ensinando-me pelo exemplo edificante e pelos valiosos conselhos. Ao Márcio Chaves-Tannús sou muito grato pela enorme atenção dada aos questionamentos que iniciaram os alicerces deste trabalho, além de ter aberto a sua biblioteca pessoal para que este graduando pudesse tomar notas. É preciso dizer que este trabalho só existe pelo incansável apoio da minha companheira e amiga Duartina Ana Dias, cujas palavras e atos de incentivo, além do calor de sua terna presença, embalaram cada palavra que pude exprimir nestas páginas. São marcas indeléveis que carrego com carinho em minha alma. Por tudo, sou eternamente grato.

RESUMO

O objetivo deste trabalho é fazer um estudo introdutório sobre a relação entre HermesTrismegisto (uma figura em que é imputada extrema antiguidade, considerado pelos estudiosos da Renascença como anterior ao Platão e contemporâneo de Moisés) e os textos atribuídos a ele (o Corpus Hermeticum ) com o pensamento filosófico do Renascimento. Para isso, conduz uma investigação sobre a influência dessa figura eminente na mentalidade humana sobre a construção de uma ciência moderna. Para este fim, levamos em consideração a sua recepção,leitura e interpretação por parte dos homens do Renascimento. O estudo procura mostrar os esforços de Marcilio Ficino na tradução urgente do Corpus Hermeticum , uma tarefa dada por seu mestre Cosimo de' Medici em detrimento da tradução das obras de Platão. Além disso, foi necessário avaliar a principal narrativa que afirma que os filósofos, magos e alquimistas da Renascença (leitores de textos atribuídos a Hermes Trismegistus) desempenharam um papelextremamente significativo no desenvolvimento da ciência moderna, expressa pela historiadora Frances A. Yates. Uma vez identificada que essa tese merece atualizações, este trabalho verifica as pesquisas contemporâneas sobre o assunto, no tocante à mensagem de Hermes Trismegisto, e sobre um provável equívoco no entendimento de sua filosofia cujo ponto chave é a noção de gnose , pouco valorizada na leitura de Ficino. Palavras-chave: Hermes Trismegisto, Corpus Hermeticum , Filosofia do Renascimento, Frances Yates, Marcilio Ficino.

ABSTRACT

The objective of this work is to make an introductory study on the relationship between Hermes Trismegistus (a figure in which is imputed extreme antiquity, considered by the Renaissance scholars as prior to the Plato and contemporary of Moses) and texts attributed to it (the Corpus Hermeticum ) with the philosophical Renaissance thinking. In order to do that, conduct an investigation into the influence of that eminent figure in the human mentality, on theconstruction of a modern science. To this end, we take into consideration its reception, reading and interpretation on the part of the men of the Renaissance. The study seeks to show the efforts of Marcilio Ficino in the urgent translation of the Corpus Hermeticum , a task given by his master Cosimo de 'Medici to the detriment of the translation of Plato's works. In addition, it was necessary to evaluate the main narrative that states that the philosophers, magicians andalchemists of the Renaissance (readers of texts attributed to Hermes Trismegistus) played an extremely significant role in the development of modern science, expressed by the historian Frances A. Yates. Once identified that such a thesis deserves updates, this work goes on to verify the contemporary research on the subject, regarding the message of Hermes Trismegistus, and on a probable misconception of its philosophy whose key point is the notionof gnosis , little valued in Ficino's reading.

Keywords : Hermes Trismegistus, Corpus Hermeticum , Renaissance Philosophy, Frances Yates, Marcilio Ficino.

INTRODUÇÃO

Os estudos acerca da tradição mágico-hermética no renascimento já são bem desenvolvidos no âmbito acadêmico. Estudos panorâmicos e importantíssimos como os de Mircea Eliade em relação à História das Religiões, se juntam às pesquisas distintas de vários autores como e pesquisadores do Renascimento como Eugenio Garin, O. P. Kristeller, Francis Yates (ao estudar o hermetismo de Giordano Bruno) Edwin Arthur Burtt, Keith Thomas, Lynn Thorndike, Paolo Rossi, Paolo Casini, Wouter J. Hanegraaff, entre outros. De acordo com tais estudos, nota-se uma grande importância na figura de Hermes Trismegisto e dos escritos atribuídos a ele, como o Corpus Hermeticum. Alguns desses estudos têm como cerne a problematização da relação do Hermetismo com o desenvolvimento científico que colocou o mundo ocidental de fato na idade moderna e influenciou de certa forma o pensamento do homem em um suposto rumo ao progresso e na sua visão em relação à natureza e a realidade. Grandes figuras, conhecidas por sua indiscutível contribuição para a ciência moderna como Kepler, Newton e Giordano Bruno, além de pensadores como Marcílio Ficino, Pico della Mirandola, Tommaso Campanella, Cornélius Agrippa, Paracelso e Francis Bacon^1 possuem em sua trajetória histórica alguma ligação com as denominadas ciências ocultas, mesmo que em graus e contextos diferentes, podendo chegar a considerá-los magos e alquimistas. Até que ponto o hermetismo e a magia foram condições necessárias para o desenvolvimento do pensamento renascentista e consequentemente para a construção filosófica do homem moderno? Esta pergunta nos leva irremediavelmente a uma série de outras perguntas. Encontrar a verdade na resolução dos problemas que surgem em órbita deste questionamento é

(^1) Cf. WALKER, D.P., 2000, p. 200-202.

para nós como iluminar e conhecer a face oculta da lua, uma vez que tais estudos são negligenciados e ganharam o status de “conhecimento rejeitado” (HANEGRAAFF, 2012). Na busca por uma perspectiva filosófica que permeia o pensamento mágico renascentista, o nome mais evidente é o de Hermes Trismegisto e os escritos atribuídos a este nome. Talvez seja o primeiro grande mistério a ser desvendado para compreender os desdobramentos que sua filosofia gerou na modernidade, mas que permanece ainda oculto quando estudamos de maneira superficial o processo histórico do desenvolvimento do pensamento moderno.

1 – O TRISMEGISTO E O CORPUS HERMETICUM NO RENASCIMENTO

Durante o Renascimento, precisamente em 1463, Marcílio Ficino estava se preparando para fazer a tradução dos textos de Platão, do grego para o latim, mas seu patrão, Cosimo de’ Medici, pediu que ele deixasse este projeto de lado e se lançasse em outra empresa cuja urgência merecia a sua atenção imediata. É surpreendente que Cosimo de’ Medici fizesse este pedido para seu escriba, pois fazia pouco tempo que ele havia pedido a tradução de Platão para que ele próprio pudesse ler antes de sua morte: Mas depois, em 1462, ele [Cosimo] me encarregou em traduzir primeiro MercúrioTrismegisto e depois Platão. Eu terminei Mercúrio em alguns meses enquanto Cosimo ainda vivia, e depois eu comecei a trabalhar também em Platão1537 Apud GENTILE, 2001, p. 19, tradução nossa da versão em inglês).^2 (FICINO 1576, p. O mecenas italiano já contava 74 anos, idade muito avançada se comparada com a expectativa de vida comum do século XV. Ele queria ler toda a obra de Platão, uma tarefa impressionante até para uma pessoa jovem. Pode-se assumir que pedir a Ficino que desistisse

(^2) “‘Posthac autem anno millesimo quadrigentesimo sexagesimo tertio [...] mihi Mercurium primo Termaximum, mox Platonem mandavit [scil. Cosmus] interpretandum. Mercurium paucis mensibus eo vivente peregi, Platonem tunc etiam sum agressus’; ‘But later, in 1462, he [Cosimo] charged me with translating first Mercury Trismegistus and then Plato. I finished Mercury in a few months while Cosimo was still living, and then I began work also on Plato’”

p. 16). Já foi dito que ele viveu antes do Dilúvio, foi o inventor dos hieróglifos e com eles escreveu sua sabedoria em estelas. Outro Hermes Trismegisto fez a tradução dos seus escritos para livros em grego (EBELING, 2007). Há um que é considerado neto de Adão e escreveu em dois pilares (um em tijolo e outro em pedra) com a finalidade de proteger os seus escritos da destruição. Se falou de um outro que, nesta história, guardou sua sabedoria escrita sob templos egípcios (LACHMAN, op. cit .). Em De natura deorum, Cícero explica que existiram cinco Hermes e o quinto foi para o Egito, em fuga, após matar o gigante Argos Panoptes (de muitos olhos). No Egito, ele teria dado as leis e a escrita aos egípcios, além de ter adotado o nome Toth, sendo a partir daí sincretizado com o deus Toth do panteão egípcio (YATES, 1990, p. 14). Para Marcílio Ficino, que se apoiou na autoridade de Santo Agostinho e de Lactâncio ( Ibid ., p.18), Hermes Trismegisto era quase contemporâneo de Moisés, mas certamente mais antigo que Platão ou Pitágoras. Para alguns, ele poderia ser ainda mais antigo. E o que é o Corpus Hermeticum? A coleção de textos deste tratado tem caráter místico, filosófico e iniciático. Apesar de ser atribuído ao Trismegisto, certamente foi escrito por um número de diferentes autores em muitos anos (LACHMAN, 2011, p. 15). Acredita-se que a coleção poderia ser muito maior do que os quinze livros que chegaram até nós: Clemente de Alexandria fala de quarenta e dois livros. A cópia incompleta que chegou até Ficino foi organizada por um erudito bizantino, por volta do século XI, chamado Michael Psellus. É possível dizer que esta coleção é provavelmente diferente dos textos que originalmente foram coletados em Bizâncio. (COPENHAVER, 1992, p. xli). Sobre o texto mais difundido no renascimento, a sequência de quatorze livros herméticos ficou intitulada por Ficino de Pimandro^5. O primeiro texto trata sobre a criação do

(^5) Do grego Ποιμάνδρης, Poimandres ou Divine Pymander ou mesmo Pimander: em uma tradução livre, quer dizer Pastor de Homens. Para os hermetista cristãos não é estranha a identificação com Cristo, o Pescador de Homens. Outras traduções pode significar “mente de autoridade” ou “mente de soberania” (LACHMAN, 2011, p. 29)

mundo, outros tratam sobre a ascensão do iniciado pelas esferas dos planetas a fim de retornar à divindade. Há textos que tratam de um processo de regeneração do espírito, onde este se livra das limitações terrenas e alcança virtudes e poderes divinos. Por último, o que seria o décimo quinto livro, se chama Asclépio^6 , já era anteriormente conhecido por já ter sido traduzido antes para o Latim (anterior a Ficino), e narra aspectos da religião egípcia em que os sacerdotes animavam magicamente as estátuas dos deuses, além de uma profecia da queda do Egito e suas tradições sagradas. Os eruditos na renascença acreditavam na extrema antiguidade dos escritos que conseguiram recuperar. Ser antigo no renascimento significava ser importante. Havia uma aura de glória na Antiguidade e esperava-se poder recuperá-la. Conforme Yates, havia a concepção de que “o antigo é puro e santo, de que os primeiros pensadores viviam mais perto dos deuses do que os diligentes racionalistas, seus sucessores” (YATES, 1990, p. 17). Marcílio Ficino permitiu que à revivescência de Platão e do neoplatonismo (como um movimento que que se poderia somar ao cristianismo) fosse agregado o tema da magia. O que proporcionou tal fato foi a aceita teoria de que Hermes Trismegisto era pio e antigo, priscus theologus e mago. Sem dúvida, a atribuição de profeta do "Filho de Deus", proveniente de Lactâncio, já era confirmada pelo Asclépio , antes da tradução do Corpus Hermeticum e, por causa desta obra, Ficino se sentiu autorizado a evitar a censura de Agostinho^7. "A presença de Hermes Trismegisto no interior da Catedral de Siena, na qualidade de profeta gentio segundo Lactâncio, é sintomática do êxito desta reabilitação." ( Ibid , p. 71)

(^6) É um texto hermético cuja tradução para a língua latina era comumente atribuída a Apuleio de Madaura, escritor e filósofo considerado platônico. Mas tal afirmação não é comprovada. Conforme Yates, Lactâncio teria usadocomo referência o texto do Asclépio em grego e Agostinho teria se servido da tradução para o latim atribuída a Apuleio. (^7) Agostinho admitia a extrema antiguidade atribuída a Hermes Trismegisto, mas o condenava por ter obtido a presciência do futuro (como a profecia do Filho de Deus) pelos “demônios que reverenciava” (YATES, 1990 p. 22)

ocorreu em 1614 por Isaac Casaubon, um homem nascido em Genebra de família protestante, conhecido por ser um dos maiores conhecedores do grego de seu tempo e também erudito em todas as áreas do saber clássico e da história da Igreja (Cf. YATES, p. 441). Por meio de uma série de análises, Casaubon identificou os escritos herméticos não como anteriores à era cristã, mas provenientes do século II ou III d.C. De acordo com Yates, tal descoberta esmagou de um só golpe a estrutura do platonismo renascentista, cujabase se assentava nos prisci theologi , dos quais o principal era Hermes Trismegisto. Destruiu a situação do mago e da magia renascentista com seus fundamentoshermético-cabalísticos, alicerçados na antiga filosofia ‘egípcia’ e no cabalismo. Destroçou até o movimento hermetista não-mágico do século XVI. Desmantelou asituação de um extremista hermético como Giordano Bruno, com uma plataforma que consistia apenas no retorno a uma ‘melhor’ filosofia egípcia ‘pré e a uma religião mágica que, aliás foi explorada com a descoberta de que os escritos-judaica e pré-cristã’, do santo egípcio deviam ser datados não só muito posteriormente a Moisés, comotambém muito depois de Cristo. Abalou, além disso, a base de algumas tentativas de erigir uma teologia natural sobre o hermetismo, tais como aquela em que Campanelladepositou suas esperanças. ( Ibid ., p. 440, grifo da autora).

Esse “desprestígio” ao Trismegisto, estava em uma crítica a Baronius^8 , mais especificamente uma crítica de Casaubon a um texto em doze volumes que atacava a lenda da venerável antiguidade da Hermetica. Assim, tal novidade tirava Hermes do seu status de extrema antiguidade. Giordano Bruno fora condenado e morto pela Igreja 14 anos antes da descoberta de Casaubon e, assim como atesta Yates, nunca perdeu a fé na extrema antiguidade de Hermes Trismegisto. Campanella, que defendeu o Hermetismo nos seus escritos, continuou seu trabalho como quem desconhecia totalmente a descoberta de Casaubon. O neoplatonismo renascentista perdurou em meio à época das novas filosofias e da nova ciência. A atitude renascentista frente à figura de Hermes Trismegisto perdurou com Robert Fludd, os rosa-cruzes e Atanásio Kirsher. ( Ibid. p. 445) Além disso, o fato dos humanistas não terem se dado conta de que a Hermética, ou seja, os textos atribuídos a Hermes Trismegisto, não serem de fato de uma data tão pretérita como se

(^8) Segundo Frances Yates (1990), os 12 volumes dos Annales ecclesiastici, de Cesare Baronius, que surgiram entre 1588 e 1607, eram “a réplica da Contrarreforma à perspectiva protestante da história da Igreja” (p. 441). Baronius morreu em 1614 e foi enterrado na Abadia de Westminster.

supunha, trouxe resultados de alta reverberação para a história do pensamento filosófico. O que nos interessa para este trabalho é discutir e investigar a hipótese de que o Hermetismo e a magia permearam significantemente todo o processo conhecido de desenvolvimento do pensamento moderno e qual a relevância do pensamento hermético no processo histórico-filosófico que conduz até Galileu, supostamente proveniente de um desenvolvimento contínuo da tradição racional da ciência grega que atravessa a Idade Média e a Renascença. Paolo Rossi sustenta a ideia de que os métodos, as categorias, as instituições da ciência moderna foram construídos emalternativa a uma visão mágico-hermética do mundo que era, naqueles séculos, não um fato de folclore, mas um fato de cultura, que se punha diante daquilo que hoje chamamos ‘ciência’ e que era definido como ‘filosofia natural’, como uma via alternativa dotada de possibilidades reais, rica de uma antiga tradição, capaz deunificar tendências e orientações diversas (ROSSI, 2000, p. 48).

Haveria uma contundente mudança nos interesses do homem em relação ao mundo em que vive e seu funcionamento. Ao analisar a história do desenvolvimento do pensamento moderno, nota-se que houve, de fato, um novo direcionamento da vontade em relação ao funcionamento do mundo ao rejeitar o arcabouço filosófico natural aristotélico e consultar a própria sensação e razão^9. Rossi observa que no pensamento comum renascentista existe a noção de que a natureza é algo universal, que subentende uma harmonia, abrangendo todas as coisas. O homem é um ser que está na natureza fazendo e faz parte dela, mas com a importante distinção de que ele pode atuar no mundo, exercendo a sua liberdade enquanto essência mais pura. Possuindo em potência o conhecimento infinito, o homem estabelece assim a capacidade de reproduzir o universo no pensamento. A partir destas noções comuns à mentalidade renascentista, podemos distinguir de maneira mais contundente o pensamento dos magos herméticos dos representantes do secular pensamento moderno.

(^9) “[...]nós ‘humilhávamos demais nosso próprio status ... quando tentávamos aprender de Aristóteles aquilo que ele não sabia ou não conseguia descobrir, em vez de consultar nossa própria sensação e razão Apud. Grant, 2009, p. 357, grifo do autor). .’ [...].” (Galileo Galilei

técnica. Hadot expõe que tais aspirações se juntaram, às aspirações da magia e homens como Roger Bacon imaginavam máquinas que poderiam voar sob o comando do ser humano, máquinas que poderiam permitir que se caminhasse no fundo do oceano, aparelhos que proporcionasse a visão de objetos distantes, espelhos capazes de produzir incêndios, etc. Para isso se utilizava o poder do fogo, do magnetismo, da luz e de uma série de elementos que utilizamos ainda hoje, como é o caso do petróleo. Havia ainda as pesquisas alquímicas que aspiravam por produzir ouro e elixires para prolongar a vida ( Ibid ., p. 136). Para Roger Bacon, no entanto, tais visões esperançosas de um mundo maravilhoso graças à magia natural e à mecânica se afastam das visões dos modernos no que tange à motivação principal. Ele era um cristão que se dedicava à apologética e todas as maravilhas deveriam servir à cristandade. Como Pierre Hadot denota, uma grande quantidade de literatura sobre mágica (a maioria traduções do árabe) começa a se desenvolver no Ocidente latino a partir do final do século XII até o século XVI. É a partir do fim da Idade Média e no Renascimento que uma noção de “magia natural” começa a emergir. Com esta noção viria a possibilidade de dar uma explicação natural dos fenômenos que até então só poderiam ser explicados como feitos por demônios, os únicos conhecedores dos segredos da natureza. Agora os homens poderiam ter a chance de alcançar o conhecimento das forças ocultas que regem as coisas sem a necessidade de pedir ajuda aos demônios. Tais conhecimentos estão escondidos secretamente no seio da natureza e cabe ao homem descobrir as qualidades ocultas na fauna e na flora, além das relações simpáticas e antipáticas entre os seres naturais ( Ibid ., p. 130). Segundo Edward Grant, durante a Idade Média a magia e as ciências ocultas (astrologia e alquimia, por exemplo) “formariam parte integrante da filosofia natural porque elas todas, em algum sentido, se ocupam da matéria em movimento” (2009, p. 223). No entanto, é muito importante ter em mente que a magia era condenada pela Igreja porque se pensava que os praticantes se envolviam com demônios. Grant diz que “muitos, senão a maioria” dos crentes

na eficácia das práticas mágicas negavam a acusação do envolvimento com demônios dizendo que a magia era parte da natureza e é justamente este aspecto da magia que o autor diz ter um papel na Filosofia Natural do medievo. A visão que os filósofos escolásticos tinham da magia natural era baseada nas visões de São Tomás de Aquino. Ele insistia que “quaisquer poderes que o corpo tenha derivam dos elementos que o compõem”, porém alguns efeitos não eram oriundos dos elementos, mas de “princípios mais elevados” (TOMÁS DE AQUINO apud GRANT, p. 226). Estes princípios que não derivavam de forças naturais dos elementos estavam inerentes a outras fontes como “corpos celestes (órbitas, planetas e estrelas) e substâncias diferenciadas (Deus, inteligências, ou anjos e demônios)” ( Ibid ., p. 227). Um efeito poderia ser causado por forças terrestres e atribuídos à força causadora dos corpos celestes, mas eram considerados mágicos por Tomás de Aquino e por outros filósofos naturais porque “o efeito não derivava dos elementos que compunham o corpo em questão” ( Ibid ., p. 227). No entanto, “esses efeitos mágicos eram considerados naturais porque eram causados pelas forças naturais dos corpos celestes” ( Ibid ., p. 228). Já os efeitos mágicos causados por Deus, pelos anjos ou pelos demônios (substâncias diferenciadas) não eram naturais, mas sobrenaturais, podendo ser benéficos e servir a propósitos naturais (divinos e angelicais) ou maléficos (demoníacos) e, consequentemente, condenados pela Igreja. Como exemplos dos efeitos ocultos citados acima, Tomás de Aquino dá o exemplo do ímã que atrai o ferro e certos remédios que agem em humores de áreas específicas do corpo. As qualidades ocultas, além de não serem perceptíveis nos corpos por onde eram manifestas (incolor, indolor, inodoro, intangível, invisível e sem formas). Apesar de perceber o efeito do imã atrair o ferro, não é possível sua ação causal. Segundo Grant,

os filósofos naturais escolásticos não encaravam como uma obrigação ou dever adeterminação de que causas específicas permitiam a um imã atrair o ferro, ou que agentes causais poderiam ser operativos nas ações purgativas de certos remédios. Eles

ouro”. Há o que podemos considerar uma inversão desta ideia onde, relacionando a ideia de progresso (tema central do texto de Paolo Rossi), temos que a descoberta da verdade se dará com os sucessivos desenvolvimentos e descobertas do homem a caminho de uma era futura e promissora. No passado, ou no início dos tempos, não há mais a noção de uma verdade a ser encontrada, mas sim o que é rude, bárbaro e selvagem. Esta concepção, portanto se faz diretamente relacionada à noção de progresso que rege os caminhos desde a barbárie e a civilização, por meio da ciência técnica ( Ibid .). Desta forma, foi por meio da figura de Hermes Trismegisto, e dos escritos lhe são atribuídos que os magos renascentistas, apesar de operarem de modo diferente dos cientistas modernos, desenvolveram conjecturas que estimularam a vontade humana de desvendar o véu de Ísis. No entanto, é preciso verificar como o maior baluarte desta conjectura, que é a tese de Frances Yates, se dispõe em relação à comunidade acadêmica até os dias atuais.

2 - A TESE DE YATES E A DISSONÂNCIA NA COMUNIDADE ACADÊMICA

France Yates (1889 – 1981) foi uma importante historiadora inglesa, especialista no estudo do período da Renascença. Lecionou pela Universidade de Londres, no Instituto de Warburg^11 , onde foi afiliada por quarenta anos e escreveu vários livros abordando a história do esoterismo^12. Seu trabalho ganhou forte evidência a partir da publicação, em 1964, de sua mais

(^11) Warburg Institute em Londres, uma biblioteca erudita fundada por Aby Warburg (1866–1929) e dedicada para o estudo interdisciplinar da civilização Europeia. Sua biblioteca possuía milhares de volumes raros e havia sidolevada para Londres nos anos 30, um pouco antes do governo nazista ser instaurado na Alemanha. (Cf. JONES, 2008, p.115-117.) (^12) O termo “esotérico” é problemático e carrega uma carga de preconceito histórico e culturalmente construído, por isso, deve ser visitado a fim de elucidar qual tipo de esoterismo estamos tratando neste trabalho: “ESOTÉRICO, EXOTÉRICO (grèacote piKÓÇ; èÇcoxepiKÓç; in. Esoteric, exoteric; fr. Ésotérique, êxotérique, ai. Esoterisch, exoterisch; it. Esotérico, éssoterico). O primeiro destes termos encontra-se nos últimos escritoresgregos para indicar doutrinas ou ensinamentos reservados aos discípulos de uma escola, que não podiam ser comunicados a estranhos (GALENO, 5, 513; JÂMBLICO, Comm. Math., 18). O segundo termo é muitas vezesempregado por Aristóteles (Pol., 1278 b 31; Met., 1076 a 28; Et. nic, 1102 a 26, etc.) para designar suas obras populares, destinadas ao público (em forma de diálogos, dos quais só temos fragmentos), em contraposição aosescritos acroamáticos, destinados aos ouvintes, que eram os apontamentos das lições que chegaram até nós (v.

significativa obra. Giordano Bruno e a Tradição Hermética^13 propõe situar Bruno, conforme o título, nessa tradição a fim de evidenciar com a sua investigação histórica que a influência (“em parte oculta”) do Hermetismo na obra de um importante pensador renascentista faz abrir “novos modos de ver conhecidos fenômenos” (YATES, 1990, p. 500). Como já tratamos, Yates propõe que a denominada Tradição Hermética foi fundamental para o desenvolvimento do que conhecemos hoje como ciência moderna. Ela afirma que a revolução científica “sobreveio mais por uma transformação sistemática das perspectivas intelectuais do que por um acréscimo do equipamento técnico” (I bid ., p. 491). Assim, por meio da filosofia hermética, os magos renascentistas, apesar de operarem de modo diferente dos cientistas modernos, desenvolveram conjecturas que estimularam a vontade humana de descobrir mais sobre os segredos da natureza, e até de interferir enquanto agente ativo e investido, inclusive, de divindade. Esta proposição posteriormente se tornou uma tese ou mesmo um paradigma (HANEGRAAFF, 1996) para todos que se aproximam dos estudos do esoterismo ocidental, na comunidade acadêmica ou no público geral. O tom do seu texto e a forma com que expõe suas hipóteses, mesmo com algo de despretensioso no discurso (assumindo o risco de equívocos^14 ), se desenvolve uma narrativa que dá a entender que a historiografia oficial tenha se esquecido de uma Tradição Hermética que ficou marginalizada e que a historiadora consegue resgatar como algo finalmente trazido à luz ( Id. , 2001, p.14).

ACROAMÁTICO). O adjetivo esotérico é usado na linguagem comum para designar obras que tratam de ciências ocultas, como magia, astrologia, etc.” (ABBAGNANO, 2017, p.348.) (^1314) Giordano Bruno and the Hermetic Tradition no original. além da data até onde cheguei. Tenho consciência dos riscos a que me exponho, ao traçar um roteiro através de“A história completa do hermetismo ainda está por ser escrita; deverá incluir a Idade Média, continuando muito modos de pensar tão pouco familiares e obscuros como os dos hermetistas da Renascença e não posso esperar ainexistência de erros.” (YATES, 1990, p. 9)