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Rev. do^ Museu de^ Arqueologia^ e^ Etnologia,^ São Paulo,^ 9:^ 12'7-141, 1999.
FONTES MATERIAIS^ E FONTES^ ESCRITAS:
ESTUDO DE CASO DA HISTORIA^ DE^ ROMA^ DE^ TITO^ LÍVTOX
Lucia Cutro**
CUTRO, L.^ Fontes^ materiais^ e^ fontes^ escritas:^ estudo de^ caso^ da^ História^ de^ Roma de^ TiIo
Lívio. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9: 12'l-141,1999.
RESUMO: O presente artigo traça um paralelo^ entre a questão^ da interpretação
das fontes materiais^ e das^ fontes escritas^ a^ partir^ da^ análise^ da^ História^ de^ Roma de
Tito Lívio, a fim de demonstrar que^ estas últimas, embora forneçam a impressão de
que sua interpretação é menos problemática e mais imediata, apresentam problemas
de interpretação em virtude da sua manipulação e deturpação.
UNITERMOS: Fontes - Tito Lívio - História de Roma.
Introdução: relações e problemas
entre fontes materiais e fontes escritas
Ao trabalharem com fontes materiais, os ar-
queólogos deparam com o problema da interpre-
tação. Em contrapartida, o trabalho com fontes es-
critas pode fornecer-lhes a impressão de que^ sua
interpretação é menos problemática e mais imedia-
ta. Veja-se, por exemplo, como ponto^ de encontro
entre fontes textuais e vestígios materiais a epi-
grafia: apresenta as características de um texto es-
crito (está grafado sobre um suporte, pode ser lido
e copiado, tal como um livro ou manuscrito) e as
características arqueológicas (foi^ encontrado num
determinado local, tem forma particular, eventual
função arquitetônica e, muitas vezes, é portador
(*) (^) Este artigo é parte do trabalho final do curso de pós-gra- duação (^) "Arqueologia e Religião: questões de método e es- tudos de caso", ministrado pela Profa. Dra. Elaine Farias Veloso Hirata (MAE)^ no segundo semestre de 1998.
(**) Pós-graduandaem História Social, Mestrado. Facul-
dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Univer- sidade de São Paulo.
de uma simbologia que pode informar mais que
um texto).
Percebe-se que, à primeira vista, as fontes tex-
tuais apresentam-se mais homogêneas que as infor-
mações arqueológicas, pois, as primeiras, se situam
no nível da linguagem, aparentando deixar claro o
que querem dizer, ao passo que as segundas con-
têm informações virtuais que necessitam ser deco-
dificadas e traduzidas para um enunciado verbal.
Existem como documentos somente pela formula-
ção, ou seja,^ "a^ etapa^ intermediária^ de enunciação
verbal que^ intervém no tratamento dos dados ar-
queológicos para fazê-los existir como documen-
tos cria um deslocamento entre eles e os textos: um
e outro não se situam no mesmo grau de abstra-
ção" (Bruneau 1974:34).^ Além^ disso, o terreno ar-
queológico resulta de umjogo conjunto da fabrica-
ção humana (atos humanos), instaurador de um
sistema técnico, somado aos fatores naturais que
destroem tal sistema. É uma estrutura mas não é
estruturante, fato que é uma característica essen-
cial da linguagem e, portanto, "informações tex-
tuais e vestígios materiais^ são^ duplamente^ hetero-
gêneos: atrelados a níveis diferentes de abstração.
d.e do Museu Rev. Lívio. Tito de Roma de História da caso de escritas: estudo materiais e fontes Fontes L. CUTRO,
12'7-141,1999. 9: Paulo, São Etnologia, e Arqueologia
apresentam entre eles e idêntica natureza são de Não
35). 4: (197 Bruneau segundo analogias", somente
escritas, fontes questão das a Considerando
se apresen- em que linguagem a que dizer pode-se
mo- dos explicação e à narração à apropriada é tam
têm um papel textos intenções. Os e das suas tivos
lá relatados, estão os acontecimentos fundamental:
eles quais as necessidades às procedimentos e os
está 1á como assim indicados, lá respondem estão
objetos materiais perecíveis de existência a atestada
cuja mas Arqueologia, à não apreensível isso, por e,
interpretação. à muito realidade pode trazer
desen- o décadas, últimas nas que Verifica-se
arqueológica pesquisa da volvimento considerável
atra- conhecido tradicionalmente sobre um mundo
relações entre das exame ao convida textos vés dos
informação. de dois modos estes
vestígios arqueológi- e relação entre textos A
"modelos^ de qualidade ser analisada na pode cos
sua expressa (1974:35) Bruneau informação". de
Ar- à (^) papel dos textos com relação o sobre opinião
não textos "os seguinte afirmação: na queologia
e classificação etapas de escavação, nas intervêm
da etapa última na material... intervêm datação do
interpretação, ope- a fim último: e seu Arqueologia
vestígios dos abstrai arqueólogo o qual ração pela
o informações que contribuem para as materiais
questão", em está da cultura que conhecimento
se que interpretação da geral teoria na "é portanto,
pes- na dos textos contribuição a pode reconhecer
35-36). 4: (191 ógica" arqueol quisa
posicionamentos: entanto, existem outros No
substituto um torna-se Arqueologia para alguns, a
a con- É lacunar informação textual faltosa ou da
de-^ - História a idéia que a (^) cepção que subentende
caráter de informação e não pelo seu pelo f,rnida
em que do momento partir começa a^ - objeto seu
Arqueo- a apenas disso existe antes existem textos;
posicionamento é o Este utilidade. a sua e, daí logia
Arqueolo- da "contribuição a qual o para Finley, de
inversamente modo, grosso é, História a gia para
das fontes proporcional à quantidade e qualidade
con- a presta-se Ela 96). (1989: disponíveis" escritas
e, antigos escreveram historiadores os que o firmar
a para finalidade encontra uma Finley ponto, neste
utili- a ocorre que vezes Arqueologia: "Se muitas
o com cresce História a para Arqueologia dade da
também verdade que é documentação, da aumento
Arqueolo- a tornam de documentação cerlos tipos
mertos desnecessária. Se tivéssemos ou mais gia
Média, Idade a Acragas para de questão a colocado
registros papais resposta nos a teríamos encontrado
mais 04- 105), ou seja, quanto 1 989: 1 ( diocesanos" e
é a útil textuais, menos informações as abundantes
nu- são textos os outros, quando Para Arqueologia.
Ar- a Romana), e Grega História da merosos (caso
como uma simples vezes muitas aparece queologia
"Nesta fatos previamente conhecidos. de ilustração
saí- sociológicos fatos os ilustração de Arqueologia
dos que diferir chance de têm dos dos objetos não
da- dos parte maior A interpretáJos. seryiram para
problemáti- na inserida ser deve dos arqueológicos
infor- a subentende àquela que histórica limitada ca
de apa- arriscada está parle maior a textual; mação
ou importância histórica de recer como desprovida
acon- os arqueológica descoberta à atribuir a ligada
poftan- 4O), 4: I97 (Bruneau tóricos" his tecimentos
da- Arqueologia complementa os neste caso, a to
retifica-os. ou textuais dos
admi- vezes muitas hierarquia esta Entretanto,
mo- a se tende vestígios materiais e textos entre tida
textos ex- percebe que os se que medida à dificar
subjetiva e incompleta pressam uma compreensão
nos vestígios arqueológicos. contido está que do
infor- entre uma contradição caso de Também no
segun- a arqueológica, informação e textual mação
crença mais digna de ser de chance toda tem da
infor- as Detectando nos objetos primeira. a que
usuários, consciência dos escapam à que mações
como nem ilustração como uma mais não aparece
comple- ou inexistente informação substituto da
lacunar. informação da mento
o costumeiro é História Antiga estudo da No
mate- autenticidade do acerca da questionamento
do início e XIX século No textual disponível. rial
Cou- de (^) tal como Fustel positivistas, os XX, século
(1888), Monarchiefranque La obra sua langes na
dos leitura preceito: "a do seguinte compartilhavam
fosse se para nada serviria, pois, não documentos
ha- única sua A preconcebidas... com idéias feita
do- dos tirar consiste em historiador) (do bilidade
melhor histo- O contêm. eles cumentos tudo o que
mais próximo o mantém se que aquele riador é
Desta 536). 1990: Goff textos" (Le (^) possível dos
preconiza- que positivistas dos desmesurada crença
pelos transmitida verdade vam uma indubitável
dos hipercrítica à passou-se documentos textuais,
atradi- toda em credibilidade a (^) mesmos que nega
em "Ancorada antiga. historiográfica e textual^ ção
que, e contraditórias reconstruções sistemáticas
da atrás uma conseqüentemente desmoronavam
fracasso de teorias diante do hipercrítica, a outra,
tle Museu tlo Rev. Tito Lívio. de Roma de História da caso de escritas: estudo materiais e fontes Fontes L. CUTRO,
127-141,1999. 9: Paulo, São Etnologia, e Arqueologia
segui- Em Alime,?/u.s. e Cincius Pictor Fabius com
distintos: perÍodos três mais em desenvolveu-se da,
ou a.C., II que corresponde ao século segundo o
ao terceiro o orientais; conquistas das época à seja,
o e gracana época à a.C., ou seja, II do século final
podendo^ a.C., I^ metade do século primeira à quarto
Não época silana ou pós-silana. definido como ser
romana nas- historiografia a portanto, casual que é,
nasceu não Ela Púnica. Guera ce após a Segunda
objetivo simples um a devido exclusivamente
de necessidade uma a sim devido mas apologético,
o qual no identificar-se, desejo de um a ciente, estar
so- importância, mas sua apologético tem motivo
com- a de perspectiva: seguinte visto na se mente
própria cultura^ da^ e passado do próprio preensão
da advertem os sintomas se momento onde num
assegurar quer se que (^) num momento em e mudança
ou seja, serem sem- continuidade, a a identidade e
de e de Enéas filhos os romanos mesmos, pre os
culto. e ao tradições antigas às Rômulo, ligados
falar simultaneamente Neste aspecto, pode-se
A inovadora. e conservadora motivação uma de
das estrutura própria evidente na é conservação
tá- modelo da o analísticas que retomaram obras
afir- resgate, significa consel'vação pontifícia: bua
passa-^ momento de^ um^ da identidade em mação
literá- obra em transformação a é novidade A gem.
as tabula, a várias tradições documentais: das ria
ora- as fúnebres, elogios os tratados, os inscrições,
me- a suma, toda em sacerdotais, arquivos os^ ções,
"Um famílias mais ilustres. e das Roma de mól'ia
espaços va- com heterogêneo, malgrado arquivo
desor- e rica zios ou manipulados, uma memória
(Sacchetti literária completa" torna-se obra denada
analística primeira 1996: 158). Imagina-se que a
operação empreendido uma completa tenha de ter
sínte- esta a chegar para confrontação e reexame de
no profundamente inovadora foi tal operação e se,
pos- uma com passado o revolveu se que de sentido
críti- os condiz com que não o criativa, e tura crítica
analística romana arcaica que costumam da cos
"eco- uma excessiva^ que esta apresenta argumentar
a caracteriza argumento de detalhes. Este nomia"
mas surgimento, seu o desde latina historiografia
anual, através do esquema narração, desenvolvida a
espírito de privada e restrita não deveria ser assim
analís- adoção do esquema a contrário, Pelo crítico.
com ligação profunda uma testemunhar parece tico
inter- dinâmicas suas Roma, com de política vida a
analística da restrito caráter muito, o^ Quando nas.
estilístico, no plano pode ser verdadeiro arcaica
histoliado- Os conteúdo. do plano no relativo mas
sobre^ - no viés analístico^ - escreviam antigos res
exi- uma por escreviam sobretudo diversos fatos,
de vazio não pelo gosto crítica, reflexiva, gência
pontifícias. Portanto, o argu- as tábuas reproduzir
analística arcaica da "economia" acerca da mento
modificado. e reconsiderado ser deve
necessidade (^) por uma nasceu historiografia A
de ambiente. Nasceu próprio do compreensão de
inter- propunha se que um contexto ploblemático
novidades presentes. Não pôde, das vista em pretar
esque- e "econômica" uma exposição ser portanto,
compilativo como exercício não nasceu mática pois
como sim mas do mundo, distantes de eruditos
escri- de parte da política realidade a sobre reflexão
indagação foram políticos, logo, como tores que
orientada. também ideologicamente aberta,
gra- época a seja, a.C., ou II do século final No
vida político-institu- cana, momento delicado da
a historiografia interpretou de Roma, a cional
es- mais em articulando-se da mudança exigência
gerou duas e analístico viés no truturas. Continuou
só um para monografia (voltada a novas: técnicas
historia a e passado) ao referente vezes às assunto,
a como tal assuntos, vários de contínua (narração
próxima mais época à referentes sempre e analística
mais final" "parte (^) uma espécie de como autor, do
uma tradicional obra analística). de aprofundada
por^ representada pós-silana historiografia A
Licinius ias, Ant rius Vale garius,^ Quadri Claudius
experimentalismos após os Tubero, Aelius e Macer
história contem- à dedicou geração precedente, da
estrutura a manteve mas maior; espaço porânea um
a analís- analística. "Nesta postura conservadora,
ex- pol forma republicana a como delineou se tica
que^ boa ordem antiga^ da^ forma antiga a celência,
Tito que, em seguida, em e viva manter procuta se
evocada com será Tácito, sobretudo em e Lívio
críti- no momento mais parece que Me nostalgia.
sua^ - (^) para a República, a estrutura analística co
significado um assumiu^ - direta mais expressão
caracterizâ- a sentimental, destinado e ideológico
Ocorreu uma 166). (Sacchetti 1996: futuro" no la
his- e novo (analística e do combinação do antigo
nanação : a te) respectivamen contemporânea, tória
tornou-se uma integrada, enriquecida, foi anual
em experimento É este o articulada. mais narrativa
sua vasta realizff paru baseará se Lívio Tito que
vários planos narrativos, de obra: um entrecruzar
um de "epopéia^ - episódico e relato analístico de
retratos" (Sacchetti 1996:167). de galeria e povo
CUTRO, L.^ Fontes^ materiais e fontes^ escritas: estudo^ de^ caso da^ História^ de^ Roma de^ Tito Lívio.^ Rev. do^ Museu^ de
Arqueologia e^ Etnologia,^ São^ Paulo,^ 9:127-141,^ 1999.
Os primeiros analistas não dispunham de do-
cumentação pontifícia^ anterior^ à^ metade^ do^ sécu-
lo V^ a.C.^ e^ isto deixou^ à^ margem os séculos^ VI-V
a.C., mas se^ por um^ lado o^ período régio podia^ ser
enriquecido com relatos lendários,^ o^ primeiro^ pe-
ríodo republicano,^ ou^ seja,^ o^ fim^ do século^ VI^ a.C. e a^ primeira^ metade^ do^ século^ V^ a.C. permaneceu
descoberto. A partir^ da^ metade do século^ V^ a.C.,^ a
crônica pontifícia^ talvez existisse, mas^ no início
do século^ IV^ a.C. o^ incêndio^ do^ Capitólio^ durante
a ocupação gaulesa^ determinou^ a^ perda da docu-
mentação ou pelo^ menos, seu drástico empobreci-
mento. Portanto, por todo^ o^ período^ compreendido
entre o fim do século VI e início do IV a.C., a docu-
mentação que^ os^ analistas^ dispunham^ era^ escassa,
seja porque a crônica pontifícia^ não existia, seja
porque a primeira parte desta foi destruída. Os acon-
tecimentos deste período provavelmente foram
reconstituídos pelos analistas e esta história foi
narrada de maneira sintética,^ resumida.
Se configurou, assim, para^ as obras históricas
mais antigas, um andamento triparlido no qual se
sucederam três modos diferentes de narrar:^ uma
primeira parte lendária sobre as origens míticas da
cidade, que^ se estendia à época régia e compreen-
dia os relatos sobre os reis, as lendas sobre as pri-
meiras relações de Roma com os vizinhos etc.;^ uma
seção propriamente mais histórica, que compre-
endia o período^ do^ fim^ do século^ VI^ a.C.^ até^ apri- meira metade do século IV a.C., embora sintética,
desenvolvida de forma contínua e^ não fracionada
em unidades anuais e, finalmente, a própria e ver-
dadeira narrativa analística da segunda metade do
século IV a.C., mais extensa e detalhada à medida
que se aproximava da época do autor que a com-
punha. Portanto, o esquema tripartido foi conse-
qüência de uma situação documentária, foi um mé-
todo de composição que,^ enfim, também se^ trans-
formou na idéia que os romanos tinham da própria
história, como 'Iito^ Lívio evidencia no Prefácio:r
o assunto é exposto primeiramente^ em um sumá-
rio de primae origines, a lenda anterior à funda-
(l) (^) Pref. 4: Estou seguro que a maioria dos leitores pouco gostarão (^) do relato das origens e dos acontecimentos que vêm imediatamente depois e terão pressa de chegar à época em que as forças de um povo tentaram se destnir (...legen- rium plerisque (^) haud dubito quin primae (^) origines proxima- que originibus minus praebitura uoluptatis sint, (^) festinanti- bus ad haec noua quibus iam pridem praeualentis populi uires (^) se ipsae conficiunt.).
ção e^ à^ própria fundação;^ proxima originibus,^ as
épocas imediatamente sucessivas, a monarquia;
haec noua, a^ época^ da^ ascensão de^ Roma, o per-
curso histórico de fato.
A analística silana ou pós-silana assumiu, den-
tre os seus cânones, as influências da^ monografia
e dahistoria'. de um lado a necessidade de compre-
ender e isolar episodicamente o passado^ ao^ redor
de eventos particularmente significativos e figuras
importantes, de modo a interpretáJo e descobrir o
significado das vicissitudes precedentes^ e sucessi-
vas (^) - aquele significado que a trama analística, com todas as suas interrupções e a igidez da unidade narrativa anual,talvez impedia de colher (^) - do outro
lado, a necessidade de analisar o presente, de "imer-
gir" no próprio tempo cuja narrativa analística, com
todas as suas minúcias documentárias, com as^ suas
obrigações formais e sua longa segmentação, re-
legava esta análise à parte conclusiva, talvez dei-
xando-a à sombra, como apêndice, a última entre
várias subseqüentes. A^ monografia^ é^ a^ compreen-
são do passado e refere-se a um evento concluído;
as historiae são a busca de uma corespondência
com o presente e referem-se a eventos atuais, a uma
história aberta. Esta é talvez uma definição apro-
priada da obra de Tito Lívio. A grande^ extensão da
obra liviana (142 livros) pode ser o resultado des-
ta integração de técnicas, da presença^ da narrativa
monotemática no interior da elencação anual, a
qual enriqueceu a obra de episódios e de figuras
proeminentes, dilatando-a. Outra impressão é que
tal fusão realizada por^ Tito Lívio,^ com consciência
crítica, tenha sido preparada pela analística silana,
uma analística revista e correta à luz dos novos
gêneros e, em particular de Valerius Antias, o qual
escreveu 75 livros e que^ Lívio utilizou muitíssimo
como fonte, não tanto por consideração, visto que
contesta seus dados sobre o número de inimigos
derrotados, a quantidade de butim etc., mas por uma simpatia para com sua técnica de composição. A impressão é que da analística arcaica arti-
cularam-se, num dado momento, os três gêneros^ e
que a própria historiografia tornou-se, pois, com a
consciência crítica de Tito Lívio, a combinação das
três estruturas (anais,^ história e monografia). Lívio
realizou a fusão entre a técnica monográfica e o
relato contínuo, de ascendência analística. Desta
forma, a historiografia arcaica encontrou a sua
continuação em Lívio. É ele que " r eahza na pr âlica
uma síntese completa da obra dos analistas" (Gri-
mal1994:70).
t3t
CUTRO, L.^ Fontes materiais^ e^ fontes^ escritas: estudo de caso da História de Roma de Tito Lívio. Rev. do Museu rJe
Arqueologia e Etnologia,^ São^ Paulo,^ 9: I27-141, 1999.
tiva que^ conduz ao clímax por meio de sentenças
curtas; considerar também o uso de vocabulário
arcaico e poético^ a fim de tornar a nal'rativa mais dinâmica e o lugar (^) ocupado por (^) Tito Lívio na his- tória da sintaxe latina: "a^ linguagem na qual a história de Tito Lívio é expressa marca uma das
grandes inovações estilísticas que teve papel cru-
cial na sustentação da recém e vibrante prosa lati- na" (Oakley^ 1997: l5l). Jane E. Phillips (1982),^ em seu artigo sobre
os trabalhos publicados entre I 95 9- I 9 7 9, referen-
tes à^ primeira^ década, menciona a obra de R. M. Ogilvie intitulada A commentary on Livy, (^) Books 1-5 (1965),^ da qual abstrai duas questões que di- zem respeito ao viés artístico de Lívio. (^) Segundo ela, "Ogilvie identifica (^) em Tito Lívio dois gran-
des problemas de teor artístico: criar e manter o
interesse dos seus leitores pela época longínqua e
impor uma certa unidade ao material incompleto e
desarticulado de que dispunha. (^) A solução de Lívio
para o primeiro problema, de acordo com Ogilvie,
foi fazer uso do seu alto treino retórico para
recontar os eventos mais distantes numa lingua-
gem que de um lado refletia a política e os debates
da sua época (^) - de modo a conceder relevância con- temporânea ao passado distante (^) - e do outro lado
ressaltava o colorido, o entusiasmo e o apelo ao
épico e ao dramático. A solução do segundo pro- blema foi organizar o material (^) de acordo com os
princípios da construção dramática de modo a ilus-
trar verdades morais" (Phillips L982: (^) 1036). Embora Lívio (^) não traga referências precisas a eventos contemporâneos nos livros I-V (^) - fato que
resolveria a questão da época do início da composi-
ção da^ obra^ -, os^ demais^ livros^ solucionam-na.^ Pro-
vavelmente deve ter sido iniciada em 27 a.C., pois
menciona o título de Augusto of'erecido a Otaviano
(IV, (^) 20,1) e o segundo fechamento (^) do Templo de Jano (I, (^) 19, 3). Com relação aos livros VI-X, teriam
sido compostos próximo do final de 30-25 a.C., pois
faz alusão à conquista final da Espanha, a qual teria
ocorrido entre 26-25 a.C. (XXV[I, 12, (^) 2), mencio-
na a paz e a concórdia do regime de Augusto (IX,
19, (^) l7) e declara ter ouvido deste último (^) o relato
referente ao caso dos (^) spolia opimø (IY,20, (^) 5-11),
datável de 28-27 a.C.
Propósito da obra
É interessante notar que a análise (^) acerca do
propósito da obra leva ao exame de outras ques-
tões diretamente ligadas a esta primeira, tais co-
mo: a concepção de história de Lívio, a (^) natureza e
o grau de relação entre ele e Augusto e o efeito
disto na obra, a maneira pela qual concebeu sua
informação e o seu trabalho de historiador.
Já desde o Prefácio, Tito Lívio explicita (^) o seu
conceito de história e o associa ao de memória.
ao conceito de verdade e como fornecedora de
exemplos. Nele, (^) declara que não se propunha fazer (^) tma crítica históri ca aceÍca dos fatos, mas alcançar um fim de (^) edificação molal ilustrando
as virtudes do povo romano a partir de um enfo-
que recorrente na historiografia (^) latina: relatar a história desde (^) os irtícios (^) da cidade (Pref., (^) l), não a iniciando a partir do ponto que outro (^) autor a encerrou (^) - como fizeram Tucídites e Xenofonte
- e^ com^ o^ objetivo^ de^ exaltar^ e^ justificar^ a^ proe- minência romana (Pref., 3) manifesta desde as origens (^) - mesmo que lendárias (^) - da cidade
(Pref., 4).
Sua concepção de história está atrelada à de
memória, ou seja, lembrar aos mais altos feitos do
primeiro povo do mundo,3 preocupando-se com a
verdade,a embora esta pareça ser relativa, uma vez
que não afirma e nem contesta os acontecimentos
mais longínquos (Pref., 6). Tito Lívio justifica^ esta
atitude com o fato de que é concedida aos antigos
a permissão^ de imiscuir o divino às ações huma-
nas com a finalidade de tornar a origem da cidade
mais venerável (Pref., 7). No entanto, o que real-
mente importa para justificar^ a grandeza do impé-
lio é a (^) vida e os costumes de outrora, os grandes
homens e a política interna e externa (Pref., 9), ou
seja, Lívio ao mesmo tempo que (^) relata a história
de Roma desde as origens, o faz para que os feitos
sejam lembrados e para que sirvam de exemplo a
(3) Pref., 3: Seja como for, eu me sentiria feliz em dar
minha (^) contribuiç-ao para relembrar os mais altos feitos do
primeiro povo do mundo (Utcumque erit, iuuabit tamen
rerum gestarum memoriae princips terra.rum populi...). (4) Pref., 5: Quanto a mim, uma das recompensas que bus- co em meu trabalho é encontrar, enquanto estiver escre- vendo sobre a antigüidade, um esquecimento (^) dos males que durante tantos anos afligiram nossa época, e não ser obrigado àquelas precauções que costumam desviar o his- toriador da verdade. (...ego^ contra hoc quoque laboris praemium petam, ut me a conspectu malorum quae noslrcl tot per ûnnos uidit aetas, tantisper certe dum prisca illa
lolo menl? repelo, aucrldm, omnis expers curac quoe
scribentis animum, etsí non flectere a uero. sollicitum
tamen efficere posset).
Museu de do Rev. Tito Lívio. Roma de cle História da caso de escrìtas: estudo fontes e materiais Fontes L. CUTRO,
127-141,1999. 9: Paulo, São Etnologia, e Arqueologia
forma, Walsh con- situações posteriores.5 De certa
adotada história de concepção a esta ser corda em
fun- não estava quando afirma que "ele Lívio por
da exata minúcia damentalmente interessado na
histó- processo evolução do pesquisa e sequer na
de o campo é história a Lívio, Para impessoal. rico
comunida- a abastece qual a costumes, dos batalha
lições" (Walsh 1974:34-35). de indivíduos os e de
Lívio cri- Prefácio, o compõe época em que Na
de do método de trabalho indícios e fornece tica
uns outros historiadores, embora não os nomeie:
segura, uma documentação mais a e atëm-se lrazem
inépcia a literário talento seu com outÍos repassam
Le- .,2). antigos (Pref historiadores mais outros de
época a observação e esta vando em consideração
as composta, pode-se constatar que aobraé em que
tempo mesmo ao Lívio, morais de considerações
presente,6 ou^ o^ criticam passado, embelezam o que
na vigorava presente na obra é a que moral a seja,
Roma a contraste entre o iniciou: a que época em
ar- awritia a e ambitio a que a e outrora de viftuosa
desde preparadas quais, as ruína, à riscavam levá-la
força tomaram a .C, II século do terço primeiro o
estabelecimento o e César de assassinato o entre
Prefá- do alta qualidade A principado. do definitivo
Tite- obra Ruch na M. por também é apontada cio
Préface Ia sur de vue Romaine: Points Histoire Live,
"além qual a segundo^ - (1982) Phillips citado por^ -
historiogra- da combinação a Prefácio enfatizar de o
sen- oratória com o dos cânones da e fia tradicional
função e a história a sobre Lívio pessoal de timento
combinação^ também a enflafiza historiografia, da
inici- relutância a no Prefácio, que sugestão, a com
pelo superada foi tarefa a empreender em Lívio al de
tera- efeitos nos confiança sua glória e desejo de seu
1982: l0O2). história" (Phillips escrever de pêuticos
e saudável de oferece história a que O 10-11: (^) (5) Pref.,
que^ de toda espécie instrutivos fecundo são os exemplos
teu para se encontram Nela obra. da luz se descobrem à
país, modelos a seguir... nenhuma outra^ teu^ de^ e benefício
em bons exemplos. (I1oc rica mais maior, nem foi nação
ac cognilione rerum salubre in praecipue est illud
posita iLustri in documenta exempli le omnis^ frugiferum,
rei publicae quod tuaeque tibi inde intueri; monumenlo
maior nec publica res unquam nulla aut capias... imitere
fuit). ditior exemplis bonis nec sanctior nec
acar- disciplina da insensível relaxamento O (^) (6) Pref., 9:
decadência sua dos costumes, depois (^) retou o relaxamento
nos- de brusca à queda levou-os vez mais acentuada cad,a
pare- remédios nos seus corrupção e a dias, nos quais sos
insuportáveis. cem
t
I, (como em ao passado faz qve Nas alusões
problemática do insere-se a exemplo), por 7, 10,
efeito o e Augusto e Lívio relação entre de grau
a época em é notória qùe vez disto na obra, uma
for- indícios os com de acordo composta, foi que
mencio- é [Y,20,7 autor (em pelo próprio necidos
Otaviano no a Augusto oferecido de título nado o
de Templo segundo fechamento do o e C. a. 27 ano
nasci- seu do data provável a e l,19,3), Jano em
melhor, viven- ou d.C.), 17 - a.C. (59 mofte e mento
a o período Augustano enquanto compunha ciou
obra.
e Augusto e Lívio relação entre da respeito A
verten- duas do principado, existem ideologia da
propa- e porta-voz fiel um Lívio de faz tes: uma
ideológico do principado, do "slogan" gandista
regi- do nostálgico como um o vê outra a enquanto
regi- novo do opositor secreto um e republicano me
nova a obra polêmicas contra sua em inserindo me,
antiga liberdade. a supressão da contra e política
pois enxerga última, esta Walsh concorda com
por ex- "tradicionalista republicano como um Lívio
tal apoiando-se para 7), 1974: celência" (Walsh
classi- o 34) IV, Tácito (Anais, que de na hipótese
lou- generoso em e Pompeu a fica como simpático
demonstraria opinião que o Cássio, e Bruto var
augustano. Syme defende regime ao própria frente
os amigos e aliados dentre recrutou "Augusto que
ocupavam e viviam ainda muitos adversários, pois
dos apoio e o consenso sem importantes, posições
tornou possível que o poderia governar, quais não
Pompeiar?¿ls sem comoum escrever Lívio Tito para
(Syme^ por Augusto" medo de ser repreendido
citado, Walsh ex- já do argumento Além 1988: 56).
pessi- ser Prefácio o de fato o põe outros, tais como
moral da ressurgimento imediato quanto ao mista
na refletida Lívio de política a atitude (Pref., 9),
retorno o sugerir ordens das conflito do avaliação
ll;^ ^ ; 1 , 9 (II, República da senatorial governo ao
Au- a referências as de o fato e 5) 20, tV, e 29,8 IlI,
e apologéticas não respeitosas mas serem gusto
não "Lívio Walsh, segundo adulatórias. Portanto,
serviço seu meu) (grilo empresta conscientemente
augustano" regime consolidação do à escritor de
(Walsh 1974:6).
sem maio- afirma, Lasserre lado, outro Por
Tito Augusto, de "na corte res explicações, que
idéias em voga, idéias das influência a sofre Lívio
contribuem quais as encorajava, príncipe o que
obra" de sua caráter o e vocação sua determinar para
citado^ - P. Fedeli Segundo IV). (Lasserre s.d.:
de Rev. do Museu Lívio. Tito de Roma de História da caso de escritas: estudo fontes e Fontes mate¡iais L. CUTRO,
127-141,1999. 9: São Paulo, Etnologia, e Arqueologia
Tito somente que não significa fato "este Luce,
mas única fonte, uma de fiel espelho um é Lívio
perspicácia possuía (^) que ele não desde^ - também
problemas que eram ine- os crítìca para resolver
que ele era^ - delas várias de combinação à rentes
e, fontes as diferenças entre das fiel espelho um
efe- foi (^) conseqüentemente, também do ponto onde
XXII). a" (1993: outr a uma para de mudança a tivada
(s.d.) concluem com^ Lasserre^ e Bayet (1947)
dos problema mesmo o diferentes vistas de pontos
: (1947 et Bay historiográficos livianos. métodos
avan- que medida à nota uma evolução XLI-XLIII)
início de crítica, narrativa, pois vê nela uma ça a
de caso citá-las em necessitando fontes, às lenta,
ao passo que eX,26,5-7), (X,5,14 divergência
Tito de método o XXXIII), (s.d.: para Lasserre
passagens que em certas vez uma incerto, é Lívio
indife- em outras uma e espírito crítico mostra um
principalmente porque rente procura pela verdade,
con- se quando encontrava indicações divergentes,
dis- nem e uma escolher sem indicá-las, tentava em
Lasserre baseia- tal opinião, apoiar Para cuti-las.
Bayet. por usadas passagens mesmas se nas
básica estrutura a pôde ter organizado Lívio
conhecimento próprlo seu do partir a livros dos
detalha- RoÍna sem a inspeção de história da geral
configura- a para alguma fonte. Entretanto, da de
namativa, da minúcias pequenas porções ou de^ ção
escritores mais an- de trabalho do conhecimento o
tigos foi.necessário.
utiliz,adas Fonte.s
nos Lívio por nomeadas fontes às Com relação
(Yll, Liciniu,ç Macer destacam-se X, ao Vl livros
10-12), X,9, e lX, 46,2-3 l6; 38, 9,3-5; IX,
l3; 19, VIII, (Y1,42,5-6;^ Claudiu:; Quadrigariu,^
30, lll, (Y r tu ic P iul; Fab 6), I 3- | 3'1, eX, 2-5 5, lX,
44, (lX, Pi,ro Calpurniu.s 6), Lucius I 3- I^ , X,31 e 9
10-12), (X,9, Tubero 10-12), Aeliu.s 9, X, e 3
citado Valeriu,t Antia,r, nunca e 3, 7) (VIl, Cinciu,s
VI-X. livros nos Tito Lívio explìcitamente por
e uln antiquário, era Cinciu:; âpenas estes, Dentre
chamada tradição à pertencentes dcmais, todos os
retirava que depreendendo-se analística romana,
na- à material. Devido seu inteìramcnte dali quasc
chega- que destes tureza lì'agmentária das obras
duas pas- atribuir l'oi possível^ , atualidade à ató lam
Clautliu:; a pol'Tito Lívio, sagens, não norneadas
9, (Vll, Pisr,, Luciu:; Calpurniu:; e^ Quatlri¡4ariu:;
respcctivarncntc). l-l5i 46, IX, c ó-
é analistas dos que possuímos fragmentos Os
di- compreendem e fragmentos) 6l de amplo (cerca
reli- vida aspectos da principalmente temas, versos
simples- são vezes às que rituais celebrações, giosa:
detalha- e vezes extensos às mente mencionados e
dos; descrições de lugares consagrados, desconsa-
de sobre construção notícias saqueados; ou grados
cul- vida relatadas regras da são imagens; e templos
co- de instruções e prescrições de tual, com elencos
a al- conferida atenção consider'ável é Uma légios.
pafticulares: sacrifícios propiciató- guns episódios
direta suscitavam ligação que rios, práticas mágicas
prodí- vários e presságios sonhos, divindade, a com
personagens eminentes ou^ a gios, sempre atrelados
das guerras. cruciais momentos a
iriforma- as obteve Lívio Tito Constatado que
cores- que o^ - a.C. entre 389-293 período do^ ções
analistas, dos antigos^ - X ao VI livros ponde aos
analística tradição da estudo o imprescindível toma-se
conf,rabilidade em a como pré-requisito para avaliar
conside- primeira A historiador. como trabalho seu
preservada qua[¡foi a maneira pela discutir ração é
pelos^ usada^ informação verídica a historiografia) (na
uti- que fontes as nestes identificat analistas, ou seja,
Lívio. a chegaram estas como e lizaram
através preselada sido tel pode tradição oral A
Guel'- às com relação Pictor, principalmente Fabiu.s de
Histó- sta escleveu e viveu que vez uma^ - Púnicas ras
os p¿u'a e^ - C. a. II no século grego) de Romn (em ria
lendár-ia das recuados, dada a naturcza mais peíodos
lomanas. muitas instituições de e reinados dos odgens, ^
foraln provavelmente Pontifícias Tábuas As
plo- de þelo fato analistas dos base de o material
(anu- clonológica uma estrutura hes porcionarem-l
como religiosos de eventos tanto^ - e factual al)
magistra- o nome dos registralem por e^ - políticos
leco- Tito Lívio Neste aspecto, exercício. dos em
VIII,^ ; (^) (VI, l,l material deste importância (^) nhece a
poderianr Natulalmente 8-9). 8, XXVII, e l2 l- I 18,
impro- lnas é ou falsificadas, adulteradas sido tel
portanto, fio, a pol'anos (^) o tenham sido que vável
con- estar acrcdita se que confiável um material são
fàctual da nan'ativa liviana. na infol'mação tido
(livlos^ /irrlei 1iári nos Pontifícias, Tírbuas das Além
os anu¿rlllente registrados elarn tarnbém linho) de
cit¿t- estes siro porénr, exercício, rnagistlados em
lY,13,1; (lV,7,ll-12: livro IV no apenas dos
pol^ usados lblarr l).Tl,lvez IV,23, e lV,20,
a.C. 389 a período antel'ior o para Muccr Licinitt,s
incer- dada a Ronra) err gaulês do incêndio (data
épocn. esta para Pontifícias teza das T¿íbuas
t
CUTRO, L.^ Fontes^ materiais^ e fontes escritas: estudo de caso da História de Roma de Tito Lívio. Rev. do Museu de
Arqueologia e'Etnologia,^ São Pâulo,^ 9:127-'147, 1999.
Os arquivos familiares podem ter provido os
analistas de muitas informações mas trazem o pro-
blema da adulteração. (^) A disputa por prestígio e
honras políticas^ entre a elite pode ter levado as fa-
mílias mais ilustres a enaltecer um antepassado
com o^ propósito^ de legitimarem seu prestígio. En-
tretanto, o fato de Lívio (^) comentar a discordância
entre as^ fontes leva a crer que isto não afetou subs-
tancialmente o período considerado (VIII, (^) 40, 4- e XXIX, 25, 2). Não se pode perder de vista tam-
bém o fato de que o primeiro historiador de Roma
ser um Fabius (Pictor), uma das mais influentes e
importantes gens (Fabii) do período Republicano
(VIII, (^) 30, 9 eX,9,11-13). (^) No entanto, contra esre
problema, os escritores da época tinham outras
fontes que possibilitavam a comparação entre as
informações (Tábuas Pontifícias, Fastos Triunfais
e inscrições) e, conseqüentemente, (^) o questiona-
mento dos registros familiares. Isto leva a crer que
"ainda que haja boas evidências paranáo confiar
nos relatos familiares, nãohârazão para acreditar
que isto destrua totalmente a credibilidade do re-
gistro de Tito Lívio para os anos 389-293 a.C."
(Oakley 1997:33), uma vez que este comenta a dis-
cordância entre as fontes (VI[, (^) 40,4-5).
Quanto às^ inscrições^ que datassem^ do século
IV a. C. (período que (^) engloba os livros VI-X), difi-
cilmente os analistas tiveram acesso aos originais
devido à destruição causada pelo saque e incêndio
gaulês, atendo-se a cópias mais ou menos apura-
das (VII, (^) 3, 7). Estátuas, monumentos e localida-
des foram referências muito usadas pela tradição
analística e por Tito Lívio para (^) confirmarem suas narrativas (VIII, (^) 19, 4), mas também (^) é difícil que
tivessem sobrevivido até aépocaem que os roma-
nos escreveram sobre sua história. O que pode ter
ocorrido é que monumentos cujo significado era
incerto ou que se referiam a heróis que o tempo
lornou lendários, levaram as gerações posteriores
a pensar que eram produtos genuínos de épocas
mais antigas (VII,^ 6, 5; (^) VIII, 14,12 e VIII, 15, 8).
"Numa completa subversão dos fatos, estes torna-
vam-se os documentos que garantiam a historicida-
de ou a credibilidade das lendas ou das histórias
que se arraigavam" (Oakley 1997:36).
Com relação às fontes gregas, é notório que
no século IV a.C. a historiografia grega florescia e
que provavelmente os analistas romanos tiveram
acesso a crônicas locais, principalmente da Mag-
na Grécia. (^) A influência destas deve ter sido maior
para o período d,arcaleza (dada a escassez de ma-
terial) e menor nos livros (^) VI-X, com exceção do
episódio do assalto romano a Neápolis em 327 -
a. C. (YilL,7,26).
Outro aspecto a ser considerado, diz respeito
à análise interna das fontes para, desta forma, ava-
liar a extensão das mesmas na tradição analística e
demonstrar que as informações sobreviveram com
uma certa abundância e, portanto, provar que o
perfil (^) da narrativa liviana é bem fundamentado.
É possível perceber que, embora Lívio afirme
que suas evidências são mais seguras, a partir do
livro VI8 a quantidade (^) e a qualidade (^) das informa-
ções aumenta^ conforme^ a^ progressão^ da^ narrativa.
Além disso, é preciso levar em consideração que
Tito Lívio era seletivo nas suas informações, re-
portando o que lhe era útil.
Nada induz mais otimismo que as poucas con-
trovérsias (Vtr, (^) 18, 10 e VItr, 22, l) (^) a respeito (^) dos côn-sules em exercício para os anos do século IV
a.C. A unanimidade das fontes é devida à existên-
cia dos registros oficiais (Tábuas Pontifícias, Fastos
Triunfais e Fastos Capitolinos). O fato de que mui-
tas vezes somos informados do dia em que os côn-
sules assumiram (VIII, (^) 20, 3) confirma a hipótese
que a informação constava em registlos oficiais.
O mesmo ocorria com os ditadores, existindo pou-
cas controvérsias (IX, 28,2-8 (^) e LX,29,3). Com
lelação aos comandantes das cavalarias, constata-
se que poucos não obtiveram o consulado ou a di-
tadura, ö que induz a pensar que teria sido um calgo
atribuído a determinados indivíduos para enobre-
cer sua família. Entretanto, segundo Oakley, "a ple-
sença de plebeus entre eles é uma gar.antia da auten- ticidade (^) da lista dos magistri equitum" (1997 (^) 45)
(8) (^) VI, I, l-3: Em cinco livros expus os f'eitos realizados pelo povo romano (^) desde a fundação de Rolna até sua (^) con- quista, história que abrange prirreiro o domínio dos reis
e, em seguida, o dos cônsules, dos ditadores. dos
decênviros e dos tribunos (^) consulares. Relatei as guerr.as no exterior e as discórdias (^) civis. É unra história tlenrasi- ado (^) obscura, etn parte por sua antigi.iidade, que a torna semelhante aos objetos difíceis (^) de perceber (^) a gr.ande dis- tância, ern parte pela insuficiênci¿ (^) e raridade de docu-
rnentos escritos na época, única testemunha fiel dos fei-
tos passados, urìa vez que (^) até os doculnentos registrados
nos cornentários dos pontífices e outros lììotìuulentos
públicos e privados foranr na nuiol palte dcstruídos no
incêndio da cidade. A partir deste ponto, r'elatitre i coln
maior (^) clarcza e segurança os acolrtecilrrcntos ocortidos após o rcssurgitnento (^) da cidade que, por assirn dizct., nas- ceu novamente corn urais vigol e tècundidade.
t
CUTRO, L' Fontes mateliais e fontes escritas: estudo de caso da Histórìa cle Rona de Tito Lívio. Rev.
clo Museu tle Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 9:127_141.1999.
econômica. t0^ Na (^) sua l.econstr.ução (^) imaginária, Tito
Lívio e suas fontes parecem não ter tido uma clara
compreensão de como a Roma (^) do século V e IV
a.C. era difelente da Roma do final da República.
Desta fot'ma, tl.anspuseram fatos da história mais
lecente para estes séculos. Há l.azões par.a justifi_
cal'este erro devido à similar.idade de alguns temas
políticos durante o início e o fim da República (em
ambas as épocas Roma era agrárta, existil.am con-
flitos entre ricos e pobres, a arjstocr.acia tentava man_
ter a exclusividade de alguns cargos e os demais
grupos tentavam quebrar este monopólio, além de
famílias podelosas que mantivel.am seu prestígio
pol gerações (^) - Aemili, Fabii, Valerii, por exemplo -, o que^ podelia^ ter^ feito^ com que^ os analistas con_
fundissem as ações dos membr-os destas famílias
em diferentes per'íodos) e devido ao forte tom moral
inelente à tradição historiográfica romana
sejo de ensinar lições por meio dos exempla.
Além disso, outra questão crucial no estudo da
tradição analística é verificar.o quão longe os ana_
Iistas distorcelam e perverteram deliber.adamente
a verdade em plol de intenções nacionais (^) ou políti_
co-partidárias. Para tal, faz-se necessária a análise
das (^) fontes de Tito Lívio em separ-ado, enfocando
os problemas que estas apresentam.
Embora Lívio não tenha cita do Valerius Antias
nos livros VI-X, (^) não significa que não o usou. É
mencionado umAntias em pleno contexto da Guer-
ra contra Aníbal (XXIII, (^) 34,9), o que (^) leva a crer que
Valerius Antias tenha inventado um ancestral para
enaltecer (^) sua família. (^) Repetidamente (^) Lívio revela que Antias "aumentava" (^) o númer.o de inimigos (III, 5,12-13; (^) XXXIII, 10, 8; (^) XXXIII,36,13; XXXVI, 38, 6 e XXXVII, (^) 60, 6), o núrner.o (^) de homens sob o comando (^) de um pretor (XXXIX, (^) 41,5) e a quan_ tia de dinheiro (^) de um triunfo (XLV, 40, 1-2 eXLy,
43, 8), mas o exemplo mais ultrajante encontra-se
em XXVI, 49, 1-2.tt Inventou batalhas (^) com vi-
tóriæromanas()o(X, (^) 19, 11;)OO( 24,7 (^) IXXXI,6,
5-8), documentos (os livros de Numa, nos quais dá
mais detalhes que seus predecessores), seu sensa-
cionalismo levou-o a inventar rumoles da captura
de Lívio e Públio Cipião e uma gr.ande der.r.ota ro-
mana (XXXV[,48,1-1) (^) e, usualmente, (^) exaltou a po-
sição proeminente dos Valerii em suas fontes (II,
30, 5 ; VIII, 32, 1-38; VII, 38, 4-42 e yI[,9,^ 4).,,Ain-
da que os estudiosos dos primeir-os livros de Tito
Lívio possam sossegal do fato que este estava cien-
te das faltas de Antias, não podemos estar certos
de que ele sempre (^) tomou a devida precaução (^) ao usá-
lo. Mas ainda que as cenas de batalhas e as notícias
alquivais fossem ambas vulner.áveis às mentiras
plausíveis de Antias,é um consolo que poucas das
discordâncias citadas por.Lívio tocam o que pode_
mos chamal de 'alma' (^) da sua narrativa,, (Oakl (^) ey 1997:
9 I -2). Quanto a Lic ini us M ac e r, Lív io está conven-
cido de que inventou (^) uma carreira p (^) an Gneus Fla_ vius (1X,46,3), umacenaeleitoral (^) envolvendo (^) F. RuI_ Iianus (X,9,^ l0) (^) e certamente acentuou (^) as tendên- cias pró-plebeias (^) da família (^) dos Licinii (VII, (^) 9, 3-5). Claudius (^) Quadrigarius foi capaz (^) de super.ar.
Antias nainvenção de dados numél-icos e acl.editou
no historiadol' glego (^) Acilius com relação (^) ao fato de que Cipião falou com Aníbal (^) em Éfeso (XXXV,
14, 5-12). Entretanto, a confrontação com algu-
mas inscriçòes no Capitólio sugerem. que malgl.ado
sua falha no assunto das altas cifras, a qualidade
do seu trabalho (^) ela superior ao de (^) Antias (XXy, 39, 12-17 (^) e XXXIII, 36,13).
Fabius Picfor foi o primeiro historiador. r.oma-
no a escrever, pol volta de 200 a.C., uma narrativa
de fot'ma continua. Acr.edita-se que obteve o mâte-
rial pala empreender tal tarefa da tr.adição or.al, fato
que explicaria a presença de episódios lendários na
história romana, plincipalmente a respeito da ori_
gem da cidade, conforme citado anteriol.mente.
(10) (^) Os terrnos que surgetn e dizern respeito a monlentos específicos do (^) final da República (^) são os seguintes: popa_ lare,s (Yl,^ 11,7); optinates (VI, (^) 39, 6) e (^) hontines novi (VII, (^) 1, l; VII, 15, l3; [X,26, (^) 11) (l (^) l) XXVI, 49,1-2: Cipüo convocou então os reféns das cidades da Espanha; quanto a seu número, (^) hesito em escrevê-lo, pois hora encontro que eram h.ezentos, (^) ora três rnil sgtecentos (^) e vinte e quatr.o Também eln outr.os pontos discordam (^) os autores. (^) Afir.ma um que a guarnição (^) púnica contava dez (^) mil homens, outro (^) sete mil, outro ainda dois
tnil no máximo; para ao prisioneiros, dão as cifi.as de dez
Conclusão
Segundo Oakley, "os estudiosos da obra têm
adotado grande variedade (^) de posicionamentos (^) para
ou vinte e cinco mil; para os "escorpiões', grandes e pe_
quenos, eu escLeveria (^) que se tomaram cerca de sessenta se seguisse (^) o historiador grego Sileno, se seguisse (^) Valério
Ancias seis mii gr.andes e treze mil pequenos A tat ponto
a mentira não conhece (^) lilnites!
de do Museu Rev. Lívio. Tito de Roma de História da caso de escritas: estudo materiais e fontes Fontes L. CUTRO,
127-I41,1999. 9: Paulo, São Etnologia, e Arqueologia
desde narrativa liviana, da credibilidade a analisar
moda em credibilidade à Beloch de hipercr'ítica a
00). I 997: I (Oakley Itâlia'r' na atualmente
o distinguir há medida para não Entretanto,
pode^ se que O Lívio. Tito em falso do verdadeiro
prevaleceu que^ o análise é que desta depreender
dos detalhes muitos de deturpação da e analística da
resultado ser o podem VI-X Livros nos narrativos
menos plausíveis. "Feitos mais ou de invenções
tampouco verídicos, nem necessariamente não
consideração falsos, porém cuja necessariamente
caso" (Heur- cada em valor seu particular revelará
subs- todavia, uma porção 1982: 283-284.) gon
na contida está de informações verídicas tancial
a narrativa rotular Ou melhor, liviana. narrativa
um constitui de ser totalmente fantasiosa liviana
indivi- uma avaliação e (^) exame cuidadoso Um erro.
de uma teoria vez em^ - (^) dualizada dos episódios
a contra ou favor a decidir para útil mais é - geral
relatado. é que exatidão do
docu- a demonstròu que de caso Este estudo
a problemas tal como apresenta textual mentação
embora -, não mais se - material documentação
diferente. de natureza problemas sejam
clo Rev. History. Roman Livy's of study case sources: written (^) sources and Material L. curRo,
1999. 12j-141, 9: São Paulo, Etnologia, e Arqueologia de Museu
interpretation question of the between parallel a article draws This ABSTRACT:
Livy's of an analysis from ones, writtten the of (^) and that sources material the of
pro- less though seemingly ones, that the latter demonstrate to , History" Roman "
their to (^) problems due interpretation to (^) give rise immediate, more and blematic
distortion. and manipulation
History. Roman^ - Livy^ - Sources UNITERMS:
Fonte
Bayet Jean par Introduction Romaine. I/istoire TITE-LIVE.
Lettres, Belles Paris: Les Baillet. (^) traduction par Gaston et
I. I, Liv¡e Tome 194'7.
et Introduction, traduction Romaine. Hisîoire TITE-LIVE.
966, Tome I Lettres Bayet. Paris: Les Belles notes par Jean
VI, Livre VI.
notes par (^) Introduction et Romaine. (^) TITE-LIVE. Histoire
Les Parjs: Bloch. (^) Bayet. Traduction par Raymond Jean
VII. Livre VII, Tome 1968, Belles Lettres.
et Introduction, traduction Romaine. Histoire TITE-LIVE.
Belles Les (^) Ch. Guittard. Paris: et Bloch Raymond notes par
VIII. Livre VIII, Tome 1987, Lettres.
Syme. Ronatd di Roma. Saggio di Storia LIVIO. TITO
Mario di (^) Claudio Moreschini. Traduzione di Note
19gg, Rizzoli. Universale Milano: Biblioteca Scándola.
I-II). primo (Libri Volume
Syme. Ronald di Roma. Saggio di Storia LIVIO. TITO
Mario di Claudio Moreschini. 'fraduzione di Note
1989, Rizzoli. Universale Milano: Biblioteca Scándola.
V-VII). (Libri Volume terzo
Syme. Ronald di Roma. Saggio di Storia LIVIO. TITO
repertorio di e Traduzione Claudio Moreschini. di Note
Rizzoli. Universale (^) Milano: Biblioteca Scándola. Mario
X). VIII- (Libri quarto Volume 1989,
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