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Uma análise psicodinâmica da concepção da mãe morta, teorizada por andré green, através da vida e obra de edgar allan poe. O texto aborda a importância de contextualizar historicamente, social e culturalmente o autor para entender a teoria de green sobre a mãe morta. O documento também detalha a infância e a vida adulta de edgar allan poe, incluindo suas obras mais conhecidas que tratam da mãe morta, como 'the fall of the house of usher' e 'the masque of the red death'.
Tipologia: Notas de estudo
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Orientador de Dissertação: PROF. DOUTOR LUÍS ROMANO DELGADO Professor de Seminário de Dissertação: PROF. DOUTOR LUÍS ROMANO DELGADO Tese submetida como requisito parcial para obtenção do grau de: MESTRE EM PSICOLOGIA Especialidade em Psicologia Clínica 2017
ii Dissertação de Mestrado realizada sob a orientação de Prof. Doutor Luís Romano Delgado, apresentada no ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida – para obtenção de grau de Mestre na especialidade de Psicologia Clínica, conforme despacho de DGES nº19 673/2006, publicado em Diário da República, 2ª série, de 26 de Setembro de 2006.
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A conclusão deste trabalho revelou-se, para mim, um processo tumultuoso e moroso – pois a isso também o tema e o autor obrigam – no entanto, acabou por se tornar muito recompensador. Quero, por isso, agradecer a todas as pessoas que me acompanharam durante este percurso tão importante para a minha formação profissional e pessoal. Gostaria de agradecer em primeiro lugar ao Professor Doutor Luís Delgado, meu orientador durante todo este processo, por todos os ensinamentos fundamentais que me transmitiu, por todo o apoio e por ter acreditado em mim, mesmo quando me parecia impossível terminar este trabalho. Também a todos os colegas e amigos com os quais tive o privilégio de me cruzar durante o meu percurso académico, em especial àqueles com os quais troquei opiniões sobre este trabalho, aos que me fizeram companhia nas minhas “pausas para café” e a todos os que de alguma forma me incentivaram a terminar este projecto. Em especial, ao Tiago Miranda e ao Peter Taylor, pelas nossas conversas, troca de ideias e por todo o apoio! Gostaria ainda de agradecer à Ana Fernandes, Frederico Guerreiro, João Almeida, Soraya Morais, André Ramos, Cátia Faria, Ana Frade, Ana Rita Lopes, André Calado, Alesandro Francisco, António Oliveira e Ana Silva por todo o apoio. À biblioteca do ISPA e a todos os que lá trabalham, pelo esforço e dedicação que colocam em tudo aquilo que fazem e que tornam este nosso espaço tão acolhedor, funcional e indispensável! Não poderia deixar de agradecer a toda a minha família, em especial ao meu Pai, Irmã e Avós. Obrigada a todos pelo carinho e compreensão! E, em particular, à minha Mãe que acompanhou de perto o crescimento e finalização deste projecto e que tanto me apoiou! Por último, mas não menos importante, gostaria de agradecer e dedicar este trabalho ao Nuno. Obrigada por todos os “cafésinhos”, por todo o carinho, motivação, pela tua muita paciência durante este processo, que também para ti foi penoso, e acima de tudo, por acreditares em mim. Obrigada por todos os dias, todos os momentos, por tudo! Sem o vosso apoio este trabalho não seria possível!
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A presente dissertação tem como objectivo último a observação do conceito da Mãe Morta, teorizado por André Green, através da análise psicodinâmica da vida e obra de Edgar Allan Poe – um dos escritores mais emblemáticos, poeta e crítico literário norte-americano do século XIX. Como tal, começou-se por realizar uma pequena revisão teórica de conceitos considerados fundamentais para a referida análise – criatividade, arte/literatura e Mãe Morta – tendo sido considerado essencial realizar uma pequena contextualização histórica, social e cultural do autor. O presente projecto constitui-se como um estudo de caso individual, analisando aspectos da vida e obra do autor, tendo os mesmos sido interpretados através de uma abordagem psicodinâmica. Selecionaram-se 6 contos e 2 poemas para possibilitar uma análise ainda mais aprofundada, aplicando o conceito da Mãe Morta à produção literária do autor. No final deste projecto julgamos ter encontrado evidências claras da presença do referido conceito teorizado por André Green, quer na vida, quer na obra, do autor Edgar Allan Poe. Edgar Allan Poe; Literatura; Psicanálise; Criatividade; Mãe Morta;
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O génio criativo e a sua obra constituem uma das dimensões mais fascinantes e misteriosas da mente humana. Não é suficiente observar apenas a genesis e vida do autor, mas também o conteúdo da sua criação. A mensagem que nos é oferecida, através dos diversos meios expressivos e artísticos, muitas vezes contém segredos preciosos sobre a nossa própria existência enquanto seres humanos. Estas são compostas por sentimentos, afectos e experiências que não seriam possiveis de serem transmitidos de outra forma, com a mesma dimensão, impacto e convicção. A obra criativa do sujeito é um portal para o seu mundo psicológico e a sua experiencia única, uma dádiva à espera de ser decifrada que contribui para a construção do conhecimento sobre a própria psique, e do que significa ser humano. A presente dissertação visa analisar a vida e obra do escritor norte-americano do século XIX, Edgar Allan Poe, encontra-se dividido em duas partes: uma primeira – enquadramento teórico – onde são abordadas algumas teorias que se julgam importantes para a posterior análise à vida e obra do referido autor; uma segunda parte referente à – análise de aspectos biográficos e literários – , que se consideram essenciais para a compreensão de Edgar Allan Poe. Desta forma, procurou-se explicitar o conceito da criatividade, em especial na sua concepção psicanalítica. Posteriormente abordou-se o conceito de arte, mais especificamente a literatura, e as suas intrincadas relações e mútuas influências com a psicanálise. De seguida, criou- se um capítulo de contextualização onde se procurou abordar algumas temáticas que parecem ter grande influência na obra do autor como factores históricos e socio-culturais da América do século XIX; a tuberculose, doença muito prolífera e mortal na época; os movimentos literários que influenciaram o autor; e ainda a importância de Edgar Allan Poe para a literatura universal. De seguida, será essencial dedicar um capítulo ao conceito da Mãe Morta , desenvolvido pelo psicanalista André Green, uma vez que tal teoria se revelará essencial para a aposterior análise. Assim, refere-se à definição do conceito da Mãe Morta , as suas consequências e ainda se equaciona a aplicabilidade ao autor Edgar Allan Poe. Tal como referido anteriormente, na segunda parte deste trabalho iremos analisar alguns dados biográficos que consideramos essenciais para compreender o autor e onde julgamos poder encontrar indícios da vivência da Mãe Morta. Posteriormente iremos analisar 6 contos e 2 poemas que julgamos serem os mais relevantes para a análise a que nos proposémos Este projecto tem como objectivo a exploração de temáticas relativas à criatividade, arte, literatura e, em particular, o conceito da Mãe Morta e as suas implicações na vida e obra do autor. Assim, articulando importantes contributos teóricos da psicologia dinâmica, que possibilitam uma
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Num primeiro momento será essencial estabelecer e clarificar algumas definições teóricas que permitirão posteriormente uma análise aprofundada e baseada na literatura, sobre as temáticas em causa. Desta forma, será abordada, num primeiro momento a criatividade, na sua definição mais geral, sendo focada a sua conceptualização na psicologia, em especial aos olhos do modelo psicanalítico, e ainda algumas hipóteses da função da criação artística. Posteriormente, será apresentada uma definição para “arte” e será explicitada a sua intrincada relação com a psicanálise, em particular no que respeita à literatura. De seguida, irá ser realizada uma pequena contextualização histórica, social e cultural, olhando para alguns factores que julgamos importantes para compreender o autor e a sua obra, tais como acontecimentos fundamentais na América do século XIX, o impacto da tuberculose, o movimento Dark Romanticism e o impacto que Edgar Allan Poe teve na literatura mundial. Por fim, será tratado o conceito de Mãe Morta de André Green e as consequências futuras de tal vivência, bem como a aplicabilidade de tal conceptualização a Edgar Allan Poe. Só assim, tendo todos os referidos conceitos sido explicitados e explicados, será possível a posterior análise da vida e obra do autor.
Existem cada vez mais publicações que têm como objecto de estudo a criatividade, encontrando-se esta área em claro crescimento (Runco & Albert, 2010; Malik & Butt, 2016). Mas, nem sempre foi assim. Como referem os autores Runco e Albert (2010), apesar de nos anos 20 grandes autores como Freud, Jung, Piaget Rogers e Skinner terem estudado e atribuído grande importância à criatividade, até aos anos 50 eram poucas as publicações sobre o tema. Vários autores concordam que a importância dada à criatividade, e o consequente aumento de publicações sobre o tema, teve origem na comunicação realizada em 1950 por Guilford à American Psychological Association – APA , onde o autor alertava para a falta de interesse dos investigadores em relação à criatividade (Amabile, 1983; Becker, et al., 2001; Runco, 2004; Runco & Albert, 2010; Oliveira & Nakano, 2011; Malik & Butt, 2016; Puryear, Kettler, & Rinn, 2017). Guilford revelou que dos 121,000 artigos de psicologia publicados entre 1920 e 1950, apenas 186 falavam da criatividade (Runco & Albert, 2010; Oliveira & Nakano, 2011), afirmando assim a criatividade como uma área de estudo essencial que estaria, naquele momento, a ser negligenciada. Os números acima referidos contrastam fortemente com a quantidade de publicações actuais uma vez que, a partir do momento em que a falta de publicações sobre esta temática foi evidenciada, o interesse na área intensificou-
4 se, sendo que apenas entre 1960 e 1990 foram redigidas mais de 9000 publicações sobre a criatividade (Runco & Albert, 2010; Malik & Butt, 2016), continuando a ser hoje em dia uma área de grande interesse e mote para vários trabalhos. Definição do conceito Assim, parece essencial explorar o conceito da criatividade e do pensamento criativo e, por isso, “the first step to understanding creativity is to define it.”^1 (Kaufman & Sternberg, 2010, p. 10). Poderá, pois, ser de grande utilidade observar a raiz etimológica da palavra, bem como a definição consagrada em dicionários e enciclopédias. De acordo com o Grande Dicionário da Língua Portuguesa a palavra criatividade tem a sua raiz etimológica no latim Creare , significando “tirar do nada, dar existência”, “dar origem a; gerar, formar, originar”, “dar princípio a; produzir, inventar, imaginar, suscitar” (Machado, 1981, p. 542). No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea criar significa “capacidade de dar existência a alguma coisa” ou da “qualidade que dá origem a alguma coisa, através da imaginação ou do pensamento” e ainda “capacidade de inventar, de criar, de ser criador ou criativo ou de ter capacidade inventiva” (Casteleiro, 1981, p. 1024). Assim, é possível começar a pensar que a definição de criatividade remete para a capacidade de dar existência a alguma coisa, para a capacidade de pensar, de imaginar e de inventar algo novo. Mas, no plano da investigação científica parece ser difícil chegar a uma definição consensual sobre criatividade uma vez que, tal como refere Delgado (2012) “são variadíssimas as definições para o termo criatividade e pensamento criativo ” (p. 28). Os autores Becker, et al. (2001), vão mais longe afirmando existir uma “falta de clareza cientifica” (p. 571) acerca da definição do conceito que se deve, essencialmente, à enorme variedade de significados para o mesmo termo. A título de exemplo da quantidade de definições existentes, o autor Taylor (citado em Oliveira, 1989; Malik & Butt, 2016) identificou cem definições diferentes de criatividade que haviam sido elaboradas entre as décadas de 50 e 90. Batey e Furnham (2006) referem que a criatividade já teve tantas e tão diferentes definições que, por vezes, parece um conceito esvaziado de significado. Desta forma, um dos grandes desafios colocados aos investigadores reside na clarificação da própria definição do conceito (Malik & Butt, 2016) uma vez que a criatividade enquanto constructo envolve várias interpretações (Feist, 2010; Kozbelt, Baghetto, & Runco, 2010). Tal dificuldade poderá residir no facto de a criatividade, enquanto fenómeno, poder ser abordado sob diversas perspectivas, por exemplo: em função da pessoa; do ambiente que a envolve; do processo de pensamento; ou do produto final (Becker, et al., 2001; Batey & Furnham, 2006; Malik & Butt, 2016). Assim, e segundo Simonton (citado em Malik & Butt, 2016) poderá ser difícil encontrar uma (^1) o primeiro passo para compreender a criatividade é defini-la
6 é “tirar alguma coisa do nada (do não existente), de estabelecer relações até aí não concebidas no meio, de inventar, de descobrir algo novo, de inovar” (p. 28). Segundo Runco (2004) a criatividade, e consequentemente o estudo da mesma, é hoje mais importante do que nunca uma vez que se trata de uma resposta útil e eficaz, que terá sempre de contribuir para a mudança e evolução constituindo-se, segundo o autor, como um dos motores da evolução cultural e proporcionando enormes benefícios para a sociedade. Por fim, é de salientar que o pensamento criativo é algo que é utilizado no dia a dia e em áreas tão diversas como a linguagem, matemática, música, interpessoal, etc. (Baker, Rudd, & Pomeroy, 2001), pelo que é importante que continuem a ser produzidos estudos sobre este tema, não só em psicologia, como nas mais diversas áreas do conhecimento. Criatividade e Psicanálise De acordo com Oliveira (1989) “o conceito de criação e criatividade pode ser abordado dos mais diversos pontos de vista: filosófico, artístico, económico, pedagógico, etc.” (p. 61). Importa, pois, abordar o conceito de criatividade sobre o ponto de vista da psicologia, existindo também várias definições e interpretações nesta mesma área para o conceito dependendo, entre outras coisas, da corrente ou modelo teórico a que nos referimos. Assim, julga-se pertinente averiguar como olha a psicanálise para a criatividade, uma vez que será esta a perspectiva na qual assentará a posterior análise da vida e obra do autor Edgar Allan Poe. Ao longo dos anos, foram vários os psicanalistas que escreveram e publicaram sobre o tema da criatividade. Desta forma, parece importante abordar, ainda que muito sucintamente, algumas definições e teorias acerca da criatividade entre autores como Sigmund Freud, Melanie Klein, Hanna Segal e Donald Winnicott. Apesar de Freud nunca ter chegado a formular uma teoria explícita acerca da criatividade (Oliveira, 1989) é possível observar ao longo da sua obra uma clara importância atribuída à expressão artística, tendo publicado 22 artigos que directa, ou indirectamente, tratam o tema (Segal, 1991), particularmente sobre a criação literária. Algumas dessas publicações dizem respeito a psicobiografias de artistas como Leonardo da Vinci, Miguel Ângelo, Shakespeare, Goethe e Dostoievski, entre outros, onde Freud fez uso das obras produzidas pelos mesmos como ferramenta para observar os conflitos internos e fantasias inconscientes presentes nestes artistas (Segal, 1991; Delgado, 2012). Assim, para Freud “a obra de arte (…) era como o divã onde analisava o autor” (citado em Oliveira, 1989, p. 69), sendo que a análise destas obras “do not claim to explain
7 creative genius, but they do reveal the factors which awaken it and the sort of subject matter it is destined to choose_._ ”^4 (Freud, 1949, p. 11). No texto A Interpretação dos Sonhos redigido por Freud em 1900, o autor atribui grande importância aos sonhos, ao afirmar que estes são uma via régia de acesso ao inconsciente (Freud, 1900/2009) uma vez que é o próprio inconsciente que dá origem ou cria o sonho, algo completamente novo e original (Outeiral & Moura, 2002). Assim, e tal como nos refere Delgado (2012) “Freud considerava que a criação artística era uma parte do funcionamento mental intimamente relacionada com a formação dos sonhos” (p. 47). Posteriormente, na obra Creative Writers and Day-Dreaming ( Escritores Criativos e Devaneio ) publicada em 1908 Freud aborda mais aprofundadamente a criatividade e o acto criativo, em particular a criação literária. Freud (1908/1995) inicia o texto referindo que, aqueles que não são escritores criativos, “always been intensely curious to know (…) from what sources that strange being, (…) draws his material, and how he manages to make such an impression (…) and to arouse in us emotions of which we had not even thought ourselves capable.”^5 (p. 3). O psicanalista compara aqui a criatividade do artista com o brincar da criança, referindo que o poeta, através da sua obra, é capaz de concretizar e satisfazer os seus desejos que não poderia concretizar no plano da realidade, tal como faz uma criança ao brincar (Freud, 1908/1995; Oliveira, 1989; Santeiro, 2000; Delgado, 2012). Julga-se útil olhar também para o texto de Sigmund Freud Formulações sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental uma vez que também aqui o autor regressa às suas formulações acerca da criatividade afirmando que o artista é um homem que se afasta da realidade pois é alguém que não aceita a renuncia à satisfação dos instintos, a que a realidade obriga, acabando assim por permitir que estes desejos se manifestem fantasmáticamente nas suas obras (Oliveira, 1989; Delgado, 2012). Assim, e tal como nos refere Segal (1991), embora o autor tenha abordado a temática da criatividade em vários dos seus textos, fá-lo apenas de forma superficial, nunca estabelecendo uma clara definição para o conceito. Estas primeiras abordagens da psicanálise à criatividade foram, contudo, essenciais tendo sido posteriormente trabalhadas e enriquecidas por outros autores. Assim, é possível afirmar que, para Freud, a criatividade é resultado da sublimação de desejos que não se podem expressar na realidade e que, através da simbolização, podem ser representados na produção artística (Hagman, 2009). Em semelhança com Freud, também Melanie Klein não se dedicou ao estudo da criatividade como uma temática específica tendo, no entanto, abordado o conceito (Santeiro, 2000). (^4) não tenta explicar o génio criativo, mas antes revelar os factores que o despertaram e o porquê da escolha do tipo de conteúdo ao qual estão destinados (^5) Sentimos desde sempre uma grande curiosidade por saber (…) de que fontes esse estranho ser (…) extrai o seu material, e como consegue causar tanto impacto em nós (…) e despertar-nos emoções que nem sequer pensávamos conseguir experienciar
9 todas as crianças (…) e todos os adultos brincam. Poucos se tornam artistas. Nem o sonho nem o brincar envolvem o trabalho que a arte exige, tanto a nível consciente como inconsciente. O artista necessita de uma capacidade muito especial para enfrentar os conflitos mais profundos e encontrar expressão para os mesmos (…) alcançando uma reparação duradoura na realidade, bem como na fantasia (Segal, 1991, p. 118). Concluindo, para Segal será a necessidade de elaboração das perdas e lutos que se encontra na origem do acto criador e que permite, subsequentemente, a formação de símbolos (Santeiro, 2000). Assim, o acto criativo é, na verdade, a tentativa de recriar a existência de um objecto interno que foi perdido. Nas palavras da psicanalista, o processo criativo traduz-se por uma “(…) recriação de um objeto já amado e outrora inteiro, mas agora perdido e arruinado, um mundo interno destruído (…)”, surgindo assim a criação como “(…) tentativa de recriar o mundo de novo, remontar as peças, infundir vida nos fragmentos mortos, recriar a vida.” (Segal, 1952, p. 47). Assim, a criação artística permitiria representar desejos reprimidos e inaceitáveis à consciência, numa tentativa de compreender o conflito e resolve-lo através do processo artístico (Segal, 1991). Se os autores anteriormente referidos haviam falado da criatividade de forma superficial, Donald Winnicott aborda a temática mais aprofundadamente e surge como o primeiro psicanalista a ter a criatividade como um objecto de estudo central (Santeiro, 2000; Outeiral & Moura, 2002). Para Winnicott, tanto Freud como Klein, pecam por terem deixado de parte os factores ambientais que contribuem para a criação artística (Winnicott, 1975). Assim, o autor desenvolve a teoria da existência de um Espaço Transacional , espaço este que existe entre o “interior e exterior, entre a realidade psíquica e o mundo objectivo” (Oliveira, 1989, p. 73), entre “o objectivo e o subjectivo”, e que “não é dentro e, ao mesmo tempo, não está fora” (Outeiral & Moura, 2002, p. 3), sendo que este espaço intermédio, em conjunto com o brincar e o símbolo, constituiriam o espaço da criação (Winnicott, 1975). O Viver Criativo seria, pois, a capacidade de passar do dentro para o fora, do interno para o externo, do subjectivo para o objectivo, deixar-se levar e emergir em estados não integrados, sendo depois capaz de se reintegrar (Outeiral & Moura, 2002). Tal imersão em processos mais primitivos só poderá ser possível se, quando bebé, o sujeito teve uma mãe presente e previsível, constante, que permitiu assim à criança testar momentos em que se poderia ausentar, sem correr o risco de perder a continuidade do ser (Outeiral & Moura, 2002). Assim, a Área Transitiva criada ainda na infância, como resultado da existência de uma Mãe Suficientemente Boa
10 traduz-se pela criação de uma zona neutra onde podem ser realizadas experiências e que permanecerá ao longo da vida, permitindo desta forma a experimentação artística (Winnicott, 1975; Delgado, 2012). Em jeito de conclusão, e tal como nos refere Delgado (2012) observa-se que, à luz da psicologia dinâmica, parecem existir “três mecanismos fundamentais mobilizados na actividade criadora artística” (Delgado, 2012, p. 29) ou seja, três forças que promovem a produção de uma obra de arte: a sublimação, a reparação e a função continente. Assim, Delgado conclui afirmando que os três mecanismos ocorrem em conjunto, sendo que “o acto criador insere-se num objecto de protecção/reparação face a uma ameaça interna, e para que a criação se realize é necessária a mobilização dos processos sublimatórios e da função continente” (Delgado, 2012, p. 29).