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Desde a publicação da obra de. Darwin, a sua teoria, por um lado, tem provocado a rejeição de Deus por parte de muitos de seus adeptos e, por outro, tem sido ...
Tipologia: Notas de estudo
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Veritas Porto Alegre v. 56 n. 2 maio/ago. 2011 p. 84-
João a. macdowell* Resumo – A evolução cósmica e biológica é hoje um fato universalmente admitido pela comunidade científica. muitos julgam que essa posição científica é incompatível com a aceitação de um Deus criador do mundo, seja que neguem a criação em nome da evolução, seja que rejeitem a evolução em nome da fé. o artigo pretende apontar a inconsistência do dilema “evolução ou criação”, mostrando, mediante uma reflexão filosófica, que ele deriva de uma falsa compreensão do método e do alcance tanto das ciências positivas como da teologia. Defende, além disso, que compete aos cientistas verificar se o neodarwinismo da teoria sintética é ou não uma explicação científica satisfatória dos fenômenos. Afirma, porém, que também essa teoria seria compatível com uma ideia adequada de criação, mesmo que não recorra, para explicar a evolução, nem à intervenção de uma causa eficiente trans- empírica, nem a uma inteligência superior que oriente o processo evolutivo para determinados fins. Com efeito, a ação criadora de Deus que confere o ser e agir a toda a realidade natural e a orienta, de algum modo, para seus fins, tem um caráter transcendente, e, por princípio, não pode ser detectada pela investigação científica, mas, tão somente, pela reflexão filosófica. PAlAvRAs-ChAve – evolução. Criação. Neodarwinismo. método científico. Reflexão filosófica. AbstRACt – Cosmic and biological evolution is universally accepted by the scientific community today. many people, however, believe that this scientific position is irreconcilable with the idea of a world- creator God; they either deny creation in virtue of evolution or reject evolution in virtue of their faith. this paper does not intend to prove God’s existence. Its purpose is to show the fallacy of the evolution/ creation dilemma and to explain by means of philosophical reflection that this dilemma arises from a false understanding of the respective
methods and purviews of the positive sciences and theology. moreover, the paper maintains that it falls to scientific research to establish whether the neo-darwinian theory of evolution provides a satisfactory explanation of the phenomena or not. It claims nevertheless that such a theory, should it be definitively confirmed, could also be compatible with an appropriate understanding of creation, even if its explanation of evolution does not appeal to the intervention of an efficient trans- empirical cause nor to a higher intelligence which would guide the evolutionary process towards its goals. In fact, if God exists, then God’s creative action, which gives being and act to the whole natural reality and guides it towards its ultimate ends, has a transcendent character and by no means can it be detected by scientific research, but only by philosophical thinking. KeywoRDs – evolution. Creation. Neo-darwinism. scientific method. Philosophical reflection. Introdução o segundo centenário do nascimento de Charles Darwin em 2009, que coincidiu com os 150 anos da publicação de sua célebre obra “On the Origin of Species by means of natural selection” , renovou também no brasil o debate sobre a teoria da evolução. Não se trata apenas de discussões científicas sobre o fato da evolução das espécies biológicas ou sobre os mecanismos que a poderiam explicar. o que atiça os ânimos, nesse contexto, é, sobretudo, a questão da compatibilidade entre evolução e criação , entre a aceitação da teoria da evolução e a aceitação da criação do universo e da vida por Deus. A tensão se estabelece, assim, entre uma visão religiosa ou cristã e uma visão agnóstica ou atéia da existência. em contraste com essa abordagem polêmica da problemática da evolução, propomos a seguinte tese fundamental : não há contradição entre a aceitação da ideia científica da evolução e a afirmação da criação do universo e da vida por Deus. Como veremos, a reflexão teológica pode mostrar que a ideia cristã da criação por Deus não é incompatível com a teoria científica da evolução. No entanto, a teologia, como tal, enquanto se funda na fé, não pode oferecer uma solução ao dilema “evolução ou criação”. A discussão desse problema, numa perspectiva puramente racional, compete propriamente à filosofia. e é na perspectiva filosófica que o tema será abordado neste artigo. Nele, procuraremos demonstrar que a oposição entre evolução e criação é um falso dilema. Com efeito, uma vez que o problema da existência de Deus e da criação do mundo, por escapar à verificação experimental, não pertence ao âmbito das ciências positivas, como a biologia, não pode ser resolvido por elas. É um problema de caráter
em princípio, pode-se tentar explicar cientificamente a origem dos seres vivos de dois modos básicos. Por um lado, pelo fixismo, segundo o qual as espécies de organismos atuais permanecem inalteradas desde que surgiram na terra. esta posição hoje abandonada contrapõe-se à teoria da evolução biológica, formulada no contexto da evolução cósmica e geológica. em uma primeira aproximação, podemos caracterizar a evolução biológica como a afirmação de que as espécies de organismos atualmente existentes surgiram na terra a partir de outras espécies de organismos que foram se diferenciando ao longo do tempo^2. tomada em sentido pleno, a evolução biológica implica que todos os organismos vivos descendem de uma mesma espécie originária de organismos muito simples. supõe, portanto, um único tronco comum , a partir do qual foram se diversificando novos tipos de organismos em sucessivas transformações até o surgimento das espécies atuais, que, em princípio, seguem evoluindo. Nessa perspectiva, o mundo da vida pode ser comparado a uma árvore cujos ramos vão se multiplicando e diferenciando cada vez mais ao longo do tempo a partir do tronco comum. 1.1 Fato da evolução o próprio processo de evolução do universo manifesta uma tendência da matéria para a auto-organização , passando dos núcleos atômicos, aos átomos e desses a moléculas sempre mais complexas, até os ácidos nucléicos, como o ácido desoxirribonucléico (DNA) e o ácido ribonucléico (RNA), que apresentam uma nova característica: a capacidade de replicação e memória , pela qual a mesma estrutura se reproduz^3. mas, fala-se propriamente de vida quando o material genético é individualizado mediante a constituição de uma membrana que envolve o citoplasma, constituindo a célula orgânica^4. esse fato ocorreu na terra há cerca de 3,7 bilhões de anos. (^2) A espécie, composta por organismos individuais, corresponde ao nível inferior da classificação biológica. Não há definição precisa de espécie biológica. Do ponto de vista fenotípico, trata-se de um grupo de indivíduos orgânicos que têm características comuns e (normalmente) são capazes de acasalamento para a procriação gerando descendentes férteis. Do ponto de vista genotípico, trata-se de uma população de organismos com um alto índice de semelhança genética. (^3) Fala-se de memória biológica se o estado de um sistema biológico depende de sua história passada, além das condições presentes. esta memória é genética se é recordada no material genético e estavelmente herdada pela divisão celular. (^4) o organismo vivo implica a individuação, com a distinção clara entre interior e exterior. As suas características básicas são: (1) composto de uma ou mais células (vírus não são células, mas parasitas de células); (2) capacidade de desenvolver-se e reproduzir- se; (3) capacidade de obter e utilizar energia; (4) capacidade de reagir e adaptar-se ao ambiente.
A partir daí, as etapas da evolução da vida são descritas grosso modo da seguinte maneira pela biologia atual. os organismos unicelulares mais simples, cuja célula não possui um núcleo, são classificados como procariotas, incluindo dois domínios: Bacteria e Archaea. um passo adiante no processo evolutivo corresponde ao surgimento do terceiro domínio, constituído pelos eucariotas ( Eukarya ), organismos unicelulares ou pluricelulares, cujas células são dotadas de núcleo.^5 todas as formas mais complexas de vida passam por esse ramo do processo evolutivo, que abrange quatro reinos de organismos:^6 Protistae (protistas, por exemplo, amebas), Fungi (fungos, por exemplo, cogumelos, mofos), Plantae (plantas) e Animalia (animais)^7. o agrupamento de células em uma unidade superior, isto é, em um organismo pluricelular, constitui um novo avanço no processo de auto- organização da matéria. Desse modo, as células vão se especializando nas suas funções, constituindo vários tipos de tecidos celulares. Alguns protistas, como algumas espécies de algas, e todos os outros eucariotas são organismos pluricelulares. outro marco decisivo na história da vida é a reprodução sexuada , resultante da fusão de dois gametas, originários de organismos pluricelulares sexualmente diferenciados. ela ocorre na imensa maioria das espécies animais e em grande parte das plantas. Na evolução dos animais é fundamental a diferenciação entre invertebrados (insetos, crustáceos, vermes, moluscos, etc.) e vertebrados. A vertebralização implica a emergência da coluna vertebral e do crânio, como proteção do sistema nervoso central. entre os vertebrados um novo patamar da evolução é alcançado com a homotermia , isto é, a manutenção de uma temperatura corporal constante e independente do meio ambiente, que distingue as aves e os mamíferos (sangue quente) dos répteis, anfíbios e peixes. Com a gestação intrauterina e a lactação, uma classe particular de vertebrados – os mamíferos – passou a oferecer (^5) o núcleo contém o material genético da célula, envolvido por uma membrana. (^6) C. woese, em 1977, distinguiu os Archaea das Bacteria , contestando a divisão então vigente dos organismos em apenas dois grupos básicos: procariotas e eucariotas. A classificação em três domínios é hoje universalmente aceita, bem como a divisão dos eucarya em quatro reinos, como exposto no texto. (^7) os animais, definidos como metazoários, isto é, organismos pluricelulares, possuem ainda as seguintes características: (1) são eucariotas; (2) são heterotróficos (ao contrário dos vegetais e outros organismos, alimentam-se de matérias orgânicas); (3) não possuem parede celular em volta da membrana celular (ao contrário dos vegetais e outros organismos); (4) são em geral capazes de mover-se por própria iniciativa; (5) a evolução de seu embrião inclui o estágio de blástula; (6) possuem órgãos sensoriais especializados para reconhecer e responder aos estímulos do am- biente.
1.3 Teoria sintética da evolução A lacuna básica do darwinismo foi suprida muitas décadas depois, pela redescoberta das leis da genética de Mendel^8 , bem como pela identificação dos genes , como elementos da estrutura celular^9 , e de suas mutações^10. surge, assim, a teoria sintética ou neodarwinismo, que explica a diferenciação das espécies pela conjugação de dois fatores básicos , as mutações genéticas e a seleção natural. Das mutações genéticas resultam novas características fenotípicas , que diferenciam os indivíduos de uma mesma população, de modo que eles passam a adaptar-se em graus diversos ao meio ambiente. Nessa perspectiva, é possível formular uma definição genética da evolução, como a soma total das mudanças herdadas geneticamente nos indivíduos que partilham o “banco” ( pool ) de genes de uma população. em outras palavras, trata-se (^8) Gregor mendel, sacerdote católico agostiniano, foi o fundador da Genética, a partir de experimentos realizados por volta de 1860. ele estabeleceu que: (1) cada traço manifesto de um organismo (fenótipo) é determinado por um fator próprio (gene) herdado dos pais; (2) este fator é constituído por dois elementos constantes na espécie (alelos), herdados um de cada pai, e em cada indivíduo podem ser idênticos (homozigoto) ou distintos (heterozigoto); (3) um desses elementos é dominante e o outro recessivo, ou seja, não se manifesta quando o outro é distinto; (4) por conseguinte, um traço não manifesto em um indivíduo pode ser transmitido aos descendentes. os termos entre parênteses são posteriores a mendel. (^9) A articulação das leis da hereditariedade com a estrutura celular (genes, cromossomos, etc.) e a descoberta das mutações genéticas como fator decisivo da evolução das espécies devem-se, sobretudo, às investigações do norte-americano thomas h. morgan e seus colaboradores, a partir do início do século 20. Do ponto de vista biomolecular, um gene é um segmento (sequência específica de ácidos nucléicos) de um cromossomo ao qual corresponde um código específico, isto é, uma informação para produzir determinada proteína e assim definir uma característica do organismo. Cromossomo é uma estrutura de DNA e proteínas, localizada no núcleo das células dos eucariotas. Cada cromossomo contém uma única molécula de DNA, extremamente longa, formada de duas cadeias de nucleotídeos unidas em forma de espiral helicoidal. Cada célula corporal (diplóide), resultante nos organismos sexuados da fusão de duas células germinais (haplóides), esperma e óvulo, contém dois conjuntos de cromossomos, sendo cada um desses conjuntos formado pelos alelos de todos os genes característicos do organismo respectivo. o genoma é o conteúdo genético total de um organismo integrado em um ou mais cromossomos. As células humanas contêm 46 cromossomos, com milhares de genes (cerca de 20 a 25 mil). (^10) mutações são mudanças nos genes, que podem provocar uma alteração no padrão normal (alelo prevalente) da população. Considera-se que o padrão normal é alterado quando a mutação atinge menos de 1% da população. Caso contrário, fala-se de polimorfismo. trata-se de mudanças hereditárias que atingem as células germinais, ao contrário das mutações nas células somáticas, que podem transmitir-se pela multiplicação destas células no mesmo organismo, mas não passam aos descendentes. As mutações podem ser causadas p.ex. por radiações ultravioleta, drogas químicas, vírus, e também por alterações internas do próprio organismo.
da mudança na frequência de determinados alelos no banco de genes de uma população. As pesquisas mais recentes obrigaram a introduzir várias modificações na compreensão neodarwiniana dos mecanismos da evolução. trata- se, em particular, de outros fatores que determinam a evolução, independentemente da seleção natural. É o caso da chamada deslocação genética, que ocorre em populações relativamente reduzidas, nas quais as leis da probabilidade para grandes números não se verificam. É assim, através da descendência de um pequeno grupo de ancestrais, que se explica a predominância do sangue tipo o entre os indígenas da América Central e do sul. também a transferência genética em função da imigração pode alterar a frequência de determinados alelos numa população. Por exemplos, os filhos de soldados norte-americanos com mulheres vietnamitas, durante a Guerra do vietnam, alteraram as frequências no banco de genes da população do país. entretanto, a correção mais significativa da teoria sintética refere-se à explicação do mecanismo da evolução, mediante alterações morfológicas mínimas, que vão se acentuando cumulativamente ao longo de grandes períodos de tempo. embora essas transições lentas e progressivas sejam constatadas, elas dificilmente explicam os momentos cruciais do processo evolutivo. De fato, as observações atuais levam a crer que em vez de uma linha ascensional contínua, a evolução acontece por mudanças bruscas que ocorrem em determinados períodos seguidos de outros de relativa estabilidade da espécie. Nessa perspectiva, a seleção natural resulta, sobretudo, de mudanças radicais do ambiente provocadas por alterações climáticas correspondentes aos períodos glaciais, bem como por catástrofes resultantes, por exemplo, do choque de meteoritos ou de uma fase de violentas erupções vulcânicas. se o próprio fato da evolução apresenta as suas obscuridades, mais ainda a sua explicação pela teoria sintética. No entanto, com as ressalvas acima feitas, ela é a posição claramente predominante nos meios científicos. Com efeito, embora os mecanismos da evolução ainda apresentem vários mistérios, é inegável que a origem de novas espécies depende seja da influência do meio ambiente (seleção natural), seja das alterações do patrimônio genético. Cada espécie tem seu patrimônio genético próprio. Ao contrário, o código genético é o mesmo para todos os seres vivos existentes, de todas as espécies. trata-se do conjunto de regras pelas quais a informação codificada no material genético é traduzida em proteínas (sequências de amino-ácidos) pelas células vivas. esse é um dos argumentos mais fortes para a afirmação de que todos os seres vivos da terra descendem de uma única população original.
em concreto, de acordo com a teoria sintética, a imprevisíbilidade da evolução resulta de que um de seus fatores essenciais, as mutações genéticas , é aleatório. De fato, elas não obedecem a uma lei específica, mas podem acontecer a qualquer momento em função de inúmeras circunstâncias. Pelo contrário, a seleção natural , que exerce um crivo sobre as mutações tem um caráter determinístico, enquanto as configurações do organismo, que surgem das mutações, são efetivamente mais ou menos favoráveis à sua sobrevivência em um determinado ambiente. esse ambiente pode, porém, variar com o tempo, o que confere novamente um caráter imprevisível à evolução. Não obstante essa imprevisibilidade de sua trajetória, a evolução como tal é necessária, já que os seres vivos estão sujeitos permanentemente a um fluxo de acontecimentos capazes de transformá-los. entretanto, a resposta do organismo a essas influências exteriores não pode ser atribuída a elas. A ação dos fatores ambientais não cria a mudança; ela não é senão a ocasião para o sistema orgânico realizar as suas diferentes potencialidades. 1.4 Teorias finalísticas da evolução em contraste com o Neodarwinismo, as teorias finalísticas da evolução, nas suas várias formas, apelam para um plano da inteligência criadora, que orienta para o mais alto todo o processo evolutivo. tal é, por exemplo, a visão grandiosa que traça teilhard de Chardin da evolução criadora. ele descobre uma convergência profunda entre os dados científicos e o cristocentrismo do Novo testamento, mostrando que a flecha da evolução aponta, mais além do âmbito biológico, para o ponto Ômega, no qual se dará a comunhão definitiva de todo o universo criado com o seu Criador. em uma perspectiva estritamente científica, as recentes teorias do planejamento inteligente ( intelligent design ) insistem no caráter absolutamente improvável da trajetória da evolução, tanto no seu conjunto, como em muitos dos passos dados efetivamente ao longo do processo evolutivo. Daí a conclusão que a única explicação racionalmente satisfatória desses fenômenos é o recurso a um direcionamento da natureza para determinado fim, o que só pode acontecer por uma inteligência imaterial e superior ao mundo empírico^14. os partidários desta teoria recorrem, por exemplo, à “complexidade irredutível” da (^14) se a explicação alternativa da evolução pela teoria sintética é ou não satisfatória é uma questão que deve ser resolvida cientificamente. mas, se ela não for satisfatória, a ciência só poderá afirmar que o processo evolutivo permanece inexplicável. Apelar para uma causa trans-empírica, como fazem os defensores do planejamento inteligente, poderá ser válido. mas, não será uma posição científica, como pensam, mas filosófica, como veremos mais adiante.
célula viva. Argumentam que a origem da vida, enquanto sistema funcional integrado, depende do aparecimento simultâneo de uma série de fatores, cuja conjunção se torna inexplicável sem um planejamento inteligente. Com efeito, à extrema improbabilidade das mutações que originam os componentes da célula, acresce o fato de que a emergência de cada um deles depende de todos os outros e a falta de qualquer um deles torna inviável a vida orgânica^15. essa circunstância aumenta exponencialmente a improbabilidade do efeito, ou seja, do surgimento da célula viva. 2 Posições conflitivas uma vez apresentado sumariamente o panorama atual a respeito da questão científica da evolução das espécies, podemos voltar ao nosso ponto inicial, a relação entre evolução e criação. A afirmação da incompatibilidade entre essas duas ideias constitui o denominador comum de duas posições extremas:
às genealogias bíblicas, é de apenas 6.000 anos (ou, segundo outros, 10.000). Adotando o fixismo , afirma que as plantas e os animais, hoje existentes, foram criados diretamente por Deus “segundo as suas es- pécies”, respectivamente no terceiro, quinto e sexto dias (cf. Gn 1.11-25). Admitem, portanto, que os seres humanos conviveram, por exemplo, com os dinossauros, destruídos pelo dilúvio bíblico. (b) Criacionismo moderado ( Old Earth Creationism ) Corresponde a várias posições que rejeitam uma leitura estritamente literal da bíblia, aceitando os dados da astronomia e da geologia quanto à idade do universo e da terra. Alguns admitem apenas a micro-evolução no interior da espécie ou pouco além. outros aceitam até certo ponto a origem comum das espécies biológicas (árvore filogenética da vida), mas com exceções importantes, especialmente quanto à origem da vida e do homem (a partir de outros primatas), resultante de uma intervenção direta de Deus. (c) Movimento do Planejamento Inteligente ( Intelligent Design Movement ) esse movimento de inspiração religiosa não se identifica com o criacionismo no sentido estrito, já que admite a evolução do universo e das espécies biológicas. baseia-se, como vimos anteriormente, em dados científicos comprovados, para tentar refutar o neodarwinismo, concluindo que a evolução não pode ser totalmente explicada senão como resultado do planejamento de uma inteligência criadora. Nessa perspectiva, a evolução torna-se um argumento para provar a existência de Deus. 2.2 Evolucionismo No sentido aqui definido, o evolucionismo consiste na negação da criação e da existência de Deus em nome da evolução. embora pretenda basear-se nela, não se confunde com a teoria científica da evolução. Corresponde, antes, a uma posição filosófica ou ideológica, que, como veremos, além de desconhecer os limites do método científico e a natureza da argumentação filosófica, utiliza uma ideia filosófica e teologicamente inaceitável de Deus e de criação. essas carências epistemológicas são, porém, muito comuns hoje em dia, de modo que muitos cientistas e pessoas influenciadas pela mentalidade científica e pelo prestígio da ciência aderem a esse evolucionismo. 2.2.1 O evolucionismo de Richard Dawkins tomamos Richard Dawkins como paradigma do evolucionis- mo, porque com o seu livro “Deus – um Delírio” , publicado em
200617 , ele se tornou em nossos dias um dos principais protagonistas dessa posição de combate contra a ideia de Deus e da criação em nome da evolução^18. biólogo inglês, cientista respeitado, professor da universidade de oxford, Dawkins destacou-se como publicista com o livro “o Gene egoísta”, publicado em 1976^19 , no qual com grande competência e com um estilo vivo e acessível, apresenta e justifica a evolução das espécies à luz da teoria neodarwinista. Apoiado no seu prestígio científico e no seu êxito como escritor, ele abandona pouco a pouco o campo da divulgação científica séria, para enveredar na polêmica anti-religiosa^20. essa tendência culmina em “Deus – um Delírio” , como se pode ver pela apresentação que é feita da obra, em uma resenha inteiramente favorável: “o objetivo deste texto mordaz é provocar; provocar os religiosos convictos, mas principalmente provocar os que são religiosos ‘por inércia’, levando-os a pensar racionalmente e trocar sua ‘crença’ pelo ‘orgulho ateu’ e pela ciência. Dawkins despreza a ideia de que a religião mereça respeito especial, mesmo se moderada [...]. o biólogo usa seu conceito de memes (ideias que agem como os genes) e o darwinismo para propor explicações à tendência da humanidade de acreditar num ser superior. e desmonta um a um, com base na teoria das probabilidades, os argumentos que defendem a existência de Deus [...]”^21. trata-se, portanto, de um panfleto, que, ultrapassando os limites do método científico, aborda questões filosóficas e teológicas, sem conhecimento de causa, caindo em grosseiros mal-entendidos e utilizando raciocínios destorcidos em sua argumentação contra a existência de Deus e a religião^22. Não é nosso objetivo, aqui, contestar todos esses argumentos. Interessa-nos apenas citá-lo como paradigma do evolucionismo, ou seja, expor sua crítica da existência de Deus a partir da ideia de evolução. (^17) são Paulo: Companhia de letras, 2007 [ The God Delusion , boston/New york: houghton mifflin Company, 2006]. (^18) outro propagandista contemporâneo do ateísmo a partir da evolução é o filósofo norteamericano Daniel C. Dennet, especialmente nas obras Darwin`s Dangerous Idea: Evolution and the Meaning of Life , New york: simons & schuster, 1995, e Breaking the Spell , 2006 [ Quebrando o Encanto. A religião como fenômeno natural , são Paulo: Globo, 2006]. (^19) The Selfish Gene , New york / oxford: oxford univ. Press, 3 2006. (^20) Referimo-nos a obras como por exemplo O relojoeiro cego [ The Blind Watchmaker ] e Escalando o Monte Improvável [ Climbing Mount Improbable ]. (^21) sinopse da “livraria Cultura”: www.livrariacultura.com.br, acessada em outubro
(^22) É o que constata um critico sério e competente: ”one of the most melancholic aspects of The God Delusion is how its author appears to have made the transition from a scientist with a passionate concern for truth to a crude antireligious propagandist who shows a disregard for evidence.” (Alister mcGrath, The Dawkins Delusion. Atheist Fundamentalism and the Denial of the Divine , london: sPCK, 2007, p. 27).
sua argumentação. A existência de Deus é praticamente impossível, incompatível com a evolução^26. Com efeito, Deus seria, por hipótese, aquela inteligência extraordinária ( designer ) postulada para explicar a organização admirável, extremamente improvável, dos seres vivos, como a existência de um boeing 747, para ser compreendida e explicada, requer a existência dos engenheiros que o concebem e dirigem a sua construção. ora, se a organização complexa dos seres vivos é algo extremamente improvável (mas pode ser explicada pela seleção natural), a complexidade da inteligência que os teria planejado seria ainda maior e, portanto, mais improvável. Portanto, recorrer a essa hipótese não soluciona o problema, antes cria um novo problema^27. mas, não é só a maior improbabilidade da inteligência planejadora que constitui problema. o próprio recurso a essa explicação já é problemático, segundo Dawkins. Com efeito, se a inteligência divina explica a evolução, como se explicaria a inteligência divina, pergunta ele. o recurso à inteligência divina leva a retroceder indefinidamente na explicação e, portanto, a não explicar o que se pretende. Daí a nova conclusão: sendo a hipótese de uma inteligência divina planejadora dos organismos vivos imensamente improvável e mesmo incoerente, a existência de Deus é incompatível com a racionalidade científica. 3 Discussão do criacionismo e do evolucionismo 3.1 Pressupostos para a solução do conflito entre evolução e criação Face ao criacionismo e ao evolucionismo, afirmamos a compatibilidade entre criação e evolução, desde que as noções de criação e evolução sejam corretamente entendidas e aplicadas. Para tanto, é necessário:
3.1.1 Ideia de Deus tanto o criacionismo como o evolucionismo referem-se ao Deus cristão, conforme é concebido tradicionalmente pelo monoteísmo ocidental. ora, esse Deus é entendido como: uma realidade imaterial, infinitamente perfeita, distinta da realidade humano-mundana, que depende inteiramente desse princípio divino para ser e agir. evidentemente, nem todos os filósofos admitem a existência de Deus. entretanto, o problema aqui abordado não é o da existência de Deus. trata-se de saber se a ideia de um Deus criador do mundo, acima esboçada, é compatível com a ideia da evolução. Não interessa, portanto, discutir aqui os vários argumentos a favor e contra essa existência. o nosso objetivo é apenas verificar se a aceitação da evolução exclui a existência de Deus , como pensam tanto os evolucionistas, como Richard Dawkins, quanto os criacionistas radicais. 3.1.2 Distinção entre conhecimento científico, filosófico e teológico (a) Princípio hermenêutico geral As teorias científicas e as conclusões nelas fundadas não podem conflitar , em princípio, com as afirmações teológicas ou filosóficas , porque não se referem à mesma coisa sob o mesmo aspecto. A contradição implica que o objeto da afirmação e negação seja encarado sob a mesma perspectiva. se ele é considerado sob diferentes pontos de vista não pode haver contradição entre o que dele se diz. Nesse sentido, a tradição escolástica distingue, na compreensão de algo, entre o objeto material, a coisa como tal, e o objeto formal, o aspecto sob o qual a coisa é considerada. A falta de clareza sobre essa distinção leva a equívocos e contradições aparentes, quando um termo, empregado em contextos diferentes, é entendido no mesmo significado. Por exemplo: as duas proposições “o sol move-se no céu ao longo do dia” e “o sol não se move no céu ao longo do dia” são verdadeiras e não implicam contradição, desde que sejam feitas de diferentes perspectivas hermenêuticas , isto é, diferentes pontos de vista na interpretação da realidade. Com efeito, do ponto de vista da percepção imediata, a trajetória do sol do nascente ao poente é algo não só absolutamente certo, mas fundamental, enquanto regula os ritmos tanto da vida humana, como de toda a natureza na terra. Por outro lado, na perspectiva científica da teoria heliocêntrica, fundada em observações seguras, é também certo que o movimento do sol no céu é aparente, como consequência da rotação da terra em volta de seu eixo. Isto não significa que a explicação científica seja, em última análise, a única verdadeira e a percepção natural
ocidente com Deus, conforme definido acima. Portanto, a noção de criação, enquanto constitui uma resposta conceitual à questão sobre o sentido último da realidade é uma noção filosófica. A filosofia distingue-se da teologia, enquanto pretende responder à questão do sentido último da existência, não refletindo racionalmente sobre o conteúdo de uma revelação divina, acolhida de antemão na fé, mas buscando tal resposta mediante a investigação da razão sem qualquer pressuposto religioso. evidentemente, nem todos os filósofos admitem que a existência de Deus seja a resposta racional ao problema da realidade no seu todo. entretanto, o nosso objetivo não é discutir tal problema. trata-se apenas de verificar se a aceitação da evolução exclui a existência de Deus , como pensam tanto os evolucionistas, como Richard Dawkins, quanto os criacionistas radicais. É preciso, contudo, ter presente que a nossa reflexão pressupõe a recusa do empirismo positivista , isto é, de qualquer posição filosófica que considere o método científico a única via de acesso ao real. muitos cientistas, bem como certas correntes filosóficas, têm a tendência a assumir essa atitude. entretanto, a própria questão sobre a natureza e os limites do método da ciência é uma questão filosófica. evidentemente, para quem nega qualquer conhecimento trans-empírico, a ideia de Deus e da criação do mundo e muito mais a afirmação dessas realidades não tem o menor sentido. É nessa suposição, todavia, que iremos argumentar. Como já dissemos, não se trata de demonstrar a existência de Deus, mas de mostrar que a teoria sintética da evolução, não é incompatível com a existência de um ser infinitamente perfeito e criador, isto é, fundamento último de toda a realidade finita. (d) Natureza do conhecimento científico Antecipando a conclusão de uma breve análise da natureza e do método da ciência moderna, afirmamos que a ciência é metodologicamente agnóstica. o cientista pode naturalmente posicionar-se sobre a questão de Deus, mas a sua posição não pode logicamente basear-se em teorias científicas. O método científico exclui a afirmação ou negação de Deus : as ciências positivas ou empíricas (física, química, biologia, sociologia, etc.), em um primeiro passo, observam os fenômenos naturais , isto é, aquilo que se manifesta na experiência humana, pressupondo a sua regularidade. Por exemplo, a partir de certas observações, mediante um processo indutivo, cuja validade é pressuposta, estabelece-se o ponto de fusão da água em condições normais de pressão, isto é, que a água no nível do mar, enquanto submetida à pressão de uma atmosfera, ferve a 100 graus.
em um segundo momento, a ciência procura explicar tais fenômenos , determinar as suas causas, os fatores que os suscitam. esta explicação tem o caráter de uma hipótese , que é acolhida pela comunidade científica, na medida em que as suas consequências são confirmadas por certas observações específicas (testes ou experimentos), isto é, enquanto não seja falsificada ou desmentida por novas observações e, por conseguinte, substituída por outra hipótese que explique melhor o conjunto dos fenômenos em questão. em suma, a ciência explica fenômenos observáveis por outros fenômenos observáveis direta ou indiretamente. ora, Deus , se existe, não é uma realidade intramundana, um fenômeno observável. É o que fica claro a partir da ideia de Deus, própria do cristianismo e das religiões monoteístas, bem como da tradição filosófica do ocidente, conforme foi exposto acima. sendo assim, a ciência, não pode recorrer a Deus para explicar os fenômenos, nem vice-versa, excluir a existência de Deus a partir da sua explicação dos fenômenos. ela não pode falar de Deus, nem para afirmar, nem para negar a sua existência. em outras palavras, Deus não é uma hipótese que possa ser verificada ou falsificada pela investigação científica. A questão da existência de Deus é estritamente filosófica. Daí se segue também que Deus, se existe, não está sujeito às leis naturais, que se aplicam aos fenômenos observáveis empiri- camente^28. A ciência pode constatar que um fenômeno atualmente é cientificamente inexplicável. mas, enquanto ciência, não pode tirar nenhuma conclusão sobre uma causa não-natural do fenômeno. se Deus existe, pode ser que a causa deste fenômeno seja uma ação direta dele. mas, isso não seria uma conclusão científica, mas filosó- fica. A ciência não pode falar da causa do mundo como um todo : o método científico permite explicar a conexão entre os fenômenos observáveis, ou seja, a ciência explica as realidades intramundanas nas suas relações mútuas. mas, não pode dizer nada sobre o mundo como um todo , porque as leis científicas se referem apenas às causas dos fenômenos intramundanos. Na expressão “o mundo como um todo”, o todo não significa a soma das partes do mundo físico, nem simplesmente a sua extensão espacial, mas a realidade do mundo como tal, o que caracteriza radicalmente o seu modo de ser. ora, essa não é uma abordagem cientifica, (^28) Portanto, não tem sentido conceber a inteligência divina criadora, como pretende Dawkins no argumento exposto acima, com o objetivo de descartar a sua possibilidade lógica, como resultado de um processo evolutivo da natureza, capaz de produzir uma realidade mais complexa do que os organismos a serem por ela explicados. trata-se, na concepção teísta, de uma realidade transcendente e pré-existente ao mundo.