




























































































Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Figura 26: Robson e Ailton, programa Intellimen (Templo de Salomão, 2015) . ... concepções de sacrifício e desafio alimentam um conjunto de ...
Tipologia: Notas de estudo
1 / 191
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
A conduta universal: governo de si e políticas de gênero na Igreja Universal do Reino de Deus
São Paulo 2018
A conduta universal: governo de si e políticas de gênero na Igreja Universal do Reino de Deus
Versão Corrigida
Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutora em Ciências. Programa: Antropologia Social
Orientadora: Profa. Dra. Paula Montero
São Paulo 2018
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
Nome do (a) aluno (a): Jacqueline Moraes Teixeira
Data da defesa: 09/03/
Nome do Prof. (a) orientador (a): Paula Montero
Nos termos da legislação vigente, declaro ESTAR CIENTE do conteúdo deste
EXEMPLAR CORRIGIDO elaborado em atenção às sugestões dos membros da
comissão Julgadora na sessão de defesa do trabalho, manifestando-me
plenamente favorável ao seu encaminhamento e publicação no Portal Digital
de Teses da USP.
São Paulo, 28/05/
(Assinatura do (a) orientador (a)
Nome: TEIXEIRA, Jacqueline Moraes.
Título: A conduta universal: governo de si e políticas de gênero na Igreja Universal do Reino de Deus
Tese apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em Ciências. Programa: Antropologia Social.
Aprovado em: 09/03/
Banca Examinadora:
Prof.ª Dr.ª: Maria Filomena Gregori
Julgamento: ___________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª: Heloisa Buarque de Almeida
Julgamento: ___________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª: Carly Barbosa Machado
Julgamento: ___________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª: Sandra Duarte de Souza
Julgamento: ___________________________________________________
Assinatura: ____________________________________________________
Como praticamente tudo que faço, este trabalho também é um produto de parcerias valiosas que estabeleci durante a vida. E diante do encerramento de um ciclo tão repleto de intensidades, mudanças, aprendizados e experiências, não seria diferente. Assim, não poderia deixar de citar aqui, em forma de breves (porém singelos e muitíssimo sinceros) agradecimentos, algumas pessoas (e instituições) que, de alguma forma, viabilizaram condições para a realização desta tese. Como não poderia deixar de ser, agradeço profundamente a minha família: Patrick, meu companheiro em boa parte desta trajetória acadêmica, que me deu aconchego e amor, a quem eu amo. Meus pais José Onécio Teixeira e Delza Moraes Teixeira que permaneceram próximos e presentes mesmo estando geograficamente distantes. À minha irmã Cyntia Moraes Teixeira, pela parceria e por partilhar comigo, desde os nossos primeiros anos de existência, as coisas boas e as coisas complicadas da vida. Ja que estou falando do meu parentesco nuclear, não poderia deixar de agradecer aqui minha extensão familiar animal representada por minhas três gatas, Capitu, Diadorim e Penélope, que me acompanharam e me acalentaram incondicionalmente por dias e noites a fio. Agradeço muitíssimo a Paula Montero, de quem tenho o privilégio de tenho privilégio de ter como orientadora, Paula me instigou desde o início da minha graduação, quando eu assistia suas aulas e pensava: queria ser como ela! Com seu senso teórico sempre muito brilhante e desafiador, nesses longos anos de orientação recebi muito e agradeço! Este trabalho certamente é fruto dessa parceria. Agradeço também, as/os colegas com quais tenho o privilégio de trabalhar no projeto temático “Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo”, que contribuíram com este trabalho por meio das discussões gerais e das discussões de partes referentes a esse texto, são eles/elas, Ricardo Mariano, Marcelo Natividade, Helena Manfrinato, César Augusto Assis Silva, Lilian Sales, Melvina Araújo, Sabrina D’almeida, Edilson Teles, Leonardo Siqueira Antônio, Milton Bortoleto, Carlos Gutierrez, Henrique Antunes, Edlaine Campos Gomes, Eduardo Dullo, Ypuan Garcia, Alexandre Ouviedo, Rafael Quintanilha, Gustavo Tiago, Rafael Quintanilha, Renata Negamine, Olívia Barbosa,
Evandro Bonfim, Raquel Santana e Maísa Fidalgo. Dentre eles agradecer especialmente a Aramis Luís Silva, com quem tanto aprendo! Não poderia deixar de reconhecer aqui a importância do professor José Guilherme Magnani na minha trajetória acadêmica e na minha vida, ele que foi meu primeiro orientador, com ele fiz minhas primeiras incursões etnográficas e aprendi as muitas etapas que envolvem uma pesquisa, quero agradecer muitíssimo pela parceria, pelo apoio para com este trabalho, bem como pela convivência preciosa durante todos esses anos. Esse agradecimento se estende aos queridos amigos e amigas do Laboratório Nau - Nucleo de Antropologia Urbana da USP, no qual participo desde o primeiro semestre da minha graduação, em especial á querida Silvana Souza Nascimento, que é minha professora, parceira de quem tanto aprendo e admiro. Também a Rosenilton Oliveira, parceiro de tantas horas boas, horas difíceis, de horas intermináveis. Gostaria de agradecer também a minha professora de feminismos, de política, e de vida, Heloísa Buarque de Almeida, que desde o mestrado me oferece uma parceria preciosa ao aceitar ler e arguir meus trabalhos. A querida Maria Filomena Gregori, uma pesquisadora que admiro muitíssimo e que além de aceitar arguir esta pesquisa, também me acolheu em seu grupo de pesquisa, as discussões foram fundamentais para as análises que aqui apresento. Agradeço também à Carly Machado, quem também acompanho muito e que me inspira nas suas andanças etnográficas pelos saberes pentecostais e que prontamente aceitou ler e arguir esse trabalho Da mesma forma, agradeço à Sandra Duarte, que me recebeu gentilmente em seu grupo de pesquisa, em sua revista, e que arguiu minhas primeiras expedições pela Igreja Universal durante a iniciação científica. A versão final deste trabalho não seria possível sem os preciosos comentários de Ronaldo Almeida e Joanildo Burity, que gentilmente participaram da minha banca de qualificação e que foram fundamentais para o meu processo de amadurecimento e pesquisa, bem como para minha formação como pesquisadora nos estudos de religiões. Aproveito para agradecer também a outros professores e professoras que marcaram minha trajetória acadêmica por sua paixão e pela boa antropologia. Julio Assis Simões, Heitor Frúgoli, Dominique Gallois, Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, Ana Claudia Duarte Rocha Marques, Lilia Moritz Schwarcz, Laura Moutinho, Vagner Gonçalves da Silva, John
Agradeço muitíssimo as maravilhosas Christina Vital, Lívia Reis, Edlaine Gomes, Patricia Birman, Renata Menezes, Maria Elvira Benitez, pelo aconchego em terras cariocas, pela contribuição preciosa a esse trabalho. Jamais poderia deixar de agradecer a Felipe Lins, minha celebridade favorita, a quem tenho a honra de ter como companheiro de tantas etapas da minha vida. Esse trabalho também não seria possível sem a contribuição da queridíssima Eva Scheliga, quem me ensinou a escrever meu primeiro projeto de pesquisa. A Maísa Fidalgo e Luiza Terrasi Hortelan, pelas trocas preciosas, pelo nosso trio! A Regina Facchini e Isadora Lins França, bem como a todas as pesquisadoras e pesquisadores queridos do Pagu que debateram esse trabalho e contribuíram para essas reflexões. Da mesma maneira, agradeço incondicionalmente às companheiras e companheiros do Numas (Núcleo dos Marcadores Sociais da Diferença), pelas inúmeras parcerias em cursos, formações, debates, lutas, aprendi muitíssimo com todas/os vocês. Que essa nossa preciosa parceria continue. Agradeço muitíssimo a Thomaz Massadi Kawauche, pela ajuda e pelos bons anos de vida compartilhada, por ter pacientemente me ensinado a fazer busca no dédalus , logo que ingressei na graduação, por ter acompanhado a formação do projeto que resultou nesta pesquisa, e pela revisão atenciosa de algumas das etapas deste texto. Meu maior agradecimento as meninas, companheiras de pós-graduação e de luta, juntas compomos a comissão de Cotas do PPGAS, esses cinco anos de doutorado, correspondem também aos cinco anos de luta que travamos na tentativa de construir uma universidade mais plural e justa. Ao lado delas aprendi muito mais que uma tese, ao lado delas vivi a possibilidade de sonhar e de realizar uma Universidade mais plural, mais justa! Minha mais profunda gratidão à Ana Claudia Rocha Marques, Ana Fiori, Cibele, Fabiana Andrade, Letizia Patriarca, Talita dal Bó e Yara Alves. Esta pesquisa de doutorado foi financiada pela Capes, à qual agradeço pelo financiamento e aproveito para registrar minha tristeza por ter visto tantos cortes nos financiamentos de pesquisas e de pesquisadores durante esses anos de doutorado, se quando ingressei ser bolsista era privilégio, agora se tornou uma questão de fé. Por fim queria deixar registrado meu agradecimento as meninas, companheiras virtuais desse último ano de doutorado, Amanda Seixas (UFBA), Analu (UFBA), Ana Sanches (USP), Cleane Nunes (UFRO) Paula Nogueira (UFGO), Roberta Correa (UFF), Silvia Beatriz
(UFSC), Thais Ferraz (UFF) e Zora Zanuzo (UFF), todas bolsistas e ex-bolsistas da Capes. Especialmente a Chirley Mendes (UNB), que terminou sua tese alguns dias antes e que foi uma melhor companheira de crise. Criamos esse grupo para falar de questões aleatórias e nos tornamos irmãs. Obrigada pela preciosa parceria de vocês.
The emergence of the 11.340/06 lawm also known as “Maria da Penha Law”, that regulates and criminalizes domestic violence shows up and has a pivotal role in the Raabe Project. A Project developed by the Universal Church of The Kingdom of God (UCKG), Raabe is aimed at supporting women who suffered domestic violence. Idealized by Cristiane Cardoso, Edir Macedo’s oldest daughter, the Project integrates a select list of projects developed by the UCKG, whose focus is to shape women and men from the constitution of pedagogies that are performed on the bodies, a public line about oneself. This thesis is na analysis of what I call the Political Economy of Prosperity, formed by courses, lectures, meetings, books and T.V shows, focused on the discussion of gender identities and the family, shaping a notion of intimacy that emerges with the publicity of daily activities for the care of oneself. The general hypothesis of this research is that, contrary to what people usually think, is that religion does not create religious people, churches do not create believers. What they do is to constitute privileged spaces of nonstop production of civil bodies when encouraging erotic pedagogies, and also regulation of affectivity and the relationships of gender and sex. This approach allows us to think about the intersection between subjectivation, pastoral power and political sphere. The projects that were analyzed the conception of healthy affectivity and the constant development of a pedagogy that aims at the care of oneself become substantial languages of production of a subject that drives away from the condition of a subject that suffers to take up the public production of the political subject of prosperity. Therefore, this text is shown as a cartography of contemporaneous religious practices related to the production of a performativity of gender mimicked in ways of speaking, comprehend and experience female and male bodies through programs that encourage the formation of a political conduct in the public sphere.
Keywords: gender performativity; pastoral power; body; conduct; challenge; self- government.
Figura 20: Organograma explicativo da família Macedo-BezerraFonte: Elaborado pela autora
12
Era 26 de março de 2014, quase 23 horas, a Rede Globo de televisão transmitia, ao vivo, os últimos momentos de uma partida considerada decisiva para a série A do Campeonato Paulista de Futebol. O jogo em questão classificaria um dos times para a semifinal do campeonato. A disputa entre São Paulo Futebol Clube e Clube Atlético Penapolense, cujo placar seguia no zero a zero, acabou sendo decidida em pênaltis e rendendo um resultado favorável ao Atlético Penapolense que venceu o outro time pela diferença de um gol. O último gol da partida, que garantiu a vitória do Penapolense, foi executado por Washington que, na época, atuava como meia-atacante do time. Por se tratar de um jogo importante para o Campeonato Paulista de Futebol, a partida estava sendo transmitida ao vivo pela Rede Globo de televisão. Após efetuar o gol, Washington se dirigiu para as câmaras que faziam a transmissão e gritou: “eu sou a Universal, eu sou a Universal”^1. No dia seguinte, a comemoração de Washington protagonizou manchetes do tipo: “Comemoração divina – Jogador faz campanha da Igreja Universal na Globo ao celebrar gol: Meia Washington, do Penapolense, grita slogan da Igreja Universal do Reino de Deus na Globo”^2 e “Ao comemorar gol, jogador do Penapolense grita “eu sou a Universal” para as câmeras da TV Globo”^3. A comemoração inusitada de Washington acabou dando visibilidade para uma campanha da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), lançada no primeiro semestre de 2014 e cujo título é Eu sou a Universal^4_._ A campanha reúne, desde então, depoimentos de pessoas profissionais atuantes em variadas áreas. Ao ser chamado para participar de programas esportivos televisivos em diferentes emissoras, Washington fazia menção à campanha considerando a vitória do seu time como o cumprimento de uma promessa divina, logo, professar seu pertencimento a IURD seria uma
(^1) https://www.youtube.com/watch?v=c5xaTUef7oc (acessado em 27/03/2016). (^2) Folha de S. Paulo, 27/03/2014 e noticiasdatv.uol.br (^3) http://www.farolnoticias.com.br/2014/04/ao-comemorar-gol-jogador-do-penapolense-grita-eu-sou-a-universal- para-as-cameras-da-tv-globo/ 4 (acessado em 23/03/2016). http://www.eusouauniversal.com/ (acessado em 23/03/2016).
13
maneira de agradecer e, ao mesmo tempo, demonstrar que não se envergonhava de ser Universal. Em entrevista ao portal Universal.org , da Igreja Universal, Washington declarou: “Eu gritei para mostrar a todos que não tenho vergonha de ser da Universal. Sou membro da Universal desde 2010 e sei o quanto a instituição e o bispo Edir Macedo são perseguidos pela mídia. Há muito preconceito e desconhecimento em relação à Igreja.” 5 Após a repercussão de sua fala, Washington se tornou uma das personagens referência na campanha Eu sou a Universal.^6 Com milhares de visualizações, apenas pelo portal do Youtube, o jogador tornou-se conhecido e passou a atuar com maior visibilidade também nos espaços da igreja, palestrando para jovens do projeto Força Jovem Universal (FJU)l , para homens no projeto Intellimen e para empresários, na reunião especialmente voltada para esse público que, desde 2014, ocorre todas as segundas no Templo de Salomão^7.
Fonte: Google Imagens
(^5) http://www.universal.org/noticia/2014/03/28/jogador-grita-eu-sou-a-universal-para-as-cameras-da-globo- 29257.html 6 (acessado em 23/03/2016). Ver o vídeo com o depoimento completo de Washington em http://www.eusouauniversal.com/depoimentos/washington-santana/ 7. As atividades desses projetos, bem como, algumas trajetórias de participantes da campanha “Eu sou a Universal” serão aprofundadas no capítulo 1.
Figura 1 : Washington no jogo contra o São Paulo Futebol Clube
15
imprescindível etnografar algumas dessas formas de assembleia, ponderando sobre as modelagens e a materialidade que engendram tanto um sujeito da prosperidade, quanto um espaço legítimo para sua atuação. Outro exercício analítico foi formular, a partir do diálogo com alguns referenciais teóricos, como Asad (2003), Foucault (2014) e Butler (2015), as seguintes indagações: 1) de que maneira a igreja se torna uma gramática de operação para modelagens individuais, governo das condutas e narrativas públicas de si? 2) como as conhecidas técnicas religiosas de anunciação de si, tais como confissão e testemunho, são ressignificadas ao serem foco de novas linguagens de mídia? 3) como a igreja, na qualidade de tecnologia agenciadora de condutas e produtora de sujeitos, também é produzida enquanto sujeito na disputa pela fala legítima no debate público acerca dos direitos sexuais e de gênero? A hipótese geral que orienta a presente tese é de que, ao contrário do que comumente se imagina, religiões não produzem religiosos, igrejas não produzem fiéis. E sim, de que constituem máquinas de produção incessante de corpos civis ao incitar determinadas pedagogias eróticas, bem como a regulação da afetividade e das relações de gênero e do sexo. Esta abordagem abre margem para se possa pensar, e este é o principal objeto deste trabalho, a intersecção entre processos de subjetivação, poder pastoral e esfera política.
Igreja enquanto tecnologia produtora dos sujeitos/corpos civis: formulando um problema
Para introduzir a proposta analítica que sugere pensar a igreja como uma tecnologia produtora de sujeitos – por meio do treino e da elaboração contínua das técnicas de ajuntamento, governo das condutas e narrativas públicas de si – , torna-se imprescindível situar o conceito de religião, tendo como ponto de partida a concepção de “religião pública” (MONTERO, 2016).
Guatarri, que consiste em pensar a materialidade e os sentidos estabelecidos a partir de tecnologias de reunião de corpos, a partir de noções de fluidez, permutabilidade e múltiplas funcionalidades. Com o conceito de Assemblage, Deleuze e Guatarri pretendem pensar que dentro de um corpo, as relações dos componentes não são estáveis e fixadas; Em vez disso, eles podem ser deslocados e substituídos dentro e entre outros órgãos, abordando sistemas através de relações de exterioridade. (ver mais em Karaman, O (2008). "A New Philosophy of Society: Assemblage Theory And Social Complexity by Manuel DeLanda". Antipode. 40 (5): 935–937).
16
Como pondera Montero (2016), nas últimas décadas foi possível notar o movimento crescente de sujeitos religiosos e agências religiosas mobilizando debates acerca dos direitos civis, bem como, dos rumos da política econômica e estatal do país. O uso de novas tecnologias para a produção de audiência, assim como a disposição de novos atores e espaços de fala, suscitou a necessidade de se deslocar a investigação das práticas religiosas para além do que tradicionalmente era considerado como religioso, tais como rituais e templos, estendendo-a para o plano das interações entre os sujeitos na arena pública (MONTERO, 2016, p.139). O primeiro deslocamento heurístico importante que o conceito de “religião pública”^11 supõe é o afastamento das abordagens que consideram indevida a presença das religiões e de sujeitos religiosos na esfera pública. Isso porque religião e religiosos não podem ser pensados enquanto fenômenos cuja própria ontologia coloca em xeque os princípios de funcionamento do público, mas sim, enquanto atores que também constituem o público ao acionar diferentes tecnologias de visibilidade. Esse deslocamento permite uma mudança nos modos usuais de formulação da religião enquanto problema teórico, ao considerá-la um efeito das interações e disputas por espaços de publicidade, entendendo o papel fundamental dos sujeitos religiosos não apenas na produção do reconhecimento público das agências religiosas, mas também, na produção de secularismos (CEFAÏ, 1996; MONTERO, 2016). Conceber a religião como, ao mesmo tempo, constituída e constituidora do público, na medida em que agencia tecnologias de visibilidade e reconhecimento de sua ação no mundo, permite recolocar em novos termos a questão da função social da religião. De modo que sua materialidade deixe de ser vista como, exclusivamente, da ordem do religioso para ser compreendida como uma instância cuja finalidade e produto é sempre fruto de um processo que envolve disputas e negociações. As justificativas para a ação pública das religiões não pertencem, substancialmente, ao campo do religioso, mas emergem como efeito de
(^11) Casanova (1994) constituiu a concepção de religião pública para pensar um distanciamento de algumas teorias weberianas da secularização. Para Montero, a definição de “religião pública” proposta por José Casanova (1994) permanece, a nosso ver, tributária da problemática weberiana da distinção das esferas de valor. Para ele, as religiões se “desprivatizam” em dois sentidos: tornaram-se objeto da atenção de vários públicos, tais como a mídia, os políticos, os cientistas sociais, etc., e colocaram-se na arena pública enquanto forças de contestação moral e política. A própria ideia de que as religiões se desprivatizam (ainda que entre aspas) dá por suposto, senão que a religião esteve em algum momento fora da vida pública, ao menos que na oposição público/privado as esferas são distintas, estáveis, autônomas e fechadas em si mesmas (MONTERO,2016, p.129).