Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Fato Jurídico: Uma Análise da Teoria e Classificação, Notas de estudo de Direito Civil

Este artigo aborda o conceito de fato jurídico como base para a aplicação da norma jurídica, explorando a teoria e classificação do fato jurídico, com foco na obra de pontes de miranda. O texto discute a importância do elemento volitivo na configuração do ato jurídico e analisa diferentes tipos de atos jurídicos, incluindo atos jurídicos stricto sensu e negócios jurídicos.

Tipologia: Notas de estudo

2023

Compartilhado em 26/09/2024

loise-bolognini
loise-bolognini 🇧🇷

8 documentos

1 / 12

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
FATO JURÍDICO
Edvaldo Sapia Gonçalves
Professor de Direito Civil – Mestrando em Direito Civil
pela Universidade Estadual de Maringá.
RESUMO: O presente artigo trata do fato jurídico como suporte da aplicação
da norma jurídica.
ABSTRACT: The present article deals with the legal fact as bed of the
application of the rule of law.
1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A elaboração de uma Parte Geral do Direito Civil
2
, embora seja
resultado de séculos de experiência do direito
3
, somente começou a partir das
conquistas do racionalismo e do jusnaturalismo dos séculos XVII e XVIII,
atingindo maior desenvolvimento, sobretudo no século XIX, com a Escola
Histórica e a Pandectística alemã
4
.
As principais figuras e conceitos fundamentais da Parte Geral
direito subjetivo, dever jurídico, relação jurídica, fato jurídico, negócio
jurídico, assim como, de invalidade deste (nulidade e anulabilidade são
2
Que a lguns desprezam, como demonstra o seguinte trecho da exposição de motivos do
anteprojeto de Código das Obrigações. Parte Geral (19 41; Comissão elaboradora: Orosimbo
Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães): “A existência da parte geral do
Código Civil resulta de um processo excessivo de técnica que dificulta o ensino e a
apreensão imediata do sentido das normas jurídicas. Na própria Alemanha, que criou o
método, encontra-se ele hoje em certo desfavor. Assim, a redução da parte geral, ou, até, sua
abolição, constitui obra de realismo, sem grand es inconvenientes, dado que os preceitos
inscritos nas varias partes dos Códigos ou no conjunto da legislação, hão de concatenar-se
necessariamente em um sistema geral, sempre qu e possam t er aplicação comum aos diversos
ramos do Direito” in SENADO FEDERAL, Subsecretaria de Edições Técnicas. Código
Civil, Anteprojetos. Vol. I, p. 56.
3
“Quando se trata de direito privado contemporâneo, poucos são os que são dão conta de que
mais de dois mil anos se vem elaborando toda a doutrina de que desfrutamos” – PONTES
DE MIRANDA, in Tratado de Direito Privado, tomo 1, prefácio, p. XVIII.
4
Informa PONTES DE MIRANDA, op. cit, tomo 1, prefácio, p. XX: “À doutrina pandectista
do século XIX deve-se a elaboração da Parte Geral do direito civil a ponto de se haver
imposto, no século XX, às codificações mai s autorizadas, exceto, o que é lamentar-se, à
codificação italiana”.
Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001 20
construções recentes e não eram conhecidas no Direito Romano, pois aos
romanos faltava o grau necessário de abstração para a formação daqueles
conceitos
5
.
Dessa forma, apesar de mais de dois milênios terem sido
necessários para uma maior precisão de linguagem e raciocínio jurídico, a
teoria do fato jurídico é moderna, merecendo maior atenção aos estudiosos
do Direito.
A despeito da brilhante atuação de Pontes de Miranda no
desenvolvimento doutrinário da teoria do fato jurídico no Brasil, nem sempre
foi ela devidamente valorizada ou até mesmo compreendida corretamente.
Veja-se, por exemplo, a transcrição do trecho da exposição de motivos dos
autores do Anteprojeto de Código das Obrigações Parte Geral (1941): “O livro
III da parte geral do nosso Código Civil, inscrito sob a rubrica “Fatos
Jurídicos”, está, por exemplo, intimamente ligado ao direito das obrigações,
projetando raros reflexos sobre as outras partes do Código Civil”.
6
Ora, o FATO JURÍDICO é noção fundamental do direito
7
, objeto
de analise da Parte Geral do Direito Civil, mas que integra o hipersistema da
Teoria Geral do Direito
8
. A utilidade de seu conceito é extensível a qualquer
área da Ciência Jurídica.
2. NORMA E FATO JURÍDICO
É a norma jurídica que define o fato jurídico. É ela que descreve
hipoteticamente o fato (= suporte fático)
9
, entre aqueles do mundo dos fatos,
ao qual pretende dar a qualificação de jurídico. Caso ocorra corretamente o
5
Sobre abstração e o Direito Romano, vide o seguinte artigo de CARLOS DAVID SANTOS
AARÃO REIS: “Direito Romano, abstração e parte geral do Direito Civil”, in: Revista de
Direito Civil, n° 70:29-40, São Paulo.
6
SENADO FEDERAL. Subsecretaria de Edições Técnicas. Código Civil. Anteprojetos. Vol. 1,
p.56.
7
“A noção fundamental do direito é a de fato jurídico”; depois a de relação jurídica; não a de
direito subjetivo, que é já noção do plano dos efeitos; nem a de sujeito de direito, que é
apenas termo da relação jurídica. Só há direitos subjetivos porque há sujeitos de direito; e
sujeitos de direito porque relações jurídicas.” PONTES DE MIRANDA, op. cit.,
tomo 1, prefácio, p. XVI.
8
MELLO, Marcos Bernardes de, Teoria do fato jurídico, p. XV-XVIII.
9
A expressão suporte fátic o, condenada por Garcia M áynes, muitas vezes é sub stituída por
outras, como: p ressuposto d e incidência, tipificação legal, tipo legal, hipótese de incidência.
A esse respeito, veja-se MARCOS BERNARDES DE MELLO, o p. cit. , p.34-35,
especialmente a nota 43. A opinião de ORLANDO GOMES é de que não há entre nós um
vocábulo para o designar e adota o italiano fattispecie, in Introdução ao Direito Civil, p.
210. Veja-se, também, LUIZ EDSON FACHIN, in Novo conceito de ato e negocio jurídico,
p. 2. Ainda, EMÍLIO ALBERTO MAYA GISCHOKOW, in Classificação dos fatos
jurídicos, p. 43-44.
Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001 21
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Fato Jurídico: Uma Análise da Teoria e Classificação e outras Notas de estudo em PDF para Direito Civil, somente na Docsity!

FATO JURÍDICO

Edvaldo Sapia Gonçalves

Professor de Direito Civil – Mestrando em Direito Civil

pela Universidade Estadual de Maringá.

RESUMO: O presente artigo trata do fato jurídico como suporte da aplicaçãoda norma jurídica.ABSTRACT: The present article deals with the legal fact as bed of theapplication of the rule of law. 1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A elaboração de uma Parte Geral do Direito Civil

2 , embora seja

resultado de séculos de experiência do direito

3 , somente começou a partir das

conquistas do racionalismo e do jusnaturalismo dos séculos XVII e XVIII,atingindo maior desenvolvimento, sobretudo no século XIX, com a EscolaHistórica e a Pandectística alemã

As principais figuras e conceitos fundamentais da Parte Geral – direito

subjetivo,

dever

jurídico,

relação

jurídica,

fato^

jurídico,

negócio

jurídico, assim como, de invalidade deste (nulidade e anulabilidade – são 2 Que alguns desprezam, como demonstra o seguinte trecho da exposição de motivos doanteprojeto de Código das Obrigações. Parte Geral (1941; Comissão elaboradora: OrosimboNonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães): “A existência da parte geral doCódigo Civil

resulta

de^ um processo

excessivo

de^ técnica que dificulta

o^ ensino

e^ a

apreensão imediata do sentido das normas jurídicas. Na própria Alemanha, que criou ométodo, encontra-se ele hoje em certo desfavor. Assim, a redução da parte geral, ou, até, suaabolição, constitui obra de realismo, sem grandes inconvenientes, dado que os preceitosinscritos nas varias partes dos Códigos ou no conjunto da legislação, hão de concatenar-senecessariamente

em um sistema geral, sempre que possam ter aplicação comum aos diversos ramos do Direito”

in^ SENADO FEDERAL, Subsecretaria de Edições Técnicas. Código Civil, Anteprojetos. Vol. I, p. 56. 3 “Quando se trata de direito privado contemporâneo, poucos são os que são dão conta de que hámais de dois mil anos se vem elaborando toda a doutrina de que desfrutamos” – PONTESDE MIRANDA,

in^ Tratado de Direito Privado, tomo 1, prefácio, p. XVIII. 4 Informa PONTES DE MIRANDA, op. cit, tomo 1, prefácio, p. XX: “À doutrina pandectistado século XIX deve-se a elaboração da Parte Geral do direito civil a ponto de se haverimposto, no século XX, às codificações mais autorizadas, exceto, o que é lamentar-se, àcodificação italiana”.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

20

construções recentes e não eram conhecidas no Direito Romano, pois aosromanos faltava o grau necessário de abstração para a formação daquelesconceitos

  1. Dessa

forma,

apesar

de^

mais^

de^ dois

milênios

terem

sido

necessários para uma maior precisão de linguagem e raciocínio jurídico, ateoria do fato jurídico é moderna, merecendo maior atenção aos estudiososdo Direito.

A^ despeito

da^

brilhante

atuação

de^

Pontes

de^

Miranda

no

desenvolvimento doutrinário da teoria do fato jurídico no Brasil, nem semprefoi ela devidamente valorizada ou até mesmo compreendida corretamente.Veja-se, por exemplo, a transcrição do trecho da exposição de motivos dosautores do Anteprojeto de Código das Obrigações Parte Geral (1941): “O livroIII da parte geral do nosso Código Civil, inscrito sob a rubrica “FatosJurídicos”, está, por exemplo, intimamente ligado ao direito das obrigações,projetando raros reflexos sobre as outras partes do Código Civil”.

6

Ora, o FATO JURÍDICO é noção fundamental do direito

7 , objeto

de analise da Parte Geral do Direito Civil, mas que integra o hipersistema daTeoria Geral do Direito

  1. A utilidade de seu conceito é extensível a qualquer

área da Ciência Jurídica. 2. NORMA E FATO JURÍDICO

É a norma jurídica que define o fato jurídico. É ela que descreve hipoteticamente o fato (= suporte fático)

9 , entre aqueles do mundo dos fatos,

ao qual pretende dar a qualificação de jurídico. Caso ocorra corretamente o 5 Sobre abstração e o Direito Romano, vide o seguinte artigo de CARLOS DAVID SANTOSAARÃO REIS: “Direito Romano, abstração e parte geral do Direito Civil”,

in : Revista de

Direito Civil, n° 70:29-40, São Paulo. 6 SENADO FEDERAL. Subsecretaria de Edições Técnicas. Código Civil. Anteprojetos. Vol. 1,p.56. 7 “A noção fundamental do direito é a de

fato jurídico”;

depois a de

relação jurídica

;^ não a de

direito subjetivo

, que é já noção do plano dos efeitos; nem a de

sujeito de direito

, que é

apenas termo da relação jurídica. Só há direitos subjetivos porque há sujeitos de direito; e sóhá sujeitos de direito porque há relações jurídicas.” – PONTES DE MIRANDA, op. cit.,tomo 1, prefácio, p. XVI. 8 MELLO, Marcos Bernardes de, Teoria do fato jurídico, p. XV-XVIII. 9 A expressão suporte fático, condenada por Garcia Máynes, muitas vezes é substituída poroutras, como: pressuposto de incidência, tipificação legal, tipo legal, hipótese de incidência.A^ esse

respeito,

veja-se

MARCOS

BERNARDES

DE^

MELLO,

op.^ cit.

,^ p.34-35,

especialmente a nota 43. A opinião de ORLANDO GOMES é de que não há entre nós umvocábulo para o designar e adota o italiano

fattispecie, in

Introdução ao Direito Civil, p.

  1. Veja-se, também, LUIZ EDSON FACHIN,

in^ Novo conceito de ato e negocio jurídico,

p. 2. Ainda, EMÍLIO ALBERTO MAYA GISCHOKOW,

in^

Classificação dos fatos

jurídicos, p. 43-44.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

fato^

hipotético,

serão

produzidas

certas

conseqüências

prescritas

abstratamente (= eficácia jurídica). Logo, conclui-se que o fato do mundonão é suporte fático de uma norma jurídica vigente não é considerado fatojurídico, continuando apenas no mundo fático.

A existência e vigência da norma jurídica completa

10 pressupõem a

possibilidade de sua incidencia

11 , mas isso não quer significar que ela irá

incidir e produzir eficácia, pois bastará que o suporte fático não ocorra, paraque^

não^

se^ produza

efeito

jurídico

algum.

Dessa

constatação,

necessariamente

há^

que^ se

concluir:

a^ incidência

da^

norma

tem^

como

pressuposto a concreção do suporte fático.

As^ características

da^

incidência

da^

norma

jurídica

são^

a

infalibilidade

(incondicionalidade)

e^ a^

inesgotabilidade.

A^ concreção

do

suporte fático impõe, infalivelmente, a incidência da norma

12 e ela não se

esgotará com uma única verificação do suporte fático, mas poderá sempreincidir enquanto estiver em vigência, salvo quando ela própria seja destinadaa um único caso, encerrando sua eficácia com a ocorrência desse.

Quanto às conseqüências da incidência da norma, essas podem ser no^ sentido

de^

juridicizar

o^ suporte

fático

ou^

parte^

relevante

dele;

desjuridicizar

( e.^

g.,^ normas

sobre

revogação

de^

doação)

13 ;^ pré-excluir

juridicidade (legitima defesa, exercito regular de direito ou destruir coisaalheia para remover perigo eminente); invalidar (nulidade e anulabilidade) edeseficacizar (prescrição e decadência) 3. SUPORTE FÁTICO

Enquanto o suporte fático é mera descrição hipotética da norma jurídica, podemos chamá-lo de suporte fático hipotético ou abstrato, masquando esse fato hipotético materializa-se no mundo fático, passa a ser 10 Compreendida como a que descreve o suporte fático e a eficácia jurídica. 11 Estar em vigor a norma não significa que ela já incida, mas que ela já pode incidir. Vigência éa^ incidibilidade da norma

jurídica, sendo que sua

eficácia

jurídica

(= efeitos a

serem

produzidos) só será possível com a materialização do suporte fático. 12 Se ocorrendo o suporte fático não forem aplicados os efeitos jurídicos, certamente será pelaimpotência coativa do Estado em fazer cumprir o Direito. 13 É^ na^ desjuridicização,

segundo

MARCOS

BERNARDES

DE^

MELLO,

que^

estariam

localizadas

a^ resolução

stricto

sensu

e^ a^

rescisão.

Afirma

ele:^

“A^ efetivação

da

desjuridicização por meio de revogação, rescisão ou resolução

stricto sensu

, não decorre da

norma cogente imperativa, mas se constitui em atos de autonomia das pessoas, uma vez quea sua pratica não lhes é imposta, mas, apenas permitida. ... O ato jurídico de revogar,rescindir ou resolver

stricto sensu

é puramente instrumental do permissivo de desjuridicizar

que tem por conseqüência, exatamente, o desfazimento da juridicidade. O fato que erajurídico é excluído do mundo do direito retornando ao mundo fático, desvestido de toda asua juridicidade”. Op. cit., p. 70-71. Tem-se que a denúncia e o arrependimento têm igualcondão de desjuridicizar.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

22

considerado um suporte fálico concreto, que possibilita a incidência da normaque, tornando-o fato jurídico, integra-lo-á ao mundo jurídico.

Portanto, o fato jurídico não existirá sem essa combinação perfeita entre a norma jurídica e o suporte fático concreto. Daí, a necessidade de agoraestudarmos com mais detalhes o suporte fático.

A edição de uma norma jurídica é resultado de uma valoração jurídica, de modo que nem todos os fatos do mundo interessam ao Direito,mas tão somente aqueles que respondem aos critérios axiológicos escolhidos.Para que sejam admitidos como suporte fático, segundo Marcos Bernardes deMello

14 , poderão ser considerados os fatos ou conjunto de fatos relacionados a:

a)^ Fatos da natureza e do animal

: desde que esses possam

ser atribuídos ao homem, não interessando os fatos que nãodigam respeito a ele, que não atinjam sua esfera jurídica ouque não digam respeito ao seu modo de atuar. Assim, hárelevância para a responsabilidade por fatos do animal, apropriedade do mesmo, nada significando quando se tratade animal selvagem, sem alguém constituído na condiçãode proprietário; b) Atos humanos exteriorizados

: podem esses ser volitivos

(expressos,

silentes

ou^

tácitos;

vontade

consciente)

ou

avolitivos

(ato-fato

jurídico

em^

que^

a^ vontade

é

desconsiderada). Quanto à vontade, tem-se que ela é opressuposto principal no suporte fático dos atos jurídicos stricto sensu

e dos negócios juridicos

c)^ Dados psíquicos

: meras atitudes, dados anímicos ou desejos

íntimos, quando relacionados a um acontecimento (

e. g.,

um^ ato

exteriorizado),

como

é^ o^

caso^

da^ intenção

de

gratificar na doação. d) Estimações

valorativas

:^ honra

e^ boa

fama

do^

outro

cônjuge;

negligencia

e^ imprudência;

atos^

atentatórias

à

moral e aos bons costumes; boa-fé, entre outros; e) Probabilidades:

lucros cessantes; prole eventual; direitos

materiais do nascituro; f) Fatos jurídicos e efeitos jurídicos

: fatos e efeitos jurídicos

também

podem

compor

o^ suporte

fático

de^ outro

fato

jurídico.

Quanto

aos^

efeitos

jurídicos,

são^

exemplos:

a

14 Op. cit., p. 36-46. 15 Sobre

isso,^

veja-se

o^ artigo

JOSÉ

MIGUEL

GARCIA

MEDINA:

“A^ importância

do

elemento volitivo na configuração do ato jurídico”,

in^ Direito em ação. Órgão informativo

do Centro Acadêmico Sobral Pinto – UEM, n°2:5, Maringá, abr/jun, 1991

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

forma determinante esse

elemento cerne

, isso implicará na insuficiência do

suporte fático. Igualmente, não haverá sucessão sem a ocorrência da morte,ilícito civil sem contrariedade ao direito

20 ou contrato de compra e venda sem

acordo de vontades.

Completando o núcleo do suporte fático, têm-se os

elementos

completantes

que, igualmente, são pressupostos de “existência” do fato jurídico

  1. Assim, o preço, no contrato de compra e venda, é elemento completante, da mesma forma, a tradição no contrato de comodato.

Poder-se-á

verificar

que^

há^ diversos

pressupostos

subjetivos,

objetivos e formais (quando a lei não dispensa a forma exigida) que sãoconsiderados elementos completantes,

e. g.

, a personalidade, a licitude do

objeto e a forma (escritura publica na compra e venda de imóveis acima dovalor legal).

Sem^

integrarem

o^ núcleo

do^

suporte

fático,

mas

apenas

complementando-o,

os

elementos

complementares

produzem

conseqüências no que diz respeito à “validade” ou à “eficácia” do fatojurídico, nada influindo em sua “existência”. São exemplos a capacidadecivil, a legitimação e a forma

22 (quando essa não é elemento completante).

Finalmente, os

atos integrativos

fazem parte do suporte fático do

fato^ jurídico,

em^

nada^

interferindo

em^

sua^ “existência”,

“validade”

ou

“eficácia”, mas tratam-se de atos de terceiros – normalmente, da autoridadepública -, mas que atuam em sentido de uma eficácia final. São exemplos osatos de registros os de autorização do poder público.

Agora sim, podem ser analisados os aspectos de suficiência e de deficiência do suporte fático.^ elemento nuclear do suporte fático, maneira que, não havendo consentimento, inexiste o fatojurídico. Sobre existência e validade do fato jurídico veja a próxima seção IV. Nesse sentido, éa^ opinião de CLÓVIS

BEVILAQUIA (

in^ Código Civil dos Estados Unidos do Brasil

Comentado, vol. I, p. 347), sobre a coação física: “... tolhe, inteiramente, a liberdade, fazdesaparecer a vontade, não permite a formação do ato jurídico”; de SÍLVIO RODRIGUES (

in

Direito Civil, Parte Geral, vol. I, p. 199): “Nessa hipótese, não há consentimento e, porconseguinte, não há ato jurídico”, e de SERPA LOPES (

in^ Curso de Direito Civil, vol. I, p.

398-399): “No primeiro caso, temos a

vis absoluta

. Esta já não produz simplesmente a

anulabilidade do ato jurídico, senão a sua própria inexistência ...”. 20 Existem fatos que, apesar de sua licitude (não contrariedade do direito) e da inexistência deculpa, geram o dever de indenizar. São os denominados atos-fatos jurídicos indenizativos esobre eles trataremos adiante. 21 Nesse aspecto, estão os elementos nucleares (cerne e completantes) estreitamente relacionadosà suficiência do suporte fático. 22 A forma, quando é considerada elemento extrínseco, de ordem pública, é, em regra, causa denulidade absoluta. Se não é considerada

ad solenitatem tantum

, por não ser uma exigência legal

para a validade do ato jurídico

lato sensu

, será tida como faculdade (

ad probationem tantum

).

Nesse sentido, o art. 401, do CPC.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

26

Um^ suporte

fático

complexo

só^

se^ torna

suficiente

com

a

materialização de todos os fatos previstos pela norma, sendo que a falta de umdeles implica em insuficiência para que a norma possa incidir. Portanto, atendo-o

por^

inexistente.

Por^

outro^

lado,^

a^ excessividade

de^

fatos^

não

impossibilita a incidência, mas, nesse caso, o aplicador da lei deve procederno sentido de verificar se os fatos a mais não são pressupostos relevantes daincidência de outra

norma

jurídica; portanto, suficientes para outro fato

jurídico diferente.

Pode ocorrer que o suporte fático suficiente seja deficiente, e assim é^ quando

falta-lhe

algum

elemento

complementar

ou^

pela^

imperfeição

elemento nuclear (vícios de vontade, por exemplo). Quando o suporte fático édeficiente, atua no plano de “validade” e “eficácia” do fato jurídico. Osplanos de “existência”, “validade” e “eficácia” serão objeto de análise daseção seguinte. 4. EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DO FATO JURÍDICO

O que não existe nenhum interesse tem para a análise da validade e da eficácia.

Somente o que existe, o que entra no plano do ser, pode ser considerado

sob^

os aspectos da

validade

e^ da

eficácia.

Todos os fatos

jurídicos, sem exceção, pressupõem a existência jurídica e esses só passam aexistir quando o suporte fático suficiente sofre a incidência da norma. Sãoinexistentes quando se constata a insuficiência do suporte fático.

Somente os fatos jurídicos que tenham a vontade humana como elemento nuclear do suporte fático é que são analisados sob o prisma davalidade. São punidos com a invalidade (nulidade e anulabilidade)

23 os atos

jurídicos (ato jurídico

stricto sensu

e os negócios jurídicos), que apresentem

deficiência

de^

elemento

complementar

ou^

de^ imperfeição

de^

elemento

nuclear do suporte fático, seja quanto ao sujeito, ao objeto ou à forma(quando essa é tida como elemento complementar e não completante).

Considere-se, como exemplo de nulidade relativa por imperfeição do elemento nuclear do suporte fático, os chamados vícios do consentimento,e de nulidade absoluta o negócio jurídico praticado, em próprio nome, pelasociedade não personalizada (sociedade irregular ou de fato). Como exemplode nulidade relativa por deficiência do elemento complementar, tem-se a 23 Sobre nulidade e anulabilidade, vejam-se os artigos de “Esboço de uma teoria das nulidades”de J.J. CALMON DE PASSOS (

in^ Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, jun.

1990, p. 135-155) e “Do ato anulável” de MARIA LUIZA EMPORINI COSTA GALLI(

in

Revista de Direito Civil, n° 47:29-38), por trazerem análises em consonância com a teria dofato jurídico.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

capacidade relativa do agente e por nulidade absoluta a compra e venda deimóveis, de valor acima do mínimo legal, sem a forma de escritura pública.

Quanto à eficácia jurídica (= efeitos produzidos pelo fato jurídico), essa não se confunde com a eficácia legal (= incidência sobre o suportefático) ou com a efetividade da norma jurídica (= comportamento social deobservância

da^

norma).

A^ eficácia

do^

fato^ jurídico

está^

relacionada

à

aplicação das conseqüências preceituadas pela norma.

Considerando-se

que^

o^ fato,

para

ser^

eficaz,

requer

a^ sua

existência, no que se refere à validade, posto que somente os atos jurídicossão submetidos à apreciação de validade, na relação entre essa última e aeficácia poder-se-á ter as seguintes combinações

a)^ ato jurídico válido e eficaz

: a proposta recebida pelo

oblato

na

compra e venda;b)^ ato jurídico válido e ineficaz

: testamento de pessoa capaz, antes de

sua morte;c)^ ato jurídico inválido e eficaz

: casamento putativo

d)^ ato jurídico inválido e ineficaz

: ato nulo.

Do^ exposto,

têm-se

que^

considerar

como

certas

as^ seguintes

conclusões de Marcos Bernardes de Mello: “a) que existência, validade eeficácia são três situações distintas por que podem passar os fatos jurídicos e,portanto, não é possível tratá-las como se fossem iguais; b) que o elementoexistência é a base de que dependem os outros elementos”

Após essas noções preliminares indispensáveis, pode-se passar a um estudomais detalhado do fato jurídico. 5. CONCEITO

O melhor conceito de fato jurídico, sem dúvida alguma, é o que nos foi dado por Pontes de Miranda: “Fato jurídico é o suporte fático que odireito reputou pertencer ao mundo jurídico”

  1. Esclarece ele “... que o fato

jurídico é o que fica por suporte fáctico suficiente, quando a regra jurídicaincide e porque incide. Tal precisão é indispensável ao conceito de fatojurídico. ... Fato jurídico é, pois, o fato ou complexo de fatos sobre o qualincidiu a regra jurídica”

24 MELLO, Marcos Bernardes, op. cit., p.74-75. 25 Afirma GALLI, op. cit., p. 29-30: “A eficácia do nulo e ineficácia do válido são provas de quenão se pode confundir válido com eficaz e nulo com ineficaz. Um negócio nulo pode produzirefeitos jurídicos, como no conhecido casamento putativo, que em “eficácia civil”, com relação aocônjuge de boa fé (ou a ambos de boa fé) e em relação aos filhos”. 26 Op.cit., p. 75. 27 Tratado de Direito Privado, tomo 1, p. 20 28 Op. cit., tomo 1, p. 77.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

28

Trata-se de um conceito adequado, porque toma em consideração aspectos que reportam a elementos estruturais essenciais do fato jurídico, enão partindo de elemento que não lhe é essencial, como é o caso da eficácia,como^

fazem

os^

que,^

tradicionalmente,

o^ definem

como

nascimento,

modificação ou extinção de uma relação jurídica. 6. CLASSIFICAÇÃO

29 Qualquer trabalho de classificação deve responder a critérios que correspondam a um mínimo de cientificidade e ao máximo de utilidadepossível.

Normalmente,

vêem-se

muitas

classificações

que^

somente

se

prestam a gerar confusão, pois são cientificamente inconscientes. Entre osdoutrinadores pátrios, duas propostas de classificação são significativas.

Teixeira de Freitas inscreveu, em seu Esboço (1860), a seguinte classificação: FATO EM GERAL

30

FATOS EXTERIORES (fato jurídico

stricto sensu

)

(fato jurídico

lato sensu

)^

FATOS HUMANOS

INVOLUNTÁRIOS - necessários

  • fortuitos VOLUNTÁRIOS - atos lícitos-

sim-plesmentelícitos

  • atos jurídicos - (negócios)- atos ilícitos

Se levado em consideração a época em que Teixeira de Freitas apresentou essa classificação, poder-se-á verificar que ela representou umavanço, dada a sua exaustividade e precisão, dando o primeiro passo para adistinção entre ato jurídico em geral (fato humano voluntário) e o ato-fatojurídico (fato humano involuntário fortuito).

Pontes de Miranda, reconhecidamente, foi quem, com base em critérios verdadeiramente científicos, apresentou a melhor classificação. Parteela do cerne do suporte fático, buscando-se identificar as diferenças entre oselementos nucleares para a formação do ato jurídico. 29 Sobre classificação dos fatos jurídicos, consultar os artigos “A incidência da norma jurídica eo fato jurídico” de MARCELO DA COSTA PINTO NEVES (

in^ Revista de Informação

Legislativa, n° 84:246-284, Brasília, out/dez, 1984) e “Classificação dos Fatos Jurídicos” deEMÍLIO ALBERTO MAYA GISCHKOW (

in^ Revista de Processo, n° 53:43-53, São Paulo,

RT, jan/mar de 1989). 30 Vejam-se os comentários sobre essa classificação de MARCOS BERNARDES DE MELLO,op.cit., p. 88.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

jurídicos, Pontes de Miranda chama a atenção para uma classificação maislógica, consoante a qual os efeitos do ato-fato jurídico são distintos dos do atojurídico”

6.1. FATO JURÍDICO

lato sensu Como

se^

verificou

anteriormente,

fato

jurídico

é^ todo

fato

existente por ter sofrido a incidência de uma norma jurídica juridicizante, deforma de que se fez ingressar o suporte fático no plano da existência jurídica,justamente por força dessa incidência.

Assim, constituirão fatos jurídicos, em sentido amplo, todos fatos lícitos ou ilícitos, voluntários ou não voluntários.

Pela classificação de Pontes de Miranda, a expressão fato jurídico lato sensu

abrange: os fatos jurídicos

stricto sensu

; atos-fatos jurídicos, atos

jurídicos

stricto sensu

e negócios jurídicos; fatos jurídicos ilícitos, ato-fato

ilícito, atos ilícitos

stricto sensu.

6.1.1. FATO JURÍDICO

stricto sensu Tratam-se

de^ fatos

que^

não^ requerem a

intervenção

humana.

Adentram ao mundo jurídico sem que haja qualquer exigência de ato oumanifestação de vontade humana. Sobre eles, pouco ou nenhum controle temo homem. São, essencialmente, fatos da natureza que lhes dão origem, comopor exemplo: nascimento com vida (art. 4°, CC); morte (art. 10, CC); loucura,surdo-mudez e cegueira (art. 5°, II e III, CC); perecimento do objeto dodireito (art. 77, CC), entre outros.

Mesmo quando haja participação humana na verificação desses fatos (

e. g. , do medico no nascimento mediante reprodução assistida), não perdem a característica de fatos naturais, pois a participação humana não lhesé essencial para que sejam juridicizados. Tanto assim o que é,que, em algumassituações, são juridicizados ainda que sejam contrários à vontade humana,como,

e. g.

: querendo o médico salvar a vida, sobrevém a

morte; não

querendo o casal ter o filho, evitando assim a gravidez, essa se verifica aindaque contrária à vontade do casal.

Quando adentram no plano da existência, irradiam imediatamente sua eficácia, de forma que não estão e nem poderiam estar sujeitos à condiçãoou ao termo

6.1.2. ATO-FATO JURÍDICO 41 Op. cit., p. 5. 42 Embora, possam servir de condição ou termo de outros fatos jurídicos.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

32

Há certos fatos que se tornam jurídicos por haver uma participação humana, mas para essa juridicização nenhuma relevância tem a vontadehumana. Em outras palavras, o acontecimento depende de ação humana, masos resultados independem da vontade. O ato é do homem, mas há totalexclusão

do^

elemento

vontade,

podendo

ser^

juridicizado

ainda

que^

se

verifique a contrariedade à vontade. Em outras palavras, o que interessa é amaterialização do ato humano, sendo desprezada e supérflua a vontade seessa for manifestada.

Não sendo necessário o elemento volitivo, conclui-se que o ato realizado por pessoa incapaz poderá ser admitido para a juridicização de umfato.

Os atos-fatos podem ser classificados em:a) atos reais (materiais)

: não se leva em conta se houve ou

não^ vontade

na^

prática

do^

ato,^ somente

interessando

o

resultado fático. São exemplos a ocupação (art. 592, CC) ea especificação (art. 611, CC)b) atos-atos

jurídicos

indenizativos

(casos

de

indenizabilidade sem culpa): trata-se de ato humano licitomas que causa prejuízo a outrem, impondo-se a quem opratica a responsabilidade de indenizar. É o caso do quedestrói coisa alheia para remover perigo atual ou iminente(art. 160, II c/c. arts. 1.519 e 1.520, todos do CC)

c)^ atos-fatos

jurídicos

caducificantes

(casos

de^

caducidade

sem culpa): o transcurso do prazo decadencial, combinadocom a inatividade do titular do direito em exercer o direito,dá ensejo ao ato-fato caducificante.Os atos-fatos jurídicos, como os fatos jurídicos

stricto sensu

, têm

eficácia imediata com a sua existência, não estando sujeitos à condição ou aotermo. 6.1.3. ATO JURÍDICO

lato sensu A definição legal de ato jurídico, inscrita no art. 81 do Código (^44) Civil , tendo em vista o que foi estudado até agora, parece insuficiente para defini-lo.

Por^

esse^

motivo,

busca-se

apoio

no^

ensinamento

de^

Marcos

Bernardes de Mello: “Denomina-se ato jurídico o fato jurídico cujo suporte 43 Aqui não há contrariedade ao direito, sendo licito, porém, impõe-se o dever de indenizar. 44 “Todo o ato licito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ouextinguir direitos, se denomina ato jurídico”.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

33

fáctico tenha como cerne uma exteriorização consciente de vontade, dirigida aobter um resultado juridicamente protegido ou não-proibido e possível”

Ato jurídico

lato sensu

abrange: os atos jurídicos

stricto sensu

e os

negócios jurídicos. Esses têm como requisito fundamental a manifestação oudeclaração de vontade, sendo essa manifestação dirigida para a consecuçãode algum resultado jurídico. Agora, a atuação humana passa a ser valorizadaem conjunto com a vontade. Nesse aspecto, é diferente: a) dos atos-fatosjurídicos, porque nesses a atuação humana basta por si só, independendo davontade; b) dos fatos jurídicos

stricto sensu

, que sequer estão vinculados a

uma participação humana.

Estamos no campo do domínio da vontade para se criar o fato e é isso que identifica o ato jurídico

stricto sensu

e o negocio jurídico. Mas é

essa mesma vontade que os identifica, que ao mesmo tempo estabelecediversificação entre eles, especialmente no que se refere aos efeitos jurídicosque podem advir de cada uma dessas espécies.

Adiante,

abordar-se-á

sobre

o^ ato

jurídico

stricto

sensu

e^ o

negócio jurídico, maneira que, nesta seção, reservar-se-á à verificação doselementos

que^

são^ comuns

aos^

atos^

jurídicos

lato

sensu

.^ São

eles:

exteriorização de vontade; vontade consciente; e resultado lícito e possível.

É imprescindível, no ordenamento jurídico pátrio, que a vontade seja exteriorizada, seja por intermédio de simples manifestação (em algunscasos, embora poucos, se admite até mesmo o silêncio)

46 ou de efetiva

declaração.

A^ declaração

e^ a^

manifestação

são^

consideradas

elementos

completantes do suporte fático.

Por ser a vontade interna não exteriorizada de difícil apuração, o ordenamento brasileiro não a considera adequada para compor um suportefático.

Quanto à consciência da vontade, essa está mais relacionada à vontade

de^

declarar

ou^

manifestar,

que^

propriamente

ao^ seu

conteúdo,

embora esse não seja descurado. A inconsciência (e não vício) da vontadeimplica em inexistência de vontade.

No que diz respeito à ilicitude e à impossibilidade do resultado do objeto do ato jurídico, só em casos excepcionais implicam na inexistência do^47 ato

(o que é mais próprio à existência do próprio objeto do ato jurídico). Licitude e possibilidade estão mais relacionadas ao plano da validade.^ 6.1.3.1. ATO JURÍDICO

stricto sensu

45 Op. cit., p. 113. 46 É o caso das doações simples (art. 1.166, CC). 47 E. g. , a inexistência absoluta atual e futura.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

34

Informa Luiz Edson Fachin

48 que o ato jurídico

stricto sensu

se

formou a partir da evolução do estudo de sua figura contraposta: o negóciojurídico. Tendo a doutrina constatado que alguns atos lícitos de vontadeapresentavam dificuldades para se enquadrar com perfeição ao esquema denegócio jurídico, passou a ser esboçada uma noção de atos não-negociais(atos jurídicos

stricto sensu

). Assim, é possível concluir que a figura do ato

jurídico

stricto sensu

é posterior a de negócio jurídico. Apesar de se ter adotado, em perspectiva legal, uma posição unitarista

49 , reduzindo a um só conceito as duas figuras, conforme se verifica no art. 81, CC

50 , a doutrina nacional tem dado tratamento diferenciado a elas, principalmente pelo trabalho de Pontes de Miranda, apesar de, muitas vezes,os^ autores

tratarem

equivocadamente

o^ ato

jurídico

stricto

sensu

como

espécie e o negócio jurídico como gênero

Partindo-se do pressuposto de que as duas figuras têm similitudes e distinções, são essas ultimas que apresentam maior interesse, de forma quealguns

aspectos

são^

frequentemente

considerados

para

dar-se

identidade

própria ao ato jurídico

stricto sensu

Em relação aos efeitos, o ato jurídico

stricto sensu

já os tem

definidos previamente pela própria norma, não importando se são adequadosou não à vontade do agente, enquanto que no negócio jurídico permite-se oexercício da autonomia privada, autorizando-se que sejam produzidos osefeitos

desejados

pelos

sujeitos.

Pontes

de^

Miranda

52 critica

esse

posicionamento

de^ distingui-los,

tendo

em^

conta^

a^ escolha

dos^

efeitos,

lembrando que ate mesmo os negócios jurídicos têm limites impostos peloordenamento jurídico na escolha dos seus efeitos.

Diz-se da capacidade jurídica como normalmente, imperativa nos negócios jurídicos

  1. Embora esse seja um aspecto distintivo, segundo Cariota

Ferrara

54 ,^ não

parece

ser^

um^ bom

critério

de^

distinção

porque

a^ não-

imperatividade da capacidade jurídica ao ato jurídico

stricto sensu

sempre é

exceção e não regra geral.

Cita-se o modo de determinação do conteúdo de vontade

55 , de

forma que, se o conteúdo for determinado pelo exercício de uma faculdade 48 Novo conceito de ato e negócio jurídico, p. 6. 49 Embora o Anteprojeto de Código Civil (1972), da comissão de elaboração presidida pelo Prof.MIGUEL REALE, já tenha assumido a posição dualista, conforme o art. 184. 50 A expressão “ato jurídico” no texto legal é tomada em sinonímia do “negócio jurídico”. 51 Equívoco esse que se constata no referido Anteprojeto de Código Civil. 52 Tratado de Direito Privado, tomo 2, p. 477. 53 Embora comporte exceções, como é o caso da possibilidade de ser mandatário o maio de 16anos (art. 1.298, CC). 54 Apud

FACHIN, op. cit. p. 20. 55 FACHIN, op. cit. p. 20-21.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

sido sugeria entre nós pela doutrina. Em alguns momentos até com previsãolegal de fundamento protecionista

O Anteprojeto de Código Civil (1972) tende para uma orientação de base objetiva. O art. 111,

e. g. , dispõe “Os negócios jurídicos devem ser

interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.

Isto posto, diga-se algo sobre a autonomia privada. Embora não seja^

um^ conceito

pacifico,

variando

por^

aspectos

históricos

e^ pelas

concepções

(objetivas

e^ subjetivas,

e.^ g.

)^ dos

autores

63 ,^ é^

freqüente

o

entendimento de que é uma esfera de liberdade que o ordenamento jurídicoreserva, exigindo a observância dos limites que impõe, para que as pessoasexerçam

seus

direitos,

formem

relações

jurídicas

e^ regulamentem

seus

próprios interesses. Em suma, autoriza que as pessoas, em atendimento deseus^

próprios

interesses,

realizem

negócios

jurídicos

(especialmente

os

contratos). Contudo, na relação que deve ter a autonomia privada com oslimites que são impostos pelo ordenamento jurídico para esse exercicio

64 , vê-

se^ que

essa

pode

tornar-se

bastante

reduzida,

chegando

mesmo

alguns

autores, especialmente os adeptos de uma ideologia liberal, a afirmarem quejá não mais existe a autonomia privada, dada à grande atuação do dirigismocontratual. 6.2. FATOS ILÍCITOS

lato sensu A contrariedade ao direito é elemento nuclear dos suportes fáticos dos diversos fatos ilícitos. Esses, apesar da contrariedade ao direito queapresentam, são elevados à condição de fatos jurídicos.

Não basta a verificação da contrariedade ao direito, mas se faz necessário que ela seja imputável a alguém

65 , ou seja, o fato ilícito exige,

além da contrariedade ao direito, a imputabilidade. E diga-se, desde logo, queimputabilidade não se confunde com imputação de responsabilidade civil(caso do art. 1.521, I do CC) e tampouco com a culpa.

No que se refere ao suporte fático dos fatos ilícitos, têm-se que alguns deles requerem elementos completantes, como culpa

lato sensu

na

responsabilidade civil subjetiva e culpa ou dolo no crime.

É possível fazer uma classificação de fato ilícito

lato sensu

, tendo

em consideração a natureza do direito violado, da seguinte forma: 62 E. g.,

o art. 47 do Código de Defesa do Consumidor 63 Sobre isso veja-se CUSTÓDIA DA PIEDADE UBALDINO MIRANDA, Teoria geral donegocio jurídico, p. 39-42 64 Muitas vezes atendendo a interesses de ordem pública, de proteção a certas situações oupessoas, entre outros. 65 Estando a imputabilidade relacionada à capacidade delitual (capacidade para praticar o ilícito)

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

38

a)^ ilícito absoluto:

quando aquele a quem é imputado o ilícito, por tê-lo praticado ou por estar a ele vinculado, não mantémnenhuma relação jurídica com o ofendido, ou mantendo, odireito seja absoluto (= que diga respeito a sujeito passivototal),

como

por^

exemplo,

os^ direitos

reais

e^ os

direitos

relativos à personalidade; b) ilícito relativo:

quanto entre aquele a quem é imputado o ilícito, por tê-lo praticado ou por estar a ele vinculado, e oofendido existe alguma relação jurídica de direito relativo(= sujeito passivo determinado)Pontes de Miranda já se

salientou anteriormente, classifica-os em

fato ilícito

stricto sensu

, ato-fato ilícito e ato ilícito.

6.2.1. FATO ILÍCITO

stricto sensu Ainda que não haja a participação humana e a contrariedade ao direito esteja exclusivamente relacionada a fato da natureza (caso fortuito ouforça maior), o direito pode estabelecer que os prejuízos causados por essefato sejam imputados a alguém, como ocorre na previsão dos artigos 957,1.058 e 1.196 do Código Civil.

Portanto, denominam-se fato ilícito

stricto sensu

os fatos em que o

ordenamento jurídico permite imputar a alguém um evento no qual inexiste aparticipação humana e que seja contrário ao direito, submetendo esse alguémàs responsabilidades previstas pela norma. 6.2.2. ATO-FATO ILÍCITO

No ato-fato ilícito, há participação humana, mas a vontade é irrelevante ou desconsiderada. São exemplos, segundo Pontes de Miranda: omau uso da propriedade; gestão de negócios contra a vontade presumível oumanifesta do dono (art. 1.332); tomada de posse com violação da posse deoutrem

6.2.3. ATO ILÍCITO

lato sensu É toda ação ou omissão voluntária, culposa ou não, conforme a espécie, praticada por pessoa imputável que, implicando infração de deverabsoluto ou relativo, viole direito ou cause prejuízo a outrem. 66 66 Os casos do ato-fato ilícito não se confundem com a responsabilidade objetiva, tendo-se emconta que esta dispensa a verificação de culpa, enquanto que naquele a culpa se faz presente.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

De acordo com tal conceito, a diferença entre o ato ilícito e as outras espécies ilícitas está na relevância da vontade determinante da conduta,inexistente no fato

stricto sensu

ilícito e irrelevante no ato-fato ilícito.

No ato ilícito

lato sensu

, a contrariedade a direito pode resultar de

conduta positiva (ação) ou negativa (omissão), dependendo, exclusivamente,da natureza do dever infringido, sendo que, no ato ilícito

stricto sensu

(ou

absoluto), o infrator é obrigado a reparar o dano; no ato ilícito relativo, sendoa obrigação positiva (obrigação de dar - Código Civil, arts. 863 a 877 - ou defazer - Código Civil, arts. 878 a 881), o ato ilícito se concretiza por umaomissão (não dar ou não fazer o devido, Código Civil, art. 960), ou por umaação, quando o devedor cumpre sua obrigação insatisfatoriamente e, sendo aobrigação negativa (obrigação de não fazer - Código Civil, arts. 882/883), oato ilícito se dá pela ação de fazer aquilo de que se devia abster (CódigoCivil,^

art.^ 961);

o^ ato

ilícito

caducificante

discute

a^ ação

(castigar

imoderadamente um filho) e a omissão (deixar um filho em abandono) e damesma forma os atos ilícitos invalidantes.

Com relação à culpa, geralmente mencionada pela doutrina como elemento

que

caracteriza

o^ ilícito,

tem-se

nem

sempre

ela^

se^ faz

necessária para que o ato seja considerado ilícito.

Embora os arts. 1.527, 1.528 e 1.529, todos do Código Civil, hipotetizem que a ilicitude seja decorrente de fato do animal ou da coisa,consideram-se tais casos como “ato ilícito”

67 , em virtude da sua relação com

alguma

atividade

humana,

havendo

situações

em

que

se^

imputa

responsabilidade, sem haver a culpa.

Desta feita, a doutrina adotou soluções técnicas para justificar a presença da culpa onde ela, realmente, não existe, portanto, fala-se em culpaobjetiva, culpa presumida, fictícia, inversão do ônus da prova, entre outras.

O sistema jurídico brasileiro, no que se refere a responsabilidade civil, adotou a transubjetividade nos casos em que se imputa a culpa a alguémpor^ conta

de^

certos

pressupostos

da^

natureza

subjetiva

68 e^

típicos

de

transubjetividade. Tenha-se, por exemplo, a responsabilidade civil por fato doanimal ou da coisa.

Na maioria dos casos, da ilicitude resultam danos e dever de reparação, havendo, entretanto, espécies em que isso não acontece e há atosilícitos

que^

não^ importam

danos

patrimoniais,

morais

ou^

estéticos

e,

consequentemente, não são indenizativos.

São espécies de ato ilícito: 67 MIRANDA, Pontes de, Tratado de Direito Privado, tomo 2, 197. 68 MIRANDA, Pontes de, op. cit., tomo 2, p. 197.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001

40

a)^ ato ilícito

stricto sensu

(ou absoluto)

: sinônimo de delito,

caracteriza-se pela espécie de direito violado, em que éessencial que inexista entre o ofensor e o ofendido qualquerrelação

jurídica,

e^ quando

haja,

deve

referir-se

a^ uma

violação de direito absoluto. É sempre danoso (patrimonial,moral ou estético) e sua reparabilidade é por indenização.b) ato^ ilícito

relativo

:^ este

se^ configura

pela^

violação

de

deveres resultantes de relações jurídicas de direito relativo,nascidas

de^ negócio

jurídico

ou^ de

ato jurídico

stricto

sensu; c) ato ilícito caducificante

: aquele que tem por efeito a perda

de um direito. No direito civil, é exemplo a perda do pátriopoder, e no direito penal refere-se aos casos em que a penaé a incapacidade para o exercício de certos direitos;d) ato licito invalidante

69 : todo ato de violação de direito, cuja

conseqüência

seja

a^ sua

invalidade,

conseqüência

esta

específica de violação de norma jurídica ou da prática deato contrário ao direito. A ilicitude, aqui, está estreitamentevinculada à validade, cuja conseqüência será a nulidade oua^ anulabilidade.

A^ anulabilidade

resulta

de^

vícios

da

vontade, implicando que a declaração não corresponda aoquerer íntimo do declarante e de falta relativa de capacidadepara uma declaração de vontade. Já a nulidade implica emque o ato esteja inquinado de defeito irremediável. BIBLIOGRADIA BEVILAQUA,

Clóvis.

Código

Civil

dos

Estados

Unidos

do^

Brasil

comentado. Vol. 1, Edição histórica, 4º tiragem, Rio de Janeiro, Ed. Rio,1979.DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 1: Teoria Geraldo Direito Civil, 11ª ed., aum. e atual., São Paulo, Saraiva, 1995. 69 MELLO, Marcos Bernardes de, op. cit., p 199. Explica ele que em outras edições denominouessa espécie como nulificante, tendo modificado a denominação para abranger não sóanulidade, mas também a anulabilidade.

Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001