Baixe Colonização portuguesa e espanhola: comparação e impacto na formação das Américas e outras Resumos em PDF para Literatura Brasileira, somente na Docsity!
FICHAMENTO RAÍZES DO
BRASIL- O SEMEADOR E O
LADRILHADOR
Giulia Velhote e Sophia Marques
- Em nosso próprio continente a colonização espanhola caracterizou-se largamente pelo que faltou à portuguesa: por uma aplicação insistente em assegurar o predomínio militar, econômico e político da metrópole sobre as terras conquistadas, mediante a criação de grandes núcleos de povoação estáveis e bem ordenados.
- Já à primeira vista, o próprio traçado dos centros urbanos na América espanhola denuncia o esforço determinado de vencer e retificar a fantasia caprichosa da paisagem agreste: é um ato definido da vontade humana. - Na procura do lugar que se fosse povoar cumpria, antes de tudo, verificar com cuidado as regiões mais saudáveis, pela abundância de homens velhos e moços, de boa compleição, disposição e cor, e sem enfermidades; de animais sãos e de competente tamanho, de frutos e mantimentos sadios; onde não houvesse coisas peçonhentas e nocivas; de boa e feliz constelação; o céu claro e benigno, o ar puro e suave.
- A forma da praça seria a de um quadrilátero, cuja largura correspondesse pelo menos a dois terços do comprimento, de modo que, em dias de festa, nelas pudessem correr cavalos. Em tamanho, seria proporcional ao número de vizinhos e, tendo-se em conta que as povoações podem aumentar, não mediria menos de duzentos pés de largura por trezentos de comprimento, nem mais de oitocentos pés de comprido por 532 de largo; a mediana e boa proporção seria a de seiscentos pés de comprido por quatrocentos de largo.
- Os portugueses, esses criavam todas as dificuldades às entradas terra adentro, receosos de que com isso se despovoasse a marinha. - “Estes foram os motivos de antepor a povoação da costa à do sertão; e porque também previu que nunca, ou muito tarde, se havia de povoar bem a marinha, repartindo-se os colonos, dificultou a entrada do campo, reservando-a para o tempo futuro, quando estivesse cheia e bem cultivada a terra mais vizinha aos portos”.
- A influência dessa colonização litorânea, que praticavam, de preferência, os portugueses, ainda persiste até aos nossos dias. Quando hoje se fala em “ interior” , pensa-se, como no século xvi, em região escassamente povoada e apenas atingida pela cultura urbana. - A expansão dos pioneers paulistas não tinha suas raízes do outro lado do oceano, podia dispensar o estímulo da metrópole e fazia-se frequentemente contra a vontade e contra os interesses imediatos desta. Mas ainda esses audaciosos caçadores de índios, farejadores e exploradores de riqueza, foram, antes do mais, puros aventureiros — só quando as circunstâncias o forçavam é que se faziam colonos.
- …ouro que, no dizer de um cronista do tempo, “ passa em pó e em moeda para os reinos estranhos; e a menor parte é a que fica em Portugal e nas cidades do Brasil, salvo o que se gasta em cordões, arrecadas e outros brincos, dos quais se vem hoje carregadas as mulatas de máo viver, muito mais que as senhoras”. - Então, e só então, é que Portugal delibera intervir mais energicamente nos negócios de sua possessão ultramarina, mas para usar de uma energia puramente repressiva, policial, e menos dirigida a edificar alguma coisa de permanente do que a absorver tudo quanto lhe fosse de imediato proveito.
- A circunstância do descobrimento das minas, sobretudo das minas de diamantes, foi, pois, o que determinou finalmente Portugal a pôr um pouco mais de ordem em sua colônia, ordem mantida com artifício pela tirania dos que se interessavam em ter mobilizadas todas as forças econômicas do país para lhe desfrutarem, sem maior trabalho, os benefícios. - Em mais de um ponto, os maiores núcleos de população centro-americanos acham-se até hoje isolados da costa oriental por uma barreira de florestas virgens quase impenetráveis.
- A facilidade das comunicações por via marítima e, à falta desta, por via fluvial, tão menosprezada pelos castelhanos, constituiu pode-se dizer que o fundamento do esforço colonizador de Portugal.
- Aos estrangeiros era permitido, além disso, percorrerem as costas brasileiras na qualidade de mercadores, desde que se obrigassem a pagar 10% do valor das suas mercadorias, como imposto de importação, e desde que não traficassem com os indígenas.
- Pouco importa aos nossos colonizadores que seja frouxa e insegura a disciplina fora daquilo em que os freios podem melhor aproveitar, e imediatamente, aos seus interesses terrenos. - Na própria Bahia, o maior centro urbano da colônia, um viajante do princípio do século xvm notava que as casas se achavam dispostas segundo o capricho dos moradores. Tudo ali era irregular, de modo que a praça principal, onde se erguia o Palácio dos Vice-Reis, parecia estar só por acaso no seu lugar.
- Seja como for, o traçado geométrico jamais pôde alcançar, entre nós, a importância que veio a ter em terras da Coroa de Castela: não raro o desenvolvimento ulterior dos centros urbanos repeliu aqui esse esquema inicial para obedecer antes às sugestões topográficas. - Preferiam agir por experiências sucessivas, nem sempre coordenadas umas às outras, a traçar de antemão um plano para segui-lo até ao fim.
- A expansão dos portugueses no mundo representou sobretudo obra de prudência, de juízo discreto, de entendimento “ que experiências fazem repousado”. - O próprio descobrimento do caminho da índia, é notório que o decidiu el-rei contra vontade expressa dos seus conselheiros. A estes parecia imprudente largar-se o certo pelo vago ou problemático.
- Por outro lado, não foi possível consolidarem-se ou cristalizarem-se padrões éticos muito diferentes dos que i já preexistiam para a nobreza, e não se pôde completar a transição que acompanha de ordinário as revoluções burguesas para o predomínio de valores novos. - Nenhuma das “ virtudes econômicas” tradicionalmente ligadas à burguesia pôde, por isso, conquistar bom crédito.
- Com isso se vai perdendo o antigo brio e valor dos lusitanos, pois, conforme ponderou um deles, “ a guerra não se faz com invenções, senão com fortes corações; e nehüa coisa deita mais : a perder os grandes impérios, que a mudança de trajos e de leis”.
- “ E ainda nesse caso será instrutivo o confronto que se pode traçar entre eles e outros povos hispânicos. A fúria centralizadora, codificadora, uniformizadora de Castela, que tem sua expressão mais nítida no gosto dos regulamentos meticulosos – capaz de exercer, conforme já se acentuou, até sobre o traçado das cidades coloniais -, vem de um povo internamente desunido e sob permanente ameaça de desagregação. Povo que precisou lutar, dentro de suas próprias fronteiras peninsulares, com o problema dos aragoneses, o dos catalães, o dos euscaros [bascos] e, não só até 1492, mas até 1611, o dos mouriscos.”
- Holanda compara os métodos portugueses mais flexíveis com o dos espanhóis, mais rígido. Segundo ele, um reflexo dos desafios internos e desunião entre diferentes regiões e grupos étnicos na Península Ibérica.
- “ O amor exasperado à uniformidade e à simetria surge, pois, como um resultado da carência de verdadeira unidade (sobre os castelhanos). Portugal, por esse aspecto, é um país comparativamente sem problemas. Sua unidade política, realizara-a desde o século XIII, antes de qualquer outro Estado europeu moderno, e em virtude da colonização das terras meridionais, libertas enfim do sarraceno, fora-lhe possível alcançar apreciável homogeneidade étnica”
- A organização política e social espânica busca a uniformidade e a simetria, devido à falta de verdadeira unidade dentro da Espanha. Eles buscam criar sistemas centralizados e regulamentos rígidos para garantir que tudo seja uniforme e simétrico. Já Portugal não enfrenta os mesmos problemas. O autor escreve que Portugal alcançou sua unidade política desde o século XIII, antes de muitos outros Estados europeus modernos, e alcançou uma homogeneidade étnica considerável. - "Restava, sem dúvida, uma força suficientemente poderosa e arraigada nos corações para imprimir coesão e sentido espiritual à simples ambição de riquezas. (…) podia o humanista Damião de Góis objetar que os proveitos da mercancia eram necessários para se atenderem às despesas com guerras imprevistas na propagação da fé católica. (...) Mas essa escusa piedosa não impede que, ao menos nas dependências ultramarinas de Portugal, quando não na propria metropole, o catolicismo tenha acompanhado quase sempre o relaxamento usual. Estreitamente sujeita ao poder civil, a Igreja católica, no Brasil em particular, seguiu-lhe também estreitamente as virtudes e circunstâncias.”
- “ A Igreja transformara-se, por esse modo, em simples braço do poder secular, em um departamento da administração leiga ou, conforme dizia ao padre Júlio Maria, em um instrumentum regni. O fato de nossos clérigos se terem distinguido frequentemente como avessos à disciplina social e mesmo ao respeito pela autoridade legal, o célebre ‘liberalismo’ dos eclesiásticos brasileiros de outrora parece relacionar-se largamente com semelhante situação”
- A expressão "instrumentum regni" significa "instrumento do reino". A Igreja no Brasil deixou de ser uma instituição espiritual independente e se tornou um "braço" do poder secular ou do governo, usada para fins políticos e administrativos. O "liberalismo" dos clérigos se refere ao fato de que, frente a intromissão das autoridades na Igreja, a porta se abriu para que membros do clero adotassem uma postura “liberal”, contrária à Igreja. Isso perdurou até depois da época colonial.
- “Pode-se acrescentar que, subordinando indiscriminadamente clérigos e leigos ao mesmo poder por vezes caprichoso e despótico, essa situação estava longe de ser propícia à influência da Igreja e, até certo ponto, das virtudes cristãs na formação da sociedade brasileira. Os maus padres, isto é, negligentes, gananciosos e dissolutos, nunca representaram exceções em nosso meio colonial. E os que pretendessem reagir contra o relaxamento geral dificilmente encontrariam meios para tanto. Destes, a maior parte pensria como o nosso primeiro bispo, que em terra tão nova ‘muito mais coisas se ão de dessimular que castigar”
- A subordinação da Igreja ao poder secular comprometeu sua capacidade de promover a moralidade e os valores cristãos na sociedade. Isso porque as autoridades seculares e religiosas muitas vezes exerciam poder de forma arbitrária e desrespeitavam os princípios cristãos. O “liberalismo” dos padres não era exceção, e aqueles que desejavam reagir contra a imoralidade na Igreja enfrentavam desafios. O modus operandi virou disfarçar os problemas em vez de castigá-los, como expresso pelo bispo.