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Teoria da literatura em suas fontes, o primeiro e único reader do gênero no Brasil, traz no prefácio de sua última edição um comentá-.
Tipologia: Notas de estudo
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Teoria da literatura em suas fontes , o primeiro e único reader do gênero no Brasil, traz no prefácio de sua última edição um comentá- rio surpreendente. Diz Luiz Costa Lima, responsável pela coleção:* A principal razão da mudança [das edições anteriores em relação a es- ta] tem a ver com a própria reflexão teórica. Ao passo que as décadas de 1960 a 1980 conheceram uma fantástica proliferação de direções teóricas, ao lado da não menos notável ressurreição de nomes que ha- viam estado esquecidos [...] a década de 1990 tem-se caracterizado ou pela consolidação ou desdobramento daquelas correntes ou pelo surgimento de rumos – os estudos sobre gênero, sobre as minorias se- xuais, a literatura pós-colonial, o papel dos media , os genericamente chamados “ cultural studies ” – que não se notabilizam particularmen- te por algum vigor teórico. Pode-se mesmo afirmar que a reflexão teórica do objeto literário deixou de estar na crista da onda, passando a ser vista sob a suspeita de não ser politicamente correta. Constatar a nulidade da produção de uma disciplina por uma década equivale a pronunciá-la morta. Esse extremado julgamento implícito é ao mesmo tempo verdadeiro e falso. Falso, porque não é verdade que a reflexão teórica tenha desaparecido nos anos 90 (pa- ra não mencionar que o desenvolvimento do trabalho de teóricos já consagrados poderia ter sido levado em consideração na revisão da antologia, assim como a produção de autores nacionais). Auto- res como Slavoj Žižek e Judith Butler começaram a publicar seus textos mais importantes nesta década; além disso, não se pode di- zer que o trabalho de Gayatri Spivak ou Homi Bhabha não tenha um impulso teórico; pelo contrário, muito da recente crítica pós- colonial ou queer tem sido criticado justamente por um excesso de teoria, tem sido visto como desnecessariamente difícil e abstrusa. No entanto, o veredicto de Costa Lima torna-se absolutamente verdadeiro quando se percebe que a ênfase do texto de introdução ao reader não está na teoria literária, mas na teoria literária , aquele campo de estudos que se caracterizava pela relação, ainda que in-
(^1) Gostaria de agradecer aos professores Marcos Siscar e Paulo Franchetti pela cui- dadosa leitura do texto e valiosas críticas.
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direta, alusiva, postergada, ou mesmo prometida, com a literatu- ra. Mesmo que não a nomeie assim, Costa Lima registra, aqui, a passagem da teoria literária para a Teoria , um processo polêmico e contraditório, com implicações epistemológicas e institucionais seriíssimas, e que por isso mesmo necessita urgentemente ser pen- sado com um mínimo de distanciamento e imparcialidade. A emergência da Teoria é um fenômeno intrinsecamente nor- te-americano, e é no contexto da academia estadunidense que ela deve ser primeiramente entendida – e a isso retornaremos no fi- nal. Mas tal vinculação a um lugar e seu conjunto de instituições não significa que não haja implicações para o ambiente intelectual brasileiro; pelo contrário, a Teoria se faz sentir de diferentes ma- neiras: nas bibliografias de cursos de pós-graduação em Letras, que não incluem literatura, na preponderância do discurso crítico so- bre seu objeto – quando se lê Benjamin sem Goethe, Bakhtin sem Rabelais ou Dostoievski, Deleuze sem Proust ou Kafka etc. –, ou na subordinação do cânone àquilo que podem dizer as novas teo- rias, como no caso da literatura pós-colonial, que freqüentemente parece apenas servir de exemplo para argumentos anteriores à lei- tura. A Teoria consolidou-se, quase naturalmente, com a crescente complexidade adquirida pelos aparatos explicativos, os meta-dis- cursos da literatura. Já para o estruturalismo, a semiótica, a psica- nálise ou o marxismo não era necessário voltar-se unicamente para os textos literários, e essa independência potencial só fez aumen- tar com o advento das novas correntes críticas, que podem se apli- cadas ao horizonte das chamadas práticas significantes. Na Teoria, o estatuto do literário é incerto: se, por um lado, quase todos os grandes teóricos foram grandes leitores literários, por outro, a lite- ratura não é de forma alguma indispensável. * Uma outra maneira de se dizer isso é observar que a Teoria é uma nova formação discursiva caracterizada por uma crescente intransitividade. Mais do que “campo” ou “área”, a metáfora mais adequada para descrevê-la talvez fosse a de uma nebulosa, na qual oscilam matéria e energia. A Teoria não tem objeto específico, pois dispõe-se a ler tudo, de épicos do século XVII ao Pato Donald;*^ não tem uma fundamentação conceitual inequívoca, que pudesse pau- tar sua metodologia, pois é constituída por códigos (feminismo, estruturalismo, semiótica, psicanálise, desconstrução etc.) que po- dem ser mobilizados conjuntamente ou simplesmente existir lado a lado; por fim, ela faz surgir, em oposição ao erudito ou especia-
(^) (DURÃO, Fabio Akcelrud. “On the rise of Theory: pro- misses, shortcomings and the place of literature”. Ame- rican British and Canadian Studies , Sibiu (Romênia) v. 8, 2007: 10-21.)
(^) (MATTELART, Armand, DORFMAN, Ariel. Para ler o Pato Donald: Comunica- ção de massa e colonialismo. Trad. Álvaro de Moya. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.)
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Horkheimer contra a indústria cultural neste produto de (alta) in- dústria cultural.^3 Brown, por outro lado, alerta para as ausências, que, se são inevitáveis nesse tipo de livro, também apontam para seu viés específico: “Os noventa e oito autores falecidos (noventa homens e oito mulheres) não incluem Bachelard, Blanchot, Bloch, Boethius, Boileau, Cícero, Croce, Diderot, Dilthey, Empson, Ga- damer, Goethe, Herder, Humboldt, Langer, Luhmann, Ortega, Paz, Ricouer, Rousseau, nem Schlegel, Schopenhauer, Shklovski, Spitzer, Taine.” (Note-se que para a letra “A” faltou Auerbach.) Essas faltas são em parte resultado do anglocentrismo do volume: “Dos 148 autores, 80 escreveram em inglês, 28 em francês, 18 em alemão, 6 em italiano, 3 em russo, 5 em grego, 7 em latim e 1 (Maimoni- des) em árabe. Espantosamente, não há um único texto origina- riamente escrito em espanhol, e apenas Gramsci representa a cul- tura italiana desde Vico.” * Mas a estranheza maior surge do choque entre o tratamen- to editorial e a natureza do material trabalhado. Pois é no mínimo curioso perceber que todo aquele aparato textual a que se está acos- tumado a encontrar nas antologias literárias seja transferido agora para a crítica e a teoria: introduções, contextualizações, notas expli- cativas, cronologias, biografias, influências e bibliografias secundá- rias (terciárias?) ajudam a fazer da Teoria algo em si, um campo pra- ticamente autônomo. A própria organização do livro é interessante. Um primeiro índice lista os autores, de Górgias a Judith Butler, por data de nascimento; a ele somam-se outros quatro tipos de classi- ficação, na ordem de apresentação: a. escolas e movimentos mo- dernos e contemporâneos; b. gêneros; c. período históricos, assun- tos e tópicos. Por sua organização, o primeiro e último são os mais importantes e atestam a ênfase dada pela antologia ao atual, o que é confirmado pelo espaço reservado para cada época. Seguindo a contagem de Marshall, *^ apenas 148 páginas são dedicadas à Anti- guidade greco-romana; 177 à Idade Média; 99 à Renascença; 35 ao século XVII; 151 ao XVIII; 341 ao XIX; 543 ao velho século XX (Freud a Frye); e 1067 a autores contemporâneos (de Barthes a Moulthrop), dois quintos do total. As escolas e movimentos, lis- tados alfabeticamente em inglês, compreendem: Estudos Cultu- rais; Desconstrução e Pós-estruturalismo; Teoria e Crítica Femi- nista; Formalismo; Crítica Gay e Lésbica e Teoria Queer; Marxis-
(^3) Para a resposta do editor geral cf. Leitch (2003). Symploke , Lincoln: vol. 11: 1-2, pp. 249-253.
(^) (BROWN, Marshall. “The- ory without Method, Criti- cism without Voice”. Peda- gogy: Critical Approaches to Teaching Literature, Langua- ge, Composition and Cultu- re , Durham, NC, v. 3, n. 3, 2003: 452.)
(^) (MARSHALL, Donald G. “Shooting Niagara” Peda- gogy , v. 3, Issue 3, outono 2003: 464)
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mo; Novo Historicismo; Fenomenologia e Hermenêutica; Teoria e Crítica Pós-Colonial; Psicanálise; Estudos de Raça e Etnicidade; Teoria de Reação do Leitor [ Reader Response Theory ]; Estruturalis- mo e Semiótica.^4 E o mesmo se dá em relação aos temas. São eles, de novo em ordem alfabética segundo o inglês: estética, autoria, o corpo, o cânone/tradição, defesas da crítica, gênero sexual e sexuali- dade, ideologia e hegemonia, a institucionalização dos estudos lite- rários,^5 teoria da interpretação, linguagem, o moderno, a narrativa, o pós-moderno, representação e realismo, retórica, subjetividade/ identidade, o vernacular e a nacionalidade, a literatura feminina. Trata-se, portanto, de uma grande coleção centrada no presente, com um valor histórico limitado, apesar de tudo. Ainda que a multiplicidade de enfoques teóricos, ênfases me- todológicas e horizontes ficcionais seja notável, é possível identi- ficar, ainda que grosseira e redutivamente, duas tendências domi- nantes na antologia, que, de novo em linhas gerais, caracterizam duas fases da Teoria nos EUA. A primeira, que poderia ser cha- mada de textualista, está associada em grande medida à Derrida e à desconstrução; trata-se de uma teoria tecnicamente sofisticada, mais preocupada com aspectos formais da cultura como um todo (a cultura concebida como texto), e aparentemente neutra quanto a preocupações políticas imediatas. Seu período áureo foi o das dé- cadas de 70 e 80. A segunda tendência firmou-se nos anos 90; em vez do texto, ela privilegia a noção de poder, Foucault em vez de Derrida (ainda que combinações sejam possíveis); ela é explicita- mente engajada, e defende um universo de interesse específico, se- ja ele o das mulheres, dos negros, dos chicanos, dos homossexuais ou dos países do chamado terceiro mundo. A relação entre as duas vertentes é complexa e abrange um espectro de posições divergen- (^4) Kubek lamenta a ausência dos estudos masculinos (Men’s Studies) na antolo- gia, pois “uma ampla seleção de material dos estudos masculinos tem estado dis- ponível nas antologias, pelo menos há uma década” (KUBEK, Elizabeth. “Re- view”. The Journal of the Midwest Modern Language Association , (Iowa City), v. 36, n. 2, Fall, 2003: 73). Leitch (2003: 472) fornece uma resposta para isso em um outro contexto: “Pense na proliferação de escolas e movimentos críticos que se deu nas últimas décadas – nossos tempos pós-modernos – ou na lista crescente de sub-áreas que compõem os estudos culturais hoje (estudos do corpo, estudos da subcultura, estudos de trauma, estudos da brancura [whiteness studies], estu- dos da comida, e estudos animais, entre muitos outros.” (in CAIN, William E. et. al. “Responses from the Editors of The Norton Anthology of Theory and Criti- cism ” [ Pedagogy. 2003; 3: 468-478]. (^5) Aqui surge o adjetivo “literário” pela primeira vez, em um contexto crítico, que facilmente pode levar a ataques a literatura.
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dos negros, fazendo com que o racismo não tenha necessariamen- te o mesmo impacto em nossas vidas. Essa crítica nos permite afir- mar múltiplas identidades, variadas experiências negras. Ela também questiona os paradigmas coloniais e imperialistas da identidade ne- gra, que representam a negritude de uma maneira unidimensional com vistas a reforçar e manter a supremacia branca. * Por fim, Huston A. Baker Jr. representa o outro extremo do espectro, pois acolhe vivamente as proposições de um certo pós-mo- dernismo nos estudos negros. No texto antologizado,^ Baker sugere que o blues pode ser visto como uma matriz de conversão da expe- riência vernácula negra em cultura. Baker defi ne a matriz como um útero, uma rede, uma rocha geradora de fósseis, um rastro ro- choso deixado por uma gema, o metal principal de uma liga, uma moldura ou forma de reprodução gráfica ou de discos. A matriz é um ponto incessante de entrada e saída [ input and output ], uma rede de impulsos em interseção e entrelaçamento, sempre em um trânsito produtivo. O blues afro-americano constitui uma tal re- de vibrante. Ele é o que Jacques Derrida poderia descrever como o “sempre já” da cultura afro-americana. Já o blues, “ao invés de uma forma rigidamente personalizada”, oferece uma recapitulação filogenética – uma meditação livremente associativa e não conceitual – de espécies de experiência. O que sur- ge não é um sujeito preenchido, mas uma voz anônima (sem nome) advinda da totalidade esburacada [ (w)hole ] negra. A coda de assina- tura do cantor de blues é sempre atópica , deslocalizada. Ora, não é difícil verificar nesses trechos como são resulta- do da mistura de um núcleo conceitual pós-modernista com um conteúdo da cultura negra. Mas vale a pena se perguntar se o pre- ço pela sofisticação teórica não é uma perda de impacto político, se a adoção do arcabouço pós-moderno não leva à conciliação e ao apagamento do antagonismo, ao passo que o confronto direto, manifestado na fraca e limitadora oposição binária do nós versus eles, não acarretaria uma má teoria. Este é apenas um dos dilemas da Teoria – e há muitos outros.
III
Theory’s Empire: An Anthology of Dissent foi publicado em 2005; *^ com 725 páginas, apresenta 47 ensaios divididos em oito partes com títulos inequívocos: a. a Teoria ascendente; b. viradas lingüísticas; c. a construção do império; d. Teoria como profissão;
(^) (“Postmodern Blackness”: 2482.)
(^) (“From Blues, Ideology, and Afro-American Literature: A Vernacular Theory”)
(^) (p. 2230.)
(^) (PATAI, Daphne, COR- RAL, Will H. Theory’s Em- pire. An Anthology of Dis- sent. Nova York: Columbia U.P., 2005.)
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e. identidades; f. Teoria como substituta da política; g. restauran- do a razão; h. ainda lendo, apesar de tudo, estas teorias. Seus au- tores ocupam um amplo espectro crítico e político; alguns deles, como René Wellek, Todorov ou Elaine Marks, são ex-entusiastas que posteriormente se retrataram, espantados pelos rumos toma- dos pela teoria, enquanto outros, como Merquior, sempre se colo- caram contra a Teoria. A diversidade e o número de contribuições são muito grandes, envolvendo desde os esperáveis calcanhares-de- aquiles da Teoria, como o caso Paul de Man e a peça de Sokal, 7 até idéias inusitadas. Talvez a melhor forma de comentar a coleção se- ja por meio da simples listagem, em outra ordem, dos argumentos mais importantes. São 26 ao todo:
(^7) Só para lembrar: o caso Paul de Man refere-se à descoberta em 1987 de artigos racistas escritos pelo autor em 1941 e 1942 em um jornal belga pró-nazista; a pe- ça pregada pelo físico Sokal foi um artigo nonsense, feito de citações de teóricos a respeito da ciência, que foi aceito como sério na revista Social Text.
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individualidade, originalidade ou independência: o prefixo re- do- mina seu vocabulário, junto com seu par, o post-. Tudo é sempre já uma repetição, uma re-leitura, uma re-escrita. Esse clima de mesmi- ce [ staleness ] e de tardividade [ belatedness ] é o resultado paradoxal do presentismo: sem uma narrativa ligando o presente ao passado e ao futuro, não pode haver desenvolvimento, apenas repetição.”*
(^) (GOOD, Graham. “Presen- tism”. Ibid.: 288-289.)
(^) (JACOBY, Russell. “Thick Aestheticism and Thin Na- tivism”. Ibid.: 496.)
(^) (BOGHOSSIAN, Paul A. “What is Social Construc- tion”. Ibid.:573.)
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lítico, a leituras que decorrem dessas abordagens não estimula uma discussão produtiva das idéias, suposições e desejos por detrás de- las. A crítica literária, na realidade, não é uma arena adequada para o debate político; ela o desvia para longe do seu alvo.
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mo vimos, este ensaio defendeu ‘x’.”) Por fim, O Império da Teoria não se esforça em esconder seu caráter restaurador, reacionário em seu sentido original, como se fosse possível voltar às formas pré- teóricas de leitura. A última parte da coleção, “Ainda lendo, ape- sar de tudo, estas teorias”, que deveria representar seu lado propo- sitivo em vez de meramente destruidor, é a menos interessante de todas; seus textos não se comparam nem de longe com os clássi- cos da Teoria, como em um Barthes ou Blanchot. Fazer tábula rasa da Teoria não é aconselhável – não porque toda interpretação tenha necessariamente uma teoria na qual se ba- seie, pois não se pode exigir que todo ensaio exprima de onde vem: exibir sua teoria não é o mesmo que se supor ateórica; não porque as opções apresentadas sejam frustrantes, 9 mas simplesmente por- que postular uma volta à literatura e às grandes obras é tapar o sol com a peneira e fingir ignorar a grande crise que marca as letras, em todo o mundo, diante da revolução tecnológica do computa- dor, do videogame etc. O papel da Teoria é contraditório, pois se por um lado ela relativiza a importância do literário, que agora passa a existir lado a lado dos cartoons ou do YouTube, por outro fornece um novo fôlego para a leitura de textos que de outra for- ma poderia perder em interesse. 10 Vários autores no Império cha- mam a atenção para o número decrescente de alunos cursando as humanidades nos EUA, e culpam a Teoria por isso; restaria saber se, com a sua ausência, os índices não seriam muito piores. Vistos assim, esses argumentos parecem girar em falso, atacando algo a partir de um lugar que não se sustenta. Nesse contexto, um ensaio em especial da coleção merece des- taque. Em “Construcionismo social: filosofia para o meio acadêmi- co”, Mark Bauerlein *^ começa caracterizando uma crença que ali- menta muito da Teoria atual, segundo a qual, como todo conheci- mento é uma construção: o que existe são conhecimentos diferen- tes, com o mesmo grau de relatividade, de forma que não é possível (^9) Como no caso de Freadman & Miller, antologizado em O Império da Teoria , que propõe um modelo ético de leitura, a partir de uma noção substantiva do huma- no (FREADMAN, Richard, MILLER, Seumas. Re-pensando a teoria: uma crítica da teoria literária contemporânea. São Paulo: Editora da Unesp, 1994). (^10) Isso fica claro no comentário de Jonathan Culler (CULLER, Jonathan. Teoria Literária: uma introdução. Trad. Sandra Guardini. T. Vasconcelos. São Paulo: Be- ca, 1999: 53-55), de que nunca se escreveu tanto sobre Shakespeare, mas nunca se teve tão pouco interesse pelos outros escritores elizabetanos. A pergunta que fi ca, claro, é em que medida o conhecimento destes não seria uma precondição para a compreensão daquele.
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lhes transcender para se chegar a alguma espécie de objetividade. A escolha entre uma ou outra construção passa a ser moral; a verda- de é substituída pela tática. O ponto forte do texto é conectar es- sa concepção errônea com o modus operandi da academia norte- americana dos dias de hoje:
Esta é a vantagem simples e banal do construtivismo social: ele eco- nomiza tempo. Verdade, fatos, objetividade – eles exigem leitura demais, visitas demais à biblioteca, tempo demais solicitando ma- teriais de outras bibliotecas, investigando microfilmes, conferindo fontes e projetando-se para além de modas acadêmicas que vêm e vão. Uma filosofia que desautoriza as fundações dessa pesquisa de- morada é uma benção profissional. É o sistema de crenças dos pes- quisadores que precisam de um álibi para não ler aquele livro a mais, para viajar para os arquivos, ou dar ouvidos a outros pontos de vis- ta. Eis porque o construcionismo representa o credo predominante nas humanidades hoje. Ele é a epistemologia da pesquisa com pres- sa, dos professores sob pressão, sob a mira do revólver.* Ou seja, a indiferenciação das construções adequa-se muito bem ao ímpeto produtivista da universidade contemporânea. E o mesmo pode ser dito em relação ao discurso da pós-moderno da abundância,*^ dos trans- (transdisciplinaridade, transculturalidade...) e multi- (multiculturalismo etc.), que de antemão dispensam um dis- cernimento agudo, além do confronto e do antagonismo. Se isso for verdadeiro, então haveria um tipo de prática teórica que estaria mais adequada ao modo de produção acadêmica norte-americano.^11 Em um pequeno grande livro de 2004, Lindsay Waters, Edi- tor Executivo da Cambridge University Press para a área de hu- manas, caracterizou bem a crise pela qual passa a academia norte- americana ao defini-la como uma crise de superprodução de textos
(^11) A universidade compartilharia, assim, de uma tendência social geral de superprodu- ção semiótica do capitalismo tardio. Sua excessiva geração de sentido não destoa do bombardeamento que todos sofrem, cada vez mais, no cotidiano de qualquer cida- de minimamente tecnologizada, e que converte o silêncio em mercadoria de luxo.
(^) (Ibid.: 353.)
(^) (DURÃO, Fabio Akcel- rud. “A postmodern para- dox”. Ipótesi , Juiz de Fora, no prelo.)
(^) (WATERS, Lindsay. Enemies of Promise. Publishing, Pe- rishing and the Eclipse of Scholarship. Chicago: Pri- ckly Press, 2004: 7-36.)
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Fabio Akcelrud Durão Formou-se magna cum laude em Português/Inglês pela UFRJ, e ob- teve o mestrado em Teoria Literária pela UNICAMP. Seu doutora- do foi feito na Duke University, onde estudou com Frank Lentric- chia e Fredric Jameson. Publicou Modernism and Coherence (Peter Lang, 2008), além de diversos artigos no Brasil e no exterior nas áreas de teoria literária e crítica da cultura. Seus interesses de pes- quisa incluem a Escola de Frankfurt, o modernismo de língua in- glesa e a teoria crítica brasileira.
Resumo O presente texto investiga uma faceta da atual crise dos estudos literários, manifestada na transição entre a teoria literária para a Teoria. Através do confronto de duas recentes obras, que se torna- ram referência no debate norte-americano, o ensaio chama a aten- ção para os avanços conceituais inegáveis promovidos pela Teoria, que, no entanto, ocorrem em meio a uma crescente alienação e po- tencial fi listinismo. O artigo termina com observações a respeito da adequação de certo discurso teórico ao modo de produção aca- dêmico de hoje – cada vez mais quantitativo.
Palavras-chave : Teoria; teo- ria literária; Norton Antholo- gy of Theory and Criticism; Theory’s Empire; modo de produção acadêmico.
Key words : Theory; literary theory; Norton Anthology of Theory and Criticism ; Theo- ry’s Empire ; academic mode of production. Mots-clés : Thérie; théorie littéraire; Norton Antholo- gy of Theory and Criticism ; Theory’s Empire ; mode de production académique.
Recebido em 01/02/ Aprovado em 10/03/
Abstract This paper investigates the cur- rent crisis of literary studies as it is expressed by the tran- sition from literary theory to Theory. Comparing two recent works, which became important references in the debate in the United States, this essay calls at- tention to the undeniable con- ceptual progress brought about by Theory, which, however, took place amid an increasing alienation and potential philis- tinism. This article ends with re- marks on how certain theoret- ical discourses fit into the cur- rent academic mode of produc- tion – more than ever ruled by quantitative parameters.
Résumé Ce texte analise une facette de la présente crise des études littérai- res, manifeste dans la transition entre la théorie littéraire et la Théorie. Par le biais de la confron- tation entre deux oeuvres récen- tes, qui sont devenues référentiel- les dans le débat nord-américain, cet essai attire l’attention sur les avancées conceptuelles indénia- bles promues par la Théorie, qui ont pourtant lieu parmi une alié- nation croisssante et un philistis- me potentiel. Cet article termine sur des observations à propos de l’adéquation d’un certain discours théorique au mode de production académique d’aujourd’hui – de plus en plus quantitatif.