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Este documento discute a tendência artística da nova objetividade ou neue sachlichkeit na alemanha pós-expressionista, com ênfase na revolução na música por schönberg e na arquitetura por adolf loos. O texto explora os elementos comuns entre música e arquitetura, a dinâmica histórica do conceito do ornamento e a relação entre arte utilitária e arte livre de fins.
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Tipologia: Notas de aula
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(Tradução: Silke Kapp) Assim como sou grato pela confiança que Adolf Arndt depositou em mim com o seu convite, são sérias as minhas dúvidas sobre se tenho o direito de falar aos senhores. Metier , conhecimento em questões técnicas ou ligadas ao ofício contam muito no seu meio, e com razão. Se há uma idéia que persistiu no movimento do Werkbund^2 , é exatamente a da competência concreta, oposta à estética desenfreada e estranha ao material em que atua. Devido ao meu próprio metier , a música, essa exigência é evidente para mim, graças a uma escola que tinha relações pessoais próximas tanto com Adolf Loos, quanto com a Bauhaus , e que em muitos aspectos considerava a si mesma espiritualmente afim aos esforços por objetividade [ Sachlichkeit ]^3. Mas não posso pretender a menor competência em questões arquitetônicas. Se, ainda assim, não resisti à (^1) "Funktionalismus heute"; in: Theodor Adorno. Ohne Leitbild - Parva Aesthetica. Frankfurt /M: Suhrkamp, 1967, pp. 104-126. Trata-se de uma palestra para o congresso de 1965 do Deutscher Werkbund. (A paginação do original foi indicada entre colchetes no corpo do texto. As notas de rodapé indicadas com asterisco são originais, as notas numeradas são de tradução.) (^2) O chamado Deutscher Werkbund surgiu em 1907 em Munique como associação de artistas, artesãos e industriais que buscavam uma melhoria na forma dos objetos de uso cotidiano. Ligando-se às idéias de William Morris e tendo seguido caminhos semelhantes aos do movimento Arts and Crafts na Inglaterra, o Werkbund atuou sobretudo através de exposições, publicações e trabalhos pedagógicos. Entre os seus fundadores estão Henry van de Velde e Herbert Muthesius, que representam também as duas correntes opostas que ali tentavam se unir: de um lado, van de Velde, defensor do ofício e da postura criativa pessoal do artista; do outro lado, Muthesius empenhado em cultivar o design e o desenvolvimento de produtos estandardizados para a indústria. O Werkbund foi dissolvido pelo governo nazista em 1933 e reconstituído em 1946. (^3) A chamada Neue Sachlichkeit ou Nova Objetividade foi uma das tendências mais fortes na arte alemã pós-expressionista. O termo sachlich ou objetivo , no entanto, carrega ainda outras conotações: a ênfase no objeto ou na coisa ( Sache ), que para Adorno pode implicar a sensibilidade estética, mas muitas vezes expressa também uma atitude bitolada, terra-a-terra. Quanto à escola musical, Adorno se refere sobretudo aos compositores austríacos Arnold Schönberg e Alban Berg (de quem o ele foi aluno). Schönberg (1874–1951) revolucionou a música, primeiro com a expansão do uso da escala cromática, depois com a atonalidade livre e finalmente com a invenção do chamado dodecafonismo. tentação e me exponho ao risco de ser apenas tolerado e posto de lado pelos senhores como um diletante, eu talvez possa recorrer, ao lado do prazer que é para mim expor-lhes algumas reflexões, à opinião de Adolf Loos de que uma obra de arte não precisa contentar a ninguém, enquanto que a casa tem responsabilidades para com todos*. Não sei se essa frase é correta, mas não preciso ser mais papal do que o papa. O mal-estar que sinto diante do estilo de reconstrução alemão e que certamente muitos dos senhores compartilham, instiga a mim, que não sou menos sujeito à imagem de tais construções do que um especialista, a perguntar pela causa. Os elementos comuns entre arquitetura e música já foram discutidos há muito tempo e em frases repetidas à exaustão. [105] Unindo isso que vejo com o que sei das dificuldades da música, eu talvez não me comporte de modo tão arbitrário como seria de se esperar segundo as regras da divisão do trabalho. Mas preciso tomar uma distância maior do que aquela que, com todo direito, os senhores esperam. No entanto, não me parece totalmente excluída a possibilidade de que, de vez em quando - em situações latentes de crise -, haja algo de bom em afastar-se dos fenômenos mais do que o pathos do conhecimento técnico quer permitir. A adequação aos materiais tem a divisão do trabalho por fundamento; mas isso torna aconselhável, também para o especialista, uma prestação esporádica de contas do quanto seu saber especializado sofre com a divisão do trabalho; o quanto a ingenuidade artística, da qual se precisa, pode transformar-se em sua própria barreira. Tomemos por pressuposto que o movimento anti-ornamental atingiu também as artes não utilitárias^4. Está na natureza das obras de arte perguntar pelo que lhes é necessário e reagir contra o supérfluo. Depois que a tradição deixou de fornecer às artes um cânone do certo e do errado, tal reflexão é imputada a toda obra individualmente. Cada qual deve examinar-se a si mesma com respeito à sua lógica imanente, não importando se essa é movida por um fim externo ou
não. Isso de modo nenhum constitui uma postura nova. Mozart, certamente um portador e executor crítico de uma grande tradição, depois da estréia de ' Entführung ' respondeu à censura sutil de um poderoso – ‘mas quantas notas, meu caro Mozart’ - com as palavras: ‘nenhuma única nota além do necessário, majestade’. Com a fórmula da finalidade sem fim como um momento do juízo de gosto, Kant registrou essa norma filosoficamente na Crítica do Juízo^5. Porém ela guarda uma dinâmica histórica; aquilo que na linguagem dada de um certo meio material ainda aparece como necessário, torna-se supérfluo, de fato ornamental no mau sentido, assim que deixa de legitimar-se naquela linguagem, naquilo que normalmente é chamado de estilo. [106] O que ontem era funcional pode tornar-se o oposto. Loos percebeu perfeitamente essa dinâmica histórica no conceito do ornamento. Até mesmo os elementos representativos, luxuosos, voluptuosos e como que adicionados à força podem ser necessários - e não forçados - em alguns tipos de arte, pelo seu próprio princípio. Condenar o barroco por isso seria medíocre [ banausisch ]^6. A crítica do ornamento equivale à crítica daquilo que perdeu o seu sentido funcional e simbólico e que resta como algo de venenoso, algo de orgânico em putrefação. Toda a arte nova opõe-se a isso: ao caráter fictício do romantismo depravado, ao ornamento que apenas evoca a si mesmo embaraçosa e impotentemente. Ornamentos desse gênero foram expulsos da música nova, organizada apenas a partir da expressão e da construção, tão rigorosamente quanto da arquitetura. (^5) "Beleza é a forma de finalidade de um objeto, enquanto nele percebida sem a representação de um fim" (Imanuel Kant. Kritik der Urteilskraft. B61.). Na estética kantiana, há a "representação de um fim" quando pensamos que a existência de um objeto é possibilitada pelo fato desse objeto causar algum efeito determinado. (Uma ferramenta, por exemplo, existe somente porque produz um efeito. Não existiriam binóculos sem a idéia prévia de um instrumento para se ver melhor o que está longe.) Podemos ainda atribuir forma finalística - na linguagem de Kant "finalidade" - a objetos ou ações cujo fim não conhecemos, mas que só se tornam compreensíveis para nós quando imaginamos esse fim. (A natureza é freqüentemente abordada dessa forma; uma planta, por exemplo, torna-se compreensível para nos quando imaginamos que suas partes são organizadas com vistas à sobrevida da espécie, o que implica por sua vez a idéia de que a sobrevida da espécie seria o "objetivo" da planta, talvez determinado pela vontade divina. A rigor, essa idéia é imaginária, porque não temos nenhuma comprovação de que a planta seja dirigida por uma vontade e não pelo mero acaso.) No caso particular da obra de arte, Kant supõe que a percebemos como se ela funcionasse para alguma coisa, mas sem que tenhamos a ânsia de descobrir que coisa seria essa. Temos uma percepção de finalidade ou funcionalidade que, no entanto, não obriga a pensar em nada como ponto de fuga exterior ou objetivo ulterior da obra. Ela "funciona" somente para si mesma. (^6) Há um jogo sutil no termo banausisch , pois Banause (a pessoa medíocre, grosseira ou insensível à arte), em grego, significa artífice, aquele que faz um trabalho manual. As inovações compositivas de Schönberg, a querela literária de Karl Kraus^7 contra o fraseado jornalístico e a denúncia do ornamento por Adolf Loos não são vagas analogias histórico-culturais; elas refletem precisamente a mesma intenção. Isso leva a uma correção da tese de Loos que ele, generoso como era, certamente não teria rejeitado: a questão do funcionalismo não coincide com a questão da função prática. As artes utilitárias e não utilitárias não formam a oposição radical que ele supunha. A diferença entre o necessário e o supérfluo inere aos construtos, e não se resume à sua referência a algo que lhes é exterior ou à ausência dessa referência. No pensamento de Loos e nos primeiros tempos do funcionalismo, o utilitário e o esteticamente autônomo são separados um do outro por decreto. Essa separação, a partir da qual a reflexão deve agora recomeçar, foi fruto da polêmica em torno das artes aplicadas [ Kunstgewerbe ]^8. O pensamento de Loos amadureceu durante os tempos áureos dessas artes e delas se desvencilhou, como que situado historicamente entre Peter Altenberg e Le Corbusier^9. [107] O movimento das artes aplicadas começara com Ruskin e Morris. Rebelando-se contra a deformidade de formas produzidas em série e ao mesmo tempo pseudo-individualizadas, o movimento sazonou conceitos como vontade estilística, estilização, elaboração formal e a idéia de que se deve empregar a arte, trazer a arte à vida a fim de curá-la, e divisas semelhantes que estivessem na ordem do dia. Loos sentiu cedo o quanto tais empreitadas são questionáveis: aos objetos de uso sucede injustiça assim que são adicionados de algo não exigido pelo seu uso; à arte, o intrépido protesto contra o domínio dos fins sobre os homens, sucede injustiça quando ela é reduzida exatamente àquela práxis a que se opõe. Nas palavras de Hölderlin: " Denn nimmer von nun an / taugt zum Gebrauch das Heilige "^10. A “artificação” anti-artística das coisas práticas foi tão repugnante, quanto a orientação da arte não utilitária por uma práxis que acabaria submetendo-a ao domínio universal do lucro, contra o (^7) Karl Kraus (1874-1936) foi escritor atuante em Viena, fundador da polêmica revista Die Fackel (A tocha), empenhado num pacifismo ético e na clareza da linguagem, por ele diretamente relacionada à clareza da vida pública. (^8) O termo Kunstgewerbe designa um procedimento em que o trabalho de concepção e produção do objeto - na maioria das vezes utilitário - é dividido; já não há nele a figura do artesão que reunia as duas coisas. Parece-me que o tom pejorativo com que Adorno o emprega está relacionado ao fato de que, sobretudo no início da industrialização, objetos tidos como artísticos são fabricados em série, sem que os seus produtores - isto é, os operários - tenham qualquer empenho desse gênero. Unem-se no Kunstgewerbe os problemas do trabalho alienado e da pseudo-autenticidade do Kitsch industrial. (^9) Peter Altenberg (1859-1919), que na realidade se chamava Richard Engländer, foi um mestre vienense da prosa impressionista e amigo pessoal de Loos. Em 1903, Altenberg editou o primeiro número da revista Kunst , contendo um artigo de Loos. (^10) "Pois de agora em diante nunca mais / o sagrado servirá ao uso".
mas acaba reforçando o horror^13. Essa constelação tem consequências também para o mundo das imagens. Uma arte positivista, uma cultura do meramente existente foi confundida com a verdade estética. Logo veremos nascer o projeto de uma “neo-Ackerstrasse”^14. Até hoje, a fronteira do funcionalismo tem coincidido com a fronteira da burguesia enquanto senso prático. Mesmo no pensamento de Loos, o inimigo declarado da cerimônia vienense [ Wiener Backhendlkultur ], encontram-se traços espantosamente burgueses. Em Viena, a estrutura burguesa ainda era tão perpassada por formas feudais e absolutistas, que ele quis aliar-se ao rigor daquela estrutura para emancipar-se das fórmulas antiquadas. Os seus escritos contêm, por exemplo, ataques às complicadas convenções vienenses de cordialidade. Mas, por outro lado, a sua polêmica tem matizes curiosamente puritanos; ela se aproxima da obsessão. Como em muitas das críticas burguesas da cultura, entrecruzam-se em Loos duas direções distintas: a compreensão de que a cultura existente ainda não é verdadeiramente uma cultura (e essa compreensão norteou a sua relação com o vernáculo); e uma hostilidade à cultura em geral, que preferiria interditar não só as falsas aparências, mas também o toque afável e pacificador da cultura. Loos ignorou o fato de que a cultura não é nem o lugar da natureza bruta, nem o da dominação impiedosa dessa natureza. O futuro da objetividade [ Sachlichkeit ] será libertador somente se ela se livrar do seu caráter bárbaro: se ela deixar de imprimir golpes sádicos aos homens - cujas necessidades declara como seu parâmetro - com quinas vivas, quartos parcamente calculados, escadas e coisas semelhantes. [111] Quase todo consumidor deve ter sentido na pele a pouca praticidade do impiedosamente prático. Daí a suspeita de que abdicação do estilo seja, ela própria, um estilo. Loos associa os ornamentos a símbolos eróticos. A sua exigência de extinguí- los está aliada à sua antipatia contra a simbologia erótica; a natureza não domesticada lhe parece regressiva e vergonhosa ao mesmo tempo. No tom de sua condenação do ornamento ressoa uma indignação - muitas vezes fruto de projeção – contra os atentados ao pudor: "mas o homem do nosso tempo, que por pulsão interior picha as paredes com símbolos eróticos, ou é um criminoso (^13) Thorstein Veblen (1857-1929) foi um sociólogo americano, fundador do chamado institucionalismo , que procurava fazer uma política econômica fundada no conhecimento das instituições sociais reais, isto é, tais como se encontram de fato. Adorno faz uma crítica extensa a Veblen no ensaio "Veblen e o ataque à cultura". Enquanto que, na sua Theory of Leisure Class , Veblen parece querer abolir todos os elementos da cultura que não se adequam perfeitamente às relações sociais de produção vigentes, Adorno considera que exatamente esses elementos, desvencilhados da utilidade nua e crua, seriam humanamente dignos. (^14) Ackerstrasse é uma rua de Berlim, famosa pelos seus precários edifícios de aluguel, as chamadas Mietskasernen. ou um degenerado". O termo pejorativo 'degeneração' leva a conseqüencias que não teriam agradado a Loos. "É possível", pensa ele, "medir a cultura de um país pelo grau em que as paredes dos banheiros estão pichadas". Mas em países do sul, e nos países mediterrâneos em geral, acha-se muito disso; os surrealistas fizeram amplo uso de tais atos inconscientes, e Loos certamente teria hesitado em acusar essas regiões de carência cultural. O seu ódio ao ornamento só se explica pelo fato de ele sentir ali o impulso mimético, contrário à objetivação racional; ou seja, pelo fato de ele sentir, no ornamento, a expressão que, ainda enquanto luto e lamento, é próxima do mesmo princípio de prazer que nega a expressão de luto e lamento. Apenas numa abstração esquemática, o aspecto expressivo pode ser relegado à arte e apartado dos objetos de uso. Mesmo quando lhes falta esse aspecto, os objetos de uso prestam tributo à expressão através do esforço em evitá-la. Objetos de uso envelhecidos transformam-se inteiramente em expressão, em imagem coletiva de uma época. Dificilmente há alguma forma prática que, ao lado da sua adequação ao uso, não seja também um símbolo. [112] A psicanálise demonstrou isso sobretudo nas imagens arcaicas do inconsciente, entre as quais a casa figura em primeiro lugar. De acordo com a intelecção de Freud, a intenção simbólica vem ocupando rapidamente as formas técnicas, como a aeronave e - segundo pesquisas americanas atuais sobre a psicologia das massas - especialmente o carro. Formas utilitárias são a linguagem de sua própria função. Por força do impulso mimético, os seres vivos se fazem a si mesmos iguais àquilo que o cerca, muito antes dos artistas começarem a imitar. O que aparece primeiro como símbolo, depois como ornamento e finalmente como supérfluo tem sua origem em formas naturais, às quais os homens se adequaram através de seus artefatos. A imagem interior que os homens expressam nesse impulso já foi algo exterior, algo coercitivamente objetivo. Isso deve explicar o fato, conhecido desde Loos, de os ornamentos – assim como as formas artísticas em geral – não poderem ser inventados. A produção de todo artista, não apenas daquele atado a finalidades, se reduz a algo incomparavelmente mais modesto do que queria a religião da arte do século XIX e do início do século XX. Fica a pergunta de como ainda seria possível uma arte para a qual os ornamentos existentes deixaram de ser substanciais e que tampouco pode inventar ornamentos novos. A dificuldade em que a objetividade [ Sachlichkeit ] desembocou não é uma falta ou um erro cuja correção dependa apenas da nossa vontade. Ela deriva diretamente do caráter histórico do problema. Fracassamos no próprio uso; o uso - que por certo está muito mais imediatamente ligado ao princípio de prazer do que os construtos responsáveis apenas pela sua própria lei formal - não deve ser. De acordo com a moral burguesa do trabalho, o prazer parece energia desperdiçada. Loos apropriou-se dessa avaliação. Nas suas formulações, fica claro o quanto ele, tão precoce crítico da cultura, foi um aliado da mesma ordem cujas manifestações censurava onde quer que ainda não tivessem conseguido seguir inteiramente os seus próprios princípios: "O
ornamento é força de trabalho desperdiçada e por isso saúde desperdiçada. Sempre foi assim. Hoje entretanto significa também material desperdiçado, e as duas coisas juntas significam capital desperdiçado". [113] Motivos irreconciliáveis entrecruzam-se nessa afirmação: parcimônia, pois onde está escrito que nada deve ser desperdiçado senão nas normas da rentabilidade; e o sonho de um mundo tecnológico, libertado da ignomínia do trabalho. O segundo motivo aponta para além do mundo das utilidades. Em Loos, esse motivo aparece nitidamente na compreensão de que a tão lamentada impotência para o ornamento, a chamada extinção da força formadora de estilos - que ele percebeu ser invenção de historiadores da arte - é um avanço; na compreensão de que os pontos da sociedade industrial considerados negativos pela mentalidade burguesa são os seus pontos positivos. Por estilo entendia-se o ornamento. Então eu disse: não chorem! Vejam, é nisso que está a grandiosidade do nosso tempo: ele não é capaz de gerar um ornamento novo. Nós superamos o ornamento, nós conseguimos alcançar a ausência de ornamento. Vejam, o tempo está próximo, a redenção nos espera. Logo as ruas das cidades estarão brilhando como muros brancos. Como Sion, a cidade sagrada, a capital do céu. Então a redenção terá chegado. Nessa concepção, um estado de coisas sem ornamentos e a utopia seriam a mesma coisa: um presente redimido concretizado, sem necessidade de símbolo algum. Toda a verdade da objetividade [ Sachlichkeit ] depende dessa utopia. Para Loos, tal verdade é legitimada pela experiência crítica que ele teve do Jugendstil : O homem individual é incapaz de criar uma forma; portanto, o mesmo vale para o arquiteto. Mas o arquiteto tenta esse feito impossível continuamente - e sempre em vão. Forma ou ornamento são o resultado de um trabalho coletivo inconsciente dos homens de todo uma esfera cultural. Todo o resto é arte. A arte é o viés do gênio. Deus lhe deu sua missão.** Esse axioma, de que o artista age a encargo de Deus, já não se sustenta mais. [114] O desencantamento que começou na esfera do uso estendeu-se à arte. A diferença absoluta entre o impiedosamente funcional e o autônomo e livre diminuiu. A precariedade das formas puramente funcionais veio à tona: algo de monótono, pobre, estupidamente prático. A isso sobressai uma ou outra grande realização, que por ora costuma ser atribuída apenas à genialidade do seu autor, sem que ninguém verifique o que autoriza tal genialidade objetivamente. Por
que ali está acumulado, ao aperceber-se desse problema. Os passos sempre mínimos da imaginação respondem à pergunta silenciosa que os materiais e as formas lhe dirigem em sua muda linguagem das coisas. Nesse processo, os momentos apartados, inclusive função e lei formal imanente, confluem. Entre as funções, o espaço e o material há uma ação recíproca; nenhum desse elementos constitui um fenômeno originário ao qual os outros possam ser reduzidos. A intelecção filosófica de que nenhum pensamento conduz ao início absoluto e de que esse início é mero produto da abstração vale também para a estética. A música, por exemplo, durante muito tempo empenhada em encontrar o pretenso elemento primário do som singular, teve que aprender que ele não existe. O som só adquire sentido nas relações funcionais do construto; sem elas, ele seria apenas um dado físico. Somente a superstição pode ter a esperança de extrair dele uma estrutura estética latente. Fala-se, com razão, em visão espacial na arquitetura. Mas essa visão não é um em si abstrato, uma visão do espaço em geral, pois o espaço não pode ser imaginado senão através de entidades espaciais. A visão espacial está emaranhada nas funções; quando a produção arquitetônica consegue efetivá-la para além da funcionalidade, ela é ao mesmo tempo imanente às funções. O alcance de tal síntese provavelmente constitui um critério central da grande arquitetura. [119] A arquitetura pergunta: como uma determinada função pode tornar-se espaço, em que formas e que materiais? Todos os elementos são reciprocamente dependentes. Imaginação arquitetônica seria então a faculdade de articular o espaço através das funções, fazer com que essas se tornem espaço. Inversamente, o espaço e a visão desse só podem ser mais do que o parcamente funcional, quando a imaginação mergulha na funcionalidade. Ela explode as relações funcionais imanentes que a mobilizaram inicialmente. Tenho consciência de que conceitos como o de visão espacial desembocam facilmente no fraseado e, por fim, em algo também decorativo. Sinto a barreira do amador, incapaz de precisar suficientemente esses conceitos que as arquiteturas modernas significativas iluminam com tanta intensidade. Ainda assim, permitam-me um especulação: à diferença da idéia abstrata de espaço, a visão espacial representa para o contexto visual aquilo que o contexto acústico chama de musicalidade. A musicalidade não pode ser reduzida à idéia abstrata de tempo; por exemplo, à capacidade - certamente útil - de ‘ouvir’ as unidades do metrônomo sem que ele esteja ligado. De modo semelhante, a visão espacial não se limita a imagens espaciais, ainda que essas sejam indispensáveis para o arquiteto, que deve ler suas plantas e cortes como o músico lê suas partituras. Entretanto, a visão espacial parece exigir mais: deixar que algo lhe ocorra a partir do espaço; não algo de arbitrário no espaço e indiferente em relação a esse. Analogamente, o músico precisa inventar suas melodias - e atualmente estruturas musicais inteiras - a partir do tempo, da necessidade de organizá-lo. Para isso não bastam as meras relações temporais, que são indiferentes àquilo que acontece concretamente na música. Tampouco basta a invenção de eventos ou complexos musicais singulares, cujas estruturas e relações temporais recíprocas não sejam concebidas juntamente eles. [120] Numa visão espacial produtiva, a função assume em larga medida o papel do conteúdo, em oposição aos constituintes formais que o arquiteto cria a partir do espaço. Através da função, a tensão entre forma e conteúdo sem a qual não há criação artística, é compartilhada justamente pela arte utilitária. A ascese da nova objetividade tem de verdadeiro o fato de que uma expressão subjetiva imediata seria inadequada para a arquitetura. Quando se busca essa expressão, o resultado não é arquitetura, mas cenários, por vezes, como nos velhos filmes de Golem, até bons. Na arquitetura, o lugar da expressão subjetiva é ocupado pela função para o sujeito. É provável que a arquitetura seja tanto mais qualificada quanto mais profundamente ela medeia reciprocamente os dois extremos: construção formal e função. No entanto, a função para o sujeito não é a função para um homem universal, determinado de uma vez por todas pela sua physis. Ela visa as pessoas socialmente concretas. Em contraposição aos instintos refreados dos sujeitos empíricos - que na sociedade atual ainda desejam a felicidade no recanto e todas as velharias imagináveis - a arquitetura funcional representa o caráter inteligível, um potencial humano que é captado pela consciência mais avançada, porém sufocado na maioria das pessoas, pois essas são mantidas impotentes até o fundo de suas almas. Uma arquitetura digna de seres humanos imagina os homens melhores do que realmente são; imagina-os como poderiam ser, de acordo com o estado de suas próprias forças produtivas, concretizadas na técnica. Quando a arquitetura atende à verdadeira necessidade ao invés de perpetuar ideologias, contradiz as necessidades do aqui e agora; ela continua sendo – tal como o título do livro de Loos lamentava há quase setenta anos – uma fala sem eco^19. O fato de os grandes arquitetos, de Loos a Corbusier e Scharoun, terem conseguido realizar apenas uma pequena parte de suas obras em pedra e concreto não se explica simplesmente pela incompreensão de proprietários e grêmios administrativos, ainda que não se deva subestimar tal incompreensão. [121] Esse fato é condicionado por um antagonismo social, sobre o qual nem a mais forte das arquiteturas tem poder: a mesma sociedade que desenvolveu vertiginosamente as forças produtivas humanas mantém tais forças presas a relações de produção impostas, deformando os homens - que na verdade são as forças produtivas - segundo a medida dessas relações. Essa contradição fundamental aparece na arquitetura. Ela, por si só, é tão impotente frente a essa contradição quanto os consumidores. Não se pode dizer que ela esteja inteiramente certa e os homens inteiramente errados. Esses já sofrem injustiça suficiente pelo fato de permanecerem consciente e inconscientemente presos a uma menoridade que os impede de se identificarem com a sua própria (^19) Ins Leere gesprochen , publicado em 1921, é uma coletânea dos artigos que Loos escreveu entre 1897 e 1900 para o jornal Neue Freie Presse de Viena.
causa. Dado que a arquitetura não é apenas autônoma mas também atada a funções, ela não pode simplesmente negar os homens tais como são; embora, enquanto autônoma, deva fazê-lo. Se ela passasse por cima dos homens tais quais, acomodar-se-ia a uma antropologia ou talvez até uma ontologia questionáveis; não foi por mero acaso que Le Corbusier inventou protótipos humanos. Os homens vivos, ainda os mais retrógrados e convencionalmente acanhados, têm direito à satisfação de suas necessidades, mesmo quando são necessidades falsas. Quando a idéia da necessidade verdadeira e objetiva leva a ignorar a necessidade subjetiva, ela se transforma em opressão brutal, tal como sempre ocorreu à volonté de tous postergada pela volonté générale. Até mesmo na falsa necessidade dos seres humanos sobrevive um pouco de liberdade, um pouco daquilo que a teoria econômica outrora chamou de valor de uso, contraposto ao abstrato valor de troca. Para as pessoas vivas e reais, a arquitetura legítima representa necessariamente um inimigo, pois ela os priva daquilo que, tais como são, querem e até precisam. Para além do fenômeno do cultural lag , a causa da antinomia talvez esteja no desenvolvimento do conceito de arte. Para tornar-se arte por inteiro e de acordo com a sua própria lei formal, a arte precisa cristalizar-se autonomamente. [122] Isso perfaz o seu conteúdo de verdade; caso contrário, ela seria subserviente àquilo que a sua simples existência nega. Mas, enquanto produto humano, ela é incapaz de esquivar-se inteiramente dos homens. Ela contém em si como elemento constitutivo aquilo a que resiste. Quando a arte extirpa por inteiro a memória do seu ser-para-outro , ela se transforma em fetiche, isto é, naquele absoluto auto-fabricado - e por isso mesmo relativo e não absoluto – que foi o sonho de beleza do Jugenstil. Ainda assim, a arte é obrigada a buscar o puro ser-em-si, se não quiser sacrificar-se àquilo que já descobriu ser fraudulento. O resultado é quid pro quo. A produção virtualmente voltada para um tipo de homem libertado, emancipado - que seria possível somente numa sociedade transformada – aparece, na sociedade presente, como uma adequação à técnica degenerada em fim em si mesma, como apoteose daquela reificação da qual a arte é o oposto irreconciliável. O que, todavia, não é apenas aparência: quanto mais conseqüentemente a arte, tanto a autônoma quanto a chamada aplicada, abdica de suas próprias origens mágicas e míticas em prol de sua lei formal, tanto maior o perigo de uma tal adequação, contra a qual a arte não possui nenhuma fórmula universal. A aporia de Thorstein Veblen se repete. Antes de 1900, ele pedia aos homens que pensassem de modo puramente tecnológico, mecânico- causal, para se livrarem da grande mentira de seu mundo de imagens. Com isso ele sancionou as categorias coisais da mesma economia a que se dirigia toda a sua crítica. Num estado de liberdade, os homens não se adequariam à técnica, mas a técnica, aos homens. Na época atual, entretanto, os homens se integraram à técnica e, como se tivessem legado a ela sua melhor parte, ficaram para trás como cascas vazias. As suas consciências foram coisificadas frente à técnologia, e por isso devem ser criticadas a partir dela, objetivamente. Aquela proposição tão razoável, de que a técnica existe para servir os homens, transformou-se em ideologia rasa de pessoas retrógradas; [123] pode-se constatar isso no fato de que basta repetí-la para ser recompensado por toda parte com entusiástico consentimento. Num estado de falsidade generalizada, nada apazigua a contradição. Por um lado, a utopia imaginada livremente e para além da ordem existente seria impotente, um ornamento arbitrário, pois de qualquer modo ela precisaria extrair seus elementos e sua estrutura dessa ordem. Por outro lado, a tentativa de recobrir o elemento utópico com a proscrição de sua imagem, desemboca imediatamente na prescrição do existente. A pergunta pelo funcionalismo é a pergunta pela subordinação à utilidade. Sem dúvida, o inútil está corroído. A evolução das artes trouxe à tona sua deficiência estética imanente. Em contrapartida, o meramente útil está entrelaçado em relações de culpa; ele é um instrumento da devastação do mundo e de uma inconsolabilidade que interdita aos homens qualquer consolo que não os iluda. Já que a contradição não pode ser eliminada, um ínfimo passo nessa direção seria compreendê-la. Na sociedade burguesa, a utilidade tem sua dialética própria. A utilidade seria a sua maior conquista, a coisa tornada humana, a reconciliação com os objetos que deixariam de armar-se contra os homens e de ser humilhados por eles. A percepção infantil das coisas técnicas promete um estado assim: elas aparecem como imagens de algo próximo e solidário, sem o interesse pelo lucro. Essa concepção não foi estranha às utopias sociais. Como um ponto de fuga do desenvolvimento poder-se-ia imaginar que as coisas tornadas totalmente úteis perderiam a sua frieza. Não apenas os homens deixariam de sofrer com o caráter coisificado do mundo: também as coisas teriam o que lhes convém, assim que encontrassem plenamente o seu fim, assim que fossem libertadas da própria coisidade. Mas, na sociedade presente, toda utilidade está destorcida, enfeitiçada. A fraude está no fato de a sociedade fazer com que as coisas pareçam existir em função dos homens; elas são produzidas em função do lucro, satisfazem as necessidades apenas paralelamente, geram essas necessidades de acordo com os interesses do lucro e podam-nas também na sua medida. Uma vez que uma utilidade em prol dos homens e libertada de sua dominação e exploração seria o correto, nada é mais insuportável esteticamente do que a forma atual das coisas utilitárias, subjugadas pelo seu oposto e deformadas por ele até a essência. A raison d'être de toda arte autônoma, desde os primórdios da era burguesa, reside no fato de que somente o inútil responde por aquilo que o útil seria um dia: o uso feliz, o contato com as coisas para além da antítese de utilidade e inutilidade. Essa situação leva as pessoas que desejam algo melhor a rebelarem-se contra o prático. Quando o proclamam reativa e exageradamente, aliam-se ao inimigo mortal. Diz-se que trabalho não desonra. Como a maioria dos provérbios, esse também não faz mais do que encobrir a verdade oposta: a