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Guias e Dicas
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Fragmentação da România, Manuais, Projetos, Pesquisas de Filologia

Fatores que levaram a transformação do latim nas línguas românicas

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2021

Compartilhado em 22/04/2025

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A ROMÂNIA ANTIGA: O CONTATO DE CULTURAS E
A FORMAÇÃO DAS LÍNGUAS ROMÂNICAS
Maria da Conceição Reis Teixeira (UNEB)
conceicaoreis@terra.com.br
RESUMO
No presente texto, almejamos discutir, a partir de alguns acontecimentos da história
externa da língua latina, o processo de formação das línguas românicas. São mobilizados
alguns aspectos dos contatos culturais e linguísticos estabelecidos na România antiga
entre os povos pré-romanos, germânicos e árabes e sua contribuição para a dissolução da
unidade da língua latina e o consequente desenvolvimento das línguas neolatinas. Antes,
porém, de adentrar nas questões atinentes aos contatos culturais e linguísticos estabeleci-
dos na România antiga, recorreremos a alguns conceitos comumente empregados pela
linguística moderna, especialmente aqueles com os quais sociolinguística variacionista
opera. Aborda inicialmente a língua enquanto fe nômeno heterogêneo, sujeito a mudan-
ças, e apresenta sucintamente os produtos linguísticos comumente advindos das situações
de contato entre línguas.
Palavras-chave:
Contato linguístico. Línguas românicas. România antiga.
1. Introdução
Como o latim resultou nas línguas românicas? Quantas são as lín-
guas românicas? O que aconteceu com a língua latina pode também ocorrer
com a língua portuguesa falada no Brasil? Ela pode se distanciar de sua
matriz europeia e formar outras línguas? Estas são algumas das perguntas
que muitos estudantes fazem com certa frequência. Eles desejam saber
como foi possível de uma língua relativamente una como o latim ter se
originado as línguas neolatinas. Tais indagações podem parecer sem sentido
ou demasiadamente ingênuas a uma pessoa que tenha conhecimento em
linguística histórica, mesmo que este conhecimento seja mínimo.
Contudo, para um jovem do século XXI, aceitar o fato de as línguas
românicas terem se originado do latim, não do latim clássico, mas do latim
vulgar, língua popular, língua comum empregada pelos romanos, especial-
mente aqueles pertencentes às camadas menos prestigiadas da sociedade
romana, não é difícil, mas entender a teia linguística urdida a partir dos
contatos estabelecidos a mais de vinte séculos atrás que culminou na forma-
ção das línguas românicas não é tão simples assim.
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A ROMÂNIA ANTIGA: O CONTATO DE CULTURAS E

A FORMAÇÃO DAS LÍNGUAS ROMÂNICAS

Maria da Conceição Reis Teixeira (UNEB) conceicaoreis@terra.com.br RESUMO No presente texto, almejamos discutir, a partir de alguns acontecimentos da história externa da língua latina, o processo de formação das línguas românicas. São mobilizados alguns aspectos dos contatos culturais e linguísticos estabelecidos na România antiga entre os povos pré-romanos, germânicos e árabes e sua contribuição para a dissolução da unidade da língua latina e o consequente desenvolvimento das línguas neolatinas. Antes, porém, de adentrar nas questões atinentes aos contatos culturais e linguísticos estabeleci- dos na România antiga, recorreremos a alguns conceitos comumente empregados pela linguística moderna, especialmente aqueles com os quais sociolinguística variacionista opera. Aborda inicialmente a língua enquanto fenômeno heterogêneo, sujeito a mudan- ças, e apresenta sucintamente os produtos linguísticos comumente advindos das situações de contato entre línguas. Palavras-chave: Contato linguístico. Línguas românicas. România antiga.

  1. Introdução Como o latim resultou nas línguas românicas? Quantas são as lín- guas românicas? O que aconteceu com a língua latina pode também ocorrer com a língua portuguesa falada no Brasil? Ela pode se distanciar de sua matriz europeia e formar outras línguas? Estas são algumas das perguntas que muitos estudantes fazem com certa frequência. Eles desejam saber como foi possível de uma língua relativamente una como o latim ter se originado as línguas neolatinas. Tais indagações podem parecer sem sentido ou demasiadamente ingênuas a uma pessoa que tenha conhecimento em linguística histórica, mesmo que este conhecimento seja mínimo. Contudo, para um jovem do século XXI, aceitar o fato de as línguas românicas terem se originado do latim, não do latim clássico, mas do latim vulgar, língua popular, língua comum empregada pelos romanos, especial- mente aqueles pertencentes às camadas menos prestigiadas da sociedade romana, não é difícil, mas entender a teia linguística urdida a partir dos contatos estabelecidos a mais de vinte séculos atrás que culminou na forma- ção das línguas românicas não é tão simples assim.

No presente texto, pretendemos discutir, a partir de alguns aspectos da história externa da língua latina, o processo de formação das línguas românicas. Antes, porém, de adentrarmos nas questões atinentes aos contatos culturais e linguísticos estabelecidos na România antiga, que acreditamos terem contribuído significativamente para a queda da unidade linguística do latim, recorreremos a alguns conceitos comumente empregados pela lin- guística moderna, especialmente pela sociolinguística variacionista, pois julgamos serem fundamental para a compreensão da dinâmica dos contatos no âmbito da România antiga e a consequente formação das línguas româ- nicas.

  1. Variação linguística: revisitando alguns conceitos O homem contemporâneo não pensa, não age, não se comporta, não tem os mesmos valores e crenças que o homem medieval, por exemplo. Como ser social, está em constante processo de transformação. A língua é a condição sine qua non para a sua interação e para a as- similação dos padrões culturais do grupo social que faz parte e, consequen- temente, sem o seu uso seria impossível desenvolver a essência da cultura. Cada língua está adequada à cultura em que se desenvolve, por essa razão, a língua, meio de comunicação entre os componentes de um grupo, é essenci- al para a formação e consolidação da cultura. As sociedades mudam, mudam-se os valores, as crenças e as formas de representá-los. A língua sendo o patrimônio cultual de um grupo e a forma de representar esse patrimônio também está sujeita à mudança. É ponto consensual entre os linguistas da contemporaneidade: todas as lín- guas, independente da quantidade de falante e de sua estrutura, estão sujei- tas a fatores de mudança. Para a sociolinguística, a língua vive através da diversidade, ou seja, as línguas são heterogêneas e, como tal, estão sujeitas a variação. Faraco (1991) assegura: [...] as línguas humanas mudam com o passar do tempo. [...] as línguas hu- manas não constituem realidades estáticas; ao contrário, sua configuração es- trutural se altera continuamente no tempo. Os falantes normalmente não têm consciência de que sua língua está mudando. Parece que, como falantes, construímos uma imagem da nossa língua que repousa antes a sensação de permanência do que na sensação de mudança. (FARACO, 1991, p. 9)

tura social e pelas situações de uso, recebendo diferente avaliação social, ou seja, podem avaliar positivamente uma variante e estigmatizar outra. Dentre as variáveis internas encontram-se os fatores de natureza fo- no-morfo-sintáticos, os semânticos, os discursivos e os lexicais. Eles dizem respeito a características da língua em várias dimensões, levando-se em conta o nível do significante e do significado, bem como os diversos subsis- temas de uma língua. Taralo (1986) acevera que todo sistema linguístico se encontra per- manentemente sujeito à pressão de duas forças que atuam no sentido da variedade e da unidade – opera por meio da interação e da tensão de impul- sos contrários: as línguas exibem inovações mantendo-se, contudo, coesas. As línguas apresentam as contrapartes fixa e heterogênea de forma a exibir unidade em meio à heterogeneidade. Isso só é possível porque a di- namicidade linguística é inerente e motivada. A variação é estruturada de acordo com as propriedades sistêmicas das línguas e se implementa porque é contextualizada com regularidade. Segundo Tarallo (1986), a variação linguística pode ocorrer nos ei- xos diatópico – as alternâncias se expressam regionalmente, considerando- se os limites físico-geográficos – e diastrático – se manifestam de acordo com os diferentes estratos sociais, levando-se em conta fronteiras sociais. Independente do eixo diatópico/geográfico ou diastrático/social a variação é contínua e, em nenhuma hipótese, é possível demarcarem-se nitidamente as fronteiras em que ela ocorre. Entretanto, em conformidade com os estudos sociolinguísticos, de- vem ser levados em conta os recursos comunicativos próprios de discursos monitorados e não monitorados, o grau de isolamento geográfico e social, as relações sociais e as características das redes sociais e o grau de relação do falante ao meio, os estilos formais e informais na fala e na escrita em conformidade com o controle e o monitoramento da produção linguística, o plano da enunciação, isto é, o grau diferenciado de envolvimento dos falan- tes nos diversos gêneros discursivo-textuais. As variantes de uma comunidade de fala encontram-se sempre em relação de concorrência: padrão versus não padrão, conservadoras versus inovadoras, de prestígio versus estigmatizadas. Em geral, a variante consi- derada padrão é, ao mesmo tempo, conservadora e aquela que goza do pres- tígio sociolinguístico na comunidade. As variantes inovadoras, por outro lado, são quase sempre não padrão e estigmatizadas pelos membros da co- munidade de fala.

Faraco (1991) adverte que nem toda variação linguística resulta em mudança na língua, mas toda mudança linguística é resultado de um proces- so de variação linguística, ou seja, a variação produz, ao longo do tempo, mudança na língua. Chama ainda a atenção para o fato de que as mudanças não atingem o sistema linguístico como um todo, mas suas partes, “[...] a história de uma língua se vai fazendo num complexo jogo de mutação e permanência” (FARACO, 1991, p. 9). As mudanças não são repentinas. As pesquisas sociolinguísticas têm revelado que há períodos de tran- sição ou variação sincrônica em que duas ou mais formas concorrem, sendo que uma prevalece. Faraco (1991) denomina essa situação de “duelo de vida ou morte” entre as variantes linguísticas. Neste “duelo”, caso a variante mais recente vencer a batalha e, consequentemente, a já existente deixar de ser a mais empregada ocorre uma mudança, caso contrário, o estado de variação pode perdurar ou a forma mais antiga suplantar as variantes novas, conservando a variante padrão, não ocorrendo, portanto, mudança naquele subsistema. A substituição de uma forma por outra é progressiva, mas nem sem- pre sistemática. As línguas por estar em constante complexo fluxo temporal de mutações e substituições podem partilhar características num certo do- mínio da sua gramática e conhecer divergências importantes num outro domínio. Nessa direção, os sociolinguistas variacionistas são unânimes ao afirmar que são os falantes mais jovens, com menor poder econômico e menor grau de instrução os responsáveis por implementar no sistema lin- guístico uma variante linguística nova. Entretanto, a sociolinguística tem mostrado que atrás dum processo de mudança linguística não há só um quadro de variações, mas principalmente uma motivação social. Assim como as variantes estão distribuídas diferentemente pela es- trutura social e pelas situações de uso, assim também recebem elas diferente avaliação social. Alguns grupos de falantes, por exemplo, avaliam positi- vamente uma das variantes e estigmatizam a outra, o que abre perspectivas para sua eventual adoção ou rejeição. Nesse sentido, o que parece relevante para a mudança não é propri- amente a função linguística de um elemento, mas antes a informação social veiculada por suas várias realizações.

to da lavoura faz com que grupos humanos provenientes de rincões e de etnias diferentes sejam transportados para estas regiões. Por serem falantes de línguas diferentes são obrigados a encontrarem uma alternativa para manter as relações sociais e interpessoais. A alternativa viável é a elaboração de uma língua franca para alimentar essas relações. Outra situação é originária do período denominado “as grandes descober- tas” ou “grandes navegações”. Nesse período, era comum o homem europeu, especialmente, portu- gueses, espanhóis e franceses lançarem-se ao mar para descobrir novas rotas e, consequentemente, novas terras, novos domínios. Nos primeiros contatos, nem homem europeu nem homem ameríndio sabia a língua do outro, em contrapartida, havia a necessidade de estabelecer a interação verbal. Uma forma de solucionar o problema de comunicação, normalmente, foi a elabo- ração de línguas francas, ou seja, línguas emergenciais, cujo principal obje- tivo era traçar de forma simplificada e rudimentar a interação entre os dois grupos étnicos para o fomento do comércio, por exemplo. Perdurando as situações de contato, esta língua franca poderá vir a desenvolver-se, formando línguas pidgins e línguas crioulas, conforme seja o tipo de relação e o tempo em que perdura tal situação de contato linguísti- co. Baxter (1996) define línguas pidgins como sendo um gênero de língua reduzido, formado a partir do contato de línguas diversas. Segundo este especialista, o contato linguístico do grupo transplantado é prolongado e, em consequência, as necessidades comunicativas passam, gradativamente, a ser mais elaboradas em função da própria complexificação das relações estabelecidas entre os grupos envolvidos, resultando em um contínuo pro- cesso de negociação e acomodação linguística. Em situações de contato linguístico em processo de colonização é comum o desenvolvimento de língua pidgins. Pelos motivos expostos aci- ma, se estabelece uma relação entre dois grupos em que um terá que ir em direção da apropriação da língua do outro. De um lado têm-se um grupo heterogêneo do ponto de vista étnico, cultural e linguisticamente em condições desfavoráveis e, do outro, um grupo, de certa forma, coeso étnica, cultural e linguisticamente. O primeiro grupo possui sua língua (língua de origem), mas por uma questão de sobre- vivência tem que aprender a língua do dominador (língua alvo) de oitiva, aprendizado assistemático, processado no ambiente laboral e em condições adversas. Nesta situação de contato poderá acontecer que a língua alvo venha a ser afetada pela versão que dela própria falam os nativos da língua de origem, ou pela própria língua de origem, sob condições de forte convi-

vência e de reconhecimento da eventual importância da comunidade que muda. Mota (1996) defende que: [...] a aquisição de uma nova língua é geralmente caracterizada pela criação de “terceiras hipóteses”, passageiras ou definitivas, de funcionamento de de- terminados subsistemas da LA, frequentemente por influência da LO mas também por reanálises originais da gramática da LA em fase de apropriação. (MOTA, 1996, p. 512) Nesse processo de pidginização, costuma ocorrer redução das com- plicações gramaticais, sobretudo de flexão e de concordância nominal e verbal, as estruturas são maximamente analíticas desprovidas de redundân- cias e de ambiguidades e o léxico é reduzido, apresentando propriedades expressivas aumentada com o emprego de homonímia e circunlocuções. Thomason e Kaufman (Apud BAXTER, 1996) definem pidginização como sendo um processo de aquisição e criação em que os falantes simplifi- cam as línguas em contato por estratégias de acomodação. Muhlhausler (Apud MOTA, 1996, p.519) diz que “os pidgins são exemplos de certos aprendizados de língua não materna, passando de siste- mas mais simples a mais complexos à medida que as necessidades comuni- cativas se tornam mais prementes”. Os falantes dessa comunidade tendem a tomar-se bilíngues, porque além de sua língua materna aprendem a língua do colonizador. A tendência é que ocorra o processo de aculturação, ou seja, apropri- ação da cultura do outro. Isso normalmente ocorre quando os falantes da língua de origem são numérica e socialmente pouco relevantes face ao gru- po da língua alvo e, por razões diversas, os membros do grupo estão moti- vados para sua apropriação. Mota (1996) aponta o fato de serem minorias étnicas e linguísticas, de serem econômica e politicamente dependente e de ser o grupo social pouco influente como sendo algumas das condições que favorecem a apro- priação da língua alvo pelo grupo dominado. Quando a língua alvo suplanta a língua de origem, pode ocorrer a substituição pela língua alvo ou a língua alvo pode passar por um processo de mudança, gerando o que alguns linguistas denominam de línguas pid- gins, ou seja, um modelo de língua defectivo da língua alvo adquirido em condições especiais. Destaca-se aqui que os pidgins não são línguas nativas de uma dada comunidade, portanto, não são línguas maternas dessa comunidade. O cri-

dade fatores como: a) a duração do período entre o estabelecimento do con- tato entre o grupo dominante e o grupo dominado e o momento em que a população do grupo dominado supera a do grupo dominante – o que os crioulistas costumam denominar de qualidade do material de superstrato; b) momento em que o número de pessoas da população do grupo dominado nascidas na colônia supera a população do grupo dominante – um crioulo novo constitui um modelo significativo para as crianças e para os escravos recém-chegados.

  1. Contato linguístico na românia Advertimos que, até o momento, apresentamos apenas alguns con- ceitos básicos operados por aqueles que têm se debruçado sobre o fenômeno da linguagem com vistas a elucidar especialmente as consequências do contato linguístico advindo da expansão territorial ultramarina. Acreditamos que, para compreendermos mais facilmente a dissolu- ção da unidade linguística que desencadeou na formação dos dialetos e línguas românicos, seria necessário primeiro entendermos a língua enquanto fenômeno heterogêneo e sujeito a mudanças bem como compreendermos quais as consequências advindas do contato entre culturas, entre línguas. Parafraseando Gama (1979), a história da língua latina reflete a his- tória do povo que a fala, portanto, não poderemos tratar das origens das línguas românicas sem remontar ao passado e às etnias do povo romano. Nesta direção, concordamos ainda com Mota (1996), o contato linguístico é consequência do contato social entre dois ou mais grupos falantes de dife- rentes línguas: [...] a existência de contato linguístico pressupõe o contato social dos respec- tivos falantes, enquadrados em situações de comunicação de ordem diversa; a estas subjazem relações sociais, políticas e culturais igualmente diversifica- das e que condicionam as relações linguísticas. (MOTA, 1996, p. 554) A dinâmica dos contatos no mundo românico é muito complexa, uma vez que os romanos, em diferentes épocas, estabeleceram-se em vários territórios ocupados por povos étnica e culturalmente diferentes e, conse- quentemente, as relações estabelecidas em cada momento e em cada territó- rio são dessemelhantes, ora uns em relação aos outros nutrem sentimentos de superioridade, ora de inferioridade, ora de igualdade. Aqui comungamos com Calvet (2002), os sentimentos dos falantes em relação a sua língua parecem ser determinantes para a manutenção desta

ou daquela forma da língua e, no que diz respeito aos romanos, podemos dizer língua. Acreditamos que os sentimentos do povo celta, etrusco, fenício, gre- go, por exemplo, em relação à sua cultura e à cultura dos conquistadores romanos, não são semelhantes aos sentimentos nutridos pelos alanos, ostro- godos, visigodos e francos e, nem tampouco, com os sentimentos dos ára- bes. Em cada período, o povo romano e sua língua ocuparam uma posi- ção prestigiada ou não prestigiada em relação às demais línguas e culturas com as quais entrou em contato. Inevitavelmente, tais sentimentos contribu- íram para uma maior ou menor assimilação desse legado cultural. O início das relações estabelecidas entre a cultura romana e os de- mais povos teve origem por volta do século VII a.C quando a tribo indo- germânica penetrou na Itália por ocasião da grande invasão indo-germânica na Europa, ocupando, inicialmente, a região próxima ao rio Tibre, que de pequeno povoado, passou a cidade de Roma. Auerbach (1972) acredita que a localização estratégica de Roma, ser banhada pelo mar Mediterrâneo e ser a principal rota comercial da Europa naquele período, tenha favorecido para o seu desenvolvimento e expansão. E não é de se estranhar que depois de ter transcorrido alguns séculos, a pequena cidade torna-se capital de forte e extenso império. À medida que Roma florescia, crescia também o prestígio do seu po- vo, da sua cultura, da sua língua. Isso provavelmente favoreceu para a assi- milação da cultura pelos povos conquistados. Durante os primeiros anos de convívio entre conquistados e conquistadores, as relações mantidas devem ter sido muito tensas, pois, além do sentimento de encontrar-se sob o julgo do outro, pertenciam a culturas diferentes e não falavam a mesma língua. É bem provável que tenha havido muitas resistências de ambos os lados. Talvez por esta razão, Silva Neto (1998), para justificar o processo de assimilação da cultura dos romanos por parte dos conquistados, fala em três fases distintas deste contato: expectativa, marginalidade e vitória da cultura romana. Na primeira fase, as duas culturas punham-se uma em frete da outra, cada um falando a sua língua e preservando os seus hábitos culturais, na expectativa de sobrepor-se a outra. Contudo, como se sabe, os romanos, assim que conquistavam novos territórios, desenvolviam uma estratégia para ocupá-los. Destaca-se aqui a organização das unidades territoriais, respeitando-se as etnias ali encontra- das. Agrupamento das civitates em centros urbanos o que favoreceu signifi-

mana, com a língua latina, assimilando alguns traços, foram gradativamente deixando de empregar o cabedal cultural de seus antepassados. É necessário entendemos que a romanização foi um processo lento e secular. Contudo, em algumas regiões deu-se de forma tão intensa que fez desaparecer as línguas anteriores e em outras foi superficial, e o povo en- contrado manteve-se resistente e, embora vencido política e administrati- vamente, não se deixasse romanizar. Dentre estes últimos destacam-se o povo Vasco, na Península Ibérica, e os gregos, na região oriental do Império Romano. Quanto a este aspecto, Auerbach (1972) afirma que os romanos en- contraram uma situação étnica e política bastante complicada, mas, por toda parte, lograram a unificação e a assimilação dos diferentes povos. No entan- to, assinala que: [...] Roma alcançava dominar o que então se denominava orbis terrum, o mundo conhecido. [...] enquanto as conquistas ocidentais eram rematadas pe- la dominação política, bem como cultural e linguística, o Oriente, sob a in- fluência da civilização grega, a mais rica e a mais bela da Antiguidade, embo- ra se submetesse à administração romana, permanecia inacessível à penetra- ção cultural; continuava grego e exercia mesmo uma influência profunda so- bre a civilização dos conquistadores romanos. (AUERBACH, 1972, p. 44) Destarte, apontar as interferências das línguas faladas pelos povos pré-romanos é uma tarefa muito difícil, especialmente porque são escassos os registros das línguas com as quais o latim manteve contato durante o período de sua expansão territorial. Para que se proceda a uma mensuração adequada de quais elementos do sistema linguístico latino e sua sobrevivência nas línguas românicas tenham sido resultante de uma interferência linguística pré-romana, tería- mos que primeiro identificar as características tipológicas de cada variedade de latim que foi levado para cada região, bem como identificar os traços tipológicos das línguas pré-romanas que entraram em contato com o latim nos diferentes períodos de sua história, não apenas identificando as línguas, mas as variedades dessas línguas e a dinâmica do contato em cada território e época. Parece-nos que isso seja pouco provável de ser concretizado. Primei- ro porque há dificuldades de localizar com precisão em que região este ou aquele povo se fixou, por quanto tempo se manteve na região, como efeti- vamente se deu a relação entre os grupos étnicos. Segundo porque cada região do império romano foi conquistada e anexada a Roma em épocas diferentes, consequentemente, o latim que a Sicília, a Sardenha, a Córsega, a Ilíria e a Gália Cisalpina deveria ser uma variedade bastante diferente do

latim levado para a Ibéria e para a Tunísia (África), por exemplo. Terceiro, faltam fontes que atestem todas as variedades da língua dos romanos nas diferentes épocas e territórios conquistados. Quarto porque, a partir das línguas românicas, teríamos que separar os traços resultantes da interferên- cia linguística das línguas pré-romanas das demais línguas que o latim en- trou em contato, as línguas germânicas e a árabe. Além disso, teríamos que isolar os elementos que teriam sido consequências das mudanças a que estão sujeitas todas as línguas. Tomando apenas como um exemplo para entendermos melhor esta situação, reportamo-nos à situação da Península Ibérica neste período. Pou- co se sabe dos povos e línguas nativas ali encontrados quando da sua roma- nização. Afirmam alguns especialistas em romanística que eram numerosas as nações e muito diferentes de língua e cultura. Lapesa (1981) assevera que a história da Península antes da conquis- ta romana apresenta problema de difícil solução: La historia de nuestra Península antes de la conquista de Roma encierra un cúmulo de problemas aún distantes de ser esclarecidos. Los investigadores tienen que construir sus teorías apoyándose en datos heterogéneos y ambi- guos: restos humanos, instrumental y testimonios artísticos de tiempos remo- tos; mitos [?] que si poetizan alguna lejana realidad hispánica, sólo sirven pa- ra aguzar más el deseo de conocerla sin la envoltura legendaria; indicaciones

  • imprecisas muchas veces, contradictorias otras – de autores griegos y ro- manos; monedas e inscripciones en lenguas ignoradas; nombres de multitud de pueblos y tribus de diverso origen, que pupularon en abigarrada promis- cuidad; designaciones geográficas, también de varia procedencia. Combinan- do noticias y conjeturas, etnógrafos, arqueólogos y lingüistas se esfuerzan por arrancar espacio a la nebulosa, que defiende paso a paso su secreto. (LAPE- SA, 1981, p. 13) Diante de tal quadro, fica praticamente impossível estabelecer com- paração entre os sistemas linguísticos que mantiveram contato durante o período de romanização e identificar os traços das línguas românicas atuais que sejam resultantes da interferência desta ou daquela língua. O que parece possível afirmar é que destas línguas sobreviveram apenas algumas palavras especialmente significativas e alguns sufixos. Ainda se discute muito se subsistiram hábitos pré-romanos no acen- to, no ritmo da fala, no sistema fonológico e morfológico do latim e se esses vestígios influíram nos romances até a época da individualização das lín- guas românicas. Não bastando esta teia étnica e linguística que certamente contribuiu para acentuar ainda mais as variedades já existentes do latim, como é sabido, após 500 anos de dominação romana, o Império recebe incursão de um novo contingente populacional.

dos; viviam em comunidades separadas e dispunham de instituições e auto- ridades próprias; 5) os judeus.

  1. Considerações finais A breve exposição sobre alguns aspectos da sócio-história da língua latina talvez tenha dado uma pequena mostra da teia étnica e linguística urdida na România antiga. Reiteramos, abalizar com precisão quando e como o latim deixou de ser um sistema linguístico único, desdobrando-se em outros sistemas é uma atividade assaz complexa, pois, como vimos, o latim, em momentos distin- tos, entrou em contato com culturas e línguas pertencentes a ramos diferen- tes e como também foram diferentes as dinâmicas dos contatos estabeleci- dos, dificultando, portanto, identificar de forma segura quais línguas exerce- ram uma maior ou menor influência para a queda da sua unidade linguística. Contudo, acreditamos que não apenas um contato, mas todos os con- tatos entre culturas e línguas estabelecidos pelos povos romanos devem ter exercido influências para acentuar as variedades preexistentes da língua latina (se constituído, com o decorrer do tempo, em novos domínios linguís- ticos. Em outras palavras, as variedades linguísticas peculiares ao latim (sermo familiaris, sermo vulgaris, sermo castrinenses, sermo nauticus, sermo hispaniensis, sermo gallicus, sermo africanus, sermo italicus, por exemplo), que emanam de qualquer sistema linguístico, só resultaram em outros sistemas porque contaram com as significativas contribuições advin- das das situações de contato linguístico com os povos pré-romanos, germâ- nicos e árabes. Há de se questionar se teríamos os atuais sistemas românicos, se não fosse a dinâmica desses contatos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUERBACH, Erich. Introdução aos estudos literários. Trad. de José Paulo Paes. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1972. BAXTER, Alan. Línguas pidgin e crioulas. In: FARIA, I. PEDRO, E. R.; DUARTE, I; GOUVEIA, C. A. M. Introdução à linguística geral e portu- guesa. Lisboa: Caminho, 1996. CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.

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