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Dano Existencial Coletivo em Acidentes de Trabalho: Um Novo Tipo de Dano, Provas de Direito

Este texto discute a possibilidade de reparação por dano existencial coletivo em acidentes de trabalho ampliados, enfatizando a importância do direito à indenização por dano existencial. O texto analisa decisões judiciais envolvendo acidentes de trabalho e o conceito de dano existencial, que abrange todo acontecimento que incide negativamente sobre a complexidade de atividades da pessoa, podendo repercutir sobre sua existência. O texto também discute a base jurídica para a indenização envolvendo dano extrapatrimonial e o papel da constituição federal e do código civil brasileiros.

O que você vai aprender

  • Quais decisões judiciais são analisadas no texto?
  • O que é dano existencial?
  • Quais são as bases jurídicas para a indenização envolvendo dano extrapatrimonial?
  • Qual é a importância do direito à indenização por dano existencial?
  • Qual é o objetivo do presente trabalho?

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Vasco_da_Gama
Vasco_da_Gama 🇧🇷

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Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v. 65, n. 100, t. I, p. 393-444, jul./dez. 2019
FUTURO ROUBADO: O DANO
EXISTENCIAL COLETIVO NA
HIPÓTESE DE “ACIDENTE DE
TRABALHO AMPLIADO”*
ROBBED FUTURE: COLLECTIVE
HEDONIC DAMAGE IN CASE OF
MAJOR WORK ACCIDENT
Elaine Barbosa Rodrigues**
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de demonstrar a
possibilidade de reparação por dano existencial coletivo em caso de
acidente de trabalho ampliado. Para isso, no que tange à
problematizão do tema sob análise, far-se-á a conceituação do
instituto do dano exisXtencial, introduzido na CLT pela Reforma
Trabalhista de 2017, sugerindo “quatro passos” de um roteiro-auxílio
para a constatação do dano. Ademais, como metodologia, serão
analisadas decisões judiciais envolvendo acidente de trabalho,
enfatizando o direito à indenizão por dano existencial. Tratar-se-á
do conceito de acidente de trabalho ampliado, salientando os dois
principais diplomas internacionais que tratam do tema, quais sejam,
a Diretiva Seveso e a Convenção n. 174 da Organização Internacional
*Artigo enviado em 17.06.2019 e aceito em 08.07.2019.
**Mestranda em Ciências Jurídicas - com ênfase em Direito do Trabalho - Universidade
Autònoma de Lisboa/Portugal. Pós-Graduada com o título de Especialista em Direito
Material e Processual do Trabalho - Universidade Estácio de Sá. Graduada em Direito
pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Ex-Chefe de Gabinete da Assessoria
Jurídica do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro - PRT1. Servidora no Tribunal
Regional do Trabalho - 3ª Região.
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Baixe Dano Existencial Coletivo em Acidentes de Trabalho: Um Novo Tipo de Dano e outras Provas em PDF para Direito, somente na Docsity!

FUTURO ROUBADO: O DANO

EXISTENCIAL COLETIVO NA

HIPÓTESE DE “ACIDENTE DE

TRABALHO AMPLIADO”*

ROBBED FUTURE: COLLECTIVE

HEDONIC DAMAGE IN CASE OF

MAJOR WORK ACCIDENT

Elaine Barbosa Rodrigues**

RESUMO

O presente trabalho tem o objetivo de demonstrar a possibilidade de reparação por dano existencial coletivo em caso de acidente de trabalho ampliado. Para isso, no que tange à problematização do tema sob análise, far-se-á a conceituação do instituto do dano exisXtencial, introduzido na CLT pela Reforma Trabalhista de 2017, sugerindo “quatro passos” de um roteiro-auxílio para a constatação do dano. Ademais, como metodologia, serão analisadas decisões judiciais envolvendo acidente de trabalho, enfatizando o direito à indenização por dano existencial. Tratar-se-á do conceito de acidente de trabalho ampliado, salientando os dois principais diplomas internacionais que tratam do tema, quais sejam, a Diretiva Seveso e a Convenção n. 174 da Organização Internacional

  • Artigo enviado em 17.06.2019 e aceito em 08.07.2019. **Mestranda em Ciências Jurídicas - com ênfase em Direito do Trabalho - Universidade Autònoma de Lisboa/Portugal. Pós-Graduada com o título de Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho - Universidade Estácio de Sá. Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Ex-Chefe de Gabinete da Assessoria Jurídica do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro - PRT1. Servidora no Tribunal Regional do Trabalho - 3ª Região.

do Trabalho. Ainda, à guisa de exemplo, será evidenciado o maior acidente de trabalho da história do Brasil - Caso Brumadinho -, demonstrando, como resultado alcançado, a efetiva interrupção do projeto de vida dos trabalhadores, com o consequente sepultamento de seus sonhos, configurando, de forma emblemática, o dano existencial coletivo.

Palavras-chave: Dano existencial. Acidente de trabalho. Dano existencial coletivo. Acidente de trabalho ampliado. Reforma Trabalhista de 2017. Diretiva Seveso. Convenção n. 174 da OIT. Brumadinho.

ABSTRACT

The present article intends to demonstrate the possibility of compensation for collective hedonic damage in case of “major work accident”. To this end, regarding the problematization of the theme under analysis, it will be made the notion of hedonic damage, introduced in the CLT by the Labor Law Reform of 2017, pointing “four steps” of an aid- guide for finding the damage. In addition, as methodology will be analyzed court decisions will be highlighted involving work accidents, emphasizing the right to compensation for hedonic damages. It will be made the notion of a “major work accident”, highlighting the two main international conventions dealing with the subject, namely the “Seveso Directive” and Convention n. 174 of the International Labor Organization. Furthermore, as an example, it will be evidenced the worst labor accident in the history of Brazil - The Brumadinho Case -, demonstrating as a result achieved, the effective interruption of the workers’ life project, with the consequent burial of their dreams, emblematically representing the collective hedonic damage.

Keywords: Hedonic damage. Work accident. Collective hedonic damage. Major work accident. The Labor Law Reform of 2017. Seveso Directive. Convention n. 174 of the International Labor Organization. The Brumadinho Case.

Tomando como base a evolução da responsabilidade civil, que teve como influência “as duas tortuosas guerras mundiais, de inúmeros regimes ditatoriais” - os quais atingiram diversos países nos períodos dos anos 1960 e 1980 - e, principalmente, a posterior “valorização da pessoa humana”, os chamados “ interesses imateriais” alcançaram grande relevo, ocasionando, desse modo, uma “revolução na responsabilidade civil”.^3 Assim, tem-se que o conceito de dano se refere a qualquer lesão envolvendo um bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico pátrio, podendo-se apresentar de duas maneiras no que tange à sua natureza: patrimonial ou extrapatrimonial, em se considerando as suas várias espécies. Conforme previsão no art. 2.101 dos Princípios de Direito Europeu da responsabilidade civil, “[...] o dano consiste numa lesão material ou imaterial a um interesse juridicamente protegido.”^4 Com o término da Segunda Guerra Mundial, era bem mais nítida a preocupação não apenas com o reconhecimento, mas também com os “[...] meios de proteção dos interesses imateriais da pessoa humana.” Situações envolvendo a morte, as lesões corporais, as lesões psíquicas “[...] não são economicamente apreciáveis de imediato”, em razão de prejudicarem “[...] interesses sem natureza e expressão econômica.” Todavia, aos poucos foi sendo constatado, de forma mais clara, que tais eventos “[...] eram mais maléficos ao ser humano do que as perdas puramente materiais.” Salienta-se: ora, enquanto os danos materiais, em regra, “[...] podem ser objeto de recomposição natural ou específica, os danos imateriais causam prejuízos indeléveis”, afetando a vítima

[...] no seu ser, nos seus sentimentos, nas suas expectativas, nos seus planos, nos seus pensamentos,

(^3) SOARES, Flaviana Rampazzo. Do caminho percorrido pelo dano existencial para ser reconhecido como espécie autônoma do gênero “danos imateriais”. Revista da AJURIS, v. 39, n. 127, p. 199, setembro/2012. (^4) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional - de acordo com a reforma trabalhista lei n. 13.467/2017. 11. ed. São Paulo: LTr, 2019. p. 319.

no seu cotidiano ou, em última análise, causam desequilíbrio de ordem pessoal de grande relevância.^5

Nesse contexto e no âmbito da seara trabalhista é que se insere a possibilidade de reconhecimento do dano existencial, de natureza extrapatrimonial. Antes de ser realizada a abordagem desse novo instituto introduzido na Consolidação das Leis do Trabalho com a Reforma Trabalhista de 2017, evidenciar-se-á um cenário analítico e ilustrativo concernente ao tema em questão. Com a finalidade de elucidar a figura jurídica do dano existencial, mais especificamente do dano existencial coletivo, faz-se interessante destacar a observância de uma obra de arte sob a forma de um quadro, conhecido internacionalmente e criado pelo pintor e arqueólogo francês Jean-Louis André Théodore Géricault.^6 O quadro em comento é denominado “A Balsa da Medusa”, podendo ser encontrado em domínio público em todo o mundo. Mas, de fato, qual a representatividade dessa pintura? De acordo com os relatos históricos, a pintura foi inspirada no naufrágio da fragata Medusa, no ano de 1816, saindo da França com destino a Senegal, havendo, pelo menos, 400 pessoas a bordo. Posteriormente ao naufrágio, cerca de 147 pessoas teriam sido abandonadas em uma jangada (“A Balsa da Medusa”) pelo fato da insuficiência de lugares nos botes salva-vidas. Ainda, conforme é narrado, a construção da balsa se deu sob condições precárias, tendo sido utilizadas tábuas, cordas e partes do mastro do navio. A balsa ficou à deriva pelo período de quinze dias, inexistindo comida e água para aqueles que tentavam sobreviver em cima da construção.^7

(^5) SOARES, Flaviana Rampazzo. Do caminho percorrido pelo dano existencial para ser reconhecido como espécie autônoma do gênero “danos imateriais”. Revista da AJURIS, v. 39, n. 127, p. 199, setembro/2012. (^6) Segundo os componentes do grupo de trabalho e pesquisa da Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, 9ª Região, a obra-prima mencionada é capaz de remeter a uma ideia ampla do dano existencial coletivo. (^7) Revista Eletrônica. Dano Existencial. Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, v. 2, n. 22, p. 2-5, setembro 2013. Disponível em: https://ead.trt9.jus.br/moodle/pluginfile.php/ 24242/mod_resource/content/1/Revista%20Eletr%C3%B4nica%20%28SET%202013%20- %20n%C2%BA%2022%20-%20Dano%20Existencial%29.pdf. Acesso em: 28 maio 2019.

Nesse diapasão, narra a história que o capitão e os tripulantes que estavam no bote salva-vidas, em determinado momento, cortaram a corda que fazia a ligação com a balsa que carregava as 147 pessoas. Os sobreviventes relataram ao artista francês momentos críticos de fome, loucura e canibalismo vividos em um mar bravio e de tempestades amedrontadoras. Tais relatos serviram de auxílio para que o artista reproduzisse de modo mais fidedigno possível todas as mazelas que existiram naquele caos.^11 O fato de extrema importância nessa ilustração é que o navio da Marinha Real, que realizava o transporte de colonos franceses com destino a Senegal, estava sob direção de um capitão que havia sido nomeado em razão de questões políticas, mas desprovido de competência para realizar, de forma segura, a travessia. Por isso, o banco de areia foi suficiente para fazer encalhar o navio, causando o infortúnio. Ocorre que, posteriormente, o capitão foi responsabilizado perante um tribunal marcial em decorrência dos atos praticados.^12 O pintor francês, tomado pela indignação revelada por meio dos acontecimentos, eternizou, através de sua arte, o desespero, os momentos de pavor, medo, desesperança, frustração, infelicidade, amargura e abandono pelos quais passaram os sobreviventes no terrível naufrágio.^13 Em virtude do exposto, tenta-se demonstrar

1 1 (^) Revista Eletrônica. Dano Existencial. Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, v. 2, n. 22, setembro 2013. Disponível em: https://ead.trt9.jus.br/moodle/pluginfile.php/24242/ mod_resource/content/1/Revista%20Eletr%C3%B4nica%20%28SET%202013%20- %20n%C2%BA%2022%20-%20Dano%20Existencial%29.pdf. Acesso em: 28 maio 2019. 1 2 (^) Revista Eletrônica. Dano Existencial. Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, v. 2, n. 22, setembro/2013. Disponível em: https://ead.trt9.jus.br/moodle/pluginfile.php/24242/ mod_resource/content/1/Revista%20Eletr%C3%B4nica%20%28SET%202013%20- %20n%C2%BA%2022%20-%20Dano%20Existencial%29.pdf. Acesso em: 28 maio 2019. 1 3 (^) Revista Eletrônica. Dano Existencial. Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, v. 2, n. 22, setembro/2013. Disponível em: https://ead.trt9.jus.br/moodle/pluginfile.php/24242/ mod_resource/content/1/Revista%20Eletr%C3%B4nica%20%28SET%202013%20- %20n%C2%BA%2022%20-%20Dano%20Existencial%29.pdf. Acesso em: 28 maio 2019.

[...] como uma tragédia pode interromper não só o projeto de vida pessoal, mas também à vida de relação, quanto ao “conjunto de relações interpessoais, nos mais diversos ambientes e contextos”.^14

Nota-se claramente, hipótese de dano existencial coletivo em razão de naufrágio. “A Balsa da Medusa” caracteriza, de forma categórica, a ocorrência da figura jurídica do dano existencial.

1 DANO EXISTENCIAL: O BERÇO ITALIANO E A CONCEITUAÇÃO

DO INSTITUTO

A construção dessa nova moldura de responsabilidade civil tem origem na doutrina italiana. Sob essa perspectiva, uma nova categoria denominada “dano existencial” é incluída nos chamados “danos indenizáveis”. Essa nova categoria de dano tem como base as atividades desempenhadas pela pessoa de cunho remuneratório, ou não, e está relacionada aos variados interesses relativos à integridade física e mental. À guisa de exemplo, podem-se mencionar as relações de estudo, lazer, da própria capacidade de labor, que acabam por se tornar comprometidas em decorrência de determinada conduta lesiva.^15 A necessidade do estudo dessa nova categoria no direito italiano foi necessária em virtude da existência no ordenamento jurídico de apenas duas espécies de dano indenizável: 1) o dano patrimonial, de acordo com o que preconiza o art. 2.043 do Código Civil Italiano e 2) o dano extrapatrimonial, conforme reza o art. 2.059 do mesmo diploma legal, ressalvando-se, contudo, o fato de

1 4 (^) Revista Eletrônica. Dano Existencial. Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, v. 2, n. 22, p. 2-5, setembro 2013. Disponível em: https://ead.trt9.jus.br/moodle/pluginfile.php/ 24242/mod_resource/content/1/Revista%20Eletr%C3%B4nica%20%28SET%202013%20- %20n%C2%BA%2022%20-%20Dano%20Existencial%29.pdf. Acesso em: 28 maio 2019. 1 5 (^) BERNARDI. I.M. O dano existencial no direito do trabalho. Revista Eletrônica. Dano Existencial - Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, v. 2, n. 22, p. 19, setembro/2013.

Constituição Federal italiana, o qual versa sobre a proteção da dignidade humana^19 , reconhecendo e garantindo os direitos invioláveis do homem, quer como ser individual, quer nas formações sociais onde se desenvolve sua personalidade. A decisão proferida na sentença n. 184, de 14 de julho de 1986, também teve outro desdobramento: outros tipos de danos passaram a ser reconhecidos. Danos esses a respeito dos quais não se cogitavam hipóteses, em razão da determinação do art. 2.059, estabelecendo que somente estaria configurado o dano, caso o dano moral estivesse ligado a uma lesão criminosa.^20 Nesse mesmo compasso dessa nova tendência doutrinária, menciona-se a sentença n. 500, de 22.07.1999, proferida pela mesma Corte italiana. Na referida sentença, foi admitida a pretensão indenizatória fundada apenas na injustiça do dano e “[...] na lesão a uma posição constitucionalmente garantida.”^21 Ainda, importante ressaltar a sentença n. 7.713, de 07.06.2000, prolatada pela mesma Corte mencionada. A ação foi proposta buscando a condenação de um pai ao pagamento de indenização em razão de dano existencial causado ao filho, decorrente de sua conduta omissiva no que tange ao adimplemento das prestações de alimentos. Constou da ação que, somente anos após o nascimento do filho, o genitor efetuou o pagamento do que era devido e, mesmo assim, por determinação judicial. O entendimento foi que a conduta do genitor ofendeu o direito do filho de receber tratamento necessário à sua dignidade, comprometendo, assim, seu desenvolvimento. Em sentença, a Corte reconheceu, de modo expresso, o dano existencial.^22

1 9 (^) ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Privado, v. 6, n. 24, p. 21-53, out./dez. 2005. 2 0 (^) SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 42. 2 1 (^) BERNARDI, I. M. O dano existencial no direito do trabalho. Revista Eletrônica. Dano Existencial. Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, v .2, n. 22, p. 20, setembro/2013. 2 2 (^) BERNARDI, I. M. O dano existencial no direito do trabalho. Revista Eletrônica. Dano Existencial. Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, v.2, n. 22, p. 20, setembro/2013.

Em virtude de toda essa movimentação da jurisprudência, a doutrina italiana “[...] sentiu a necessidade de identificar e separar com mais clareza as figuras do dano extrapatrimonial, do dano moral e do dano biológico.”^23 Nesse contexto, vale a pena destacar as lições de Paolo Cendon que, ao ser citado por Amaro de Almeida Neto, narra o nascimento do dano existencial na Itália:

Vítimas de queixas até então desconhecidas, de repente passaram a bater às portas dos tribunais: cada vez mais então, a jurisprudência primeiro e a doutrina depois, passam a se questionar sobre os limites da tutela a certas situações as quais, além do prejuízo à integridade psicofísica, conturbavam, por causa do ato ilícito, mais ou menos, definitivamente, a cotidianidade imediata da vítima [...] vem se afirmando assim a leitura de um novo tipo, tendente a conduzir aquelas várias figuras no âmbito de uma categoria inédita intitulada “dano existencial”: de entender-se em particular, como um tertium genus no âmbito da responsabilidade civil, distinto do tronco do dano patrimonial e do dano moral; uma realidade centrada no “fazer não remunerado” da pessoa.^24

Sob essa perspectiva, tem-se que o dano existencial, ou seja, o dano à existência da pessoa consiste:

[...] na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa tutelados pela Constituição Federal. Essa violação deve causar uma modificação lesiva no modo de ser do indivíduo ou mesmo no exercício de atividades desempenhadas por ele a fim

2 3 (^) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional - de acordo com a reforma trabalhista lei n. 13.467/2017. 11. ed. São Paulo: LTr, 2019. p. 317. 2 4 (^) ALMEIDA NETO, Amaro Alves. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista Síntese, São Paulo, v. XII, n. 80. p. 27-28, 2012. In: OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional - de acordo com a reforma trabalhista lei n. 13.467/2017. 11. ed. São Paulo: LTr, 2019. p. 317.

dos projetos, mas da própria “[...] cotidianidade da pessoa que experimenta um dano existencial.”^28 Conforme a doutrina de Flaviana Rampazzo (SOARES, 2009), o dano existencial consiste na lesão:

[...] ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo a ordem pessoal ou a ordem social. É uma afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária, seja a uma atividade, seja a um conjunto de atividades que a vítima do dano, normalmente, tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em razão do efeito lesivo, precisou modificar em sua forma de realização, ou mesmo suprimir de sua rotina.^29

Conclui, ainda, Rampazzo (SOARES, 2009) que o dano existencial é aquele capaz de causar uma “[...] modificação prejudicial, total ou parcial, permanente ou temporária.” Essa alteração prejudicial pode ocorrer com relação a uma atividade, ou a um conjunto de atividades incorporadas ao cotidiano pela vítima do dano, mas que, em decorrência da situação lesiva, foi levada a suprimir, modificar ou delegar sua realização.^30 A jurista ainda enfatiza que:

[...] o vazio existencial que toma conta da pessoa lesada pode ocasionar a perda do sentido da própria existência, pois há perda de algumas referências, construídas e planejadas no decorrer de sua vida as quais trabalhou para alcançar, como também da plenitude alcançada antes do dano. Quando esses referenciais são, involuntariamente, perdidos ou

2 8 (^) SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 153. 2 9 (^) SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 44. 3 0 (^) SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 152.

afetados, a pessoa não é mais a mesma, e o dano sofrido é manifesto e pode causar grande magnitude.^31

Nessa esteira, Flaviana Rampazzo (SOARES, 2009) destaca que

[...] o bem-estar e a qualidade de vida são a exteriorização de toda a potencialidade da personalidade da pessoa, representam a ação do ser humano, destinada a atingir a felicidade, a realização, a busca da razão de ser da existência.^32

À luz desse mesmo prisma, Sebastião Geraldo (OLIVEIRA, 2019a) menciona a doutrina do Professor Português Manuel Carneiro da Frada o qual enfatiza que:

[...] os danos existenciais, no sentido lato que lhes pode dar, são mais amplos: integram a perturbação da vida, da perda da sua qualidade, a alteração de planos e de hábitos, a sujeição a continências desagradáveis, estados duradouros de desânimo, “a dor de alma” (mesmo que não psicopatológica).^33

O doutrinador Renato de Oliveira Muçouçah^34 (MUÇOUÇAH,

  1. sustenta que, para que esteja configurado o dano existencial, não se vislumbra a necessidade da existência de repercussão financeira ou econômica. Além disso, destaca que não está relacionado à esfera íntima do indivíduo. Em verdade, ressalta que

3 1 (^) SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 153. 3 2 (^) SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 42. 3 3 (^) FRADA, Manuel A. Carneiro. Nos 40 anos do código civil português - tutela da personalidade e dano existencial. Revista do Ministério Público do RS. Porto Alegre, n. 82, p. 195, 2017. In: OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional - de acordo com a reforma trabalhista lei n. 13.467/2017. 11. ed. São Paulo: LTr, 2019. p. 317-318. 3 4 (^) MUÇOUÇAH, Renato de Almeida Oliveira. Assédio moral coletivo nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 160.

de higiene, de alimentação, de educação para ter condições mínimas de existência e, complementarmente, pratica esportes, toca instrumentos musicais, realiza trabalhos voluntários, participa de cursos de capacitação profissional, organiza eventos culturais etc., a fim de alcançar pretensões de crescimento profissional ou mesmo para satisfação pessoal. Nesse sentido, o dano existencial apresenta-se de forma muito objetiva, pois é verificado avaliando-se a rotina da pessoa no período anterior e posterior ao dano.^38

1.1 Roteiro-auxílio para a constatação do dano existencial: “quatro passos”

O doutrinador Sebastião Geraldo^39 (OLIVEIRA, 2019a), ao mencionar a professora Flaviana Rampazzo, ressalta a elaboração de “[...] um interessante roteiro com quatro passos que auxilia na constatação do dano existencial”, sintetizando-o da seguinte forma:

a) Um não mais poder fazer - a pessoa por força da conduta lesiva da qual foi vítima não tem mais condições de praticar algo que tinha o hábito de fazer na vida pessoal ou profissional. b) Um ter que fazer diferente - Após o ato danoso a vítima terá que passar por um processo de readaptação ou reabilitação para continuar sua atividade, normalmente com redução da produtividade, além das implicações inevitáveis na sua rotina extralaboral. c) Um ter que fazer que não necessitava fazer antes - Em decorrência do dano injusto a vítima terá que mudar sua rotina, incorporando compulsoriamente outras atividades que demandam tempo, esforço ou

3 8 (^) SOARES, Flaviana Rampazzo. Do caminho percorrido pelo dano existencial para ser reconhecido como espécie autônoma do gênero “danos imateriais”. Revista da AJURIS, v. 39, n. 127, p. 205-206, setembro/2012. 3 9 (^) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional - de acordo com a reforma trabalhista lei n. 13.467/2017. 11. ed. São Paulo: LTr, 2019. p. 320.

incômodo tais como fisioterapia, consultas, assistência para deslocamento e outros procedimentos. d) Uma necessidade de auxílio para poder fazer - O ato danoso pode determinar a necessidade permanente ou temporária de auxílio de outra pessoa para realização das atividades pessoais ou profissionais que fazem parte do cotidiano da vítima.

Assim, o “roteiro-auxílio” em comento demonstra a constatação do dano existencial quando a vítima

[...] não pode mais fazer o que antes fazia; terá que fazer agora o que não queria; fará diferente o que habitualmente fazia; fará doravante o que antes nunca fazia ou será auxiliada para fazer o que sozinha faria.^40

Assevera, ainda, o renomado autor que, em havendo identificação “[...] de uma ou algumas dessas situações decorrentes da lesão injusta”, estará configurado o dano existencial, ressaltando que “[...] será cabível o deferimento da respectiva indenização.” Nesse mesmo compasso, salienta ainda que ocorre o dano existencial na relação de trabalho a partir do momento em que o ato lesivo ocasionar “[...] uma alteração não programada na rotina de vida da vítima” trazendo prejuízo às suas “[...] escolhas, preferências, e opções de lazer”, modificando, assim, o “[...] desenrolar natural da sua agenda diária”, impondo-lhe “[...] um roteiro de sobrevivência não desejado.”^41 Dentro desse cenário, resta configurado o dano existencial, pois se verificam diretamente afetados pelo ato lesivo “[...] seus hábitos e o modo de desfrutar o

4 0 (^) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional - de acordo com a reforma trabalhista lei n. 13.467/2017. 11. ed. São Paulo: LTr, 2019. p. 320-321. 4 1 (^) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente de trabalho ou doença ocupacional - de acordo com a reforma trabalhista lei n. 13.467/2017. 11. ed. São Paulo: LTr, 2019. p. 321.

[...] as pretensões acerca de dano extrapatrimonial são de titularidade exclusiva da pessoa física ou jurídica afrontada. Como parâmetro geral, o preceito é, evidentemente, válido. Porém, conforme se conhece da diversidade das situações sociojurídicas existentes no mundo do trabalho, há pretensões que podem, sim, ser de titularidade de pessoas físicas ligadas afetiva, econômica e/ou juridicamente à pessoa humana afrontada, tal como pode ocorrer com a(o) esposa(o) ou a(o) companheira(o) e os filhos da vítima de danos extrapatrimoniais. Na hipótese do evento morte da vítima, tais pretensões são manifestas e, em princípio, garantidas, abstratamente, pela ordem jurídica (embora, é claro, na prática, fiquem na dependência da reunião efetiva dos requisitos legais para a incidência das indenizações previstas no Direito).^45

Em outras palavras, tem-se que a expressão “titulares exclusivas do direito à reparação” não significa que se encontram excluídos da reparação os danos sofridos por terceiros ou os danos morais coletivos decorrentes das relações laborais. Ressalta-se que, não raro, os titulares do dano não patrimonial “ultrapassam a pessoa do trabalhador”, atingindo seus familiares mais próximos - o que não se confunde com o chamado dano indireto ou por ricochete.^46 Enoque Ribeiro dos Santos^47 discorre a respeito do tema e destaca a situação de um pequeno núcleo familiar que é constituído pelo trabalhador empregado, esposa e filhos, vivendo em situação de plena felicidade, saúde e estabilidade, “[...] partilhando tudo o que a natureza lhes pode proporcionar.” Em caso de surgimento

4 5 (^) DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. p. 146. 4 6 (^) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dano extrapatrimonial na lei n. 13.467/2017, da reforma trabalhista. Revista Eletrônica. Dano Extrapatrimonial. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, v. 8, n. 76, p. 56, março/2019. 4 7 (^) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dano extrapatrimonial na lei n. 13.467/2017, da reforma trabalhista. Revista Eletrônica. Dano Extrapatrimonial. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, v. 8, n. 76, p. 56-57, março/2019.

de uma doença profissional desencadeada no emprego ou um acidente de trabalho, decorrente de negligência do empregador, poderá “[...] provocar uma completa desestruturação deste núcleo familiar.” Nessa situação, entende o citado autor que o titular do direito à reparação pelo dano extrapatrimonial sofrido não se limita somente à figura do trabalhador; pelo contrário, a titularidade se estende ao cônjuge e aos membros da família, “[...] pois, todos, sem exceção, foram atingidos pelo núcleo do instituto, ou seja, pela dor e angústia espiritual, já que juntos compartilhavam dos momentos de felicidade.” Conclui, então, o renomado jurista:

Como muitas vezes não será mais possível o retorno à situação anterior (status quo ante bellum), de forma equivalente à situação de não ocorrência do dano, ou o mais próximo possível dela, não restará outra opção a não ser o pagamento da indenização ou reparação à vítima e familiares próximos, conforme recomenda o princípio do restitutio in integrum. Para aprofundar ainda mais a análise deste caso hipotético, imaginemos que o trabalhador, em decorrência da doença profissional ou do acidente, ficou impotente sexualmente. Daí, configurada a culpa da empresa, teremos uma hipótese de dano sexual em face da privação da esposa a uma vida sexual normal, que ostentava anteriormente ao evento danoso, fato que, por se constituir em um direito da personalidade, levará à extensão da reparação à pessoa da esposa.^48

Portanto, a expressão sob análise “titulares exclusivas do direito à reparação” não deve levar ao entendimento de que apenas aqueles que estão diretamente envolvidos na relação (a vítima afetada diretamente e aquele que ofendeu) “[...] são os únicos titulares do direito subjetivo à reparação”, tendo em vista que,

4 8 (^) SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O dano extrapatrimonial na lei n. 13.467/2017, da reforma trabalhista. Revista Eletrônica. Dano Extrapatrimonial. Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, v. 8, n. 76, p. 56, março/2019.