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Gêneros textuais:, Notas de aula de Construção

Parte V – Gêneros textuais no processo ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. ... características de gênero textual que lhe são identificadas.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Gêneros textuais:
o que há por trás do espelho?
Organizadora: Regina L. Péret Dell´Isola
Ana Clara Gonçalves
Ana Virgínia Lima da Silva
Carmem Starling Bergamini Grijó
Climene F. Brito Arruda
Daniel Mazzaro Vilar de Almeida
Deize Costa Cardoso
José Nilson Santos da Costa Filho
Kaciana Fernandes Alonso
Maria Flor de Maio Barbosa Benfica
Maria Lourdilene Vieira
Mirian Lúcia Brandão Mendes
Regina Lúcia Péret Dell´Isola
Rosane Cassia Santos e Campos
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Gêneros textuais:

o que há por trás do espelho?

Organizadora: Regina L. Péret Dell´Isola

Ana Clara Gonçalves Ana Virgínia Lima da Silva Carmem Starling Bergamini Grijó Climene F. Brito Arruda Daniel Mazzaro Vilar de Almeida Deize Costa Cardoso José Nilson Santos da Costa Filho Kaciana Fernandes Alonso Maria Flor de Maio Barbosa Benfica Maria Lourdilene Vieira Mirian Lúcia Brandão Mendes Regina Lúcia Péret Dell´Isola Rosane Cassia Santos e Campos

I ntrodução

Hoje, no Brasil, podemos ver o reflexo positivo de teorias linguísticas no ensino de língua portuguesa e no de línguas estrangeiras modernas. Ao analisarmos as orientações propostas nos documentos oficiais para o ensino de línguas, particularmente na Educação Básica constatamos algumas linhas gerais de ação bem definidas. O texto tem sido adotado como unidade básica de ensino; a produção linguística tem sido considerada como discurso contextualizado; a leitura tem valorizado as categorias de gêneros que, situados em um contínuo, apresentam características próprias e socialmente organizadas tanto na fala como na escrita. A atenção volta-se para a língua em uso, sem se fixar no estudo da gramática como um conjunto de regras, mas frisando a relevância da reflexão sobre a língua; para a produção e compreensão do texto escrito e oral; para a explicitação da noção de linguagem adotada, com ênfase no aspecto social e histórico e para a clareza quanto à variedade de usos da língua e variação linguística. O interesse atual pela noção de gênero - na pedagogia linguística - tem produzido alguns movimentos importantes no ensino e aprendizagem de línguas. Nesta coletânea, reunimos algumas reflexões e propostas com vistas a contribuir com as novas discussões acerca da presença do gênero textual nas aulas de português e nas de línguas estrangeiras. Temos aqui o resultado de vários encontros de um grupo constituído de professores, pesquisadores, mestrandos e doutorandos que culminou na escrita de artigos, após a leitura crítica das teorias sobre gênero textual, seguida de debates a respeito de suas implicações. Devido à diversidade de abordagens, este livro é composto de cinco partes: I. a noção de gêneros textuais e discursivos; II. a retextualização no processo de ensino- aprendizagem de gêneros textuais; III. a intergenericidade na constituição de gêneros e seus propósitos; IV. a textualização de gêneros da esfera jornalística e V. os gêneros textuais no processo ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Na primeira parte desta obra, o artigo, intitulado Perspectivas teóricas subjacentes às noções de gênero: textual ou discursivo? é uma retomada de trabalho anterior publicado por Dell´Isola (2009) em que a autora apresenta perspectivas teóricas relativas às concepções de gênero. São várias as perspectivas teóricas no tratamento dos gêneros. Cada teórico sustenta a noção de gênero em uma base específica com foco em uma ou mais de uma destas perspectivas: social, histórica, dialógica, comunicativa, sistêmica-funcional, sociorretórica, etnográfica, instrucional, interacionista, sociodiscursiva, analítico, crítica, cultural, dentre outras. Busca-se responder à questão: o que existe por trás dos rótulos ―textual‖ e ―discursivo‖ que acompanham o termo ―gênero‖?. Gênero discursivo na perspectiva da Análise Crítica do Discurso de Fairclough, escrito por Deize Costa Cardoso, com base nas contribuições de Norman Fairclough (1989, 2001), discute a relevância da relação entre o gênero, sua interação com as estruturas sociais, a contextualização do discurso e a ideologia presente tanto na linguagem como na estrutura social. A abordagem tridimensional de Fairclough volta- se para a análise dos eventos discursivos na dimensão do texto, da prática discursiva e da prática social. As contribuições oferecidas pela análise crítica do discurso são a conscientização de como a linguagem é usada para reforçar as desigualdades sociais e a possibilidade de mudanças em organizações sociais. Na segunda parte, as implicações pedagógicas do conceito de gênero para o trabalho com a retextualização em sala de aula são o tema do artigo A noção de gênero e a retextualização de Maria Flor de Maio Barbosa Benfica. A autora pauta-se no princípio de que os gêneros textuais/do discurso são um termo intermediário de

referência para a aprendizagem da língua e propõe reflexões sobre a noção de gênero que subjaz às propostas de produção de textos realizadas a partir de atividades de retextualização em livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental. Para ela, as atividades de retextualização de gêneros textuais estão presentes nos livros didáticos, ainda que esse termo não seja empregado e tem sido adotada como prática para o ensino de produção de textos orais e escritos. O estudo apresenta uma análise exploratória realizada em uma coleção de LD de português buscando investigar se as propostas apresentadas supõem o funcionamento discursivo dos gêneros envolvidos no processo de retextualização. Em Retextualização: instrumento para ação na esfera acadêmica , Ana Virgínia Lima da Silva trata da ação de retextualizar como processo que oferece aos produtores de textos a oportunidade de agirem por meio dos gêneros. Buscou-se discutir sobre o gênero exposição oral acadêmica, focalizando as relações entre oralidade e escrita nesse gênero. Parte-se da noção de gêneros como ação social, sendo esse ―agir socialmente‖ um fator importante na produção eficaz dos gêneros. A autora defende que, no contexto de ensino, a exposição oral envolve atividades de retextualização de textos escritos em textos orais, o que é uma forma de construção conjunta do conhecimento e participação ativa dos estudantes da estruturação discursiva acadêmica. Nesse trabalho são apresentados resultados gerais de questionários respondidos por alunos que elaboraram as exposições orais. Tendo constatado que a prática e produção de textos escritos na escola e apresentada em livros didáticos aprovados pelo PNLD não tem se apresentado associada às determinações sociais e sociolinguísticas que fundamentam os conhecimentos sobre as relações entre a língua, sociedade escola, Carmem Starling Bergamini Grijó escreveu o artigo Retextualização e apropriação dos gêneros textuais no contexto escolar.. Nele, são analisadas das questões que envolvem a aquisição da língua escrita na prática pedagógica e é apontada a necessidade de se trabalhar os variados gêneros textuais que circulam na escola e na sociedade. A autora apresenta atividades de retextualização desenvolvidas no 9º ano do ensino fundamental, buscando verificar se a retextualização é um processo eficiente para melhorar o nível de compreensão e apropriação dos gêneros textuais, sendo estes definidos como eventos comunicativos com propósitos e características particulares que envolvem os falantes de uma determinada cultura no sentido de que estes passam a compreender o processo interativo do discurso construído socialmente. A terceira parte deste livro é introduzida pelo artigo, Hibridismo: quando um texto vale por mais de um?, de José Nilson Santos da Costa Filho. Aborda-se o fenômeno conhecido como hibridismo, ou seja, trata de construções textuais nas quais um único texto elenca características de mais de um gênero de discurso, podendo apresentar mais de uma finalidade comunicativa. Em seu artigo, Costa Filho baseia-se principalmente nas concepções de Bathia (1997), Marcuschi (2008) e Koch & Elias (2008) com o objetivo de analisar o texto ―Comercial Carvalho inaugura hoje mais três novas lojas‖, publicado no jornal Diário do Povo do Piauí. O autor demonstra o caráter híbrido desse exemplar, uma vez que reúne propósitos comunicativos tanto de uma notícia quanto de um anúncio publicitário. Para tanto, apresenta aspectos da aproximação do texto tanto com o gênero da esfera jornalística quanto com o gênero publicitário. No artigo Os fenômenos de intergenericidade e hibridizaçãoem gêneros promocionais de Maria Lourdilene Vieira discute-se os fenômenos de hibridização e intergenericidade. A partir da análise, em gêneros promocionais, de casos de textos que exemplificam os dois fenômenos, a autora demonstra que, na intergenericidade verifica-se a apropriação, por meio de um gênero, da estrutura composicional de outro gênero, na busca de efeitos de sentido particulares. Na hibridização, a composição textual apresenta uma imbricação de gêneros, com mais de um propósito comunicativo, cumprindo, assim, diferentes funções. Esse estudo parte de considerações da obra de Bakhtin (2003 [1979]) cujas ideias norteiam até hoje os

Nacionais (PCN), os quais sugerem que o trabalho com o texto, sejam eles orais ou escritos, deve ser feito fundamentado em gêneros. Em seu artigo, a autora objetiva discorrer sobre benefícios do ensino de LE por via da exploração de gêneros textuais, bem como, refletir sobre possíveis dificuldades de um trabalho com tal enfoque. Conclui que a exploração de gêneros pode se apresentar como uma alternativa bem- sucedida a uma concepção mais tradicional de ensino de língua. Encerra-se esta coletânea com o artigo O texto literário adaptado para o ensino de LE: reflexões para o ensino de LE sob a ótica de algumas abordagens de análise dos gêneros textuais de Kaciana Fernandes Alonso. A autora pretende identificar algumas características do gênero texto literário adaptado para o ensino de língua estrangeira (LE), sob a ótica de algumas teorias abordadas por estudiosos da área dos gêneros textuais como Hasan, Gunther Kress e Fairclough. A partir dessa identificação, a leitura desse gênero textual, em sala de aula de LE, pode favorecer a aprendizagem contextualizada da língua-alvo, promovendo não apenas o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita, mas ainda de fala e compreensão oral, além de proporcionar o enriquecimento cultural dos aprendizes. A autora demonstra, ainda, que o uso de textos literários adaptados para o ensino de LE, além dos benefícios que menciona, pode favorecer a inserção de outros gêneros textuais no contexto de aprendizagem da LE. Se considerarmos que a língua (gem) é realizada através dos gêneros, então está aí a importância de abordar o ensino de LE de forma motivadora e eficiente para os aprendizes. Vemos os gêneros como diante de um espelho, mas o que há atrás do espelho? Há o suporte que cria as condições necessárias para que a imagem seja refletida. Em busca dessas condições, esta coletânea foi organizada. Esperamos que a obra contribua positivamente para novas discussões e abra novos diálogos sobre o tema.

Regina Lúcia Péret Dell´Isola

P erspectivas teóricas subjacentes às noções de gêneros:

textuais ou discursivos?

Regina L. Péret Dell´Isola^1

A noção de gênero textual-discursvo é central na agência sociointerativa da produção linguística. As sociedades estão submetidas a uma grande variedade de gêneros textuais, a ponto de sua identificação parecer difusa e aberta. Os gêneros textuais transitam por todas as instâncias discursivas com sucesso e desenvoltura e, principalmente, com a rapidez e a adequação que a situação exige. Já é amplamente conhecida a perspectiva bakhtiniana na qual se sustenta que uso da língua ocorre em forma de enunciados que são organizados em conteúdo temático; estilo e estrutura composicional. Cada enunciado é particular, mas seu campo de utilização – a situação comunicativa

  • apresenta os gêneros discursivos , mais precisamente, os tipos relativamente estáveis de enunciados. Tais gêneros são produções escritas ou orais heterogêneas, uma vez que há infinitas possibilidades no campo da atividade humana. Para Bakhtin (1992 [1977]) , a escolha de um gênero X ou Y pelo falante e seu conseqüente estilo é fruto das combinações de estruturas já existentes na língua. Na maioria das vezes, o falante apenas relaciona seu enunciado aos elos precedentes e aos subseqüentes da comunicação discursiva:

Quando construímos nosso discurso, sempre trazemos de antemão o todo da nossa enunciação, na forma tanto de um determinado esquema de gênero quanto de projeto individual de discurso. Não enfiamos as palavras, não vamos de uma palavra a outra, mas é como se completássemos com as devidas palavras a totalidade. (BAKHTIN, 1992:292).

A produção de linguagem de um indivíduo é uma ação resultante de um conjunto de decisões dentre as quais está a escolha de certos gêneros para a tessitura do texto que deve atender a uma determinada situação comunicativa. Em princípio, existem certos modelos textuais pertinentes a partir dos quais são produzidos novos textos por meio dos quais acontece uma ação comunicativa. As produções individuais de linguagem efetuam-se em, pelo menos, duas dimensões: a social, na qual o indivíduo entra em contato com as

(^1) Professora Associada da Faculdade de Letras da UFMG. Doutora em Estudos Linguísticos, atua no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da FALE/UFMG nas áreas de Linguística do Texto e do Discurso e de Linguística Aplicada ao Ensino de LE>

Este artigo é síntese de trabalho publicado no livro LARA, G. e COHEN, Maria Antonieta. Linguística, tradução e discurso, Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

notório que os gêneros apresentam algumas regularidades estruturais, que são atividades sociais e que se constituem a partir de recursos multimodais.

Gênero: algumas regularidades estruturais

Considerando a linguagem como um sistema de significações que integra a existência humana e considerando o texto como instância de uso da linguagem que desempenha um determinado papel em um contexto situacional, Hasan (1995) discute o sistema de relações necessárias entre linguagem e seu contexto de uso e propõe a existência de uma estrutura potencial do gênero (Hasan, 1989). Na relação funcional entre linguagem e contexto, cada gênero corresponde a padrões textuais recorrentes e a contextos situacionais, ou seja, o texto vincula-se ao uso que se faz da linguagem para que certos objetivos sejam alcançados e à situação de experiência humana com a qual determinado registro de linguagem é associado. Assim, a autora propõe a existência de uma configuração contextual necessária para a interação pela linguagem. Essa configuração compreende três variáveis: o campo do discurso, a natureza da relação entre os participantes e o modo do discurso. O campo do discurso envolve a natureza da prática social realizada pelo uso da linguagem, isto é, o tipo de ato executado e seus objetivos. A relação entre os participantes envolve papéis, grau de controle de um interlocutor sobre o outro, a relação de hierarquia e a distância social entre eles. O papel desempenhado pela linguagem, o compartilhamento monológico ou dialógico, o canal, o suporte, compreendem o modo do discurso. Todas essas variáveis determinam uma classe de situações e o gênero se configura na linguagem que desempenha um papel apropriado a cada classe de eventos sociais. O que Hasan (1989) concebe é que traços específicos de um contexto norteiam a seleção de certos elementos textuais que conduzem a uma estrutura genérica. Essa estrutura não é um plano rígido e permite variações. Assim, exemplares de um mesmo gênero textual podem variar no seu esboço, mas há limites. Esses limites são instituídos a partir do conhecimento tácito dos elementos obrigatoriamente presentes em determinado gênero, dos elementos opcionais, dos elementos iterativos - que podem ocorrer uma única vez ao longo do texto - , dos elementos que tem uma ordem fixa de ocorrência e dos que têm uma ordem variável. Como exemplo, a autora apresenta a defesa de tese como um evento que está vinculado a traços específicos de um contexto e devido a uma configuração contextual definida, esse evento apresenta uma estrutura potencial de gênero que compreende: abertura, defesa propriamente dita, deliberação da banca e encerramento (FIG.1).

FIGURA 1

Movimentos Retóricos de uma Defesa de Tese

Figura 1: Esquema dos movimentos retóricos típicos de uma defesa de tese

Esses quatro movimentos retóricos englobam etapas de uma representação esquemática de uma defesa de tese. A Abertura compreende saudações, apresentações, orientações sobre os procedimentos; a Defesa envolve exposição oral do candidato, argüição feita pelos membros da banca e participação do candidato; a Deliberação compreende dispensa do candidato, deliberação da banca e chamada do candidato e, finalmente, o Encerramento prevê o anúncio do resultado, as sugestões para o candidato, o encerramento da sessão, a ratificação do resultado (o candidato recebe os cumprimentos da banca) e seguem-se as despedidas.. Esses estágios que podem variar de uma cultura para outra (HASAN, 1994:142). Em seu construto teórico, a autora estabelece que uma estrutura potencial de gênero compreende estágios em que há alguma sistematicidade na realização da atividade social e o caráter de obrigatoriedade (ou opcionalidade) e a ordem seqüencial podem variar de acordo com a configuração contextual. Hasan (1994) propõe como objetivo da estrutura potencial de gênero a configuração de um leque de opções de estruturas esquemáticas específicas potencialmente disponíveis aos textos de um mesmo gênero. A autora não prevê limites fixos entre os diversos estágios das estruturas e reconhece a possibilidade de mobilidade entre eles. O campo do discurso, a relação entre os participantes e o modo do discurso constituem a base da configuração contextual que fornece pistas para a compreensão do significado em função da estrutura potencial de gênero e vice-versa. Analisando-se a proposta teórica de Hasan (1989, 1994), é possível perceber que o modelo oferece subsídios para a representação de gêneros, sobretudo os prototípicos, a partir dos quais emergem outros gêneros. Isso não significa que os gêneros sejam estruturas rígidas, modelos estanques, ao contrário, são entidades dinâmicas com identidades próprias reconhecíveis por algumas características estruturais mínimas ou que guardam alguma semelhança com um gênero agregado na linguagem de uma sociedade. Para além da estrutura, o gênero se circunscreve como ação social.

Gênero: ação social

Os gêneros textuais, atividades discursivas estabilizadas nas sociedades, ajustam-se a vários tipos de controle social e estruturam, organizam, regulam as interações sociais. Segundo Miller (1984), gêneros são

Abertura Defesa Deliberação da banca

Banca

Encerramento

Nessa abordagem, os gêneros se mantêm focalizados em determinadas ações retóricas graças a propósitos comunicativos, que podem não ser reconhecidos por alguns dos membros de uma comunidade, mas que, ainda assim, existem na constituição do texto. Na investigação dos gêneros é possível depreender certos propósitos comunicativos ou fazer conjecturas acerca desses propósitos. Bazerman (1994), observando regularidades nas propriedades das situações recorrentes, focaliza as intenções sociais nelas reconhecidas. Essas situações originam recorrências na forma e no conteúdo da comunicação. Da forma como são percebidos e usados pelos indivíduos, os gêneros tornam-se parte de suas relações sociais padronizadas, de sua paisagem comunicativa e de sua organização cognitiva. Bazerman (2006:23) sustenta que os ―gêneros são os lugares familiares para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com os outros e são os modelos que utilizamos para explorar o não familiar.‖ Ações comunicativas prevêem a presença de intenções ou propósitos. Além disso, é preciso considerar que a sociedade contemporânea constitui-se através de uma a diversidade de modos comunicativos que envolvem inúmeros ‗recursos semióticos‘ que se combinam para produzir significados diversos, aos quais são atribuídos valores culturais. A noção de multimodalidade torna-se imprescindível para a análise das características organizacionais de cada gênero textual que circula socialmente.

Gênero: múltiplas fontes semióticas

Estudos teóricos recentes na área de Análise Crítica do Discurso e Semiótica Social voltam-se para o estudo dos diferentes sistemas de signos usados na construção do sentido e apontam para a questão da multimodalidade que abrange praticamente todos os gêneros textuais.Na perspectiva discursivo-semiótica, os gêneros são compostos de diversos recursos semióticos, os quais variam de acordo com o contexto da situação e com o propósito da comunicação. Kress et al. (1997: 270) argumentam que ―a linguagem sozinha não é mais suficiente como foco de atenção para aqueles interessados na construção e reconstrução social do significado‖. Para Kress (1989) a construção do sentido se dá simultaneamente em dois planos: o imediato e o amplo. No plano do contexto imediato desenvolvem-se os eventos sociais de determinada instituição: envolve relações sociais locais entre participantes, propósitos do evento social e a forma como esse se desenvolve na consecução desses propósitos. No plano do contexto mais amplo localizam-se os significados sociais expressos nos discursos circulam em uma determinada cultura em um dado momento histórico. Para o autor, uma análise de gênero envolve três fatores: finalidade; lugares de fala; organização textual. Em sua concepção esses fatores constitutivos de gêneros são necessários, mas não suficientes, por isso devem estar associados à maneira pela qual o gênero contribui para a construção do sentido. O quadro de referência teórico proposto por Kress mantém a ênfase na concepção da linguagem como uma prática de produção de significados e se aproxima das teorias de Fairclough (1989), Bazerman (1994, 1997) e Miller (1994) que assumem o gênero como uma prática social e que se ocupam de

questões relativas às condições de produção e recepção dos gêneros textuais e de questões relativas aos diferentes sistemas de significação que interagem com o texto verbal na constituição de um gênero. Fairclough (1989, 1995) traz importante contribuição ao apresentar princípios teóricos gerais para a análise crítica do discurso, procurando especificar como os textos serão analisados, focalizando a maneira pela qual as características de texto são socialmente motivadas. Em sua abordagem teórica, Fairclough atribui grande relevância à compreensão da linguagem na condução da vida social no mundo atual. Para ele, o discurso é uma forma de prática social que se realiza total ou parcialmente por intermédio de gêneros textuais específicos; é uma prática social em dialética com estruturas sociais e tem poder constitutivo porque cria formas de crenças e de conhecimento, estabelece relações sociais e identidades; além disso, os textos contêm traços de rotinas sociais complexas, apesar de nem sempre os indivíduos perceberem esses traços ou pistas textuais. O autor defende que os textos são perpassados por relações de poder que devem ser investigadas. Reconhece-se que não se podem isolar elementos não-verbais que integram gêneros textuais orais e escritos. A profusão de imagens, nas práticas de escrita, abriu espaço para mudanças do discurso, colocando em evidência a linguagem visual. A utilização da modalidade visual nas práticas de escrita tem provocado efeitos nas formas e nas características dos textos, evidenciando os textos multimodais , ou seja, aqueles que se constituem de duas ou mais modalidades semióticas em sua composição (palavras e imagens, por exemplo), daí resultando a noção de multimodalidade. Na atualidade, os textos compreendem múltiplas fontes de linguagem; é possível incorporar inúmeros recursos semióticos na construção de um gênero textual, sendo que tanto o verbal quanto o não-verbal exercem função na construção do sentido. Assim, é preciso levar em conta a multimodalidade como traço constitutivo do texto. Dionísio (2005:166) parte da premissa de que todos os gêneros textuais escritos e falados são multimodais, organizados em diferentes níveis do mais ao menos padronizado. A autora exemplifica que uma palestra representaria um nível mais padronizado em relação a outros gêneros orais da interação face a face. Na palestra, os gestos, as expressões faciais, os movimentos corporais estariam mais próximos dos realizados em eventos como uma defesa de tese e mais distantes dos realizados durante um bate- papo com um grupo de amigos. Também em um texto escrito, o escritor pode, segundo afirma Dionísio (2006:1)^2 ― jogar com uma variedade de formas em diferentes situações sociais e com diferentes objetivos.‖ Inegavelmente, os avanços tecnológicos têm colaborado e muito para esse jogo de experimentação de arranjos no processamento textual escrito. Conforme aponta a autora, ―podemos afirmar com segurança que a maior liberdade na manipulação dos gêneros textuais tem relação direta com a audiência e com o meio físico que transmite o gênero. Basta pensarmos, por exemplo, nas charges animadas, nos infográficos ou nos diagramas em movimento.‖ (DIONÍSIO, 2006:1). Ela ressalta que, apesar do caráter multimodal que o letramento assumiu devido ao surgimento de novas tecnologias, este aspecto da escrita ainda necessita de maiores investigações.

(^2) Texto disponível http://www.gtltac.com/FD09_2006_Angela.pdf acessado em novembro de 2011.

Bronckart 1994:

os gêneros constituem ações de linguagem que requerem do agente produtor uma série de decisões que ele necessita ter competência para executar: a primeira delas, é a escolha que deve ser feita a partir do rol de gêneros existentes, em que ele escolherá aquele que lhe parece adequado ao contexto e à intenção comunicativa; e a segunda é a decisão e a aplicação que poderá acrescentar algo a forma destacada ou recriá-la.

Miller 1994: 24

Gêneros são formas verbais de ação social estabilizadas e recorrentes em textos situados em comunidades de práticas em domínios discursivos específicos. ―Ação retórica tipificada‖ funcionando como resposta a situações recorrentes e definidas socialmente. Adam 1999: 40 os gêneros do discurso são o meio de pensar a diversidade socioculturalmente regulada das práticas discursivas humanas.

Schneuwly & Dolz 1999: 65

o gênero textual "é um instrumento semiótico constituído de signos organizados de maneira regular; este instrumento é complexo e compreende níveis diferentes; é por isso que o chamamos por vezes de 'mega-instrumento', para dizer que se trata de um conjunto articulado de instrumentos à moda de uma usina; mas fundamentalmente, trata-se de um instrumento que permite realizar uma ação numa situação particular. E aprender a falar é apropriar-se de instrumentos para falar em situações discursivas diversas, isto é, apropriar-se de gêneros".

Marcuschi

2000: 13

―Gênero textual (também designado gênero discursivo, gênero do/de discurso) é uma forma concretamente realizada e encontrada nos diversos textos empíricos.‖

2002: 23

―usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir aos textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica.‖

2005: 96

Materializados em situações comunicativas recorrentes, os gêneros textuais ―são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sócio-comunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas constituindo em princípio listagens abertas.‖

Meurer

2000: 150

―Gêneros textuais constituem tipos específicos de textos‖ – de qualquer natureza, literários ou não. ―Existem tantos gêneros textuais quantas as situações sociais convencionais onde são usados em suas funções também convencionais‖

2002: 18

Gênero textual ―é um tipo específico de qualquer natureza, literária ou não, oral ou escrito, caracterizado e reconhecido por função específica e organização retórica mais ou menos típica, e pelo(s) contexto(s) onde é utilizado‖.

Fairclough 2001: 161

―um conjunto de convenções relativamente estável que é associado com, e parcialmente instancia, um tipo de atividade socialmente aprovado, como a conversa informal, a compra de produtos em uma loja, uma entrevista de emprego, um documentário de televisão, um poema ou um artigo científico‖ [...] um gênero ―não implica somente um tipo particular de texto, mas também processos particulares de produção, distribuição e consumo de textos.‖

Mainguene au 2001:

―os gêneros do discurso não podem ser considerados como formas que se encontram à disposição do locutor a fim de que este molde seu enunciado nessas formas. Trata-se, na realidade, de atividades sociais que, por isso mesmo, são submetidas a um critério de êxito.‖

Antunes 2002: 69

Gêneros são ―classes de exemplares concretos de textos‖, identificando uma ―dimensão global de sua realização, firmada na recorrência de traços e na instauração de modelos‖ e uma ―dimensão particular de suas manifestações, em que se dá uma confluência do homogêneo e do heterogêneo das realizações individuais.‖

Bazerman

2005: 31 Gêneros são ―fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades socialmente organizadas‖

2006: 23 ―Gêneros não são apenas formas. Gêneros são formas de vida, modos de ser. São frames para a ação social.‖ Quadro elaborado a partir da consulta às obras dos teóricos e organizado mantendo-se a sequência das datas de publicação dessas obras cujos títulos encontram-se nas referências deste artigo.

Levando-se em conta a evidência da inexistência um termo consensual, constata-se que a terminologia empregada pelos teóricos oscila entre ―gênero discursivo‖ ou ―gênero do discurso‖ ou ―gênero textual‖, de acordo com a vertente da base teórica assumida. Concorda-se aqui com Mari (2004:65) ao afirmar que os conceitos de gênero ―ainda estão longe de representar padrões de categorização rigorosos, ou mesmo explicações teóricas razoáveis para tudo aquilo que constitui nossa atividade de linguagem numa sociedade, se a ele pretendemos atribuir essa abrangência.‖ Entretanto, nada disso impede que seja experimentada a amplitude discursiva que se faz representar no mundo das práticas de linguagem do cotidiano. Os falantes dominam uma gama expressiva de dispositivos de sentido que os capacita a perceber os gêneros textuais e a designá-los segundo denominações constituídas histórica e socialmente.

Palavra final

Os gêneros estão presentes em todas as circunstâncias da vida em que as ações humanas são mediadas pelo discurso. Na prática, os usuários da língua os empregam com desenvoltura e segurança porque conhecem a forma padrão de determinados gêneros, além da estrutura relativamente estável que os caracteriza. Isso porque os gêneros estão intimamente relacionados a situações sociais concretas, repetidas, típicas de uso efetivo da língua. Há padrões de correlação entre o texto e contexto e há relações entre discurso e mudança social, na linguagem, esse sistema semiótico que se desenvolve por meio de sua conexão com a vida.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. Recife: Departamento de Letras, UFPE, 3a. versão. 2005. (Texto fornecido pelo autor).

MARTIN, J. R. Process and text: two aspects of human semiosis. In: BENSON, J. D., GREAVE, W. S., eds. Systemic perspectives on discourse. Norwood, NJ: Blex, 1985, p. 248-274.

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G ênero discursivo na perspectiva da

Análise Crítica do Discurso de Fairclough

Deize Costa Cardoso^3

Os estudos sobre gênero tem sido cada vez mais frequentes. Sua análise engloba a investigação do texto e do discurso, a descrição da língua, a visão da sociedade além de responder a questões de natureza sociocultural no uso desta língua. Todo texto, oral ou escrito, se realiza em algum gênero e sua produção sofre influências tanto da realidade social em que está inserido quanto de sua relação com as atividades humanas. As práticas sociais que colocam o gênero em funcionamento têm como elemento chave o discurso. O discurso é um conjunto de afirmações (valores, significados, ideologias) articuladas pela linguagem. A linguagem pode ser considerada uma forma de dominação, legitimando as relações de poder socialmente estabelecidas e historicamente situadas. Ela constitui-se de crenças, identidades e relações sociais. Para ajudar a compreender como o discurso reflete, reproduz e perpetua as relações sociais existentes, as reflexões aqui apresentadas tem como embasamento a Análise Crítica do Discurso (ACD). Um dos propósitos da ACD é analisar criticamente diferentes gêneros discursivos e sua relação com a prática social. Como não há um consenso estabelecido na ACD (MEURER, 2007), a base das reflexões que se seguem será pautada na visão de Norman Fairclough. Seus estudos resultam numa fundamentação de teorias sociais e no desenvolvimento de uma abordagem de análise tridimensional (texto, prática discursiva e prática social) dos eventos discursivos. Esta análise ajuda a entender o processo de produção, distribuição e consumo de texto. Um dos objetivos relacionados às reflexões aqui apresentadas refere-se à mudança discursiva pela desconstrução ideológica dos textos, envolvendo o estudo crítico, histórico e social do uso da linguagem. Outro objetivo é a transformação social e cultural através da compreensão das contradições estruturais nas relações sociais que preservam e reproduzem relações e hegemonias tradicionais.

Uma breve visão da Análise Crítica do Discurso

Segundo Wodak (2004), os temos Linguística Crítica (LC) e Análise Crítica do Discurso (ACD) são comumente usados como sinônimos. A autora assevera que, recentemente, o termo ‗Análise Crítica do Discurso‘ tem sido usado como substituto da teoria que antes era conhecida como Lingüística Crítica. O termo ‗ACD‘ também tem sido utilizado por pesquisadores que consideram o texto como unidade comunicativa básica e por aqueles cujas

(^3) Mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais, na área de Estudos em Línguas Estrangeiras: Ensino/Aprendizagem, Usos e Culturas. Professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte, com atuação nas séries iniciais do Ensino Fundamental e da Rede Estadual de Ensino de MinasGerais, com atuação no Ensino Médio.