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Reforma Administrativa: Princípios e Funcionamento da Função Pública, Exercícios de Direito

Este documento discute a importância da reforma administrativa no brasil, enfatizando a necessidade de estabilidade dos servidores públicos e a natureza jurídica da função pública. O texto aborda os princípios informadores da função pública, a execução efetiva da função pública, o princípio da imparcialidade e a importância da moralidade e profissionalização dos funcionários públicos. Além disso, o documento discute a importância do controle da função pública por parte dos cidadãos e a necessidade de eliminar a corrupção.

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 87
1. Introdução
A necessidade de um Estado eficiente é hoje
uma das grandes questões discutidas no seio
do Governos de vários Estados países e dentro
destes, pelos mesmos, tanto de descentralização
política (nos estados federados), como de
descentralizações administrativas. Desse modo,
o movimento de reforma administrativa não é
exclusividade do Brasil, como podemos
verificar. Entretanto, são necessários critérios
para que a reforma, como o próprio nome
indica, seja capaz efetivamente de dar uma nova
definição para função pública de modo a
torná-la mais eficaz, transparente e demo-
crática.
No Brasil, quando se fala em reforma
administrativa, a 1ª questão que surge diz
respeito à estabilidade dos servidores públicos.
Toda crítica endereçada aos serviços públicos
no Brasil, leia-se ineficientes, onerosos,
clientelistas e até mesmo desnecessários,
repercute na figura do funcionário público,
aquele que recebe todas as vantagens enquanto
não executa ou executa mal suas funções. E
com esta justificativa, tem-se propalado que a
causa de todos os males é a famigerada
Função administrativa, estabilidade e
princípio da neutralidade: alguns
apontamentos sobre a reforma
administrativa
FABIANA DE MENEZES SOARES
Fabiana de Menezes Soares é Mestra em Direito
Administrativo pela UFMG e Professora do
Departamento de Direito – UFV.
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. Natureza jurídica da função
pública. Princípios informadores da função pública
e suas conseqüências sobre a atuação do agente
público, o regime jurídico da função pública. 3.
Princípio da neutralidade (Administração eficiente
e Estado de Direito, notas de Direito Comparado).
4. A boa execução da função pública (O princípio
da profissionalização, a reforma administrativa em
face da estabilidade relativa, o aperfeiçoamento e
a formação do funcionário público). 5. Anexo.
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Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 87

1. Introdução

A necessidade de um Estado eficiente é hoje uma das grandes questões discutidas no seio do Governos de vários Estados países e dentro destes, pelos mesmos, tanto de descentralização política (nos estados federados), como de descentralizações administrativas. Desse modo, o movimento de reforma administrativa não é exclusividade do Brasil, como podemos verificar. Entretanto, são necessários critérios para que a reforma, como o próprio nome indica, seja capaz efetivamente de dar uma nova definição para função pública de modo a torná-la mais eficaz, transparente e demo- crática. No Brasil, quando se fala em reforma administrativa, a 1ª questão que surge diz respeito à estabilidade dos servidores públicos. Toda crítica endereçada aos serviços públicos no Brasil, leia-se ineficientes, onerosos, clientelistas e até mesmo desnecessários, repercute na figura do funcionário público , aquele que recebe todas as vantagens enquanto não executa ou executa mal suas funções. E com esta justificativa, tem-se propalado que a causa de todos os males é a famigerada

Função administrativa, estabilidade e

princípio da neutralidade: alguns

apontamentos sobre a reforma

administrativa

FABIANA DE MENEZES SOARES

Fabiana de Menezes Soares é Mestra em Direito Administrativo pela UFMG e Professora do Departamento de Direito – UFV.

SUMÁRIO

_1. Introdução. 2. Natureza jurídica da função pública. Princípios informadores da função pública e suas conseqüências sobre a atuação do agente público, o regime jurídico da função pública. 3. Princípio da neutralidade (Administração eficiente e Estado de Direito, notas de Direito Comparado).

  1. A boa execução da função pública (O princípio da profissionalização, a reforma administrativa em face da estabilidade relativa, o aperfeiçoamento e a formação do funcionário público). 5. Anexo._

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estabilidade dos servidores públicos. Entre- tanto, a estabilidade, como todo conceito normativo, tem uma razão de ser que reside na imparcialidade e neutralidade no exercício das funções públicas. A palavra de ordem é flexibilizar ; mas será que a estabilidade, como está hoje, é intangível como muitos pensam? Ou será que já existem mecanismos para retirar o mau servidor público dos quadros do serviço público? Quais seriam as práticas que deveriam ser adotadas pela Administração Pública de modo a elevar os serviços públicos a um patamar de maior confiabilidade? Essas questões e outras serão abordadas com o objetivo de classificar alguns itens da reforma administrativa, aprofundando a discussão sobre o tema.

2. Natureza jurídica da função pública.

Princípios informadores da função pública

e suas conseqüências sobre a atuação do

agente público, o regime jurídico da

função pública

O termo função remete-nos a uma dimensão relacional de algo que se realiza com subor- dinação. Assim é a função pública, ou seja, a realização de determinados fins e interesses da República por meio de agentes públicos. O princípio da legalidade e o complexo de normas que densificam o conteúdo do princípio Estado democrático de direito formam a moldura, ou “quadro normativo”, dentro do qual agem os operadores da função pública. O caráter “funcional” do exercício do munus público revela-se exatamente pela sua subordinação ao complexo de regras e princípios conformadores do Estado (Alexy). A natureza pública de toda série (varia- díssima, diga-se de passagem) de atividades desenvolvidas pelo Estado conferem à sua execução, aos seus fins e objetivos, uma qualidade de zelo acima da média concebida como zelo, ocorre em virtude do caráter concreto e imediato de parte de suas funções. Garrido Falla questiona se ao lado das três funções clássicas do Estado (legislativa, judiciária e executiva) advindas da teoria da divisão do poder estatal, não existiria uma quarta função, a administrativa. E mais, que para qualificar a própria natureza da função administrativa, a teoria tripartite, já “referida”, não é capaz de distinguir a função executiva da função administrativa, principalmente no que tange à escolha dos motivos justificadores

de um ato administrativo (nesse caso haveria um desbordo da função executiva, tendo em vista o conceito de cada uma das três funções clássicas do Estado^1 ). Continuando, sustenta o publicista espanhol que: “Assim como os Poderes Legislativo e judiciário se formam com as compe- tências que foram arrancadas das mãos do antigo monarca absolutista, por outro lado, o Poder Executivo é o que perma- nece em suas mãos (...) Deduz aqui o caráter residual do Poder Executivo, que deve ser levado em conta para compre- ender devidamente o tipo de funções que lhe correspondem”^2. A atividade administrativa é uma atividade não-homogênea, porque possui o aspecto de execução ao lado de atos de legislação (regula- mentos) e jurisdição, poderes administrativos internos aos corpos administrativos, sendo necessariamente uma zona destacada pelo Poder Executivo^3. Esse, por sua vez, realiza atos do seu domínio próprio, como ente político no exercício de suas funções de soberania (ato de Estado). Assim, emerge a função administrativa como quarta função do Estado, junto de sua diversificação e complexização. E mais, seu caráter de subordinação e de maior exigência sobre o agente que intermedia a manifestação do Estado administrador impõe a este agente uma gama de deveres muito maior de que aqueles que realizam atividades no setor privado. O fim da função administrativa ultrapassa a esfera individual incidindo em realidades e fins que concretizam interesses e metas individuais de várias ordens (sociais, coletivos, difusos), mas não é só o fim que deve ser considerado, os meios dos quais dispõe o agente, por si só, vinculam sua conduta. O local de seu trabalho, os meios materiais para sua consecução, o patrimônio envolvido em sua atividade também demandam uma conduta diferenciada por parte do agente público. Ou seja, “a atividade administrativa é a atividade de quem não é dono, mas de quem gere negócio alheio, o fim e não a vontade rege todas as formas de administração” (Cirne Lima). Dada esta estreita ligação entre a função pública, no caso, a função administrativa e o (^1) Tratado de Derecho Administrativo. v. 1, p. 36-37. (^2) Ibid. p. 39. (^3) Ibid. p. 39.

90 Revista de Informação Legislativa

serviços públicos. Entretanto, para a análise do princípio da neutralidade na execução da função administrativa, não contempla os agentes políticos que possuem um regime de um mandato político e que pela própria natureza de suas atribuições (principalmente quanto aos agentes políticos do poder legis- lativo) é preponderantemente discricionária. Esta discricionariedade implica ponderação de valores que sofrem a influência de convicção política (e/ou partidária) ao agente. A fruição do resultado ou exercício da função administrativa (e pública em geral) destina-se a todas as pessoas por força do princípio da igualdade.

3. Princípio da neutralidade

(Administração eficiente e Estado de

Direito, notas de Direito Comparado)

O crescimento e diversificação das funções públicas repercutem na Organização do Estado (devido aos fins do próprio Estado) no sentido de perseguir uma ação mais justa e conforme às necessidades consideradas públicas num dado momento. Após a Primeira Guerra Mundial, o Estado passou a intervir mais na vida econômica e social, o que carretou um impacto sobre a organização do Estado^10. A Conferência Mundial de Administração Pública (Toluca, 1993)^11 colocou em discussão o perfil do Estado e conseqüentemente da Administração Pública em face da “explosão de complexidade” das funções estatais, que abandonaram os modelos clássicos. A mudança do perfil passa por uma Administração Pública mais eficaz, transparente e democrática. Só assim a credibilidade da função pública pode ser restaurada, inclusive como forma de incentivo para que o funcionário público possa sentir que seu trabalho é apreciado e reconhe- cido pela sociedade. Um profundo estudo feito nos EUA e em países industrializados da Europa demonstrou que os cidadãos têm mais confiança na função pública do que nas grandes empresas para resolver seus problemas^12. A substituição da

estrutura estatal piramidal por uma estrutura de rede é apontada como um novo paradigma de gestão pública. O controle da função pública por parte dos cidadãos, que terão acesso à Administração Pública, uma participação real dos mesmos (democratização e descentralização por meio de processos participativos) e a eliminação da corrupção são os pontos-chaves para o surgimento do “Estado inteligente”^13. A compreensão do sistema normativo como meio de concretização destas mudanças é essencial para qualquer reforma, ou seja, quais princípios sustentam a função pública, bem como os importadores do seu exercício. Assim, a reforma administrativa logrará o êxito que ambiciona sem quedar frente às ameaças de inconstitucionalidade e de nenhuma mudança no plano fático. Para a manutenção da igualdade de tratamento entre os cidadãos destinatários das funções públicas, a CF/88 concedeu maiores garantias aos agentes públicos, se comparados aos trabalhadores da iniciativa privada. Em virtude disso, existe uma idéia comum, de que aquelas garantias (leia-se principalmente a estabilidade) são “privilégios” inconcebíveis sob a égide do princípio da igualdade. Esse raciocínio é canhestro por três motivos: estas garantias existem não em razão do agente público em si, mas devido ao exercício da função pública; sua manutenção se justifica pelo caráter isonômico que a dita função deve ter em face dos seus destinatários como condição de efetividade do princípio da igualdade; e a estabilidade não é absoluta, mas relativa, porque ela não pode ser utilizada para contrariar os fins que justificaram sua inclusão no texto constitucional. Não há, pois, antinomia entre a garantia da estabilidade e o princípio da igualdade^14 , muito pelo contrário: a

(^10) FORSTHOFF, E. Traité de Droit Administratif

allemand. p. 622-623. (^11) Rédefinir le profil de L’Etat en vue des

changements socio-econimiques Redacteur lnvité Bernardo Klicksberg. Revue Internationale des Sciences Administratives , n. 2, jun. 1994. (^12) PETERS, Guy B. Morale in the public service:

a comparative inquiry. Revue Internationale des Sciences Administratives , v. 57, n. 3, sept. 1991.

(^13) SOARES, op. cit., p. 118. (^14) Müller propõe um modelo de argumentação para efetuar o controle do princípio da igualdade. Discours de la méthode juridique, p. 363. Caso n. 1. 1- há uma igualdade de situações de fato constitucionalmente pertinente? (se a resposta for sim, passemos à seguinte questão) 2- Estas situações de fato iguais são desigual- mente tratadas de uma maneira que seja consti- tucionalmente pertinentes? (se respondo sim, passo à próxima questão). 3- Há para esta desigualdade de tratamento de situações iguais uma razão objetiva (no sentido da jurisprudência dominante)? Caso a resposta seja não, há a violação do Princípio da Igualdade.

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estabilidade promove o exercício de uma função administrativa isenta. Um tratamento legal que promova a efetividade do princípio da impessoalidade (traduzindo num exercício imparcial da função pública) e de um maior zelo no seu exercício é garantia do Princípio da Igualdade e tem sede constitucional em países com democracias consolidadas. O art. 97 da Constituição da Itália dispõe que a Administração Pública se organizará de modo a garantir seu bom funcionamento e imparcialidade da Administração. O exercício das funções públicas de caráter permanente cabe aos funcionários públicos, cujas “relações de serviço e fidelidade se assentam no Direito Público” (art. 33-4 da Lei Fundamental Alemã). Já a Constituição Francesa, em seu preâm- bulo, reconheceu o valor normativo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. O art. 1º da Declaração consagra o princípio da igualdade, dispondo que as distinções sociais só podem estar fundadas na utilidade comum (grifo nosso). O art. 13 dispõe sobre o caráter subordinado do Poder Público, ou seja, poder instituído em benefício de todos e “não para a utilidade particular daqueles a quem é confiado”. No mesmo sentido, o art. 15 dispõe sobre o dever que o agente público tem de prestar contas. Por força do art. 34 da Constituição foi reservada à lei a disciplina das garantias fundamentais concedidas aos funcionários civis e militares. Assim, o estatuto geral dos funcionários públicos é composto por quatro textos, a saber: a Lei de 13 de julho de 1983 (Direitos e Deveres dos Funcionários – Regras e Princípios Comuns); a Lei de 11 de janeiro de 1984 (Função Pública no Estado); Lei de 26 de janeiro de 1984 (Função Pública Territorial), Lei de 9 janeiro de 1986, (Função Pública Hospitalar). O estatuto garante o direito ao emprego por meio da estabilidade, lembrando que na França, a relação de trabalho do funcionário não apresenta distinções como as que existem no Direito Brasileiro, entre cargo e emprego público, o “emprego” abrange nossa noção de cargo. A estabilidade não se submete às oscilações em virtude de um novo governo^15. A Constituição de Portugal consagra a submissão ao princípio da legalidade dos órgãos e agentes administrativos que, no exercício de suas funções, devem respeitar os princípios da

igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade (art. 266). O item 2 do art. 269 (Regime da Função Pública) dispõe que “Os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades não podem ser preju- dicados ou beneficiados em virtude do exercício de quaisquer direitos políticos previstos na Constituição, nomeada- mente por opção partidária”. O Código de Procedimento Administrativo Português (Decreto - Lei nº 6/96, de 31 de janeiro de 1996) dimensiona os princípios da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé, tendo em vista a prossecução do interesse público nas relações da Administração Pública com os seus particulares. Em relação ao princípio da imparcialidade, o art. 6º (princípio da Justiça e Imparcialidade) dispõe: “no exercício da sua atividade, a Administração Pública deve tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entrem em relação”. A Constituição Espanhola, no seu art. 103, caput, numera os princípios aos quais a Administração pública se submete: “A Administração Pública serve com objetividade aos interesses gerais e atua de acordo com os princípios de eficácia, hierarquia, descentralização, descon- centração e coordenação com a sub- missão plena à lei e ao Direito”. O item 3 remete à lei ordinária o estatuto dos funcionários públicos, delimitando os princípios gerais, que devem ser obedecidos pelo legislador infraconstitucional: “...acesso à função pública de acordo com os princípios de mérito e capacidade, as peculiaridades do exercício de seu direito de sindicalização, o sistema de incom- patibilidades e as garantias de impar- cialidade no exercício de suas funções”. A Lei dos Funcionários (Decreto nº 315/

  1. dispõe no seu artigo 64 sobre o dever do Estado de proteger os funcionários no exercício de seus cargos. O item 2 assegura aos funcio- nários de carreira (conhecidos por nós como os efetivos) o direito ao cargo. O Título quarto da Constituição do México regula as responsabilidades dos servidores públicos. O art. 109, inciso III, dispõe que serão aplicadas sanções administrativas aos servi- dores públicos, que por atos e omissões, ofendam aos princípios da legalidade, hon- radez, lealdade, imparcialidade e eficiência no exercício de seus empregos, cargos ou comissões.

(^15) BEN SALAH, Tabrizi. Droit de la function

publique. p. 11.

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legislador, no momento legiferante, à luz dos princípios gerais de Direito”^23. A ausência de garantias para os funcio- nários públicos compromete a estrutura do próprio Estado,^24 e “qualquer política que persiga a designação dos funcionários públicos, entre os afins ao partido no poder, acaba com a destruição do Estado se Direto”. No Canadá, a “Lei sobre o emprego na função pública”, que dispõe sobre o regime jurídico da função pública, no seu art. 33, proíbe o funcionário trabalhar a favor ou contra um candidato; trabalhar a favor ou contra um partido; ser candidato.

4. A boa execução da função pública (O

princípio da profissionalização, a reforma

administrativa em face da estabilidade

relativa, o aperfeiçoamento e a formação

do funcionário público)

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 37, caput dispõe que “A administração pública direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados do Dis- trito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impes- soalidade, moralidade, publicidade”. O inciso II consagra o princípio da profis- sionalização ( merit system ) por meio do acesso aos cargos, empregos e funções públicas (essas em sentido estrito) por concurso público de provas e títulos (efetivação do princípio da igualdade)^25. E o art. 41 garante a estabilidade no emprego aos servidores de carreira nomeados em virtude de concurso público. A estabilidade, entretanto, não é uma garantia absoluta, nem poderia sê-lo, em virtude do sistema normativo constitucional e infracons- titucional^26 , sob pena de subversão e ani-

quilamento da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito. O que ocorre no Brasil é uma cultura de não mais avaliar o servidor público após o estágio probatório, no qual tenha sido aprovado, como se essa avaliação determinasse ad aeternum a capacidade, aptidão e eficiência do servidor público avaliado. Como verificamos no item anterior, o Direito Comparado rege a função pública sob a égide de Direito Público, que traz consigo elementos inerentes às relações jurídicas produzidas neste quadro normativo, ou seja, princípio da estrita legalidade, supremacia do interesse público e potestade da Administração Pública. O regime de Direito Público, derrogatório do Direito comum, traz a garantia necessária ao exercício neutro, imparcial e igualitário da função pública. Desse modo, a proposta de modificação do art. 39, no sentido de adotar regimes jurídicos diferenciados para os servidores da União, Estados e municípios, além de minar a garantia de um serviço público eficiente, levará a Administração ao caos de legislação díspares com direitos e deveres diferentes para servidores que executam a mesma função, como ocorria antes da Cons- tituição de 1988. A expressão regimes jurídicos diferentes significa que ao lado de um regime jurídico (ou conjunto de normas que regula um instituto) de Direito Público, pode haver uma gama de regimes jurídicos de direito privado para a função pública. Melhor seria se a proposta de reforma, a exemplo do que acontece em outros países (França, por exemplo), dispusesse acerca de estatutos diferenciados para determinadas funções (universidades, hospitais, militares, etc.). A suspensão da isonomia, disposta no § 1º do art. 39 do texto constitucional vigente, atenta contra o princípio da igualdade, pois preserva situações de profunda desigualdade. Um exemplo foi a decisão do STF condenando a União a pagar aos servidores civis o mesmo aumento dado aos servidores militares, um flagrante atentado ao princípio da igualdade. Já a estabilidade consagrada no art. 41 sofre duas modificações iniciais: a) aumento do estágio probatório para 5 anos ( caput );

(^23) Ibid. p. 172. (^24) FALLA, op. cit., p. 62. (^25) o legislador constituinte deixou margem para

adoção do spoil system , o critério de afinidade política, quando no inciso V do art. 37 determinou que o acesso aos cargos em comissão e as funções de confiança (ambos com remuneração elevada na maioria dos casos) serão exercidos, preferen- cialmente, por servidores de carreira, o que não obriga efetivamente. O Projeto de Reforma poderia reservar um percentual desses cargos aos servidores de carreira. (^26) Lei nº 8.112/90 – Regime Jurídico dos Servi-

dores Públicos Civis da União, Autarquias e das Fundações Públicas Federais; Lei nº 8.027/90 ou

“Código de Ética do Servidor Público”; Lei nº 8.026/ 90 que dispõe sobre a aplicação da pena de demissão a funcionário público.

94 Revista de Informação Legislativa

b) desligamento do servidor por necessidade da Administração Pública, visando a redução, ou restruturação de quadros, bem como a ade- quação destes aos limites fixados com base no art. 169^27 ,observados os critérios de desliga- mento estabelecidos em lei complementar. O fato de termos salientado as modificações acima destacadas obedece à lógica do óbvio, ou seja, os incisos I, II, III já existem, seja na própria Constituição ou em lei ordinária: 1 º – a perda do cargo por sentença judicial transitado em julgada (inciso I) está disposta no § 1º do art. 41 da CF/88, sendo que o processo administrativo disciplinar que lhe seja assegurada os princípios do contraditório (art. 5 º LV) e da ampla defesa; 2 º – a desídia e a improbidade (inciso II) são faltas graves, puníveis com demissão nos termos dos incisos IV e XIII do art.132 do Regime Jurídico Único (Lei nº 8.112/90); 3 º – a insuficiência de desempenho no exercício das funções é uma forma de desídia, pois, conforme já dissertamos (item I - infra), o grau de eficiência para com o desempenho do servidor público é maior do que para com a mesma junção numa relação de trabalho sob a égide do Direito Privado. Ademais trata-se de violação expressa dos incisos dos deveres do servidor dispostos no art. 116, especificamente nos incisos I e V. Hodiernamente, tornou-se moda o discurso acerca da “flexibilização” da estabilidade do servidor público. A estabilidade positivada, ou seja, normativamente vigente é relativa, como demonstramos acima. Não nos parece que a questão de fundo acerca de uma maior eficiência, agilidade e transparência da função pública seja a tal “flexibilização,” e sim a aplicação das normas vigentes! A questão reside no fato de que apesar do art.116, inciso XII, dispor que é dever do servidor a representação contra ilegalidade, omissão ou abuso de poder, o controle do desempenho do servidor público é praticamente nulo. Não há uma práxis pública no sentido de exigir do servidor uma conduta adequada, legal, para sermos mais exatos. Isto se deve muito à omissão da Administração Pública, que não forma no seu servidor uma consciência da

magnitude e extensão do que seja função pública. Outros países, ao contrário, investem no aperfeiçoamento do funcionário público (aqui em sentido amplo), notadamente a França, que possui a ENA (Escola Nacional de Admi- nistração), e a Espanha, que no art. 64 de sua Lei de Funcionários (no Cap. II – Seleção, Formação e Aperfeiçoamento), dispõe ser dever do funcionário assistir aos cursos de aper- feiçoamento. No projeto de reforma não há um só artigo que disponha sobre formas mais efetivas de controle do cumprimento das normas referentes à matéria (leia-se aplicação da norma), bem como de programas obrigatórios de formação e aperfeiçoamento (inclusive vinculados ao estágio probatório). A figura de um ombudsman administrativo, com conhecimento da matéria, como órgão independente, existente em cada unidade administrativa dos três poderes e das três esferas políticas (ou seja, em cada ministério, secretaria, universidade, escolas federais, hospitais, etc.), encarregado de apurar as denúncias recebidas quando da violação dos deveres e das vedações impostas ao funcionário público, encaminhando-as às autoridades hierarquicamente superiores ao funcionário denunciado, e claro, atento ao processo disciplinar e ao seu resultado^28 , seria uma inovação importante para o controle. Cumpre-nos perquirir acerca do motivo de a proposta de reforma alterar para cinco anos o prazo para aquisição da estabilidade. Como já assinalamos, a estabilidade é relativa, a avaliação do cumprimento das normas que dispõe sobre os deveres e vedações do servidor é dever da autoridade hierarquicamente superior, ou poderia ser de uma comissão específica, como acontece no Canadá (Comis- são da Função Pública)^29. Parece-nos que dois anos são suficientes para a Administração Pública conhecer o servidor que pretende consolidar seu ingresso na função pública. Ademais, em função dos princípios da imparcialidade e neutralidade, cinco anos é um período longo (maior que um mandato eletivo),

(^27) O art. 169 dispõe acerca da vedação da despesa

com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos na Lei Comple- mentar nº 82/95.

(^28) A figura do ouvidor, ombudsman ou mediateur, é consolidada em vários países, tendo concorrido para a melhoria da Administração Pública. Cf. nosso estudo desenvolvido no livro Direito Administrativo de participação, cidadania, direito, município. (^29) Loi sur l’emploi de la fonction publique – art. 3º.

96 Revista de Informação Legislativa

5. Anexo I

Estatísticas da Função Pública

Brasil/França*

Mare-Siape

Ministére de la Fonction Publique Alguns quadros são transcrições, outros foram feitos com base nos dados fornecidos pelos dois ministérios

Efetivos reais dos agentes titulares civis por ministério e por categoria 31/12/

Ministérios Categoria^ Categoria^ Categorias^ Total de titulares A B C e D civis

Assuntos Estrangeiros 2490 1290 3791 7571 Assuntos Sociais 4795 6162 10896 21853 Agricultura e Pesca 11044 6163 10006 27213 Veteranos Combatentes 155 329 1925 2409 Cooperação 2916 141 436 3493 Cultura 2890 1764 5160 9814 Dom-Tom 324 273 1013 1610 Economia e Finanças 37121 53978 94218 185317 Educação Nacional 493107 287195 126014 906916 Ensino Superior 66701 9342 24734 100777 Transportes 13014 20357 63658 97029 Indústria 2002 1094 2779 5875 Interior 8255 25658 126217 160170 Juventude e Esportes 4211 612 1660 6483 Justiça 10724 12049 34002 56795 Serviços do Primeiro Ministro 328 177 736 1241 Total 660.717 7614 20352 31514

França

I Setor Público

Empresas Públicas 1.830. Organismos de Seguridade Social 220. Coletividades Locais e Hospitais 4.340. Total 6.390.

II Função Pública

Estado 2.200.000 sendo 200.000 não titulares e 80.000 empregados do estado. Coletividades Locais 1.300. Hospitais 840. Total 4.340.

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III

Repartição do pessoal titular civil do Estado por categoria Categoria A 660.000 41% Categoria B 430.000 27% Categoria C 510.000 32%

  • Categoria A: Diploma de Ensino Superior(Especialização, Mestrado, Doutorado) Categoria B: Bacharelado e Equivalente Categoria C: Sem condições de se diplomar, ou 1º grau ou 2º grau

Fonte: Ministério da Função Pública – França

Quantitativo de Servidores Civis Ativos do Executivo Posição de agosto/

Estado Quantidade Participação %^ Prop. nº^ de hab./ no total de servidores servidor Rio Janeiro 118.153 21,92 112 Minas Gerais 44.758 8,30 370 São Paulo 43.129 8,00 769 Distrito Federal 42.129 7,83 41 Mato Grosso Sul 7.279 1,35 263 Sergipe 5.273 0,98 303 Acre 3.012 0,56 101 Tocantins 1.978 0,37 500 Total em todo Brasil 546.558 100,00 277

fonte: SIAPE – SRH/MARE Inclui os servidores civis da administração direta, autarquias e fundações da União

Distribuição dos servidores públicos civis ativos do executivo e do setor privado

Escolaridade Privado(a) Público(b) Analfabeto 5,0% 0,9% 1 º grau incompleto 43,1% 16,6% 1 º grau completo 12,2% 10,8% 2 º grau incompleto 6,8% 4,9% 2 º grau completo 16,3% 26,8% Superior incompleto 4,3% 5,2% Superior completo 12,3% 34,8% Total 100,0% 100,0%

(a) Seade-Dieese, para o ano de 1995 (b) SIAPE, posição de junho/

Brasília a. 34 n. 136 out./dez. 1997 99

Bibliografia

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