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XXVIII Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Ribeirão ... O presente estudo examinou referências de B. F. Skinner à fisiologia em textos ...
Tipologia: Esquemas
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(^1) EndereÁo para correspondÍncia: Rua Boaventura da Silva, 1251/1402. 66.060-060, BelÈm, Par·. Fone: (91) 211-1453. Fax: (91) 211-1662. Email: tourinho@amazon.com.br (^2) Notas dos autores e agradecimentos: Trabalho parcialmente financiado
pelo CNPq, atravÈs da concess„o de bolsa de Produtividade em Pesquisa e bolsas de IniciaÁ„o CientÌfica. Uma vers„o preliminar foi apresentada na XXVIII Reuni„o Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, Ribeir„o Preto, outubro de 1998.
An·lise do Comportamento e Fisiologia
Emmanuel Zagury Tourinho 1 2 Eveny da Rocha Teixeira Josiane Miranda Maciel Universidade Federal do Par·
Resumo O presente estudo examinou referÍncias de B. F. Skinner ‡ fisiologia em textos sobre eventos privados, com o objetivo de identificar elementos para uma demarcaÁ„o mais precisa das relaÁıes entre an·lise do comportamento e fisiologia. As contribuiÁıes de Skinner naquela direÁ„o foram categorizadas em seis temas: a) vari·veis biolÛgicas como constitutivas, mas n„o definidoras do fenÙmeno comportamental privado; b) autonomia do recorte analÌtico-comportamental diante dos fatos biolÛgicos/fisiolÛgicos; c) limites de controle do comportamento por eventos internos/fisiolÛgicos; d) comportamento privado como comportamento do organismo como um todo; e) distinÁ„o entre contato privilegiado e conhecimento privilegiado; e f) preservaÁ„o do recorte analÌtico-comportamental em situaÁ„o de an·lise aplicada do comportamento. As proposiÁıes correspondentes ‡s categorias descritas s„o apontadas como originais na definiÁ„o do campo de uma ciÍncia do comportamento e capazes de orientar coerentemente a demarcaÁ„o das fronteiras entre an·lise do comportamento e fisiologia enquanto disciplinas independentes e complementares. Palavras-chave: Behaviorismo radical; an·lise do comportamento; fisiologia; eventos privados.
Boundaries Between Behavior Analysis and Physiology: Skinner and the Issue of Private Events
Abstract This study examines B. F. Skinner¥s references to physiology in publications dealing with private events, in order to identify elements for a clearer definition of the relations between behavior analysis and physiology. Skinner¥s contributions were analyzed with reference to six thematic categories: a) biological variables as constitutive, albeit non-defining properties of private behavioral phenomena; b) the autonomous nature of the behavioral-analytical approach in the face of biological/ physiological facts; c) limits of behavior control by internal/physiological events; d) private behavior as behavior of the organism as a whole; e) a distinction between privileged access and privileged knowledge; f) retention of the behavioral- analytical approach in applied behavior analysis. Skinner¥s propositions concerning the described categories are discussed as original in defining the field of a science of behavior and capable of providing a coherent guide for establishing clear-cut limits between behavior analysis and physiology as independent and complementary disciplines. Keywords: Radical behaviorism; behavior analysis; physiology; private events.
A relaÁ„o entre a an·lise do comportamento e sistemas diversos para a explicaÁ„o do comportamento humano pode ser abordada sob duas perspectivas, a princÌpio distintas. A an·lise do comportamento pode ser confrontada com modelos tipicamente psicolÛgicos, mas claramente concorrentes, por exemplo, o cognitivismo
(cf. Flora & Kestner, 1995; Moore, 1975; 1981; Overskeid, 1994; Skinner, 1985, 1989c; Stemmer, 1995) e pode ser confrontada com disciplinas afins, mas independentes, como exemplo, a fisiologia (cf. Baer, 1996; Bullock, 1996; Donahoe, 1996; Donahoe & Palmer, 1994; Moore, 1997; Poling & Byrne, 1996; Reese, 1996a, 1996b). Pode-se supor que, no primeiro caso, a quest„o È de opÁ„o entre perspectivas irreconcili·veis de an·lise, enquanto, no segundo, o problema È meramente de demarcaÁ„o de fronteiras. Esta formulaÁ„o pode ser insuficiente diante de versıes do cognitivismo que se apropriam do conhecimento construÌdo no ‚mbito das neurociÍncias, tornando-o parte de seus recursos explicativos para o
Psicologia: Reflex„o e CrÌtica, 2000, 13(3), pp.425-
comportamento humano (cf. Skinner, 1990). Uma an·lise do debate sobre as relaÁıes entre an·lise do comportamento e fisiologia mostra tambÈm que a quest„o È polÍmica, mesmo quando n„o se transita para o campo das teorias cognitivistas (cf. Tourinho, 1999). O tema dos eventos privados est· entre aqueles que assumem certa centralidade quando as relaÁıes entre an·lise do comportamento e fisiologia s„o discutidas, em parte devido ‡ freq¸ente definiÁ„o skinneriana de privado como evento interno. Tourinho (1997) aponta algumas dificuldades geradas por aquela definiÁ„o, bem como sua insuficiÍncia diante de princÌpios mais b·sicos que orientam a interpretaÁ„o behaviorista radical para o comportamento humano complexo. Uma vez que a identificaÁ„o do privado com o aparato an·tomo-fisiolÛgico se mostra problem·tica, especialmente porque pode favorecer novas versıes de internalismo, interditando as an·lises tipicamente externalistas e relacionais que caracterizam o recorte de uma ciÍncia do comportamento, mostra-se ainda necess·rio esclarecer como se organiza a referÍncia ‡ fisiologia numa interpretaÁ„o behaviorista radical para os eventos privados. Admitindo-se que as afirmaÁıes skinnerianas a respeito do assunto n„o s„o sempre consistentes (cf. Hayes, 1994; Reese, 1996a; Tourinho, 1997), n„o se pretende reiterar os problemas derivados da associaÁ„o eventual entre privado e interno. O objetivo deste trabalho foi identificar, em textos do prÛprio Skinner sobre eventos privados, elementos para uma demarcaÁ„o mais precisa das fronteiras entre an·lise do comportamento e fisiologia. O estudo teve como base textos de Skinner (de 1945 a
Vari·veis BiolÛgicas como Constitutivas, mas n„o Definidoras do FenÙmeno Comportamental Privado Uma ciÍncia comportamental inicia com o fato de que as condiÁıes biolÛgicas de um organismo s„o requisitos para processos comportamentais, na medida em que se est· falando de comportamentos de organismos; tais vari·veis s„o constitutivas do fenÙmeno comportamental, seja ele p˙blico ou privado, delimitando as possibilidades de aÁ„o do ambiente na produÁ„o de respostas do organismo. Mas ainda È necess·rio analisar a eventual necessidade de referÍncia ‡quelas condiÁıes nas explicaÁıes providas por uma ciÍncia do comportamento. A especificaÁ„o do status de componentes biolÛgicos em explicaÁıes comportamentais È invariavelmente um esforÁo para esclarecer em que medida a an·lise comportamental pode ater-se ‡s relaÁıes organismo- como-um-todo/eventos-que-lhe-s„o-externos (cf. Reese, 1996a; 1996b). Quando o tema dos eventos privados È o cerne do debate, o conceito de ambiente interno parece sugerir a participaÁ„o de eventos internos fisiolÛgicos na prÛpria definiÁ„o do fenÙmeno comportamental. … discutindo o alcance do conceito de ambiente interno, portanto, que Skinner (e.g. 1953/1965) oferece as primeiras indicaÁıes sobre como equacionar a referÍncia a vari·veis biolÛgicas (doravante, ser„o consideradas basicamente vari·veis fisiolÛgicas para a an·lise do problema). O ambiente È definido como eventos do universo capazes de afetar o organismo. Skinner (1953/1965) aponta que parte desse universo est· sob a pele do organismo (isto È, condiÁıes an·tomo-fisiolÛgicas podem constituir o ambiente de um organismo), mas destaca dois aspectos: a) um conjunto de eventos do universo torna-se ambiente quando se faz diferenciado para o organismo, a partir da interaÁ„o deste com contingÍncias de reforÁamento que lhe s„o externas; b) do ambiente, È dito que afeta o organismo e n„o partes do organismo. O processo de diferenciaÁ„o do universo interno (fisiolÛgico) È dependente do mesmo tipo de processo envolvido na diferenciaÁ„o do mundo fÌsico que cerca o organismo. Universo interno e universo externo s„o condiÁıes para a ocorrÍncia de processos discriminativos de suas partes, mas n„o definem o fenÙmeno comportamental propriamente dito. Partes do universo tornam-se partes do ambiente de um organismo quando passam a controlar diferencialmente suas respostas (antes disso, s„o parcelas do universo indiferenciadas para o organismo). Quando um fenÙmeno comportamental È descrito, a descriÁ„o diz respeito a uma relaÁ„o, n„o a um estÌmulo particular. Uma dor, por exemplo, enquanto
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comportamentais privados, portanto, de modo semelhante ao que ocorre com processos comportamentais considerados p˙blicos, È justificada a indicaÁ„o de condiÁıes fisiolÛgicas que possibilitam o fenÙmeno, ao mesmo tempo em que È necess·rio distinguir tais condiÁıes das relaÁıes comportamentais propriamente ditas.
Autonomia do Recorte AnalÌtico-Comportamental diante dos Fatos BiolÛgicos/FisiolÛgicos Se relaÁıes comportamentais n„o se confundem com fatos ou relaÁıes ao nÌvel an·tomo-fisiolÛgico, justifica- se que o analista do comportamento, ao lidar com o fenÙmeno comportamental, limite sua an·lise ‡ relaÁ„o organismo-meio, na expectativa de que as ciÍncias biolÛgicas especifiquem algumas das condiÁıes que tornam aquelas relaÁıes possÌveis. Uma explicaÁ„o comportamental, reconhece Skinner (1987), apresenta lacunas, na medida em que ìestÌmulos e respostas est„o separados no tempo e no espaÁoî (p.782) e tais lacunas sÛ podem ser preenchidas ìcom os instrumentos e mÈtodos da fisiologiaî (p.782). Entretanto, a referÍncia ao que torna as relaÁıes comportamentais possÌveis n„o È indispens·vel para que as relaÁıes sejam adequadamente identificadas ou produzidas. Historicamente, algumas tentativas de promover novas explicaÁıes para os fatos comportamentais foram insuficientes, segundo Skinner (1987), para afastar a perspectiva internalista na Psicologia. Thorndike (ainda de acordo com Skinner, 1987), com sua lei do efeito, explicava a prÛpria possibilidade das conseq¸Íncias do comportamento afetarem o organismo apelando para sentimentos internos de satisfaÁ„o/insatisfaÁ„o (Skinner, ao contr·rio, relacionou ìo efeito fortalecedor de um reforÁador operante ao seu valor de sobrevivÍncia na seleÁ„o natural da espÈcieî em 1987, p.782). O behaviorismo de Watson (1930/1970) buscou uma integraÁ„o com a Fisiologia, na expectativa de substituiÁ„o da noÁ„o de mediadores mentais para o comportamento por mediadores fisiolÛgicos, acessÌveis ‡ investigaÁ„o empÌrico-experimental. Watson dedicou-se a uma descriÁ„o minuciosa (embora mais especulativa do que sugeria) da fisiologia dos sistemas receptores e efetores, a fim de especificar os componentes internos de relaÁıes comportamentais (cf. Watson, 1930/1970). A experiÍncia de Watson, na interpretaÁ„o de Skinner (1963/1969), n„o foi produtiva, na medida em que n„o promoveu uma melhor compreens„o do prÛprio fenÙmeno comportamental e fomentou uma discuss„o a respeito de eventos internos ao organismo. Segundo Skinner (1971), ìnem a introspecÁ„o, nem a fisiologia, provÍem
informaÁ„o adequada sobre o que est· acontecendo no interior do homem enquanto ele se comporta e Ö elas tÍm o mesmo efeito de desviar a atenÁ„o do ambiente externoî (p.195). Ao contr·rio destas soluÁıes, quando, reconhecendo a existÍncia de eventos privados, uma ciÍncia do comportamento procura explic·-los como fenÙmenos comportamentais, o afastamento em relaÁ„o ‡s contingÍncias ambientais n„o se reproduz, uma vez que os eventos privados est„o sendo considerados ìn„o como mediadores fisiolÛgicos do comportamento, mas como parte do prÛprio comportamentoî (Skinner, 1963/ 1969, p. 228). N„o sÛ a Ínfase em processos mentais ou fisiolÛgicos tende a afastar o psicÛlogo das relaÁıes propriamente comportamentais. Segundo Skinner (1963/1969), ì(a discuss„o sobre) a import‚ncia relativa da dotaÁ„o genÈtica na explicaÁ„o do comportamento mostrou ser outra digress„o inoportunaî (p.224). Embora reconhecendo a filogÍnese como nÌvel de seleÁ„o do comportamento, Skinner (1990) insistir· no papel das contingÍncias de reforÁamento na produÁ„o e seleÁ„o de inst‚ncias comportamentais observadas de um organismo. Afinal, ìindependentemente de qualquer dotaÁ„o genÈtica normal, um organismo variar· entre atividade vigorosa e completa quietude, dependendo dos esquemas nos quais tenha sido reforÁadoî (Skinner, 1971, p.186). Diferente do que ocorreu com Watson, Skinner afirma ter se distanciado da referÍncia aos fatos biolÛgicos ao iniciar seu programa de pesquisas com o conceito de reflexo. O reflexo, como unidade de an·lise de uma ciÍncia do comportamento, ìn„o era algo que acontecia dentro do organismo; era uma lei do comportamentoî (Skinner, 1987, p.781). Mesmo as ìterceiras vari·veisî (ìcondicionamentoî, ìdriveî e ìemoÁ„oî), postuladas como necess·rias para a especificaÁ„o de algumas regularidades do reflexo, eram localizadas ìfora do organismoî (Skinner, 1987, p.781), correspondendo a operaÁıes realizadas pelo experimentador (embora o programa skinneriano tenha se detido apenas no condicionamento). TambÈm o fenÙmeno da percepÁ„o, usualmente identificado pela psicologia mentalista com eventos internos mentais ou fisiolÛgicos, pode ser interpretada nos limites do recorte prÛprio de uma ciÍncia do comportamento. Na percepÁ„o de estÌmulos (ou propriedades de estÌmulos) visuais, uma seq¸Íncia de eventos fÌsicos e fisiolÛgicos ocorre e È condiÁ„o para o prÛprio fenÙmeno perceptivo (luz refletida, anatomia do aparelho visual, fisiologia da vis„o, cf. Skinner, 1963/ 1969). A percepÁ„o enquanto comportamento, porÈm, È um responder diferenciado ao mundo circundante,
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produzido por contingÍncias de reforÁamento. Neste caso, ìaprendemos a perceber no sentido de que aprendemos a responder a coisas de modos particulares por causa das contingÍncias das quais elas s„o parteî (Skinner, 1971, p.188). Novamente, tanto o mundo fÌsico como estruturas org‚nicas s„o requisitos para o fenÙmeno, mas n„o o definem, nem sua indicaÁ„o permite a identificaÁ„o das vari·veis que podem de fato explic·- lo. ìN„o haveria, È claro, nenhuma percepÁ„o se n„o existisse um mundo para ser percebido, mas um mundo que exista n„o seria percebido se n„o houvesse contingÍncias apropriadasî (Skinner, 1971, p.187). Finalmente, se È possÌvel falar de uma autonomia do recorte analÌtico-comportamental frente ao fatos an·tomo-fisiolÛgicos, isso n„o eq¸ivale a uma autonomia dos prÛprios fenÙmenos comportamentais frente aos fenÙmenos fisiolÛgicos (ver, a propÛsito, Reese, 1996a). Os dois conjuntos de fenÙmenos, de um lado, s„o interdependentes; de outro, representam nÌveis diferentes de an·lise do comportamento dos organismos. An·lise do comportamento e fisiologia estudam, cada uma, ìparte do episÛdio comportamentalî (Skinner, 1987, p. 782). Se s„o ciÍncias independentes, s„o, ao mesmo tempo, ciÍncias complementares. Do ponto de vista de uma Psicologia Comportamental, essa nova relaÁ„o teria se instituÌdo, segundo Skinner, com sua proposiÁ„o do reflexo como unidade comportamental (cf. Skinner, 1931/1961).
Limites do Controle do Comportamento por Eventos Internos/FisiolÛgicos A possibilidade de controle do comportamento por eventos internos/fisiolÛgicos È usualmente examinada por Skinner como circunscrita por dois limites: as pr·ticas reforÁadoras de uma comunidade verbal e os sistemas nervosos que permitem o contato do indivÌduo com as partes de seu prÛprio corpo. Como o universo em geral, o universo privado, que inclui eventos internos an·tomo-fisiolÛgicos, È indiferenciado ao indivÌduo atÈ que contingÍncias de reforÁamento promovam sua diferenciaÁ„o (Skinner, 1953/1965, 1974). Estas contingÍncias podem ser de natureza fÌsica quando, por exemplo, promovem que partes do corpo controlem discriminativamente seq¸Íncias de comportamento motor (andar, pular, etc.), mas s„o de natureza social quando promovem o controle de respostas descritivas por eventos internos, diante das quais afirma-se que o indivÌduo tem consciÍncia (Skinner, 1971). A Ínfase nas contingÍncias sociais aparece, portanto, quando se est· primariamente interessado em falar da participaÁ„o de eventos internos no controle de respostas
verbais, como descriÁıes de sentimentos, emoÁıes, pensamentos, atitudes, preferÍncias, etc., fenÙmenos para os quais as teorias psicolÛgicas usualmente se voltam, e com base nos quais postulam determinantes internos para o comportamento. A dependÍncia de contingÍncias sociais para a aquisiÁ„o de respostas descritivas de eventos privados decorre da impossibilidade do sujeito autonomamente observar e discernir a ocorrÍncia daqueles eventos em seu corpo. A aÁ„o da comunidade verbal, por seu turno, È sempre baseada numa inferÍncia daquelas ocorrÍncias, o que limita o alcance de suas pr·ticas reforÁadoras na promoÁ„o de repertÛrios autodescritivos (Skinner, 1945). Dizer que a comunidade infere a ocorrÍncia dos eventos privados significa mais propriamente dizer que ela age com base na observaÁ„o de eventos p˙blicos, tanto na instalaÁ„o quanto na manutenÁ„o de respostas autodescritivas (Skinner, 1945, 1974). Os problemas decorrentes dos limites da aÁ„o da comunidade verbal s„o examinados por Skinner nas diversas obras nas quais discute o tema dos eventos privados. Considerando os objetivos deste texto, interessar· apenas assinalar que, como decorrÍncia da dificuldade de acesso da comunidade verbal aos eventos privados de um indivÌduo, as contingÍncias de reforÁamento respons·veis pela aquisiÁ„o de respostas autodescritivas sempre est„o baseadas em eventos publicamente observ·veis, raz„o pela qual a precis„o de uma descriÁ„o de evento privado depende do grau de correspondÍncia deste com os eventos p˙blicos com base nos quais as respostas descritivas foram instaladas e s„o mantidas (cf. Skinner, 1945, 1974). N„o apenas as pr·ticas reforÁadoras de uma comunidade verbal limitam as possibilidades de aquisiÁ„o de repertÛrios autodescritivos. O problema original reside na incapacidade do indivÌduo discriminar com precis„o eventos internos e isso resulta do fato de que ìn„o temos nervos sensÛrios indo para as partes relevantes do corpoî (Skinner, 1989a, p.33). Voltando a examinar os sistemas nervosos atravÈs dos quais o indivÌduo entra em contato com o universo p˙blico e privado, Skinner aponta que n„o apenas os sistemas interoceptivos e proprioceptivos, mas tambÈm o sistema exteroceptivo ìdesempenha um papel importante ao observarmos nosso prÛprio corpoî (Skinner, 1974, p.22). Isso decorre das limitaÁıes dos sistemas interoceptivo e proprioceptivo na identificaÁ„o de alteraÁıes an·tomo-fisiolÛgicas. Usualmente, estÌmulos interoceptivos s„o ìos estÌmulos principais aos quais se reage ao ësentir uma emoÁ„oíî (Skinner, 1953/1965, p.261), mas n„o suficientes enquanto fonte de controle de respostas autodiscriminativas. Por esta raz„o, ìgeralmente respondemos a estÌmulos desse tipo em
Fronteiras entre An·lise do Comportamento e Fisiologia: Skinner e a Tem·tica dos Eventos Privados
o pensar, o imaginar, etc. A proposiÁ„o do comportamento encoberto como comportamento do organismo como um todo representa, portanto, mais um modo de defender um recorte de an·lise psicolÛgico/ comportamental, que n„o se confunde, em nenhum momento, com o domÌnio das ciÍncias biolÛgicas, embora possa ser complementado pelas informaÁıes geradas neste domÌnio.
A DistinÁ„o entre LocalizaÁ„o, Acesso, Contato e Conhecimento Pertence ‡ tradiÁ„o mentalista em psicologia a suposiÁ„o de que cada indivÌduo tem um mundo interior, com o qual cultiva uma relaÁ„o ˙nica, que em certa medida È incomunic·vel e determinante de seus comportamentos. S„o os sentimentos experimentados internamente, os pensamentos secretos, etc., que n„o podem ser conhecidos em sua manifestaÁ„o genuÌna por mais ninguÈm e que controlam o comportamento privado e p˙blico. Skinner (e.g. 1963/1969) n„o rejeita a existÍncia deste mundo interno ou o modo particular como ele È experimentado por cada um, mas ao reconhecer que eventos an·tomo-fisiolÛgicos podem participar de relaÁıes comportamentais, n„o apenas contraria a tradiÁ„o mentalista, apontando que tudo que o indivÌduo sente È o seu prÛprio corpo, como tambÈm questiona a prÛpria possibilidade de conhecimento privilegiado do que se passa no interior de cada um. Para questionar o car·ter privilegiado do autoconhecimento, Skinner (e.g. 1945, 1953/1965, 1963/ 1969, 1974) discute, em diferentes momentos, quatro aspectos da participaÁ„o de eventos internos em relaÁıes comportamentais: a localizaÁ„o, o contato, a acessibilidade e o conhecimento. Uma confus„o entre estes aspectos tem propiciado a propagaÁ„o de postulados internalistas acerca do comportamento humano. Continuando com a problem·tica especÌfica dos eventos an·tomo-fisiolÛgicos, pode-se dizer que alguns deles se convertem em estÌmulos interoceptivos ou proprioceptivos, na medida em que passam a participar de relaÁıes comportamentais. EstÌmulos interoceptivos e proprioceptivos est„o localizados sob a pele do organismo e, portanto, podem ser considerados estÌmulos internos. … preciso lembrar, porÈm, que alguns estÌmulos relativos ao prÛprio organismo n„o est„o propriamente dentro dele; por exemplo, o ìsuarî de um sujeito È uma alteraÁ„o fisiolÛgica que n„o se localiza sob a pele, e com o qual o prÛprio indivÌduo pode entrar em contato atravÈs do sistema exteroceptivo. Quando um estÌmulo interoceptivo ou proprioceptivo participa de relaÁıes comportamentais, pode-se dizer que
o contato do prÛprio indivÌduo com aquele evento È especial, no sentido de que a estimulaÁ„o que o afeta È diferente daquela provida pelo contato que outros podem estabelecer com o mesmo evento. Skinner reconhece que ìestÌmulos proprioceptivos e interoceptivos tÍm uma certa intimidadeî (Skinner, 1963/1969, p. 230); com eles o indivÌduo tem um ìcontato especialî (Skinner, 1963/ 1969, p. 225), um ìcontato Ìntimoî (Skinner, 1974, p. 22), mas isso significa apenas que a forma de estimulaÁ„o n„o pode ser a mesma para outros. Por exemplo, ìninguÈm mais pode estabelecer o mesmo tipo de contato com [um dente inflamado]î (Skinner, 1953/1965, p. 257) que o prÛprio sujeito estabelece. De certo modo, a noÁ„o de privacidade significar·, para Skinner (1963/1969), que cada indivÌduo ìest· sujeito de forma ˙nica a certos tipos de estimulaÁ„o interoceptiva e proprioceptivaî (p.226). Reconhecido o car·ter interno (localizaÁ„o) e familiar (tipo de contato) de certas estimulaÁıes an·tomo- fisiolÛgicas, as estimulaÁıes interoceptivas e proprioceptivas, a isso n„o corresponde um acesso ou conhecimento privilegiado. Como apontado anteriormente, o sujeito depende de contingÍncias sociais para a aquisiÁ„o e manutenÁ„o de repertÛrios autodiscriminativos. O conceito de acessibilidade diz respeito n„o ‡ localizaÁ„o, mas ‡ possibilidade de condicionamento de respostas discriminativas. Considerando esta dimens„o como apropriada para a definiÁ„o do car·ter p˙blico ou privado de um evento, consideram-se p˙blicos os estÌmulos com respeito aos quais a comunidade pode condicionar respostas discriminativas de modo direto; s„o privados, por seu turno, eventos com respeito aos quais respostas discriminativas n„o podem ser diretamente condicionadas. EstÌmulos interoceptivos e proprioceptivos s„o privados no sentido de acessibilidade restrita; como decorrÍncia, ìnÛs usualmente respondemos a estÌmulos deste tipo em combinaÁ„o com estimulaÁ„o exteroceptiva do ambiente circundanteî (Skinner, 1953/ 1965, p. 261). (Deve ser observado que a estimulaÁ„o exteroceptiva que participa de processos discriminativos deste tipo pode ser originada do prÛprio corpo do indivÌduo; podem ser mudanÁas em seu prÛprio aparato an·tomo-fisiolÛgico). Conhecimento significa, de uma perspectiva analÌtico- comportamental, repertÛrio discriminativo. Quando se est· lidando com problemas como sentimentos e pensamentos, o repertÛrio discriminativo envolvido È especialmente o verbal. Aos limites de acessibilidade dos eventos interoceptivos e proprioceptivos, em que pese a intimidade do contato que o indivÌduo com eles estabelece, corresponde uma restriÁ„o no conhecimento
Fronteiras entre An·lise do Comportamento e Fisiologia: Skinner e a Tem·tica dos Eventos Privados
possÌvel daqueles eventos. Como afirma Skinner, a intimidade dos estÌmulos interoceptivos e proprioceptivos ìn„o significa que possam ser conhecidos mais facilmente ou mais diretamenteî (Skinner, 1963/1969, p. 230). Na medida em que o conhecimento daqueles eventos depender· de contingÍncias sociais, e que estas ter„o como base estÌmulos exteroceptivos, o conhecimento dos eventos privados ser· indireto e impreciso. Skinner (1989a) n„o ignora a import‚ncia que a cultura passa a atribuir ‡ observaÁ„o e discriminaÁ„o de eventos internos. Esta valorizaÁ„o È parcialmente justificada pelo car·ter informativo dos relatos autodescritivos sobre probabilidade de comportamento futuro do sujeito. De todo modo, essas autodiscriminaÁıes s„o um produto cultural e compıem o que Skinner (1989a) denominar· de self. Para ele, filogÍnese, ontogÍnese e cultura produzem, respectivamente, o organismo, a pessoa e o self. ìUma pessoa, enquanto repertÛrio de comportamento, pode ser observada por outros; o self, como conjunto de estados internos que acompanham sÛ È observado atravÈs do sentimento e da introspecÁ„oî (Skinner, 1989a, p. 28). Com a distinÁ„o entre localizaÁ„o, contato, acesso e conhecimento, Skinner compatibiliza um reconhecimento da natureza especial do contato que o indivÌduo estabelece com seu prÛprio corpo com a explicaÁ„o do porquÍ este contato n„o corresponde a um conhecimento privilegiado, mas, ao contr·rio, a restriÁıes ao autoconhecimento. Esta postura È inteiramente original na psicologia e inverte a lÛgica que justificava alguns postulados mentalistas, como a proposiÁ„o de uma base interna e mais precisa para respostas autodescritivas frente a descriÁıes de terceiros (o tradicional problema de asserÁıes na primeira e na terceira pessoas). Da perspectiva skinneriana, por mais estranho que pareÁa, ìÈ a comunidade que ensina o indivÌduo a conhecer-seî (Skinner, 1953/1965, p. 261), ainda que cada um tenha de fato uma relaÁ„o especial com o que lhe ocorre internamente.
A Preser vaÁ„o do Recorte AnalÌtico- Comportamental em SituaÁ„o de An·lise Aplicada do Comportamento AtÈ aqui, a an·lise apontou fundamentalmente como a ciÍncia skinneriana equaciona a referÍncia a componentes internos fisiolÛgicos para sustentar a definiÁ„o de um recorte investigativo que se volta para as relaÁıes do organismo como um todo com os eventos que lhe s„o externos. Foi apontado, porÈm, que a independÍncia de recortes da an·lise do comportamento e fisiologia n„o representa uma independÍncia dos fenÙmenos investigados por cada ciÍncia. Cabe, ent„o, discutir
adicionalmente a possibilidade de, em situaÁ„o aplicada, a an·lise do comportamento confinar-se ao seu recorte relacional. A quest„o È polÍmica, provavelmente por ser atravessada por problemas diversos (por exemplo, o efeito de restriÁıes an·tomo-fisiolÛgicas geneticamente determinadas, as mudanÁas na sensibilidade a contingÍncias produzidas por processos maturacionais, efeitos imediatos de alteraÁıes fisiolÛgicas decorrentes de histÛria ambiental, etc.), que n„o podem ser facilmente organizados num sistema interpretativo simples e compatÌvel com pr·ticas culturais fortemente instituÌdas (por exemplo, tratamento farmacolÛgico de ìproblemas mentaisî, diagnÛstico clÌnico orientado por sistema de classificaÁ„o por sÌndrome, etc.). Ainda assim, È possÌvel falar de autonomia do recorte analÌtico-comportamental em situaÁ„o aplicada, o que Skinner faz considerando exatamente a intervenÁ„o clÌnica. Em um texto de 1988 (Skinner, 1988/1989b), tanto o internalismo mentalista quanto o fisiolÛgico s„o rejeitados como modelo para a an·lise e intervenÁ„o do terapeuta comportamental. Skinner (1988/1989b) fala da psicoterapia como a psicologia clÌnica de car·ter internalista, e da terapia comportamental como modelo de intervenÁ„o baseado em supostos analÌtico-comportamentais. A primeira ìtem freq¸entemente preocupado-se com sentimentos, ansiedade, medo, raiva e coisas do tipoî (p. 74), enquanto terapeutas comportamentais se voltam para a histÛria ambiental. Isso ocorre porque, para o analista do comportamento, ìo comportamento problem·tico È causado por contingÍncias de reforÁamento problem·ticas e n„o por sentimentos ou estados da mente problem·ticos e nÛs podemos corrigir o problema corrigindo as contingÍncias.î (p. 74) Uma vez que o sentimento seja identificado com uma condiÁ„o an·tomo-fisiolÛgica que pode vir a participar de relaÁıes comportamentais, È preciso tambÈm notar que se trata de um produto da histÛria ambiental do sujeito, tanto quanto o comportamento que precisa ser explicado. ìPara cada estado sentido e denominado de sentimento, h· presumivelmente eventos ambientais anteriores dos quais ele È funÁ„o. A terapia comportamental dirige a atenÁ„o para o evento anterior, n„o o sentimento.î (Skinner, 1988/1989b, p. 74) O aparato an·tomo-fisiolÛgico produzido pela histÛria ambiental (filogenÈtica e ontogenÈtica) È reconhecido como um aspecto relevante do fenÙmeno comportamental. ìComo as contingÍncias de reforÁamento operante afetam processos fisiolÛgicos È uma quest„o indubitavelmente importanteî (Skinner, 1988/1989b, p. 82). No entanto, o terapeuta comportamental, no uso de mÈtodos de avaliaÁ„o e
Emmanuel Zagury Tourinho, Eveny da Rocha Teixeira & Josiane Miranda Maciel
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Sobre os autores: Emmanuel Zagury Tourinho È PsicÛlogo, Doutor em Psicologia pela Universidade de S„o Paulo, Bolsista do CNPq e Docente do Departamento de Psicologia Experimental e do Programa de PÛs- GraduaÁ„o em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Par·. Eveny da Rocha Teixeira È graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Par· e Bolsista de IniciaÁ„o CientÌfica no Programa PIBIC/CNPq. Josiane Miranda Maciel È graduanda em Psicologia na Universidade Federal do Par· e Bolsista de IniciaÁ„o CientÌfica no Programa PIBIC/CNPq.
Recebido em 27.07. Revisado em 24.09. Aceito em 24.01.
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