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Formação de Meninas Negras na América: Análise de "O Olho Mais Azul" de Toni Morrison, Provas de Literatura

Este documento oferece uma análise abrangente do romance "o olho mais azul" de toni morrison, que narra a formação de três meninas negras na década de 1950 nos eua. O texto explora as experiências paralelas das personagens, incluindo peccola, que sofre indiferença e abandono, e as formas subjetivas de resistência que elas adotam. Além disso, o documento discute a importância dos elementos góticos no romance de formação feminino e a relação entre a identidade racial e a masculinidade negra.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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GRAU
SUPERLATIVO
DE
INFERIORIDADE:
O OLHO MAIS
AZUL
Cíntia Schwantes
Universidade Federal de
Pelotas
RESUMO: O olho mais azul, de Toni Morrison, narrativiza os processos de
formação de três meninas negras nos anos 50 nos Estados Unidos. O ro-
mance, tão mal recebido pela crítica quanto o foi uma de suas protagonis-
tas, está encontrando seu merecido lugar no sistema literário. Igual sorte
não teve Peccola, a personagem. Assim, ao final, Peccola é abandonada e
fica louca. Mas Cláudia, a narradora, aprende com a infeliz trajetória da
amiga, em uma estratégia de em poderamento.
Palavras-chave: Bildungsroman feminino, etnia, estudos de gênero.
ABSTRACT: The Bluest Eye, by Toni Morrison, narrativizes the process of
formation of tree black girls in the fifties, in the United States. The novel, as
ill received, according to the writer, as one of the protagonists was, is finding
a better place in the literary system. Peccola, the girl, was not so lucky. Black
girls were the frailest part in black communities and brooked ali the pains
the collective had to bear. This is why, at the end, Peccola is abandoned and
goes crazy. But Claudia, the narrator, learns from her friend's ill fate, in a
strategy of empowerment.
Keywords: female Bildungsroman, gender studies, ethnicity.
O olho mais azul é o primeiro romance de Toni Morrison, relegado,
como ela afirma no pósfácio da edição de 19931, a uma indiferençao
injusta quanto a que vitima uma de suas protagonistas, Peccola. O motivo
dessa indiferençao é difícil de inferir: o romance narrativiza o processo
de formação de um grupo de meninas negras na década de 50 do século XX
e constitui uma nota dissonante e amarga no sonho americano.
A formação das três meninas - a narradora, Cláudia, sua irmã,
Frieda e Peccola - é paralela e a trajetória de cada uma reverbera na das
outras. Ao narrar em retrospectiva a história de Peccola, a narradora reali-
za, igualmente, um balanço de sua própria história. Ela passa por uma
dupla formação: aprende seu lugar de mulher, e aprende seu lugar como
negra - que é diferente do lugar dos homens negros, bem como é diferente
do lugar das mulheres brancas.
Ela aprende seu lugar de mulher em episódios diversos. No pri-
1 Todas as citações do romance serão dessa edição.
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GRAU

SUPERLATIVO

DE

INFERIORIDADE:

O OLHO MAIS

AZUL

Cíntia Schwantes

Universidade Federal de

Pelotas

RESUMO: O olho mais azul, de Toni Morrison, narrativiza os processos de

formação de três meninas negras nos anos 50 nos Estados Unidos. O ro-

mance, tão mal recebido pela crítica quanto o foi uma de suas protagonis-

tas, está encontrando seu merecido lugar no sistema literário. Igual sorte

não teve Peccola, a personagem. Assim, ao final, Peccola é abandonada e

fica louca. Mas Cláudia, a narradora, aprende com a infeliz trajetória da

amiga, em uma estratégia de em poderamento.

Palavras-chave: Bildungsroman feminino, etnia, estudos de gênero.

ABSTRACT: The Bluest Eye, by Toni Morrison, narrativizes the process of

formation of tree black girls in the fifties, in the United States. The novel, as

ill received, according to the writer, as one of the protagonists was, is finding

a better place in the literary system. Peccola, the girl, was not so lucky. Black

girls were the frailest part in black communities and brooked ali the pains

the collective had to bear. This is why, at the end, Peccola is abandoned and

goes crazy. But Claudia, the narrator, learns from her friend's ill fate, in a

strategy of empowerment.

Keywords: female Bildungsroman, gender studies, ethnicity.

O olho mais azul é o primeiro romance de Toni Morrison, relegado,

como ela afirma no pósfácio da edição de 1993^1 , a uma indiferença tão

injusta quanto a que vitima uma de suas protagonistas, Peccola. O motivo

dessa indiferença não é difícil de inferir: o romance narrativiza o processo

de formação de um grupo de meninas negras na década de 50 do século XX

e constitui uma nota dissonante e amarga no sonho americano.

A formação das três meninas - a narradora, Cláudia, sua irmã,

Frieda e Peccola - é paralela e a trajetória de cada uma reverbera na das

outras. Ao narrar em retrospectiva a história de Peccola, a narradora reali-

za, igualmente, um balanço de sua própria história. Ela passa por uma

dupla formação: aprende seu lugar de mulher, e aprende seu lugar como

negra - que é diferente do lugar dos homens negros, bem como é diferente

do lugar das mulheres brancas.

Ela aprende seu lugar de mulher em episódios diversos. No pri-

1 Todas as citações do romance serão dessa edição.

Cintia Schwantes

meiro, Peccola menstrua pela primeira vez: mulhe- res sangram e não devem exercer sua sexualidade com outras mulheres. Em outro episódio importan- te, Frieda é atacada sexualmente pelo Sr. Henry, hós- pede da casa. Este incidente é particularmente profí- cuo porque, temerosa de virar uma perdida, Frieda conclui que ficará gorda como as prostitutas que elas conhecem. Uma delas, no entanto, é magra - a mãe das meninas afirma que é porque o álcool a consumiu. As duas concluem que Frieda precisa tomar uma bebida alcoólica para não virar uma perdida; mas, onde duas meninas poderiam conseguir whiskey? Cláudia suge- re a casa de Peccola, pois seu pai vivia bêbado. A ami- ga, no entanto, não está em casa. A prostituta que mo- rava no andar de cima as convida para entrar e espe- rar, mas Frieda recusa: ela, que não quer virar uma mulher desonrada, alinha-se com a mãe e com as mulheres honestas contra as perdidas. A prostituta, a quem Peccola chama de Se- nhorita Marie e as meninas, Linha Maginot, atira aos pés delas uma garrafa do refrigerante que acabara de tomar. Linha Maginot e China são negras e Polaca é loura, mas, excluídas que são, elas não parecem dar muita importância à cor da pele umas das outras. Significativo, também, é que elas acolhem Peccola, e a menina procura a companhia delas que, ao contrá- rio dos outros adultos, a tratam bem. No entanto, Li- nha Maginot declara guerra, disparando um projétil contra Frieda, porta-voz da mãe, uma mulher "direi- ta". Quando as meninas decidem ir à casa da patroa da mãe de Peccola, Cláudia objeta que, se a mãe desco- brisse que elas haviam ido tão longe sem pedir per- missão, ficaria furiosa, e argumenta:

  • A gente não pode andar até o lago.
  • Pode sim. Vamos.
  • A mamãe vai nos pegar.
    • Não vai não. E depois, tudo que ela pode fazer

é dar uma surra na gente. Verdade. Ela não ia nos matar, soltar uma gargalhada terrível nem atirar uma garrafa em nós. (p. 106)

Assim, o que mais as assusta não é a violên- cia das surras da mãe, é o mundo desconhecido das mulheres desonradas e a reação inesperada de Li- nha Maginot. Através de todo esse incidente, as meninas aprendem, confusamente, qual é o lugar social reservado às mulheres "perdidas" e qual é reservado às mulheres "direitas". Quando chegam à casa da patroa da senho- ra Breedlove, a amiga, acidentalmente, derruba uma torta de mirtilos ainda quente, queimando- se. A mãe grita com ela, enquanto acalma com muita doçura a filha da patroa, que ficara assustada com o barulho e lhe perguntara quem eram aquelas meninas. A senhora Breedlove respondera: ninguém. Meninas negras não são ninguém, ao passo que meninas bran- cas merecem atenção e carinho, inclusive das mu- lheres negras, mesmo daquelas que tratam com dureza suas próprias filhas. Essa diferença, agudamente sentida pela nar- radora, provoca nela ressentimento e revolta, além de curiosidade: o que aquelas meninas têm, que falta a ela, a Frieda, a Peccola? O ressentimento e a revolta traduzem-se na vontade de agredir fisicamente as meninas brancas. Na impossibilidade de agir sobre essa vontade, ela quebra as bonecas brancas que ga- nha de presente, e as reprimendas da mãe são reveladoras do quanto ela absorvera o padrão domi- nante de beleza, através de seu desejo, realizado na filha, de ter uma boneca loira. Situado na época de prosperidade do pós-guerra, o romance passa-se em um momento em que as famílias proletárias, inclusi- ve negras, alcançam um certo nível de conforto, au- sente na infância da geração dos pais.

Cintia Schwantes

será esse o caso de Peccola. A formação de uma protagonista negra car- rega uma quantidade muito grande, quase insupor- tável, de sofrimento, que se torna suportável apenas quando, mesclado a ele, encontra-se o prazer (saber- se amada, no caso de Cláudia). Quando as fontes de prazer inexistem ou são muito escassas, o que parece ser o caso de Peccola, o enlouquecimento aparece como a única opção que resta. O conceito de Paul Gilroy de "sublime escravo" aponta para essa estra- tégia de sobrevivência. A dor só se torna suportável se há algo - algo imediato e palpável, mas não neces- sariamente material, como a fé, por exemplo - que possa compensá-la. O sofrimento é tão constante na vida das populações negras que é impossível encon- trar fontes de prazer não contaminadas. O prazer, caso se queira encontrá-lo, virá inextricavelmente misturado com a dor. Como renunciar a ele levaria, definitivamente, ao desespero e à morte, impõe-se a necessidade de aceitar o prazer misturado à dor. Esse sofrimento, infligido de forma constante e legitima- do por todo um aparato ideológico, conduz ao senti- mento de culpa por parte do oprimido, mesmo quan- do ele não consegue localizar onde essa culpa residi- ria. Novamente, esse é o caso de Peccola. Ela crê que, se fosse uma menina bonita, as brigas constantes en- tre o pai e a mãe cessariam. Esse é um dos motivos pelos quais ela deseja ter olhos azuis:

Tinha ocorrido a Peccola, havia algum tempo, que, se seus olhos ... fossem diferentes, ou seja, bonitos, ela seria diferente. ... Se tivesse outra aparência, se fosse bonita, talvez Cholly fosse diferente, e a Senhora Breedlove também. Talvez eles dissessem: "Ora, vejam que olhos bonitos os da Peccola. Não devemos fazer coisas ruins na frente de olhos tão bonitos." (p. 50).

É comum que as crianças se sintam res- ponsáveis pelas desavenças entre os pais e pen- sem que, se fossem diferentes, as coisas seriam melhores. Significativo é que Peccola deseja ter olhos azuis, atributo do símbolo de beleza infantil que é Shirley Temple. O duplo - elemento constante nos romances góticos - aparece, também, em O olho mais azul. Utilizados em romances de formação feminina, os elementos góticos têm a função de desestabilizar a progressão linear do romance de formação, permi- tindo que ele expresse uma experiência especifica- mente feminina. Cláudia, a narradora autodiegética, duplica-se em Frieda, sua irmã mais velha, que pas- sa pelas mesmas experiências que ela com antece- dência, o que lhe permite se antecipar ao que aconte- cerá. Assim, a reflexão, que geralmente é provocada pela experimentação, pode, nesse romance, aconte- cer antecipadamente, quebrando a seqüência lógica do Bildungsroman. Mas essa não é a única duplicação que acon- tece no romance. Cláudia e Frieda têm, igualmente, um duplo ém Peccola, que parece congregar todos os aspectos negativos da formação de uma protago- nista negra. Ela é rejeitada por todos: professores, o judeu dono da loja de doces, os colegas, a própria mãe (que ela chama, respeitosamente, de Senhora Breedlove). Quando Peccola menstrua pela primei- ra vez, as três meninas estão sentadas na varanda, tentando escapar da voz da mãe da narradora, que invectiva contra "alguém" que bebeu três garrafas de leite - ou seja, Peccola, já que as outras duas meni- nas não gostavam de leite. Frieda tenta resolver a situação a partir de seus próprios conhecimentos - ela sabe o que significa o sangramento da amiga. O episódio é importante não apenas porque revela a capacidade de iniciativa de Frieda, e a prontidão de

Grau Superlativn do Inferioridade: o olho mais azul

Cláudia em aderir à ação proposta pela irmã. Ele é importante, principalmente, porque marca o momen- to a partir do qual Peccola torna-se capaz de conce- ber. Para Cláudia, cujo conhecimento de relações amorosas prende-se, principalmente, às canções melancólicas de amor que a mãe canta sobre alguém que abandona a persona da canção, a resposta de Frieda à indagação de Peccola quanto ao modo de ficar grávida ("alguém tem que amar você"), poder conceber é algo positivo. Mas, no caso de uma meni- na negra, sobre a qual convergem as amarguras de sua comunidade, o que deveria ser uma benção (como indica a mudança de humor da mãe da narradora, da zanga ao riso, quando sabe do acontecido) torna- se uma maldição que precipitará Peccola, irreversivelmente, na loucura. A preocupação confessa de Morrison era a de, expondo como Peccola foi vitimada por todos, não vilanizar ninguém, nem Cholly, que estuprou e engravidou a própria filha. E isso, apesar dessa gra- videz ser duplamente traumática: ela decorre de um estupro perpetrado pelo pai. Um índice textual apon- ta o que acontecerá quando Frieda e Cláudia socor- rem Peccola, no pátio da escola, do meio de um cír- culo de meninos que afirmam que ela havia visto o próprio pai nu. A negativa aflita de Peccola quando é confrontada por Maureen, a menina mulata que to- dos cortejam (inclusive os professores) porque é bo- nita, só confirma a afirmação dos meninos. Cholly Breedlove, de fato, dormia nu, enquanto Pauline Breedlove usava um vestido velho para dormir - pijamas estavam fora de suas posses. Cada um tem sua história: Pauline sobrevivendo a um ferimento no pé que sofrerá em tenra infância e a deixara man- ca para o resto da vida, oriunda de uma comunidade rural isolada. Cholly fora criado por uma tia-avó de- pois de ter sido abandonado pela mãe. Com a morte

dela, ele deveria ir morar com parentes distantes, mas resolve pegar as economias da tia e partir em busca de seu pai. O encontro é frustrante - o pai o xinga sem reconhecê-lo, e ele não tem coragem de se apresentar. Vivendo em um mundo feminino, sem referência paterna, a primeira experiência masculi- na de Cholly é também mal-sucedida. Durante o ve- lório da tia, ele e uma adolescente se internam na mata e começam a fazer amor. Nesse momento, são surpreendidos por um grupo de caçadores brancos. Um deles foca a lanterna nas nádegas deCholly. Desse estupro simbólico resultará não ódio pelos caçado- res, que poderia destruí-lo, mas ódio pela menina negra com quem fazia amor. Esse ódio, mais tarde, transferiu-se para a esposa. Embora o casamento ti- vesse começado por amor, a mudança para a grande cidade, à qual Pauline tivera dificuldade de se adap- tar, e a falta de dinheiro, acabaram por azedar as relações entre eles. Paul Gilroy explicita a maneira como as rela- ções de gênero se organizam na comunidade negra, em que a identidade do grupo é determinada pela definição de uma masculinidade negra:

O gênero é modalidade na qual a raça é vivida. Uma masculinidade ampliada e exagerada tem se tornado a peça central de fanfarronice de uma cultura de compensação, que timidamente afaga a miséria dos destituídos e subordinados. Essa masculinidade e sua contraparte feminina relacionai tornam-se símbolos especiais da diferença que a raça faz. Ambas são vividas e naturalizadas nos padrões distintos de vida familiar aos quais supostamente recorre a reprodução das identidades raciais, (p. 179)^2

2 GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Paulo: Editora 34, 2001.

Grau Superlativo de Inferioridade: o olho mais azul

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS

GILBERT, Sandra and GUBAR, Susan. Noman's land. Theplace ofthe woman writer in the twentieth century. New Haven: Yale University Press, 1994.

GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. São Pau- lo: Editora 34, 2001.

MORRISON, Toni. O olho mais azul. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

PAYANT, Katherine B. Female friendship in the contemporary Bildungsroman. In WARD, Janet D. e MINK, Jo Anna Stephen. Communication and women's friendship: parallels and intersections in literature and life. Bowling Green, Ohio: Bowling Green State University Press, 1993.