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Ética e formação profissional em Serviço Social: desafios e estratégias, Notas de aula de Ética

Este artigo discute a importância da ética na formação profissional de assistentes sociais, baseado na experiência do projeto itinerante do abepss em parceria com o cfess. A ética deve ser abordada de forma transversal em diferentes disciplinas, especialmente em ética e filosofia, e não restrita à disciplina de ética profissional. A formação ética do corpo docente e a responsabilidade de todos os envolvidos no processo educacional são fundamentais para a internalização do código de ética profissional.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Jorginho86
Jorginho86 🇧🇷

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ÉTICA E SERVIÇO SOCIAL: UM ITINERANTE CAMINHAR
ETHICS AND SOCIAL SERVICE: AN ITINERANT WALK
Adrianyce A. Silva de Sousa1
Silvana Mara Morais dos Santos2
Priscila Cardoso3
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo discutir, a partir da experiência do
Projeto Itinerante desenvolvido pela Gestão da ABEPSS 2011-2012 em par-
ceria com o CFESS, a questão da ética na formação profissional em Serviço
Social na atualidade. Para tanto, a elaboração deste material partiu da
compilação e sistematização dos Relatórios dos Regionais da ABEPSS das
experiências do Projeto ABEPSS Itinerante, no que se refere ao módulo
04, “A Ética na Formação Profissional”. Assim, apontamos aqui um con-
junto de questões que atravessam e problematizam a formação dos futu-
ros assistentes sociais, à luz de uma necessária reflexão ética.
Palavras-chave: Ética. Serviço Social. Formação.
1 Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ.
Profª Adjunta da UnB – Curso de Serviço Social. Coordenadora do Núcleo de
Estudos, Pesquisa sobre Teoria Social, Trabalho e Serviço Social – NUTSS. Vice-
presidente Regional da ABEPSS Centro-Oeste Gestão 2011-2012
2 Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE.
Profª do curso de Graduação e Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN.
Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Trabalho, Ética e Direitos e
membro do GTP – ABEPSS – Ética, Direitos Humanos e Serviço Social. Ministrou
o Módulo IV – “A Ética na Formação Profissional”, no Projeto ABEPSS Itinerante,
na turma do Regional Nordeste.
3 Doutora em Serviço Social pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo.
Profª Adjunta da UNIFESP/BS – Curso de Serviço Social. Co-Coordenadora do
Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Ética e Trabalho Profissional
NEPETP. Membro do Núcleo de Bioética do Campus BS. Ministrou o Módulo IV
– “A Ética na Formação Profissional”, no Projeto ABEPSS Itinerante, nas turmas
dos Regionais Centro-Oeste e Norte.
Brasília (DF), ano 13, n. 25, p. 33-61, jan./jun. 2013.
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ÉTICA E SERVIÇO SOCIAL: UM ITINERANTE CAMINHAR

ETHICS AND SOCIAL SERVICE: AN ITINERANT WALK

Adrianyce A. Silva de Sousa 1

Silvana Mara Morais dos Santos 2

Priscila Cardoso 3

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo discutir, a partir da experiência do Projeto Itinerante desenvolvido pela Gestão da ABEPSS 2011-2012 em par- ceria com o CFESS, a questão da ética na formação profissional em Serviço Social na atualidade. Para tanto, a elaboração deste material partiu da compilação e sistematização dos Relatórios dos Regionais da ABEPSS das experiências do Projeto ABEPSS Itinerante, no que se refere ao módulo 04, “A Ética na Formação Profissional”. Assim, apontamos aqui um con- junto de questões que atravessam e problematizam a formação dos futu- ros assistentes sociais, à luz de uma necessária reflexão ética. Palavras-chave : Ética. Serviço Social. Formação.

1 Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Profª Adjunta da UnB – Curso de Serviço Social. Coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisa sobre Teoria Social, Trabalho e Serviço Social – NUTSS. Vice- presidente Regional da ABEPSS Centro-Oeste Gestão 2011- 2 Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Profª do curso de Graduação e Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Trabalho, Ética e Direitos e membro do GTP – ABEPSS – Ética, Direitos Humanos e Serviço Social. Ministrou o Módulo IV – “A Ética na Formação Profissional”, no Projeto ABEPSS Itinerante, na turma do Regional Nordeste. 3 Doutora em Serviço Social pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo. Profª Adjunta da UNIFESP/BS – Curso de Serviço Social. Co-Coordenadora do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão sobre Ética e Trabalho Profissional – NEPETP. Membro do Núcleo de Bioética do Campus BS. Ministrou o Módulo IV

  • “A Ética na Formação Profissional”, no Projeto ABEPSS Itinerante, nas turmas dos Regionais Centro-Oeste e Norte.

Brasília (DF), ano 13, n. 25, p. 33-61, jan./jun. 2013.

ABSTRACT

This article aims to discuss, from the experience developed by Projeto ABEPSS Itinerante in 2011-2012 management in partnership with CFESS, the question of ethics in social service professional formation today. For this purpose, the preparation of this material came from the collection and systematization of the Reports of ABEPSS Regionals about ABEPSS Itinerante experiences, with regard to module 04, “Ethics in Professional Formation.” So, here we point out a number of issues that cross and question future social workers formation in the light of a necessary ethical reflection. Keywords : Ethics. Social Service. Formation. Submetido em 31/03/2013 Aceito em 02/06/ Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina. Cora Coralina

INTRODUÇÃO

Qualquer análise acerca da experiência do projeto – ABEPSS Itinerante: as diretrizes curriculares e o projeto de formação profis- sional do Serviço Social – será necessariamente indicativa e apro- ximativa dada à riqueza e diversidade das questões vivenciadas nas atividades desenvolvidas em todo o Brasil pelos regionais da ABEPSS. Dessa forma, apresentamos aqui elementos reflexivos, com o objetivo de contribuir na análise dessa primeira experiência de materialização desse projeto que traz em sua formulação dois aspectos presentes no Serviço Social brasileiro, notadamente, na construção cotidiana do projeto ético-político profissional.

O primeiro é o papel político de direção fundamental exer- cido por nossas entidades representativas. É quase desnecessário socializar que a efetivação desse projeto não poderia prescindir da competente coordenação político-administrativa da ABEPSS (direção nacional e regionais) com o reconhecimento de todo o trabalho coletivo realizado por gestões anteriores, que se dedi- caram a elaborar as diretrizes curriculares e, em outro momento histórico, avaliar sua implementação e acompanhar os desdo- bramentos de um processo que é complexo e que depende da existência de um conjunto de condições objetivas e subjetivas no universo das unidades de formação acadêmica (UFA). Também

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A ÉTICA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL:

POLÊMICAS E DESAFIOS

Após a compilação dos dados apresentados nos Relatórios dos Regionais, no que se refere ao Módulo IV – “A Ética na Formação Profissional”, do Projeto ABEPSS Itinerante, de par- tida, entendemos que um pressuposto deve ser observado dado sua determinação sob o que vamos analisar: trata-se mesmo da contrarreforma da educação, sentida na precarização sistemática presente nas universidades públicas e privadas, guardadas parti- cularidades de cada modalidade dessas, no galopante aumento dos cursos de Serviço Social em instituições privadas e, mais ainda, nos cursos de graduação a distância. O que aqui se coloca em questão é, pois, a relação entre essa objetividade – que deter- mina e permeia a realidade da formação profissional em todo o país – e seu peso ideológico na formação/informação das consci- ências do corpo discente e docente. Ou seja, quando pensamos a dimensão ética, tal como conquistado nas Diretrizes Curriculares de 1996, somos levadas a questionar o que significa formar assis- tentes sociais num contexto de grande investimento pelas classes dominantes e Estado, na socialização de um universo ideológico e cultural, particularizado na defesa dos interesses do capital e na ruptura com valores civilizatórios, cuja consequência mais imediata é o massivo esvaziamento das capacidades críticas e da problematização em torno da intervenção profissional. A forma- ção profissional precisa ser capaz de buscar uma coerência com este universo formativo/informativo. Nas palavras de Iamamoto (2009, p. 42, grifo do autor),

A massificação e a perda de qualidade da formação universitária estimulam o reforço de mecanismos ideológicos que facilitam a submissão dos profissio- nais às ‘normas do mercado’ , redundando em um processo de despolitização da categoria , favorecido pelo isolamento vivenciado no ensino à distância e na falta de experiências estudantis coletivas na vida universitária. Muitas são as polêmicas, dificuldades, tensões e divergên- cias presentes no cotidiano das UFA em torno do projeto de for- mação profissional. Mais ainda se considerarmos que, do ponto

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de vista geral, a formação profissional em Serviço Social aponta para uma crítica constante ao padrão vigente de sociabilidade e um rigor no que se refere às nossas atribuições e competências profissionais, que devem ser postas em movimento, a partir de um horizonte teórico-metodológico, ético-político e técnico-ope- rativo. Isso porque, neste contexto, torna-se bastante desafiador formar e, ao mesmo tempo, contribuir com processos de des- construção de (des)valores próprios da reprodução do ethos bur- guês, que é cada vez mais intensificado e defendido por amplos setores sociais. Acrescente-se um conjunto de problematizações que derivam, também, das condições de trabalho de cada UFA, da inserção ou não do/a docente no debate da profissão e, em particular, da ética em nível nacional, bem como das próprias con- dições da formação acadêmica dos/as docentes e das condições de vida material e cultural de docentes e discentes.

Esta questão é adensada quando verificamos ademais todas as contribuições e potencialidades postas pelo Projeto ABEPSS Itinerante, o quanto ainda nos é exigido um duplo movimento: de um lado, seguir avançando na consolidação das Diretrizes Curriculares por meio da ampla socialização do seu significado, lógica-interna e pressupostos fundamentais, que ainda hoje se apresentam como enigmas para muitos dos envolvidos no pro- cesso de formação; e, de outro, a disputa em torno da direção social-estratégica dessa formação. Tão verdadeira é a atualidade desse movimento expressa na fala de um docente participante

Sou outro docente, depois do “ABEPSS-itinerante”; nunca pensei o quanto a ética era, de fato, central e como é difícil e necessário construir formadores para multiplicá-la; pena que muitos colegas não pu- deram participar (Relatório da Regional SUL I da ati- vidade ABEPSS Itinerante, 2012, p. 8). Em todos os Relatórios dos Regionais, é destacável que, tanto no campo das expectativas como no campo das contribui- ções que os/as participantes realizariam em seus locais de traba- lho após o curso, há a presença marcante da qualificação com vistas ao fortalecimento do projeto ético-político e às modifica- ções estruturais nos cursos em suas diversas dimensões.

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Na concepção do curso, no projeto pedagógico, que possui como um dos pontos norteadores a Ética es- teve sempre presente e a equipe busca de forma in- cisiva a interdisciplinaridade entre os eixos – núcleos de formação. Dessa forma, desde os primeiros dois períodos os discentes vivenciam a disciplina forma- ção do trabalho profissional e nesta são iniciadas as primeiras discussões sobre que profissão é essa – a de Assistente Social, bem como os documentos: re- gulamentação da profissão, código de ética e que sentido o mesmo possui nas ações da vida cotidiana do Assistente Social. Neste momento, os alunos fa- zem entrevistas com assistentes sociais nos diver- sos espaços ocupacionais para conhecer a profissão e como no fazer profissional, os princípios éticos es- tão presentes (Docente - Relatório Regional Leste da Atividade ABEPSS Itinerante, 2012, p. 27). É importante observar que quando são elencados os com- ponentes curriculares que tratam desse conteúdo, a dimensão da transversalidade fica majoritariamente circunscrita a um leque específico de disciplinas, em particular a disciplina de Ética que aparece a partir das seguintes denominações: Ética em Serviço Social; Ética Profissional; Ética I; Ética Profissional e Serviço Social; Ética e Serviço Social; Fundamentos Filosóficos e Serviço Social; Ética Profissional I e II; e Fundamentos Teóricos, Metodológicos e Ético-políticos do Serviço Social (FHTM) I, II, III, IV.

Apenas dois Relatórios referiram-se especificamente a rela- ção da ética com as disciplinas de FHTM. Um dos desafios postos está de fato na constituição dessas disciplinas como um diferen- cial ao que estava posto no Currículo de 1982, que segmentava a Teoria do Método e da História. Na atual lógica das Diretrizes Curriculares de 1996, trata-se muito mais do que uma articulação mecânica, mas efetivamente da necessária relação de tratamento dos conteúdos numa perspectiva de totalidade.

Assim, precisamos avançar nas estratégias de superação da dicotomia entre história, teoria e método, que conta a his- tória do Serviço social, mas não o serviço social na história. Isso recai sobre o próprio entendimento da centralidade do trabalho enquanto categoria e como modalidade da intervenção profis- sional, e sobre as expressões da “questão social” que explicam

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a própria existência da profissão e as mesmas como objeto da intervenção. Dissociadas nas disciplinas de FHTMS, encontramos o trabalho, a “questão social” e a transversalidade da ética e da pesquisa que ficam restritas às disciplinas específicas.

Não se trata aqui de apontarmos questões relativas apenas à questão da nomenclatura das disciplinas que abordam a ética, mas sim do universo conceptual daquilo que estamos denomi- nando de lógica interna e pressupostos fundamentais. Cabe inves- tigar mais a fundo de que forma o debate sobre os fundamentos ontológicos estão sendo garantidos nas disciplinas que focam a ética profissional, uma vez que foi recorrente nos Relatórios dos Regionais o destaque para uma desvinculação dos fundamentos ontológicos da discussão da ética. Obviamente que nos limites desse artigo não temos condições de realizar tal tarefa, mas vale ressaltar que desde a pesquisa sobre a implementação das dire- trizes curriculares essa questão aparece como um dos grandes obstáculos ao entendimento da concepção de ética defendida no âmbito do projeto ético-político.

Esse dado amplia-se quanto à sua problemática quando é elencado o rol de disciplinas que tratam ou que garantem, para além da disciplina específica de ética, tal conteúdo. Aqui verifi- camos três que estão presentes em todos os Relatórios dos Regionais: 1) Estágio Supervisionado, 2) Pesquisa, (incluindo todas aquelas que se referem à construção do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC e que foram citadas em todos os Relatórios), 3) Introdução ao Serviço Social. Em apenas três Relatórios (Norte, Sul I e Sul II), identificamos uma relação mais direta com o Núcleo de Fundamentos da Vida Social, na formação básica, versada nas disciplinas de Filosofia.

Os estudos de Barroco (2001; 2008; 2012) já evidenciaram, em profundidade, a relevância e necessidade histórica dos fun- damentos ontológicos no debate sobre ética e vida social e na própria definição da concepção de ética defendida pelo projeto ético-político.

A reflexão ética é construída, historicamente, no âmbito da filosofia, tendo por objetivo a moral. Na perspectiva que nos orienta, ela é de caráter

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Itinerante revela a nova configuração dos cursos de Serviço Social no Brasil, com um número expressivo de jovens docentes com menos de 06 meses e até no máximo 05 anos de experiência docente. Esse quadro é também expressivo se observadas com cuidado a formação e qualificação desses docentes, na direta relação com seus processos de doutoramento, que foi antece- dido da saída direta da graduação para o mestrado.

Nesse sentido, os Relatórios dos Regionais e as atividades coletivas de todo o país revelaram que o corpo discente apre- senta dificuldades de leitura crítica da realidade e, portanto, tem limitações em apreender situações do cotidiano profissional, que tendem a rebater em demandas mais complexas como discussão coletiva, organização, planejamento, além da participação social e política e da capacidade de análise crítica da sociabilidade capi- talista. Pensamos que essa realidade traz como elemento a ser bem mais estudado por nós o fato de que, embora tenhamos na vida cotidiana desses/as jovens um maior impacto desta realidade tornando-a real, concreta e objetiva, a exemplo da inserção pre- cária no trabalho e/ou desemprego, da falta de acesso, dentre outras dimensões, à educação/saúde/cultura, isso não vem con- tribuindo para “facilitar” a compreensão da relação de explora- ção a que estão expostos. Ao contrário, apresentam dificuldades no entendimento das razões sócio-históricas que geram tais situ- ações. Isso vem também se expressando na própria percepção valorativa (a partir de parâmetros morais, com horizonte de refle- xão ética), na qual diferentes formas de violência, de opressão e de desrespeito aos direitos humanos são naturalizadas.

Para além dessas questões, merecem atenção dois gran- des eixos de dificuldades apreendidos a partir das considerações elencadas por participantes do projeto ABEPSS Itinerante nos Relatórios dos Regionais.

O primeiro eixo remete àquilo que aludimos no início deste artigo e refere-se à lógica interna que articula a ética como uma dimensão transversal que tem caráter formativo. Por meio dos Relatórios, observamos que, ainda que a transversalidade tenha sido consensualmente afirmada, as dificuldades destacam a sua persistência focada muitas vezes numa disciplina específica e que

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acaba, também, por restringir-se aos/as docentes que ministram essa disciplina, pois como expresso em alguns relatórios poucos docentes dedicam seus estudos à ética e/ou sua fundamentação ontológica.

O fato de poucos professores se dedicarem aos estudos da ética, o que limita a construção da sua transversalidade na formação e, mas aqueles que aprofundam o conhecimento para garantir o con- teúdo das disciplinas específicas (Relatórios dos Regionais Norte e Sul I); No projeto pedagógico dos cursos, consta a ética como transversal, mas no cotidiano da formação a dimensão ética fica apenas em um único componen- te. Falta compreensão dos docentes dessa dimen- são ética (Relatório Regional Sul II). O segundo eixo de dificuldades relaciona-se aos pressupos- tos que afirmam a transversalidade da ética e que vão apresen - tar duas nuances, uma que se refere à própria compreensão da dimensão ontológica e outra que se refere ao quadro atual da sociabilidade vigente.

A primeira nuance aparece destacada nos Relatórios dos Regionais Leste e Nordeste, mas que entendemos como proble- mática postas à formação e ao exercício profissionais desde o iní- cio da década de 1990, e diz respeito as críticas ao marxismo, e que no campo da reflexão ética, remete a dimensão ontológica necessária para a compreensão da constituição dos valores. O que vem denominando-se de “Fundamentalismo teórico” (Relatório do Regional Leste), ou “Ditadura do Marxismo” (Relatório do Regional Nordeste). Do nosso ponto de vista evidencia tanto uma incompreensão da construção histórica da direção social da pro- fissão quanto da apropriação da teoria social de Marx.

Quanto à construção da direção social da profissão, o grande desafio é do investimento para fortalecer, no campo da forma- ção profissional, análises que remetam à densidade histórica do processo de renovação teórico-metodológica e ético-política do Serviço Social brasileiro. É muito mais do que conhecer e contar a história recente da profissão. Trata-se de apreender e aprender a ensinar para as novas gerações lições tecidas no cotidiano da

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afirmam ou contrariam interesses de classe, os quais apresentam consequências concretas na vida cotidiana dos indivíduos.

Essa acusação de que a tendência teoricista presente no universo do Serviço Social seria determinada supostamente pela forte presença dos fundamentos da teoria marxiana e da tra- dição marxista na formação profissional indica a gravidade do momento histórico que vivemos. A luta pela continuidade da hegemonia capitalista num quadro de crise estrutural exige das classes dominantes alto investimento ideopolítico em disseminar modos de pensar e entender a realidade compatíveis, no limite, com a convivência pacífica com o capitalismo. Dissemina-se, notadamente entre os/as jovens estudantes, recém-chegados ao universo acadêmico, que o problema maior a ser enfrentado no âmbito da formação profissional é reduzir teoria e conduzir discentes à “prática”. Nada tão enganoso. Contudo, trata-se de um discurso de fácil internalização, posto que encontra solo fértil favorável à sua reprodução, numa época em que a universidade em seu sentido amplo, e não apenas no horizonte dos cursos de Serviço Social, tende a conformação mais aberta ao projeto polí- tico das classes dominantes.

Não é à toa, portanto, o grande incentivo para que as novas gerações de discentes e docentes aceitem como seus, os projetos educacionais fundados na burocracia, no pragmatismo, no pro- dutivismo, na competitividade, na pseudo-neutralidade, no relati- vismo e na acriticidade frente à realidade social. Como se de fato fosse possível estudar, trabalhar e viver sem assumir compromis- sos e desenvolver ações sem revelar uma dada direção social.

E novamente faz-se necessário questionar: a quem interessa o pragmatismo, a crença na possibilidade da neutralidade e a res- ponsabilização no marxismo dos complexos limites identificados na formação profissional?

No caso da ética, essa voga aparece por meio do questio- namento da possibilidade de valores universais que possam arti- cular o gênero humano aos desafios da vida cotidiana com forte contraposição do relativismo cultural e da retomada da ética formalista.

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Há pouco aprofundamento acerca dos fundamen- tos teóricos da Ética, com isso a discussão fica cen- trada exclusivamente no ensino do Código de Ética (Relatório do Regional Centro-Oeste). A segunda nuance é a que também já aludimos e que reporta a problematização e desafios para esta formação, transversal- mente ética, num universo cujo peso do contexto social objetivo e o caldo cultural contemporâneo de neoconservadorismo exerce e se faz expressar no interior da formação e do exercício profis- sionais. Nesse sentido, requisita-se que a dimensão ética não seja tratada apenas como uma disciplina, mas como parte do universo categorial que deve ser pensado e perpassado na formação para a análise e intervenção profissional^4. Em outras palavras, trata-se

Da dificuldade do “movimento de desconstruir va- lores oriundos de uma sociedade pautada no indivi- dualismo e nos valores capitalistas do consumismo, divisão de classes e preconceito e construir novos valores de uma sociedade mais justa, igualitária, em um tempo muito reduzido” figura como um dos maiores problemas a serem enfrentados na re- flexão sobre a necessária transversalidade da ética (Relatório do Regional Sul I). A reflexão crítica sobre os valores deve ser problematizada ao longo da formação profissional. Por outro lado, essa necessá- ria “provocação” associada à crítica radical tem trazido insegu- ranças e conflitos para discentes e docentes, o que exige maior interação com as outras disciplinas que compõem a matriz curri- cular para assegurar uma direção crítica comprometida com valo- res humanistas concretos.

Cabe destacar a ênfase na subjetividade, que aparece no Relatório do Regional Centro-Oeste e que deve ser objeto de atenção. Trata-se do entendimento que credita a “sensibilidade do professor” o trato da Ética. Como se o campo dos valores não fosse constituído a partir da objetividade social. Aqui verificamos

4 Não estamos negando a necessidade de conteúdos específicos sobre a ética profissional e a garantia de seu espaço enquanto disciplina, mas defendendo a necessidade da transversalidade da ética em sentido mais amplo.

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Assim, o desafio é a constituição de um sujeito profissional capaz de agir moralmente, com vistas a um horizonte efetiva- mente emancipatório. A dimensão da ética é trazida e tratada na lógica curricular como dimensão transversal, ainda que se guarde a especificidade da disciplina de ética profissional. Do nosso ponto de vista, essa transversalidade vincula os componentes curriculares às competências e habilidades do perfil profissional que se quer formar. Em outras palavras, diante do processo de barbarização das relações sociais e de todas as formas de viola- ção que homens e mulheres vêm sofrendo na ordem do capital (homofobia, preconceito étnico, marginalização e criminalização da pobreza, violência contra a mulher) nunca se fez tão neces- sário o posicionamento crítico e a radicalização de valores real- mente pautados na emancipação humana e na plena realização dos sujeitos sociais.

A NECESSÁRIA CENTRALIDADE DA ÉTICA NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DAS/OS ASSISTENTES SOCIAIS Ela está no horizonte – disse Fernando Birri –. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos adiante. Por mais que eu caminhe, nunca a alcança- rei. Para que serve então a utopia? Para isso serve: para caminhar. (Ventana sobre la utopia – Eduardo Galeano) Cabe-nos agora, apontar aqui o que estamos entendendo por formação profissional, para então explicar porque consi- deramos necessária a centralidade da ética nesta formação, dialogando com dimensões do conteúdo apresentado sobre a experiência do projeto ABEPSS Itinerante, na perspectiva de sina- lizar alguns possíveis caminhos na construção de tal transversa- lidade e dos conteúdos e formatos fundamentais ao ensino da ética profissional garantindo, também, sua especificidade na for- mação de futuros assistentes sociais

Ao nos referirmos à formação profissional (em sua espe- cificidade na graduação), estamos compreendendo o processo vivenciado por estudantes do curso de Serviço Social para se habilitarem ao trabalho profissional. Esse, claro, é apenas o início

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de uma caminhada que, em nosso entender, deve ser continuada, visto que tanto nós, como a realidade, vivemos em contínuo pro- cesso de transformação.

Assumindo a ideia de um processo que é informativo e for- mativo , estamos apontando a importância dessa formação no que diz respeito não só ao acesso às diferentes informações, mas, e, em especial, ao processo de formação não só de um profissional, mas de um sujeito social que terá na graduação a possibilidade de ver e rever seus valores e práticas, suas posturas na relação com o outro, mas, sobretudo superar, dentre outras questões, entendimento formulado no senso comum do Serviço Social, da sociedade, do papel do Estado, das necessidades sociais e dos interesses dos indivíduos

Por intermédio do gesto de ensinar, o professor, na relação com os alunos, proporciona a eles, num exercício de mediação, o encontro com a realidade, considerando o saber que já possuem e procuran- do articulá-lo a novos saberes e práticas. Possibilita aos alunos a formação e o desenvolvimento de capacidades e habilidades cognitivas e operativas (LIBÂNEO, 1991: 100) e, com isso, estimula-os a po- sicionar-se criticamente diante do instituído, trans- formando-o, se necessário (RIOS, 2001, p. 52). Formação que possibilite: [...] capacidade de crítica teórica, consistência his- tórica mais refinamento político, habilidade para projeções estratégicas no desempenho de ativida- des técnicas e políticas, e mais, superação de pers- pectivas reducionistas e unilaterais como praticis- mo, teoricismo, ecletismo e voluntarismo (PAIVA; SALES, 1996, p. 205). [...] Formação de profissionais qualificados para in- vestigar e produzir conhecimentos sobre o campo que circunscreve sua prática, de reconhecer o seu espaço ocupacional no contexto mais amplo da re- alidade sócio-econômica e política do país e no qua- dro geral das profissões (IAMAMOTO, 1992, p. 163). Trata-se, portanto, de uma formação profissional que é tam- bém formação ética, numa dada perspectiva de ética profissional.

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A formação ética, por sua natureza filosófica, é pressuposto essencial, tanto para o desvelamento crítico do significado das escolhas individuais em face dos projetos coletivos, quanto para orientar a construção de respostas profissionais que, diante dos desafios cotidianos, tenham a capacidade obje- tiva de romper, em algumas situações, ou de resistir aos limites da ordem burguesa. Nesta perspectiva, contrapomo-nos a realidade que infeliz- mente encontramos no que diz respeito ao lugar que a ética ainda hoje ocupa na formação dos/as assistentes sociais, como vimos no item anterior: o da especificidade da disciplina. Não deve ser este seu único espaço!

É inegável o avanço do debate da ética na formação profis- sional, em especial nas últimas duas décadas, enquanto espaço/ lugar e qualificação deste numa direção crítica e possibilitadora de processos de transformação dos sujeitos 7 , apontando para a coerência de uma formação que busque os fundamentos da onto- logia do ser social, tendo como centrais a liberdade e a emancipa- ção humana.

Tal debate, no seio da categoria, ganha relevância e espaço a partir, sobretudo, dos anos 1990 8. Do ponto de vista da forma- ção profissional, esse espaço vai se fortalecendo também nesta década e vem sendo aprofundado mais efetivamente nos anos

  1. Assim, embora já tenhamos muitos frutos sobre a discussão da ética na formação 9 e no exercício profissionais (artigos, livros, inserção nos debates e eventos, assunção da temática nas mesas

7 Referimo-nos aqui à ideia da contribuição aos diferentes processos que possibilitam revisão de valores, posturas, reflexões e posicionamentos no mundo. 8 A discussão de ética e, em específico da ética vinculada à formação profissional, passa a constar dos eixos temáticos de discussão do Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), apenas a partir de sua VII edição, em 1992. A apresentação de trabalhos nas sessões temáticas sobre ética ou sobre formação profissional que envolva uma relação entre esses dois temas, ainda é muito pequena. Em pesquisa realizada por Cardoso (2006), nota-se que do VII ao XI CBAS, o percentual de trabalhos apresentados na modalidade de comunicação oral, quer seja na sessão temática de ética, quer seja na de formação profissional, discutindo especificamente a ética na formação variou entre 0% a 16,7% do total de trabalhos apresentados em cada uma destas sessões. 9 Vale destacar as produções de Barroco (2001; 2008).

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de CBAS e ENPESS, etc), ainda temos lacunas a serem superadas no que diz respeito, dentre outras, aos projetos político-pedagó- gicos e sua concretização nas UFA.

Ao observarmos os currículos mínimos existentes para os cursos de Serviço Social desde 1953 até as diretrizes de 1996 10 identificamos o salto da discussão da ética em dois sentidos: 1)- o espaço que esta ganha enquanto disciplina; 2)- a qualificação que vai tendo na mudança de perspectiva na disciplina de ética profissional^11.

Porém, embora observemos tal avanço e as diretrizes de 1996 traduzam um esforço em tratar a ética em sua trans- versalidade 12 , a realidade ainda encontrada na maioria das UFA (como vimos nos relatos dos participantes do projeto ABEPSS Itinerante), é a da discussão da ética circunscrita ao espaço da disciplina de ética profissional, sendo, em alguns poucos casos, mais articulada com a discussão dos Fundamentos filosóficos para o Serviço Social.

Ainda é bem comum o debate da ética restrito à discussão que o/a docente responsável pela disciplina de ética profissional realiza, não conseguindo, portanto, perpassar os conteúdos de outras disciplinas numa coerência conceitual teórica e política com a perspectiva trabalhada em ética profissional.

Sabemos, porém, que dilemas éticos estarão sempre presen- tes nos conteúdos de outras disciplinas, mesmo que não seja de modo articulado pelo/a docente, o que propicia que muitas vezes, os conteúdos éticos surgidos dos debates e aulas em cada disci- plina acabem sendo tratados sem coerência com os conteúdos

10 Tal análise e os currículos originais podem ser vistos em Cardoso (2006). 11 Antes do 1º currículo mínimo (Lei Nº 1889 de 13 de Junho de 1953), podemos observar como se apresentava a questão da ética no 1º curso de Serviço Social do Brasil. Na matriz curricular da escola Sabará, de 1936 a 1945, vemos a presença da Ética apenas a partir de 1940 (aparecendo com o nome Ética Profissional), ano em que a disciplina de Religião também passa a figurar na mesma matriz. No entanto, desde 1937, a disciplina de Moral já compunha o currículo, mantendo-se presente mesmo após a entrada da disciplina de ética profissional. 12 Vale frisar que ao lermos as diretrizes, encontramos tal esforço assumido na apresentação dos Núcleos de Fundamentação, mas não demonstrado enquanto possibilidade na concretude das disciplinas sugeridas.

Brasília (DF), ano 13, n. 25, p. 33-61, jan./jun. 2013.