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GUERRA FRIA: UM PERÍODO, TRÊS OLHARES, Notas de estudo de Conflito

Eric Hobsbawm. Henry Kissinger. Fred. Halliday. Realismo. Neorrealismo. Teoria Intersistêmica. 1. INTRODUÇÃO. O conflito bélico da Segunda Guerra Mundial ( ...

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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GUERRA FRIA: UM PERÍODO, TRÊS OLHARES
Beatriz Figlino
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RESUMO
Este artigo tem como objetivo analisar as diferentes interpretações que o período da Guerra
Fria (1945-1991) fomentou dentre acadêmicos de Relações Internacionais no Ocidente. Do
conflito bélico da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos da América (EUA) e a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) emergiram como potências hegemônicas no
sistema internacional, figurando a bipolaridade na balança de poder e promovendo discussões
a respeito do conflito ideológico entre os acadêmicos das Relações Internacionais. Tendo em
vista a diversidade de interpretações de tal conflito, esse artigo analisa as visões de Eric
Hobsbawm (historiador inglês), Henry Kissinger (diplomata estadunidense) e Fred Halliday
(teórico irlandês), comparando suas óticas às teorias das Relações Internacionais.
Palavras-chave: Fim da Guerra Fria. Guerra Fria. Eric Hobsbawm. Henry Kissinger. Fred
Halliday. Realismo. Neorrealismo. Teoria Intersistêmica.
1. INTRODUÇÃO
O conflito bélico da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi marcado pelas pretensões
hegemônicas que os países do Eixo Japão, Itália e Alemanha tinham no sistema
internacional, pretensões essas baseadas em seus respectivos ideais nacionalistas, com
destaque para o nazismo (Alemanha) e para o fascismo (Itália). Após terem sido derrotados
pelos países Aliados EUA, URSS, França e Reino Unido , a conjuntura do sistema
internacional e sua balança de poder sofreram modificações e a distribuição de poder se
figurou a partir da bipolaridade: URSS e os EUA foram os Estados menos enfraquecidos após
o conflito bélico e assumiram a posição de potências hegemônicas no sistema internacional.
Os modos de produção e as ideologias sociais e políticas das duas potências hegemônicas, no
entanto, eram antagônicos: a URSS se organizava a partir do sistema socialismo soviético; já
os EUA, do neoliberalismo econômico (capitalismo).
O período que se estende após o fim da Segunda Guerra Mundial até o final do século
XX é denominado de “Guerra Fria”. Este termo foi cunhado por não existir conflito bélico
direto entre as potências, mas sim entre seus respectivos aliados. Embora o conflito ideológico
1
Beatriz Figlino é formada em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Belas Artes de São
Paulo.
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GUERRA FRIA: UM PERÍODO, TRÊS OLHARES

Beatriz Figlino^1

RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar as diferentes interpretações que o período da Guerra Fria (1945-1991) fomentou dentre acadêmicos de Relações Internacionais no Ocidente. Do conflito bélico da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) emergiram como potências hegemônicas no sistema internacional, figurando a bipolaridade na balança de poder e promovendo discussões a respeito do conflito ideológico entre os acadêmicos das Relações Internacionais. Tendo em vista a diversidade de interpretações de tal conflito, esse artigo analisa as visões de Eric Hobsbawm (historiador inglês), Henry Kissinger (diplomata estadunidense) e Fred Halliday (teórico irlandês), comparando suas óticas às teorias das Relações Internacionais.

Palavras-chave: Fim da Guerra Fria. Guerra Fria. Eric Hobsbawm. Henry Kissinger. Fred Halliday. Realismo. Neorrealismo. Teoria Intersistêmica.

1. INTRODUÇÃO

O conflito bélico da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi marcado pelas pretensões hegemônicas que os países do Eixo – Japão, Itália e Alemanha – tinham no sistema internacional, pretensões essas baseadas em seus respectivos ideais nacionalistas, com destaque para o nazismo (Alemanha) e para o fascismo (Itália). Após terem sido derrotados pelos países Aliados – EUA, URSS, França e Reino Unido – , a conjuntura do sistema internacional e sua balança de poder sofreram modificações e a distribuição de poder se figurou a partir da bipolaridade: URSS e os EUA foram os Estados menos enfraquecidos após o conflito bélico e assumiram a posição de potências hegemônicas no sistema internacional. Os modos de produção e as ideologias sociais e políticas das duas potências hegemônicas, no entanto, eram antagônicos: a URSS se organizava a partir do sistema socialismo soviético; já os EUA, do neoliberalismo econômico (capitalismo). O período que se estende após o fim da Segunda Guerra Mundial até o final do século XX é denominado de “Guerra Fria”. Este termo foi cunhado por não existir conflito bélico direto entre as potências, mas sim entre seus respectivos aliados. Embora o conflito ideológico

(^1) Beatriz Figlino é formada em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

fosse indireto, havia o perigo eminente de guerra, uma vez que as potências hegemônicas, EUA e URSS, eram detentoras da tecnologia nuclear. A deterrência explica porque a competição se deu nos campos econômico e cultural: as potências não atiraram armas uma contra a outra, mas se atacaram através do cinema, da música e da propaganda (ARBEX, 1997, p. 19-20). Há, segundo Arbex (1997), divergências acerca dos marcos que determinam o início e o fim da Guerra Fria e tais divergências existem porque o processo de mudança na ordem mundial (na distribuição de poder) é complexo e engendrado em diversas construções de fatos, seguidos e simultâneos. A partir da subjetividade de interpretações acerca da Guerra Fria e de seus fatos, explicar-se-ão e analisar-se-ão a seguir três visões distintas acerca dessa competição, relacionando-as com teorias de Relações Internacionais e apresentando um quadro comparativo entre as visões em questão.

A Guerra Fria inserida no “Breve século XX”

Para Eric Hobsbawm, historiador inglês, a Guerra Fria estaria inserida no espaço de tempo intitulado por ele mesmo como “breve século XX”, período entre 1914 (início da Primeira Guerra Mundial) e 1991 (dissolução da URSS). A Guerra Fria se iniciou após a Segunda Guerra Mundial e tinha como característica principal as competições (principalmente nos campos tecnológico-militar e ideológico) entre as potências hegemônicas EUA e URSS. Os sistemas econômico-sociais das potências eram antagônicos: os EUA se organizavam a partir do sistema capitalista neoliberal, prezando o individualismo e a liberdade; e a URSS, do sistema socialista, prezando o coletivo e a igualdade: Na medida em que a retórica da Guerra Fria via capitalismo e socialismo, o “mundo livre” e o “totalitarismo”, como dois lados de um abismo intransponível, e rejeitava qualquer tentativa de estabelecer uma ponte, podia-se até dizer que, à parte a possibilidade de suicídio mútuo da guerra nuclear, ela assegurava a sobrevivência do adversário mais fraco (HOBSBAWM, 1999, p. 247).

Embora a balança de poder entre as potências fosse desigual, entre elas existia coexistência pacífica até a década de 1970, período da “primeira Guerra Fria”. A balança de poder desigual existia porque os EUA adquiriram armas nucleares antes das URSS e porque o medo de uma possível guerra nuclear fazia com que as potências hegemônicas aceitassem suas respectivas zonas de influência. A URSS adquiriu armas nucleares como forma de se assegurar em relação aos EUA em 1953, oito anos após o lançamento da bomba atômica de Hiroshima. A condição daquele Estado após a Segunda Guerra Mundial era de exaustão e, consequentemente, sua posição era defensiva, mas os EUA interpretaram que a postura soviética era agressiva e bárbara. A causa da Guerra Fria, para Hobsbawm, se aproxima da teoria subjetivista das Relações Internacionais: as interpretações equivocadas, fruto de informações obtidas através das respectivas agências de espionagem^1 das potências hegemônicas, traziam a sensação de que um Estado constantemente ameaçava o outro (HOBSBAWM, 1999, p. 230).

(^1) CIA (Agência Central de Inteligência, do inglês), agência de espionagem estadunidense, e KGB (Comitê de Segurança do Estado, do russo), agência de espionagem soviética (nota da autora).

Conforme a teoria realista formulada por Morgenthau (2003), os Estados atuam de maneira pragmática no sistema internacional por duas razões: os Estados desconfiam uns dos outros, pois são egoístas e estão à busca de benefício próprio; no sistema internacional não existe uma instituição supranacional que controle e vigie o comportamento e as ações dos Estados, sendo o sistema caracterizado pela anarquia. Dessa forma, os EUA agiam de maneira pragmática e agressiva no sistema internacional e frente à URSS a fim de manter sua supremacia, pois interpretaram que o capitalismo poderia desaparecer por conta da superioridade do socialismo. Apesar da interpretação estadunidense, a URSS não buscava por guerras, assim como não enxergava o fim do socialismo frente ao capitalismo. Por isso “se alguém introduziu o caráter de cruzada na Realpolitik de confronto internacional de potências, e o manteve lá, esse foi Washington” (HOBSBAWM, 1999, p. 234). A ideologia anticomunista promovida pelos estadunidenses também havia se transformado num álibi político para esse Estado, o que fazia sentido num país dominado pelo individualismo e pelas empresas privadas. A regra do jogo da Guerra Fria era buscar apoio e influência, porque uma potência hegemônica enxergava a outra como ameaça pelo fato de ambas possuírem armas nucleares. O medo da Destruição Mútua Assegurada ( MAD , em inglês) fez com que as potências hegemônicas agissem cuidadosa e meticulosamente em suas políticas exteriores, pois se uma batalha nuclear fosse iniciada, corria-se o risco de a raça humana ser destruída. Apesar de ter se chegado muito próximo de uma batalha nuclear durante a crise dos mísseis de Cuba (1962), a deterrência impediu que uma guerra nuclear mundial viesse a ocorrer. As provocações mútuas, então, traziam estabilidade ao sistema internacional, porque o medo era eminente. Essas provocações, no entanto, garantiram o desenvolvimento da tecnologia na chamada “corrida armamentista”, resultando em inovações marcantes, como o primeiro ser vivo ser lançado ao espaço, a cachorra soviética Laika, e também como um astronauta estadunidense pisar na lua. A conjuntura após a Segunda Guerra Mundial se transformava continuamente e as potências hegemônicas precisavam manter suas zonas de influência e convencer mais Estados a serem seus aliados. Não foi à toa, inclusive, que foram construídas diversas linhas de demarcação pelo mundo. Também não foi à toa que EUA e URSS lutaram indiretamente através de conflitos bélicos em países como Coreia, Vietnã e China,

despedaçando a URSS não foi o confronto, mas a détente ” (HOBSBAWM, 1999, p. 248). O gradual reestabelecimento de relações entre URSS e EUA levou ao desfalecimento da primeira porque essa estava organizada social e economicamente sob aspectos socialistas, porém competindo (ou tentando competir) com o capitalismo, sistema antagônico caracterizado pela competitividade e pelo individualismo.

O pragmatismo de Henry Kissinger na Guerra Fria

A Guerra Fria, na visão de Kissinger, representou, primeiramente, o fim do sistema de alianças flexíveis da Segunda Guerra Mundial. O tabuleiro internacional foi modificado por conta dos interesses divergentes dos vencedores. A nova conjuntura se caracterizava pela seguinte posição das potências hegemônicas: a França e a Inglaterra estavam exaustas, apesar de terem saído como vitoriosas; a Alemanha foi dividida em quatro zonas de ocupação entre os vencedores do conflito bélico; Josef Stálin, líder soviético, avançou suas fronteiras para o Oeste. Durante a Conferência de Potsdam (1945) na Alemanha, buscou-se definir a administração da Alemanha e o estabelecimento da ordem pós-guerra, dividindo o mundo em zonas de influência entre os Aliados para que a paz e o equilíbrio fossem estabelecidos (KISSINGER, 2012, p. 378). Ao enxergar a política externa e a ideologia da URSS como uma ameaça tanto ao capitalismo como à existência da humanidade (já que a URSS, na visão estadunidense, poderia fazer uso de sua tecnologia nuclear a qualquer momento, pois era liderada por “homens bárbaros”), a política externa dos EUA se voltou para conter o socialismo e, como estratégia, buscou universalizar os valores dos EUA, ligados à liberdade e à democracia. Para Kissinger, foram os soviéticos que introduziram o caráter de Realpolitik à Guerra Fria, e por isso o objetivo dos EUA (autodenominados de “defensores da liberdade e da moralidade”) era conter e “domar” os soviéticos a fim de conduzi-los a uma boa conduta internacionalmente. À vista disso, não foram as más interpretações de informações e sinais que levaram os Estados um conflito indireto, a Guerra Fria, mas sim o desejo de moralizar e civilizar os soviéticos. Kissinger ressalta a superioridade dos EUA em sua narrativa: o autor destaca que os EUA adquiriram a tecnologia nuclear antes de seu inimigo e complementa sua afirmação alegando que a URSS não era forte nem dinâmica o

suficiente para exercer papel de líder no sistema internacional (KISSINGER, 2012, p. 667). Como Stálin buscou expandir o Pan-eslavismo e a ideologia socialista na nova ordem mundial, os EUA protegeram suas zonas de influência do “demônio do comunismo” a partir do Plano Marshall, da Doutrina Truman (o anticomunismo na política externa) e da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), além de outras formas de integração regional que ocorreram mais tarde, como a Comunidade Econômica Europeia (CEE). Nesse sentido, para Kissinger, a lacuna entre ambas as culturas contribuiu para acender a Guerra Fria, sobretudo ao considerar que o fenômeno da guerra é uma constante do sistema internacional, da mesma maneira que Hans Morgenthau (teórico da corrente Realista das Relações Internacionais) afirma: [...] a luta pelo poder não só é universal, no tempo e no espaço, como também constitui um inegável fato da experiência. Não é possível negar que, no correr dos tempos históricos, e independentemente de condições sociais, econômicas e políticas, muitos estados se confrontaram uns com os outros em disputas pelo poder. (MORGENTHAU, 2003, p. 62). A Guerra Fria foi, então, uma “caçada às bruxas comunistas” sob a ótica dos EUA e de seus aliados. Por 40 anos, os Estados do primeiro mundo se posicionaram contra a URSS. O Ocidente interpretou que a URSS estava “sempre em marcha” e apresentava perigos constantes à paz no sistema internacional, fazendo com que o mundo vivesse sob o medo de uma possível guerra nuclear, sendo que a URSS tinha a maior contribuição para tal medo, uma vez que era liderada por homens bárbaros e não civilizados. A reação soviética à perseguição estadunidense foi se adentrar na zona de influência dos EUA, o que explica, por exemplo: a Revolução de Cuba (1959); a Guerra do Vietnã (1955-1975); a influência soviética nos novos Estados do chamado “terceiro mundo”. Os Estados do terceiro mundo não se alinharam a nenhuma das potências hegemônicas, mas suas propostas políticas tendiam a políticas de desenvolvimento baseadas em preceitos de igualdade. Entre as décadas de 1950 e de 1970, então, não houve embate direto entre as duas potências hegemônicas, apenas no campo cultural e no território de suas zonas de influência. Já na década de 1980, Ronald Reagan foi eleito presidente nos EUA por se declarar um “militante anticomunista” em sua campanha eleitoral. Se aproximando da

Na ótica de Kissinger, o conflito “bem x mal” teve fim no momento em que a URSS se dissolveu em 1991, consequência de movimentos separatistas nas regiões tomadas pelos soviéticos. Nesse sentido “a Guerra Fria não continuou, pelo menos em parte, por causa das pressões que o mandato de Reagan tinha exercido no sistema soviético” (KISSINGER, 2012, p. 685). Apesar de a URSS ter se dissolvido por conta das pressões de Reagan, Kissinger enxerga que nenhuma das potências hegemônicas venceu a Guerra Fria, mas uma delas saia como perdedora: a URSS.

Fred Halliday e a teoria intersistêmica

Ao contrário do Realismo, Fred Halliday, teórico irlandês, afirma que a organização interna dos Estados influencia no seu comportamento no sistema internacional. A Guerra Fria se caracteriza por um conflito intersistêmico: um conflito interestatal e intersocietal entre dois sistemas antagônicos, cujo objetivo principal da disputa era melhorar a própria imagem em relação ao outro sistema e prevalecer. O conceito de “sistema” para Halliday se relaciona à ordem interna dos blocos capitalista e socialista, refletindo a respectiva organização interna de suas sociedades e de seus regimes políticos. Por isso, o conflito da Guerra Fria existia por conta da heterogeneidade entre os sistemas socioeconômicos predominantes nos dois blocos: O resultado disto foi que, enquanto os dois sistemas distintos existirem , o conflito da Guerra Fria estava destinado a continuar: a Guerra Fria não poderia terminar com o compromisso ou a convergência, mas somente com a prevalência de um destes sistemas sobre o outro. Somente quando o capitalismo prevalecesse sobre o comunismo, ou vice-versa, o conflito intersistêmico se encerraria. (HALLIDAY, 2007, p. 192).

Esse conflito era “dinâmico e universalizador” (HALLIDAY, 2007, p. 192) por conta das contradições existentes entre os sistemas, levando-os a protegerem seus Estados e suas zonas de influência a fim de maximizar seus ganhos relativos. Na busca por maximização, um Estado desafiava o outro para passar credibilidade de que seu próprio sistema se encontrava em situação de vantagem. O “terceiro mundo” foi o palco para que os EUA buscassem mercados e para que a URSS incentivasse revoluções que tendiam à ideologia socialista. O conflito intersistêmico tinha como uma das principais características o desejo de universalização

da ideologia de ambas as potências hegemônicas: um Estado estava comprometido em converter o outro a sua própria ideologia. À vista disso, o conflito intersistêmico operava em outras esferas (como política externa, interação socioeconômica e interação ideológica), caracterizando a busca pelo envolvimento de players que não os Estados ou governos. O conflito intersistêmico só teria fim quando um dos blocos prevalecesse sobre o outro, ou seja, quando a homogeneidade fosse conquistada, uma vez que os interesses eram antagônicos. O leninismo pregava a revolução mundial para que seu sistema prevalecesse; já os ocidentais (neoliberais) acreditavam na “teoria da disputa”: a URSS era uma ameaça por conta da revolução leninista e deveria ser contida (HALLIDAY, 2007, p. 193). A política de contenção dos EUA contra os socialistas foi formulada porque, caso a contenção fosse alcançada, os ocidentais trabalhariam numa erosão do bloco a longo prazo como uma precondição para o fracasso da URSS. Historicamente o capitalismo transforma o mundo à sua imagem, o adapta para sua própria sobrevivência, e por isso, tal sistema incorpora e destrói sistemas socioeconômicos rivais. Nas palavras de Halliday “um sistema já estabelecido, o capitalismo, gerou e depois sufocou o seu novo rival emergente” (HALLIDAY, 2007, p. 203). O socialismo surgiu como uma alternativa ao sistema capitalista a fim de trazer mais igualdade através da revolução, uma vez que esse era descrito como opressor e desigual para a maioria (o proletariado). Apesar de a heterogeneidade ser o principal motor da Guerra Fria, ela também trazia a estabilidade que Kenneth Waltz (2004) descrevia: por ser um ordenamento bipolar, o qual duas potências hegemônicas lideram o sistema internacional, a estabilidade prevalecia porque a rivalidade mantém o status quo das potências (HALLIDAY, 2007, p. 196). A competição entre URSS e EUA era essencialmente desigual para Halliday. O segundo era superior e mais forte em quase todos os aspectos-chave, com exceção da esfera militar-tecnológica porque a URSS tinha capacidade de acompanhar seu inimigo por meio da mobilização intensiva das massas, sendo possível, por exemplo, que o sistema socialista sustentasse a corrida armamentista. O colapso da URSS em 1991 trouxe a prevalência do sistema capitalista e dos EUA, consequentemente. Considerando esse o marco do fim da Guerra Fria, a disputa ideológica não se findou através de um conflito bélico direto entre os dois sistemas (como os teóricos do Realismo e do Neorrealismo previam), nem através da dissolução

QUADRO COMPARATIVO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conflito ideológico foi cunhado como “Guerra Fria” por ter sido indireto, dando-se em territórios de países de suas respectivas zonas de influência e através da cultura, propagando estereótipos e especulando mensagens e sinais (muitas vezes erroneamente interpretadas) obtidos pelos sistemas de espionagem de ambos Estados. De acordo com Halliday, a Guerra Fria foi um conflito intersistêmico o qual dois sistemas antagônicos disputavam poder no sistema internacional, uma vez que são racionais e buscam a maximização de seu poder relativo (poder frente aos outros Estados). O conflito chegaria ao seu fim apenas e somente quando um sistema se sobressaísse em relação a outro, trazendo a morte de um deles. A Guerra Fria teve fim por conta de uma implosão no sistema socialista soviético após as mudanças promovidas por Mikael Gorbachev ( glasnost e perestroika ), já que passou a estabelecer relações com o sistema capitalista, e não foi capaz de acompanhar seu ritmo. A emergência de um arranjo multipolar foi divergente do que os teóricos do Realismo e do Neorrealismo defendiam: do conflito indireto não emergiu uma potência hegemônica no sistema internacional (o que caracterizaria o arranjo unipolar do sistema); tal potência não emergiu após um embate direto entre as potências hegemônicas; e não houve vencedores do conflito indireto, mas apenas um perdedor: a URSS. Os vencedores em questão foram a liberdade e o individualismo, que geralmente caminham de mãos dadas. Apesar de ter apresentado sucesso no regime socialista soviético na Rússia (antiga URSS), o socialismo de Karl Marx, não foi adaptado àquele país conforme o socialismo descrito e idealizado pelo autor. “Socialismo” não era um termo político e não remetia a nenhuma organização de sociedade ou regime político, mas se referia ao fato de que “o ser humano é por natureza social e sociável” (HOBSBAWM, 1992, p. 255). Por isso, o contrário de socialismo era “individualismo”, e não capitalismo. Os valores socialistas se pautavam no social , diferentemente dos valores capitalistas, que se pautavam no material e no benefício próprio. A liberdade a qual a dissolução da URSS anuncia é a liberdade de gozar dos prazeres proporcionados pelo capitalismo, sendo que esse sistema engenhosa e incansavelmente mente busca tornar a vida humana mais complexa para que os

REFERÊNCIAS:

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MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. 12ª edição. São Paulo: Martin Claret, 2007. p. 28; 49; 89; 92.

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OLIVEIRA, Dennis de. Entrevista – Zygmunt Bauman. Revista Cult , São Paulo, ano 12, 03 ago. 2009. Disponível em: <http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/entrevis- zygmunt-bauman/>. Acesso em: 09 out. 2015.

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