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A concepção «bancária» da educação como instrumento da opressão. Seus pressupostos, sua crítica. Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, ...
Tipologia: Notas de aula
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Não perca as partes importantes!
A concepção «bancária» da educação como instrumento da opressão.
Seus pressupostos, sua crítica
Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, na escola, em qualquer de seus níveis
(ou
fora
dela),
parece
que
mais
nos
podemos
convencer
de
que
estas
relações
apresentam
um
cara-ter
especial
e
marcante
o
de
serem
relações
fundamentalmente
narradoras, díssertadoras.
Narracão de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implicaum sujeito o narrador — e objetos pacientes, ouvintes — os educandos
Há uma quase enfermidade da narração. A tônica da educação é preponderantemente esta — narrar, sempre narrar.
Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem-comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamenle alheio à experiência existencial dos educandosvem sendo, realmente, a suprema inquietação desta educação. A sua irrefreada ânsia. Nela, oeducador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinávelé “encher” os educandos dos conteúdos de sua narracão. Conteúdos que são retalhos darealidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariamsignificação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia
ter ou
se transform
em palavra oca, cm verbosidade alienada e alienante. Daí que seja mais som que
significação e, assim, melhor seria não ,dizê-la.
Por isto mesmo é que
uma das
características desta educação dissertadora é a “sonoridade” da
palavra e não sua força transformadora. Quatro vezes quatro, dezesseis; Pará, capital Belém.Que o educando fixa, memoriza, repete, sem perceber o que realmente significa quatro vezesquatro. O que verdadeiramente significa capital, na afirmação, Pará, capital Belém. Belém parao Pará e Pará para o Brasil¹.
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem“enchidos” pelo educador. Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”,tanto melhor educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhoreseducandos serão.
Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depüsitante.
Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras
incidências,
recebem
paciente-mente,
memorizam
e
repetem.
Eis
aí
a
concepção
“bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a dereceberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores oufichadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens,nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção ‘‘bancaria da educação. Arquivados,porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser. Educador e educandos searquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não hátransformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta,impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros.Busca esperançosa também.
Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das mantfestaçoes instrumentais da ideologiada opressão a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação daignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.
O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destasposições nega a educação e o conhecimento como processos de busca.
O educador se põe frente aos educandos como sua antinomia necessária. Reconhece
na absolutização da ignorância daqueles a razão de sua existência. Os educandos, alienados,por sua vez, àmaneira do escravo na dialética hegeliana, reconhecem em sua ignorância arazão da existência do educador, mas não chegam, nem sequer ao modo do escravo naqueladialética, a descobrir-se educadores do educador.
Na verdade, como mais adiante discutiremos, a razão de ser da educação libertadora está no seu impulso inicial conciliador. Dai que tal forma de educação implique a superação dacontradicão educador-educandos, de tal maneira que se façam ambos, simulta. neamente,educadores e educandos.
Na concepção “bancária” que estamos criticando, para a qual a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e
conhecimentos,
não
se
verifica
nem
pode
verificar-se
esta
superação.
Pelo
contrário,
refletindo a sociedade opressora, sendo dimensão da “cultura do silêncio’k a “educação”“bancária” mantém e
estimula a contradicão. Daí, então, que nela:
a)o educador é o que educa; os educandos, os que são educados; b)o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem: c)o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; d)o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; e)o educador é o que disciplina; os educandos, os discipli. nados; f)o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescrição:
g)o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador;
h)o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele;
i)o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente
à
liberdade
dos
educandos;
estes
devem
adaptar-se
às
determinações daquele;
j)o educador, finalmente, é o sujeito do processo: os educandos, meros objetos.
Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele
dar,
entregar,
levar,
transmitir
o
seu
saber
aos
segundos.
Saber
que
deixa
de
ser
de
“experiência feito” para ser dc experiência narrada ou transmitida.
Não é de estranhar, pois, que nesta visão “bancária” da educação, os homens sejam vistos como seres da adaptação, do ajustamento. Quanto mais se exercitem os educandos noarquivamento
dos
depósitos
que
lhes
são
feitos,
tanto
menos
desenvolverão
em
si
a
consciência crítica de que resultaria a sua inserção no mundo. como transformadores dele,Como sujeitos.
Quanto mais se lhes imponha passividade, tanto mais ingenuamente, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se ao mundo, àrealidade parcializada nos depósitos recebidos.
Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou o minimiza. estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores:para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua transformação. O seu“humanitarismo”, e não humanismo, está em preservar a situação de que são beneficiários e
que lhes possibilita a manutenção de sua falsa generosidade a que nos referimos no capítuloanterior. Por isto mesmo é que reagem, até instintivamente, contra qualquer tentativa de umaeducação estimulante do pensar autêntico, que não se deixa emaranhar pelas visões pat-ciaisda realidade, buscando sempre os nexos que prendem um ponto a outro, ou um problema aoutro.
Na verdade, o que pretendem os opressores “é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime” 2 e isto para que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor osdominem.
Para isto se servem da concepção e da prática ‘bancárias” da educação, a que juntam toda uma ação social de caráter paternalista, em que os oprimidos recebem o nome simpático de‘assistidos”. São casos individuais, meros “marginalizados”, que discrepam da fisionomia geralda sociedade. “Esta é boa, organizada e justa. Os oprimidos, como casos individuais, sãopatologia da sociedade sã, que precisa, por isto mesmo, ajustá-los a ela, mudando-lhes amentalidade de homens ineptos e preguiçosos.”
Como marginalizados, “seres fora de” ou “à margem de”, a solução para eles estaria em que fossem “integrados”, “incorporados” à sociedade sadia de onde um dia “partiram”, renunciando,como trânsfugas, a uma vida feiiz.
Sua solução estaria em deixarem a condição de ser “seres fora de” e assumirem a de “seres dentro de”,
Na verdade, porém, os chamados marginalizados, que são os oprimidos, jamais estiveram
lora
de.
Sempre estiveram
dentro de.
Dentro da estrutura que os transforma em “seres para outro”.
Sua solução, pois, não está em “integrar-se”, em “incorporar-se” a esta estrutura que os oprime,mas em transformá-la para que possam fazer-se ‘seres para si”.
Este não pode ser, obviamente, o objetivo dos opressores. Dai que a “educação bancária”, que a eles serve, jamais possa orientar-se no sentido da conscientização dos educandos.
Na educação de adultos, por exemplo, não interessa a esta visão “bancária” propor aos educandos o desvelamento do mundo, mas, pelo contrário, perguntar-lhes se “Ada deu o dedoao urubu”, para depois dizer-lhes enfaticamente, que não, que “Ada deu o dedo à arara”.
questão está em
que pensar
autenticamente é perigosa. O estranho humanismo desta
concepção “bancária” se reduz à tentafiva— de fazer dos homens o seu contrário - o autômato,que é a negação de sua ontológica vocação de
ser mais.
O que não percebem os que executam a educação “bancária”, deliberadamente ou não (porque há um sem-número de educadores de boa vontade, que apenas não se sabem a serviço dadesumanização ao praticarem o “bancarismo”), é que nos próprios “depósitos” se encontram ascontradições, apenas rcvestidas por uma exterioridade que as oculta. E que, cedo ou tarde, ospróprios “depósitos” podem provocar um confronto com a realidade em devenir e despertar oseducandos, até então passivos, contra a sua “domesticaçao
sua “domesticacão” e a da realidade, da qual se lhes fala como algo estático, pode despertá-
los como contradição de si mesmos e da realidade. De si mesmos. ao se descobrirem, porexperiência existencial, em um modo de ser inconciliável com a sua vocação de humanizarseDa realidade, ao perceberem-na em suas relações com ela, como devenir constante.
A CONCEPÇÃO PROBLEMAT!ZADORA E LIBERTADORA DA EDUCAÇÃO. SEUS PRESSUPOSTOS Ë que, se os homens são estes seres da busca e se sua vocacão ontológica é humanizar-se, podem, cedo ou tarde, perceber a contradição em que a “educação bancária” pretende mantê-los e engajar-se na luta por sua libertação.
Um educador humanista, revolucionário, não há de esperar esta possibilidade³. Sua ação, identificando-se,
desde
logo,
com
a
dos
educandos,
deve
orientar-se
no
sentido
da
humanização de ambos. Do pensar autêntico e não no sentido da doação, da entrega do saber.Sua ação deve estar infundida da profunda crença-nos homens. Crença no seu poder criador.
Isto tudo exige dele que seja um companheiro dos educandos, em suas relações com estes. A educação “bancária”, em cuja prática se dá a inconciliação educador-educandos, rechaça este companheirismo. E é lógico que seja assim. No momento em que o educador “bancário”vivesse a superação da contradição já não seria “bancário”. Já não faria depósitos. Já nãotentaria domesticar. Já não prescreveria. Saber com os educandos, enquanto estes soubessemcom ele, seria sua tarefa. Já não estaria a serviço da desumanização. A serviço da opressão,mas a serviço da libertação.
Esta concepção “bancária” implica, além dos interesses já referidos, outros aspectos que envolvem sua falsa visão dos homens. Aspectos ora explicitados, ora não, em sua prática.
Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo. Concebe asua consciência como algo espacializado neles e não aos homens como “corpos
conscientes’.
consciência
como
se
fosse
alguma
seção
“dentro’
dos
homens,
mecanicistamente compartimentada, passivamente aberta ao mundo que a irá “enchendo” derealidade. Uma consciência continente a receber permanentemente os depósitos que o mundolhe faz, e que se vão transformando em seus conteúdos. Como se os homens fossem umapresa do mundo e este um eterno caçador daqueles, que tivesse por distração “enchê-los” depedaços seus.
Para esta equivocada concepção dos homens, no momento mesmo em que escrevo, estariam “dentro” de mim, como pedaços do mundo que me circunda, a mesa em que escrevo, os livros,a xícara de café, os objetos todos que aqui estão, exatamente como dentro deste quarto estouagora.
Desta forma, não distingue presentificação à consciência de entrada na consciência. A mesa em que escrevo, os livros, a xícara de café, os objetos que me cercam estão simplesmentepresentes àminha consciência e não
dentro
dela. Tenho a consciência deles mas não os tenho
dentro de mim.
Mas, se para a concepção “bancária” a consciência é, em sua relação com o mundo, esta “peça” passivamente escancarada a ele, à espera de que entre nela, coerentemente concluiráque ao educador não cabe nenhum outro papel que não o de disciplinar a entrada do mundonos educandos. Seu trabalho será, também, o de imitar o mundo, O de ordenar o que já se fazespontaneamente. O de “encher” os educandos de conteúdos. É o de fazer depósitos de“comunicados” — falso saber — que ele considera como verdadeiro saber
4
E porque os homens, nesta visão, ao receberem o mundo que neles entra, já são seres passivos, cabe à educação apassivá-los mais ainda e adaptá-los ao mundo. Quanto maisadaptados, para a concepção “bancária”, tanto mais “educados”, porque adequados ao mundo.
Esta é uma concepção que, implicando uma prática, somente pode interessar aos opressores, que estarão tão mais em paz, quanto mais adequados estejam os homens ao mundo. S tãomais preocupados, quanto mais questionando o mundo estejam os homens.
Quanto mais se adaptam as grandes maiorias às finalidades que lhes sejam prescritas pelas minorias dominadoras, de tal modo que careçam aquelas do dir&to de ter finalidades próprias,mais poderão estas minorias prescrever.
A concepção e a prática da educação que vimos criticando se Instauram como eficientes instrumentos para este fim. Dai que um dos seus objetivos fundamentais, mesmo que dele não
Neste sentido, a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e valores aos educandos, merospacientes,
à
maneira
da
educação
“bancária”,
mas
um
ato
cognoscente.
Como
situação
gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de umsujeito, é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro,a educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da contradiçãoeducador-educandos.
Sem
esta,
não
épossível
a
relação
dialágica,
indispensável
à
cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscivel.
antagonismo entre as duas concepções, uma, a “bancária”, que serve à dominação; outra,
a problematizadora, que serve àlibertação, toma corpo exatamente ai. Enquanto a primeira,necessariamente, mantém a contradição educador-educandos, a segunda realiza a superação.
Para manter a contradição, a concepção “bancária” nega a dialogicidade como essência da educação e se faz antidialégica; para realizar a superação, a educação problematizadora —situação gnosiológica — afirma a dialogicidade e se faz dialógica.
Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, semsuperar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possívelfazê-lo fora do diálogo.
Ë através deste que se opera a superação de que resulta um termo novo: não mais educador do
educando,
não
mais
educando
do
educador,
mas
educador-educando
com
educando-
educador.
Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, setornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” jánão valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de
estar sendo com
as liberdades e não
contra
elas.
Já agora.ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Mediatizados pelos objetos cognosciveisque, na pratica “bancária”, são possuidos pelo educador que os descreve ou os deposita noseducandos passivos.
Esta prática, que a tudo dicotomiza, distingue, na ação do educador, dois momentos. O primeiro, em que ele, na sua biblioteca ou no seu laboratório, exerce um ato cognoscente frenteao objeto cognoscível, enquanto se prepara para suas aulas, O segundo, em que, frente aoseducandos, narra ou disserta a respeito do objeto sobre o qual exerceu o seu ato cognoscente.
O papel que cabe a estes, como salientamos nas páginas precedentes, é apenas o de arquivarem a narração ou os depósitos que lhes faz o educador. Desta forma, em nome da“preservação da cultura e do conhecimento’, não há conhecimento, nem cultura verdadeiros.
Não pode haver conhecimento pois os educandos não são chamados a conhecer, mas a memorizar o conteúdo narrado pelo educador. Não realizam nenhum ato cognoscitivo, uma vezque o objeto que deveria ser posto como incidência de seu ato cognoscente é do educador enão mediatizador da reflexão critica de ambos.
A prática problematizadora, pelo contrário, não distingue estes momentos no quefazer do educador-educando.
Não é sujeito cognoscente em um, e sujeito
narrador
do conteúdo conhecido em outro.
sempre
um
sujeito
cognoscente,
quer
quando
se
prepara.
quer
quando
se
encontra
dialcgicamente com os educandos,
O objeto cognoscivel, de que o educador bancário se apropria. deixa de ser, para ele, uma propriedade sua, para ser a incidência da reflexão sua e dos educandos.
Deste modo, o educador problematizador re-faz, constantemente, seu ato cognoscente, na cognoscitividade dos educandos. Estes, em lugar de serem recipientes dóceis de depósitos,são agora investigadores críticos, em diálogo com o educador, investigador crítico, também.
Na medida em que o educador apresenta aos educandos, como objeto de sua “ad-miração”, o conteúdo, qualquer que ele seja, do estudo a ser feito, “re-ad-mira” a “ad-miração” que antesfez, na “ad-miração’ que fazem os educandos.
Pelo fato mesmo de esta prática educativa constituir-se em uma situação gnosiológica. o papel do educador problematizador é proporcionar, com os educandos, as condições em que se dê asuperação do conhecimento no nível da
doxa
pelo verdadeiro conhecimento, o que se dá no
nível do
logos.
Assim
é
que,
enquanto
a
prática
bancária,
como
enfatizamos,
implica
uma
espécie
de
anestesia, inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráterautenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade. A primeirapretende manter a
imersão;
a segunda, pelo contrário, busca a
emersão
das consciências, de
que resulte sua
inserção crítica
na realidade.
Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder aodesafio, Desaf ia-dos, compreendem o desafio na própria ação da captá-lo. Mas, precisamenteporque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano detotalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescente-mente crítica, por isto, cada vez mais desalienada.
Através dela, que provoca novas compreensões de novos desafios, que vão surgindo no processo da resposta, se vão reconhecendo, mais e mais, como compromisso. Assim é que sedá o reconhecimento que engaja.
~A eduçação_omoprática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implic iéão do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também anegação do mundo como uma realidade ausente dos homens.
A reflexão que propõe, por ser autêntica, não é sobre este homem abstração nem sobre este mundo sem homens, mas sobre os homens em suas relações com o mundo. Relações em queconsciência e mundo se dão simultaneamente. Não há uma consciência antes e um mundodepois e vice-versa.
“A consciência e o mundo”, diz Sartre, “se dão ao mesmo tempo: exterior por essência à consciência, o mundo é, por essência, relativo a ela.”
Por isto é que, certa vez, num dos “círculos de cultura” do trabalho que se realiza no Chile, um camponês,
a
quem
a
concepção
bancária
classificaria
de
“ignorante
absoluto”,
declarou,
enquanto discutia, através de uma “codificação’, o conceito antropológico de cultura: “Descubroagora
que
não
há
mundo
sem
homem”.
quando
o
educador
lhe
disse:
“Admitamos,
absurdamente, que todos os homens do mundo morressem, mas ficasse a terra, ficassem asárvores, os pássarOS, os animais, os rios, o mar, as estrelas, não seria tudo isto mundo?”
“Não!”, respondeu enfático, “faltaria quem dissesse
!sto
é
mundo.”
O camponês quis dizer,
exatamente, que faltaria a consciência do mundo que, necessariamente, implica o mundo daconsciência.
Na verdade, não há
eu
que se constitua sem um
não-eu.
Por sua vez, o
não-eu
constituinte do
eu
se constitui na constituição do
eu constituído.
Desta forma, o mundo constituinte da
consciência se torna mundo da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual
se intenciona.
Dai, a afirmação de Sartre, anteriormente citada:
“consciência e mundo se dão ao mesmo tempo”. Na medida em que os homens, simultaneamente refletindo sobre si e sobre o mundo, vão aumentando o campo de sua percepção, vão também dirigindo sua “mirada” a “percebidos”
que, até então, ainda que presentes ao que Husserl chama de “visões de fundo”
não se
destacavam, “não estavam postos por si”.
Desta forma, nas suas “visões de fundo’, vão destacando percebidos e voltando sua reflexão sobre eles.
O que antes já existia como objetividade, mas não era percebido em suas implicações mais profundas
e,
às
vezes,
nem
sequer
era
percebido,
se
“destaca”
e
assume
o
caráter
de
problemas, portanto, de desafio.
A partir deste momento, o “percebido destacado” já é objeto da “admiração” dos homens, e, como tal, de sua ação e de seu conhecimento.
Enquanto, na concepção “bancária” — permita-se-nos a repetição insistente — o educador vai “enchendo” os educandos de falso saber, que são os conteúdos impostos, na prática problemati-zadora, vão os educandos desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão domundo que lhes aparece, em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática,mas como uma realidade em transformação, em processo.
A tendência, entio, do educador.educando como dos educan. dos-educadores é estabelecerem uma forma autêntica de pensar e atuar. Pensar-se a si mesmos e ao mundo, simultareamente,sem dicotomizar este pensar da ação.
A educação problematizadora se faz, assim, um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo, criticamente, como
estão sendo
no mundo
com que
e
em que
se
acham.
Se, de fato, não é possível entendê-los fora de suas relações dialéticas com o mundo, se estas existem independentemente de se eles as percebem ou não, e independentemente de como aspercebem, é verdade também que a sua forma de atuar, sendo esta ou aquela, é função, emgrande parte, de como se percebam no mundo.
Mais
uma
vez
se
antagonizam
as
duas
concepções
e
as
duas
práticas
que
estamos
analisando. A “bancária”, por óbvios motivos, insiste em manter ocultas certas razões queexplicam a maneira como
estão sendo
os homens no mundo e, para isto, mistifica a realidade. A
problematizadora, comprometida com a libertação, se empenha na desmitificação. Por isto, aprimeira nega o diálogo, enquanto a segunda tem nele o selo do ato cognoscente, desveladorda realidade.
A primeira “assistencializa”; a segunda, criticiza. A primeira, na medida em que, servindo à dominação,
inibe
a
criatividade
e,
ainda
que
não
podendo
matar
a
intencionalidade
da
consciência como um desprender-se ao mundo, a “domestica”, nega os homens na sua vocaçãoontológica e histórica de humanizar-se. A segunda, na medida em que, servindo à libertação, sefunda na criatividade e estimula a reflexão e a ação verdadeiras dos homens sobre a realidade,responde
à sua vocação, como seres
que não
podem
autenticar-se
fora da
busca e
da
transformação criadora.
A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráterhistórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo,
como seres inacabados, inconclusos,
em
e
com
uma
realidade
que,
sendo
histórica também, é igualmente inacabada. Na verdade, diferentemente dos outros animais, quesão apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm aconsciência
de
sua
inconclusão.
Aí
se
encontram
as
raízes
da
educação
mesma,
como
manifestação exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência quedela
têm.
Dai
que
seja
a
educação
um
quefazer
permanente.
Permanente,
na
razão
da
inconclusão dos homens e do devenir da realidade.
Desta maneira, a educação se re-faz constantemente na práxis. Para
ser
tem que
estar sendo.
Sua “duração” — no sentido bergsoniano do termo —, como processo, está no jogo dos contrários permanência-mudança.
Enquanto a concepção “bancária” dá ênfase à permanência, a concepção problematizadora reforça a mudança.
Deste modo, a prática “bancária”, implicando o imobilismo a que fizemos referência, se faz reacionária, enquanto a concepçao problematizadora, que, não aceitando um presente “bem-comportado”, não aceita igualmente um futuro pré-dado, enraizando-se no presente dinâmico,se faz revolucionaria.
A educação problematizadora, que não é fixismo reacionário, é futuridade revolucionária. Daí que seja profética e, como tal, esperançosa
Daí que corresponda à condição dos homens
como seres históricos e à sua historicidade. Daí que se identifique com eles como seres maisalém de si mesmos — como “projetos” —, como seres que caminham para frente, que olhampara frente; como seres a quem o imobilismo ameaça de morte; para quem o olhar para trásnão deve ser uma forma nostálgica de querer voltar, mas um modo de melhor conhecer o queestá sendo, para melhor construir o futuro. Dai que se identifique com o movimento permanenteem que se acham inscritos os homens, como seres que se sabem inconclusos; movimento queé histórico e que tem o seu ponto de partida, o seu sujeito, o seu objetivo.
ponto de partida deste movimento está nos homens mesmos.
Mas, como não há homens sem mundo, sem realidade, o movimento parte das
relações homens-mundo. Dai que este ponto de partida esteja sempre nos homens no seu
aqui
e no seu
agora
que constituem a situação em que se encontram ora imersos, ora emersos, ora
insertados.
Somente a partir desta situação, que lhes determina a própria percepção que dela estão tendo, é que podem mover-se.
E, para fazê-lo, autenticamente, é necessário, inclusive, que a situação em que estão não lhes apareça como algo fatal e intransponível, mas como uma situação desafiadora, que apenas oslimita.
Enquanto a prática “bancária”, por tudo o que dela dissemos, enfatiza, direta ou indiretamente, a
percepção
fatalista
que
estejam
tendo
os
homens
de
sua
situação,
a
prática
problematizadora, ao contrário, propõe aos homens sua situação como problema. Propõe aeles sua situação como incidência de seu ato cognoscente, através do qual será possível asuperação da percepção mágica ou ingênua que dela tenham. A percepção ingênua ou mágicada realidade da qual resultava a postura fatalista cede seu
lugar
a uma percepção que é capaz
de perceber-se. E porque é capaz de perceber-se enquanto percebe a realidade que lheparecia em si inexorável, é capaz de objetivá-la.
Desta forma, aprofundando a tomada de consciência da situação, os homens se “apropriam” dela como realidade histórica, por isto mesmo, capaz de ser transformada por eles.
O fatalismo cede, então, seu lugar ao ímpeto de transformação e de busca, de que os homens se sentem sujeitos.
Seria,
realmente,
uma
violência,
como
de
fato
é,
que
os
homens,
seres
históricos
e
necessariamente inseridos num movimento de busca, com outros homens, não fossem osujeito de seu próprio movimento.
Por isto mesmo é que, qualquer que seja a situação em que alguns homens proibam aos outros que sejam sujeitos de sua busca, se instaura como situação violenta. Não importam osmeios usados para esta proibição. Fazê-los objetos é aliená-los de suas decisões, que sãotransferidas a outro ou a outros.
Este movimento de busca, porém, só se justifica na medida em que se dirige ao
ser mais,
à
humanização dos homens. E esta, como afirmamos no primeiro capítulo, é sua vocaçãohistórica, contra-ditada pela desumanização que, não sendo vocação, é viabilidade, constatávelna história. E, enquanto viabilidade, deve aparecer aos homens como desafio e não como freioao ato de buscar.