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Guias e Dicas
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Unidade Didática para leitura de clássicos no 3º ano do Ensino Médio, Notas de aula de Literatura

Uma unidade didática para ensinar a leitura de clássicos a estudantes do 3º ano do ensino médio, utilizando contos como textos introdutórios devido à sua estrutura e complexidade menores. Além disso, é enfatizado o atendimento ao horizonte de expectativas dos alunos e é sugerido o filme 'desafiando gigantes' como uma ferramenta para motivar a leitura. A unidade didática também inclui perguntas sobre um conto específico e explicações sobre iluminuras.

O que você vai aprender

  • Como o professor pode atender ao horizonte de expectativas dos alunos em sala de aula?
  • Por que é recomendado o uso de contos para ensinar a leitura de clássicos?
  • Como o filme 'Desafiando Gigantes' pode ser utilizado neste contexto?
  • Qual é o objetivo da Unidade Didática?
  • O que são iluminuras e qual é sua relação com a literatura medieval?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Baixe Unidade Didática para leitura de clássicos no 3º ano do Ensino Médio e outras Notas de aula em PDF para Literatura, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ

CAMPUS DE CORNÉLIO PROCÓPIO

INÊS CARDIN BRESSAN

UNIDADE DIDÁTICA

Cornélio Procópio – PR

UNIDADE DIDÁTICA

I. IDENTIFICAÇÃO

1.1.PROFESSORA PDE: Inês Cardin Bressan

1.2.ÁREA: PDE: Língua Portuguesa

1.3.NRE: Cornélio Procópio

1.4.PROFESSORA ORIENTADORA: Diná Tereza de Brito

1.5.IES: UENP

2.TEMA DE ESTUDO

Ensino e aprendizagem de leitura dos clássicos para os alunos do 3º ano do

Ensino Médio

3.TÍTULO

DOS CONTOS AOS CLÁSSICOS: UMA METODOLOGIA RECEPCIONAL

SUMÁRIO

  • 1.INTRODUÇÃO..........................................................................................................
  • 2.1 UNIDADE I - DETERMINAÇÃO DO HORIZONTE DE EXPECTATIVAS.............. 2. ESTRATÉGIAS DE AÇÃO
  • 2.1.1 Atividade 1 - Filme: “Desafiando Gigantes”.........................................................
  • 2.1.2 Atividade 2 - Leitura oral e interpretação do conto “Felicidade Clandestina”......
  • 2.2 UNIDADE II - ATENDIMENTO DO HORIZONTE DE EXPECTATIVAS..............
  • 2.2.1Atividade 1 - Leitura de Contos variados............................................................
  • 2.3 UNIDADE III - RUPTURA DO HORIZONTE DE EXPECTATIVAS......................
  • 2.3.1 Atividade 1 – (Re) Leitura dos Contos e Microcontos.......................................
  • 2.4 UNIDADE - IV - QUESTIONAMENTO DO HORIZONTE DE EXPECTATIVAS...
  • 2.4.1 Atividade 1 – Impressões de Leitura e reflexão/comparação...........................
  • 2.5 UNIDADE V - AMPLIAÇÃO DO HORIZONTE DE EXPECTATIVAS...................
  • 2.5.1 Atividade 1 – Seminário expositivo....................................................................
  • 3.. AVALIAÇÃO ........................................................................................................
    1. SUGESTÃO DE LEITURA DOS CLÁSSICOS......................................................
  • REFERÊNCIAS..........................................................................................................
  • BIBLIOGRAFIAS.......................................................................................................
  • Determinação do horizonte de expectativas;
  • Atendimento do horizonte de expectativas;
  • Ruptura do horizonte de expectativas;
  • Questionamento do horizonte de expectativas;
  • Ampliação do horizonte de expectativas. A proposta de trabalho sugerida pelas autoras tem como ponto inicial a

interação entre o leitor com o autor, visto que lhes são apresentados episódios

semelhantes àqueles que eles vivenciam em sua existência diária. Desta forma,

espera-se que o aluno consiga reinterpretar a obra lida e colocar-se de maneira

coadjuvante no processo.

Esta Unidade Didática será desenvolvida com os alunos do 3º ano do

Ensino Médio, do Colégio Estadual Monteiro Lobato, e está organizada em cinco

unidades, de acordo com as etapas do Método Recepcional. Em cada unidade será

trabalhado um tema específico, e com sugestões de atividades para os alunos. A

média para a execução de cada unidade é de quatro aulas, podendo variar de

acordo com a receptividade e o desenvolvimento das duas turmas.

O tema fulcral para a realização deste trabalho é, a partir da leitura dos

contos selecionados, os alunos conseguirem migrar para a leitura dos clássicos com

a mesma temática, ou temática aproximada. Para tanto, buscamos entre Os cem

melhores contos brasileiros do século organizado por Ítalo Moriconi, e Os cem

menores contos brasileiros do século organizado por Marcelino Freire, os textos

para a realização das atividades, que estão propostas após cada conto apresentado.

Espera-se, portanto, que após a leitura deles (textos mais curtos), os alunos

aprendam a gostar, ou a se acostumar com a leitura e migrem para os clássicos com

menos dificuldades.

2. ESTRATÉGIAS DE AÇÃO

A proposta aqui é a elaboração de um material didático para os alunos do 3º

ano do Ensino Médio, construído utilizando como referência o Método Recepcional.

Seguir-se-ão, portanto, as etapas de tal método, que são:

2.1 UNIDADE I - DETERMINAÇÃO DO HORIZONTE DE EXPECTATIVAS:

De acordo com Bordini e Aguiar (1993), nesta etapa, o professor terá que, através

de algumas técnicas, como diálogo, questionamento, discussões e pesquisas de

opinião, determinar os valores prezados pelos alunos que podem ser referentes ao

lazer, ao trabalho, a preconceitos de ordem moral ou religiosa, e ainda quais são os

valores e familiaridade deles em relação à literatura, bem como o interesse deles por

uma obra ou por um tema específico. Tal postura prevê a motivação para as outras

aulas.

2.1.1 ATIVIDADE 1 –. FILME: “DESAFIANDO GIGANTES”

Quatro aulas

Nesta atividade específica, inicialmente, será apresentado o filme

“Desafiando Gigantes”. Em seguida será proposta a produção textual, na qual eles

se apresentem, estabelecendo seus gostos, suas opções e seus sentimentos.

Depois, eles deverão responder as perguntas propostas e entregar anexas ao texto

para o professor.

A). Assistir ao filme “Desafiando Gigantes”

Sinopse: De acordo com informações retiradas do site http://www.interfilmes.com, a

sinopse do filme “Desafiando Gigantes” mostra que nunca de deve desistir, nunca se

deve voltar atrás nem perder a fé na possibilidade de vencer. Grant Taylor é um

técnico de futebol americano que nunca conseguiu uma vitória expressiva para seu

time Shiloh Eagles. Apesar de ter que enfrentar homéricas crises profissionais e

pessoais, nunca se deixou abater. É apenas depois que um visitante inesperado o

desafia a acreditar no poder da fé que ele descobre a força da perseverança para

vencer.

  1. Você se lembra de algum texto ou história que você leu e achou engraçado? Qual?




  1. O que mais chama a sua atenção em um texto? O assunto/ O tamanho? A maneira como foi escrito? Explique.




  1. Diante de um texto mais longo ou difícil de entender, qual a sua atitude ou a sua reação? Insistir na leitura? Pular partes? Desistir? Explique.




2.1.2 ATIVIDADE 2 – LEITURA DO CONTO “FELICIDADE CLANDESTINA”

Duas aulas

Nesta atividade, a leitura poderá ser realizada pelo professor, de forma

eficiente para depois os alunos responderem às questões propostas. A elaboração

das questões respeita a teoria de Menegassi (1995) que apresenta as etapas do

processo de leitura como sendo: a decodificação, a compreensão, a interpretação e

a retenção. Entre todas as etapas está a inferência, que é o processo que perpassa

por todas elas e se efetiva em todas as fases. Elas ocorrem concomitantemente, e

possibilitam certa harmonia no processo.

A decodificação está diretamente ligada à compreensão, por isso nesta fase é

importante buscar atividades que esclareçam dúvidas sobre vocabulário, ligando-o a

um significado. A compreensão é a interação do leitor com o texto. Aqui se verifica

se o leitor possui informações sobre o tema em seu arquivo de memória. Desta

forma, o leitor agrega ao seu conhecimento as novas informações e produz uma

outra informação melhor construída. Na fase da interpretação, o leitor percebe o

implícito no texto. Há a análise da nova informação produzida, reflexão sobre ela e

emissão de julgamento de valor sobre a nova informação, assim, produz-se um novo

texto. A retenção é a fase na qual tudo o que foi produzido nas fases anteriores,

internaliza-se e começa a fazer parte do conhecimento prévio do leitor.

Nas questões elaboradas a partir do conto “Felicidade Clandestina”, de Clarice

Lispector, buscou-se a cada questão, respeitar as fases citadas acima.

A). Leitura oral do conto pelo professor e realização das questões propostas.

FELICIDADE CLANDESTINA

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia” e “saudade”. Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia. Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria. Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam. No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.

QUESTÕES

  1. Dê a referência bibliográfica do texto “Felicidade Clandestina”.

___________________________________________________________________.

  1. Observe o vocabulário utilizado pela autora, a distribuição dos parágrafos, as

construções sintáticas e responda: qual o significado das expressões “nós ainda

éramos achatadas”; “letra bordadíssima”; “data natalícia”?

Professor, aproveite para explicar o significado das Iluminuras, que é a pintura

decorativa utilizada nas letras iniciais capitulares dos textos medievais.




___________________________________________________________________.


  1. O fato de a personagem ser gorda, baixa, sardenta, de cabelos crespos e

arruivados, a deixa em desvantagem com as demais amigas. Por quê?


___________________________________________________________________.


  1. Por que a personagem sentia tanto ódio assim das outras colegas de classe?

___________________________________________________________________.


  1. O caráter da filha do dono da livraria era conhecido por todos no texto?

___________________________________________________________________.


  1. Em seu dia-a-dia você percebe preconceito com as pessoas que são diferentes

na forma, na cor da pele, no cabelo? Como você lida com essa situação?


___________________________________________________________________.



___________________________________________________________________.

  1. Relacione o título com a temática do texto.




___________________________________________________________________.

  1. O que justifica o “êxtase puríssimo” que a personagem sentia ao segurar o livro?

Você já se sentiu assim diante de um livro?





___________________________________________________________________.

2.2 UNIDADE II - ATENDIMENTO AO HORIZONTE DE EXPECTATIVAS

De acordo com Bordini e Aguiar (1993), nesta etapa, o professor deverá

proporcionar à classe experiências com os textos literários que busquem satisfazer

dois apelos: o primeiro, quanto ao objeto, pois os textos escolhidos em sala de aula

deverão ser do agrado dos alunos; o segundo, as estratégias deverão ser

organizadas e conhecidas por eles e, acima de tudo, ser de seu agrado.

Nesta fase, serão selecionados a partir da expressão dos alunos, os textos

(contos) com a temática estabelecida por eles, ou atendendo o apelo da maioria.

Aproveita-se nesta etapa, a leitura oral, e a gravação em vídeo a fim de aperfeiçoar

as habilidades e competências deles. Pretende-se também, realizar uma sessão de

leitura, que será oral e expressiva e adequada à situação. Como sugestão de

atividade para casa, e a fim de conhecê-los melhor, sugere-se a realização de um

diário de leitura, no qual, serão escritas as sensações e a experiência ocorridas.

2.2.1 ATIVIDADE 1 – LEITURA DE CONTOS VARIADOS

Duas aulas

  • Mas quem falou de convidar ninguém! Essa mania... Quando é que a gente já comeu peru em nossa vida! Peru aqui em casa é prato de festa, vem toda essa parentada do diabo...
  • Meu filho, não fale assim...
  • Pois falo, pronto! E descarreguei minha gelada indiferença pela nossa parentagem infinita, diz- que vinda de bandeirantes, que bem me importa! Era mesmo o momento pra desenvolver minha teoria de doido, coitado, não perdi a ocasião. Me deu de sopetão uma ternura imensa por mamãe e titia, minhas duas mães, três com minha irmã, as três mães que sempre me divinizaram a vida. Era sempre aquilo: vinha aniversário de alguém e só então faziam peru naquela casa. Peru era prato de festa: uma imundície de parentes já preparados pela tradição, invadiam a casa por causa do peru, das empadinhas e dos doces. Minhas três mães, três dias antes já não sabiam da vida senão trabalhar, trabalhar no preparo de doces e frios finíssimos de bem feitos, a parentagem devorava tudo e inda levava embrulhinhos pros que não tinham podido vir. As minhas três mães mal podiam de exaustas. Do peru, só no enterro dos ossos, no dia seguinte, é que mamãe com titia inda provavam um naco de perna, vago, escuro, perdido no arroz alvo. E isso mesmo era mamãe quem servia, catava tudo pro velho e pros filhos. Na verdade ninguém sabia de fato o que era peru em nossa casa, peru resto de festa. Não, não se convidava ninguém, era um peru pra nós, cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga. Queria o papo recheado só com a farofa gorda, em que havíamos de ajuntar ameixa preta, nozes e um cálice de xerez, como aprendera na casa da Rose, muito minha companheira. Está claro que omiti onde aprendera a receita, mas todos desconfiaram. E ficaram logo naquele ar de incenso assoprado, se não seria tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando. é certo que com meus "gostos", já bastante afinados fora do lar, pensei primeiro num vinho bom, completamente francês. Mas a ternura por mamãe venceu o doido, mamãe adorava cerveja. Quando acabei meus projetos, notei bem, todos estavam felicíssimos, num desejo danado de fazer aquela loucura em que eu estourara. Bem que sabiam, era loucura sim, mas todos se faziam imaginar que eu sozinho é que estava desejando muito aquilo e havia jeito fácil de empurrarem pra cima de mim a... culpa de seus desejos enormes. Sorriam se entreolhando, tímidos como pombas esgarradas, até que minha irmã resolveu o consentimento geral:
  • É louco mesmo!... Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc. E depois de uma Missa do Galo bem mal rezada, se deu o nosso mais maravilhoso Natal. Fora engraçado: assim que me lembrara de que finalmente ia fazer mamãe comer peru, não fizera outra coisa aqueles dias que pensar nela, sentir ternura por ela, amar minha velhinha adorada. E meus manos também, estavam no mesmo ritmo violento de amor, todos dominados pela felicidade nova que o peru vinha imprimindo na família. De modo que, ainda disfarçando as coisas, deixei muito sossegado que mamãe cortasse todo o peito do peru. Um momento aliás, ela parou, feito fatias um dos lados do peito da ave, não resistindo àquelas leis de economia que sempre a tinham entorpecido numa quase pobreza sem razão.
  • Não senhora, corte inteiro! só eu como tudo isso! Era mentira. O amor familiar estava por tal forma incandescente em mim, que até era capaz de comer pouco, só pra que os outros quatro comessem demais. E o

diapasão dos outros era o mesmo. Aquele peru comido a sós, redescobria em cada um o que a cotidianidade abafara por completo, amor, paixão de mãe, paixão de filhos. Deus me perdoe mas estou pensando em Jesus... Naquela casa de burgueses bem modestos, estava se realizando um milagre digno do Natal de um Deus. O peito do peru ficou inteiramente reduzido a fatias amplas.

  • Eu que sirvo! "Ë louco, mesmo!" pois por que havia de servir, se sempre mamãe servira naquela casa! Entre risos, os grandes pratos cheios foram passados pra mim e principiei uma distribuição heróica, enquanto mandava meu mano servir a cerveja. Tomei conta logo dum pedaço admirável da "casca", cheio de gordura e pus no prato. E depois vastas fatias brancas. A voz severizada de mamãe cortou o espaço angustiado com que todos aspiravam pela sua parte no peru:
  • Se lembre de seus manos, Juca! Quando que ela havia de imaginar, a pobre! que aquele era o prato dela, da Mãe, da minha amiga maltratada, que sabia da Rose, que sabia meus crimes, a que eu só lembrava de comunicar o que fazia sofrer! O prato ficou sublime.
  • Mamãe, este é o da senhora! Não! não passe não! Foi quando ela não pôde mais com tanta comoção e principiou chorando. Minha tia também, logo percebendo que o novo prato sublime seria o dela, entrou no refrão das lágrimas. E minha irmã, que jamais viu lágrima sem abrir a torneirinha também, se esparramou no choro. Então principiei dizendo muitos desaforos pra não chorar também, tinha dezenove anos... Diabo de família besta que via peru e chorava! coisas assim. Todos se esforçavam por sorrir, mas agora é que a alegria se tornara impossível. Ë que o pranto evocara por associação a imagem indesejável de meu pai morto. Meu pai, com sua figura cinzenta, vinha pra sempre estragar nosso Natal. Fiquei danado. Bom, principiou-se a comer em silêncio, lutuosos, e o peru estava perfeito. A carne mansa, de um tecido muito tênue boiava fagueira entre os sabores das farofas e do presunto, de vez em quando ferida, inquietada e redesejada, pela intervenção mais violenta da ameixa preta e o estorvo petulante dos pedacinhos de noz. Mas papai sentado ali, gigantesco, incompleto, uma censura, uma chaga, uma incapacidade. E o peru, estava tão gostoso, mamãe por fim sabendo que peru era manjar mesmo digno do Jesusinho nascido. Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru a imagem de papai cresceu vitoriosa, Insuportavelmente obstruidora.
  • Só falta seu pai... Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspiração genial, de repente me tornou hipócrita e político. Naquele Instante que hoje me parece decisivo da nossa família, tomei aparentemente o partido de meu pai. Fingi, triste:
  • É mesmo... Mas papai, que queria tanto bem a gente, que morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá no céu há de estar contente... (hesitei, mas resolvi não mencionar mais o peru) contente de ver nós todos reunidos em família. E todos principiaram muito calmos, falando de papai. A imagem dele foi diminuindo, diminuindo e virou uma estrelinha brilhante do céu. Agora todos comiam o peru com sensualidade, porque papai fora muito bom, sempre se sacrificara por nós, fora um santo que "vocês, meus filhos, nunca poderão pagar o que devem a

do cachimbo, encostava o guarda-chuva na parede. Mas não se vê guarda-chuva ou cachimbo ao seu lado. A velhinha de cabeça grisalha grita que ele está morrendo. Um grupo o arrasta para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protesta o motorista: quem pagará a corrida? Concordam chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado à parede - não tem os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata. Alguém informa da farmácia na outra rua. Não carregam Dario além da esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito peso. É largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobrem o rosto, sem que faça um gesto para espantá-las. Ocupado o café próximo pelas pessoas que apreciam o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozam as delícias da noite. Dario em sossego e torto no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso. Um terceiro sugere lhe examinem os papéis, retirados - com vários objetos - de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficam sabendo do nome, idade, sinal de nascença. O endereço na carteira é de outra cidade. Registra-se correria de uns duzentos curiosos que, a essa hora, ocupam toda a rua e as calçadas: é a polícia. O carro negro investe a multidão. Várias pessoas tropeçam no corpo de Dario, pisoteado dezessete vezes. O guarda aproxima-se do cadáver, não pode identificá-lo - os bolsos vazios. Resta na mão esquerda a aliança de ouro, que ele próprio – quando vivo - só destacava molhando no sabonete. A polícia decide chamar o rabecão. A última boca repete - Ele morreu, ele morreu. E a gente começa a se dispersar. Dario levou duas horas para morrer, ninguém acreditava estivesse no fim. Agora, aos que alcançam vê-lo, todo o ar de um defunto. Um senhor piedoso dobra o paletó de Dario para lhe apoiar a cabeça. Cruza as mãos no peito. Não consegue fechar olho nem boca, onde a espuma sumiu. Apenas um homem morto e a multidão se espalha, as mesas do café ficam vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos. Um menino de cor e descalço vem com uma vela, que acende ao lado do cadáver. Parece morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva. Fecham-se uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó. E o dedo sem a aliança. O toco de vela apaga-se às primeiras gotas da chuva, que volta a cair.

FONTE: TREVISAN, Dalton. In Os cem melhores contos brasileiros do século. Org. Ítalo Moriconi. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

ESTRANHOS

Cheguei à portaria daquele edifício, em Botafogo, para ver o apartamento, quase ao mesmo tempo que uma mulher. Notei que ela estava nervosa, pelo modo como dava tragadas seguidas no cigarro, amassava com a mão fortemente cerrada o caderno de classificados de um jornal, e também pelo batom que transbordava da linha dos seus lábios, como se houvesse se pintado às pressas. Mas nem por isso era menos bonita ou elegante, usando um vestido listrado, de tecido meio rústico,

que ostentava uma simplicidade que devia ter custado algum dinheiro. Os sapatos pretos grandões, desses de amarrar, concediam-lhe uma aparê ncia um tanto exótica, um ar de força, quase de brutalidade, talvez premeditada, um toque masculino que não impedia de se evidenciar nela a mulher em todos os seus aspectos. Ou talvez eu só tenha pensado essas coisas todas depois, tornando-me capaz de escrever sobre elas desse modo. Naquele instante eu estava preocupado em ver logo o apartamento. Quando o porteiro estendeu a chave na minha direção, pois eu chegara um pouco antes, ela disse com uma voz que pretendia ser durona, igual aos seus sapatos.

  • Não podemos subir todos juntos? O porteiro tornou a recolher a chave, mantendo-a suspensa nos dedos, como se fôssemos crianças disputando um doce.
  • A senhora vai me desculpar, mas não posso largar a portaria – ele disse. - O apartamento está vazio e, se a senhora não se importar, pode subir sozinha com ele - o porteiro apontou a chave na minha direção. Ela olhou para mim de cima a baixo, como se me avaliasse, até concluir que eu era inofensivo.
  • Por mim, tudo bem - ela disse. Aquele exame minucioso, e talvez o seu resultado, me irritara. E também o fato de o porteiro ter perguntado a ela se se importava de subir comigo, e não a mim, que chegara primeiro, se me importava de subir com ela. Afinal, estávamos disputando o mesmo apartamento. Então apenas dei de ombros, indiferente. Mal fiz isso, ela tomou a chave da mão do porteiro e seguiu em frente pela aléia, ou fosse lá como fosse que se chamava aquela passagem que, margeando o estacionamento a céu aberto, ia dar no bloco B, onde ficava o tal apartamento. Enquanto ia atrás dela, pensei que não estava sentindo nenhuma vontade de morar naquele condomínio composto de dois caixotões verticais, com o nome absolutamente ridículo de Bois de Boulogne. De fato, era todo ajardinado e havia algumas árvores, para parecer bucólico e ecológico. Havia também um playground à vista, o que significava muitas crianças quando não fosse hora de colégio, e uma piscina escondida em algum lugar (eu lera no classificado), que devia ser um tanque grande, também cheio de crianças. Na verdade eu e Clarice preferíamos começar nossa vida num desses prédios mais antigos, com uma arquitetura humana, e não tínhamos a menor intenção de ter filhos tão cedo. Mas eu ia ver o apartamento. Estava de férias e programado para ver apartamentos. Depois de subir dois lances de escadinhas, alcancei a mulher no hall dos elevadores do bloco B, onde nos comportamos como os dois estranhos que de fato éramos um para o outro. Ela pôs um cigarro na boca, sem acendê-lo, e uma senhora juntou-se a nós. Logo depois o elevador chegou, um pessoal saiu, deixamos a senhora entrar primeiro, depois entrou ela, depois eu. A senhora desceu no quinto andar e, até lá, ficou olhando de cara feia para o cigarro apagado nos lábios da mulher, que sustentou o seu olhar. Assim que a senhora saiu, ela acendeu o cigarro, embora houvesse uma plaqueta de proibição, visível no meio de vários grafitezinhos infantilóides, alguns meio nazistas, alguns obscenos. Mas não seria eu, um ex- fumante, que iria me incomodar com o cigarro dela.
  • Também está procurando apartamento há muito tempo? - perguntei, para quebrar o gelo entre nós.
  • Não. Este é o segundo. Mas são todos umas merdas.
  • É verdade - eu disse, apaziguadoramente, achando graça.