Baixe Urbanização Periférica e Territórios de Pobreza em Salvador-BA e outras Notas de estudo em PDF para Saúde Pública, somente na Docsity!
Belo Horizonte 05(1) 83-96 janeiro-junho de 2009 83 Antonio Mateus de C. Soares^1 Geo grafias ARTIGOS CIENTÍFICOS
Cidade revelada: pobreza urbana
em Salvador-BA
Resumo
A constituição dos territórios de pobreza em
Salvador-BA, é obediente à lógica imobiliária
capitalista que direciona os pobres para áreas
periféricas e menos valorizadas, fortalecendo o
“padrão periférico” de urbanização que pode
ser compreendido como um tipo de apropriação
do espaço urbano que atende aos interesses da
classe dominante. Deste modo, este artigo tem
como uma de suas finalidades compreender
como se constituiu a territorialização da po-
breza em Salvador-BA. Atento para a atuação
do padrão periférico de urbanização e suas
constituições no tecido urbano de Salvador-BA.
Sabemos que a cidade como um produto do
capitalismo tende a obedecer as re-invenções
do capital, que em sua versão financeirizada, se
manifesta na urbe através de territórios que se
diferenciam, tanto pela situação física das edifi-
cações, como pela presença ou não do Estado
de Direito. Tal situação, nos leva a categorizar
a cidade como formal, informal, legal e ilegal,
demarcando assim, territórios de riqueza e ter-
ritórios de pobreza.
Antonio Mateus de C. Soares (Pesquisador no Centro de Recursos Humanos da Universidade Federal da Bahia – Mestre EESC-USP/Doutorando pela FFCH-UFBA) Abstract
The constitution of poorness neighborhoods in Salvador –
BA follows the real state capitalism that makes poor people
migrate to peripheral and unvalued neighborhoods, increasing
the peripheral kind of urbanization that can be understood
as a kind of taking the urban space according to dominant
class interests. One of the goals in this article is understand
how was conceived the poorness territories in Salvador – BA,
focusing the peripheral kind of urbanization and its constitu-
tions in Salvador – BA urban tissue. As known the city is
a capitalism product that inclines to obey the reinventions of
the capital, which in its financial version, express itself in
the urbe through the territories that are different from each
other, in as much as its physical appearance, in as much as
existing or not the Right State there. This situation make us
to categorize the city as formal, informal, legal and illegal,
delimiting consequently poorness and richness territories.
Palavras-chave pobreza, territorialização,
Salvador-BA
Key words poorness, territories, Salvador –BA
84 Belo Horizonte 05(1) 83-96 janeiro-junho de 2009 Cidade revelada: pobreza urbana em Salvador-BA Geo grafias ARTIGOS CIENTÍFICOS
Introdução
Ao longo de uma pesquisa de quase três anos, junto ao Centro de Recursos Humanos da
Universidade Federal da Bahia CRH/UFBA, muitas inquietações foram surgindo no transcurso
da análise dos dados e nos diálogos sobre a cidade e o urbano. Nas discussões que focalizavam
a cidade de Salvador, às questões relacionadas à pobreza urbana e sua trajetória histórica de
acúmulo de carências sempre chamaram nossa atenção e foram aguçadas recentemente com
o contato periódico com áreas do Subúrbio Ferroviário de Salvador e com bairros do “Miolo
Urbano”, percebemos que estas áreas foram constituídas desde sua origem com a finalidade
específica de atender a uma demanda de moradores pobres, sinalizando um tipo de urbanização
que se reproduz a partir de um “padrão periférico” (CARVALHO & PINHO, 1996, p.36) de
urbanização que consolida bolsões de pobreza se expressando na precarização da infra-estrutura
física e pela ausência de serviços públicos: transporte, saneamento, segurança etc.
A cidade contemporânea como produto do capitalismo é o lugar das demarcações da riqueza
e da pobreza, lugar onde a luta de classe se manifesta implacavelmente tanto nas relações de
trabalho e exploração, como na forma que se processa a apropriação do espaço urbano. Salvador,
enquanto metrópole do capitalismo periférico serve como referência para analisarmos como
a desigualdade social se territorializa no tecido urbano. Com aproximadamente 2,8 milhões de
habitantes (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2007), Salvador é a terceira
cidade mais populosa do país e comanda a sexta região metropolitana brasileira, com quase 3,
milhões de habitantes. De acordo com estudos de Almeida e Damasceno (2005, p.32) Salvador
cresceu à taxa de 1,9% no ano de 2004: mais rápido que Recife e Belo Horizonte, mas a uma
velocidade inferior à de Fortaleza e Brasília.
Atualmente, entre as 12 principais cidades brasileiras, Salvador ocupa o 8º. lugar em [Índice
de Desenvolvimento Humano - IDH], e possui um dos maiores índices de desempregos do
pais, atualmente 16,3% da população soteropolitana não possui emprego (Programa das Na-
ções Unidas para o Desenvolvimento- PNUD/ONU – 2004), situação de desigualdade social
que se manifesta nas formas de apropriação da cidade e nas próprias figurações da pobreza.
A topografia acidentada de Salvador torna visível sua pobreza urbana. Ao entrar na cidade,
via BR-324, nos deparamos com montanhas e depressões cobertas por um mosaico de barracos
que chegam a desaparecer no horizonte, como se aquela paisagem favelizada^1 fosse infinita: ao
chegar na cidade, via aérea, ao sair do aeroporto e percorrermos a Avenida Paralela, vetor norte
de expansão, nos deparamos com outras áreas de densa precariedade que se manifestam pelos
bairros da Paz, São Cristóvão e outros aglomerados em iguais condições de precarização. A
pobreza que se materializa e toma forma de cidade está por toda parte em Salvador, misturada,
pigmentada e pulverizada em pontos estratégicos do tecido urbano contínuo, e até mesmo
no mar, como exemplo o antigo Aglomerado de Palafitas de Novos Alagados, localizado no
Subúrbio Ferroviário de Salvador-BA.
A pobreza urbana tem formas próprias de manifestação e concentração na urbe contem-
porânea, e sempre se mostra associada à desigualdade do desenvolvimento econômico, que
exclui uma grande parcela da população. Em Salvador, assim como em outras capitais, a pobreza
se materializa no espaço urbano através do improviso das formas de moradia e das maneiras
de ocupar os espaços da cidade. A população empobrecida cria estratégias para lidar com a
1 Cf. (SOUZA, A. G.2000), no inicio de 1990, em Salvador, as chamadas “in- vasões” representavam 14% da área ocupada com habitações na cidade, onde morava, aproximadamente, 30% da população. Conjuntamente com outras áreas ocupadas de maneira informal, correspondiam a 32% da ocupação habitacional, abrigando 60% da população. Como a ocupação dessas áreas, e a própria expansão da cidade, ocorreu dentro do “padrão periférico”, as áreas com condições mais precárias de habitabilidade concentram-se no Subúrbio Ferroviário e no Miolo, enquanto aquelas, em mel- hores condições, estão na área central e na faixa ao longo da Orla Atlântica.
86 Belo Horizonte 05(1) 83-96 janeiro-junho de 2009 Cidade revelada: pobreza urbana em Salvador-BA Geo grafias ARTIGOS CIENTÍFICOS
questionamentos, que podem ser utilizados como sinalizadores de compreensões sobre a ter-
ritorialização da pobreza urbana em Salvador.
A constituição dos territórios de pobreza em Salvador-BA, foi obediente à lógica imobiliária capi-
talista que direcionou os pobres para áreas periféricas e menos valorizadas. Situação que fortaleceu
o “padrão periférico” de urbanização que pode ser compreendido como um tipo de apropriação do
espaço urbano que atende aos interesses da classe dominante. Uma outra reflexão que destacamos
neste estudo é que a cidade como um produto do capitalismo tende a obedecer as re-invenções do
capital, que na versão neo-liberal, se manifesta na urbe através de territórios que se diferenciam, tanto
pela situação física das edificações, como pela presença ou não do Estado de Direito. Tal situação,
nos leva a categorizar a cidade como formal, informal, legal e ilegal, demarcando assim, territórios
de riqueza e territórios de pobreza.
Salvador e as figurações da pobreza
As figurações da pobreza urbana têm como uma de suas variáveis a segregação, entretanto a
segregação não pode ser traduzida como uma simples divisão territorial entre pobres e ricos. Para
Flávio Villaça (2004, p. 106) toda a segregação é coercitiva, e ainda neste sentido pode, se dizer
que a segregação é dominação e exclusão urbana, dimensões contidas nas equações da pobreza e
que se espacializam e entrecruzam nas formas de apropriação físicas dos espaços e na constituição
ideológica de conteúdos sociais e simbólicos que estão presentes na tessitura da cidade moderna.
Nos estudos comparativos entre as formas de manifestação da segregação na França e no Brasil,
Edmond Préteiceille (2004, p. 18) afirmou que, mesmo com suas diferentes tipologias, a segrega-
ção é uma questão política que pode ser requalificada em termos de exclusão social, econômica e
étnico-racial. No caso das cidades brasileiras a segregação se explicita como um movimento pelo
qual um grupo populacional é forçado, involuntariamente, a se aglomerar em uma área espacial
definida pelos grupos dominantes^3.
Segundo Marcuse (2004, p. 24), a segregação é um processo de formação e de manutenção de
um gueto, o que não se aplica ao Brasil^4. O autor ainda problematiza que atualmente são recor-
rentes formulações como: “auto-segregação”; “guetos voluntários”; ou guetos de classe altas,
considerando estas formulações prejudiciais analiticamente. Nas peculiaridades do Brasil - e no
caso específico de Salvador - a segregação tem como marco compreensivo a separação por classes
econômicas, que possui rebatimentos na dimensão racial; é pertinente, no caso de Salvador^5 ,
perceber a segregação em uma perspectiva de cruzamento de variáveis sócio espaciais e étnico
raciais, em uma clara relação na qual os bairros pobres são habitados por uma população negra
e os bairros ricos por uma população branca.
Como a posição na estrutura social e a apropriação do espaço urbano são estreitamente articuladas, o ter-
ritório soteropolitano termina por assumir diferentes “cores”. [...] O miolo e o subúrbio, que apresentam
condições mais precárias de habitabilidade e uma menor oferta de equipamentos e serviços urbanos, con-
centrando as áreas classificadas com populares e subproletárias abrigam, predominantemente, os pretos e
os pardos. Eles se concentram, especialmente em bairros como a Liberdade (onde há uma forte identidade
étnica, por conta de movimentos sociais e culturais ali sediados), São Caetano, Tancredo Neves, Pau da
Lima e Cajazeiras. (CARVALHO, Ináia & PEREIRA, Gilberto C. 2006, p. 98).
3 Há autores como Tereza Caldeira (1997), que dualizam a clássica definição de segregação e acrescenta à discussão a segregação voluntária
- a auto-segregação, nas formas de “enclaves fortificados”, a se expres- sar nos grandes condomínios de luxo
- contudo, neste estudo optamos a não utilizar este tipo de segregação como referencia. Tendo em vista que consideramos a segregação como uma ação coercitiva e determinada pelo capital imobiliário. 4 Tal afirmação é circunstanciada pelo fato de que no Brasil a segregação tem uma forma diferenciada de espacial- ização no tecido urbano, no caso de Salvador, por exemplo, as áreas pobres e segregadas estão pulverizadas por todos os cantos da cidade, situação que não se constituem em guetos. 5 Cf. Censo IBGE-2002, em Salvador 54,8% de sua população de identifica como pardo e 20,4% como negro, uma cidade habitada em sua maioria absoluta por afrodescendentes.
Belo Horizonte 05(1) 83-96 janeiro-junho de 2009 87 Antonio Mateus de C. Soares^1 Geo grafias ARTIGOS CIENTÍFICOS
Os territórios de pobreza e riqueza em Salvador, possuem pigmentação diferenciada e associada
ao poder aquisitivo de sua população. A afirmação de Ilse Scherer Warren, segundo a qual^6 :
[...] a exclusão social é racializada, engendrada, etarizada e espacializada, ou seja, tem cor, gênero ou sexo,
idade e localização. A pobreza mais extrema tende a ser preta, feminina, bastante jovem ou idosa e localiza-
se nas periferias urbanas” (2004, p. 58).
Neste quadro a pobreza não é um estado social natural, mas o resultado de um processo histórico
de exploração, expropriação, discriminação, não instituição de direitos e concentração de renda,
riqueza, poder e informação. A exclusão social, a periferização e a segregação urbana, enquanto
problemas atuais e urgentes, são produtos de um processo de desregulamentação de mercados,
precarização e flexibilização do trabalho, nova divisão social e internacional do trabalho, entre
outros processos que remetem a uma composição social de grupos, classes, instituições, empresas
e governos que promovem a segregação de populações inteiras no sistema capitalista, isto é, a
produção de excluídos da sociedade, os condenados do sistema.
A territorialização da pobreza em Salvador-BA
O tecido urbano de Salvador e suas territorializações não se desenvolveu de forma espontânea,
ou à deriva dos interesses ideológicos e econômicos de grupos dominantes, contudo, dizer que
a cidade não cresceu espontaneamente, não é concordar que ela evoluiu de forma planejada.
A partir da década de 1940 o crescimento urbano de Salvador começou a ser induzido por um
profícuo desenvolvimento na indústria (petrolífera e siderúrgica), que fez surgir uma dinâmica
de crescimento urbano atrelada a déficits habitacionais e a um rápido processo de expansão e
adensamento de áreas favelizadas^7 que se iniciaram por volta de 1945 do século XX. Estas áreas
adensaram-se como parte integrante do fenômeno urbano soteropolitano, como podemos ob-
servar nos mapas que seguem.
A partir da comparação dos mapas, percebemos a expressiva expansão urbana de Salvador no
transcorrer das décadas. Enquanto na década de 40 observou-se uma ocupação centrada na zona
sudoeste, na borda da Baía de Todos os Santos e na área de ocupação inicial da cidade, na década
de 60 observamos uma interiorização das ocupações^8 ; seguindo as orientações do planejamento
inicial, o tecido urbano cresceu continuamente nos anos de 1970; com uma acentuada ocupação na
Orla Atlântica, movimento que se mostra constante nas décadas posteriores.
TABELA 1 Comparação do crescimento populacional das cinco maiores cidades do Brasil* 1960 1970 1980 2005 CIDADE DEM. CIDADE DEM. CIDADE DEM. CIDADE DEM.
1º. R. Janeiro 3.307.163 S. Paulo 5.241.232 S. Paulo 7.033.529 S. Paulo 10.927.
2º. S. Paulo 3.164.804 R.Janeiro 4.315.746 R.Janeiro 5.093.232 R.Janeiro 6.094.
3º. Recife 788.569 B.Horiz. 1.126.368 Salvador 1.469.276 Salvador 2.672.
4º. B.Horiz. 642.912 Recife 1.070.078 B.Horiz. 1.184.483 B.Horiz. 2.375.
5º. Salvador^ 630.878^ Salvador^ 1.017.591^ Recife^ 1.108.883^ Fortaleza^ 2.374.
*Os dados do IBGE se referem apenas ao distrito sede. (Adaptada do Caderno LAP \11) 6 Tal afirmação pode ser pode ser aplicada sem restrições a Salvador, principalmente quando focalizamos as áreas do subúrbio ferroviário e do miolo urbano. 7 A Invasão do Corta-Braço, mais tarde batizada como bairro de Pero Vaz, foi a primeira a ganhar vulto em Salvador, o que aconteceu em
- Com a chegada contínua dos moradores das áreas rurais, novas ocupações não tardaram a surgir. A segunda ganhou o manguezal à margem da Península de Itapagipe e com suas palafitas foi batizada de Alagados. Tantas outras se instalaram nos anos seguintes, algumas foram debeladas ainda nos instantes iniciais, outras firmaram resistência e acabaram por se transformar em bairros. 8 A interiorização estimulada pela elevação dos valores da terra nas proximidades da Orla Atlântica, fez ex- pandir o subúrbio ferroviário e grandes aglomeração na área do Miolo Urbano, a exemplo do Complexo Cajazeiras.
Belo Horizonte 05(1) 83-96 janeiro-junho de 2009 89 Antonio Mateus de C. Soares^1 Geo grafias ARTIGOS CIENTÍFICOS
A população de Salvador, que era de 630.878 habitantes em 1960, não foram utilizados
dados de 1940, pelo de fato de optarmos em utilizar dados do IBGE, que começam a ser
disponibilizados, apenas a partir dos anos 50 do séc. XX. Deste modo, a população que era
de 630.878 hab., cresce para 1.017.591 (1970); a partir daí, Salvador se deslocou da 5º posição
(1960) em número de habitantes para a 3º posição (1980) com 1.469.276 (vide tabela 1),
posição mantida até os dias atuais, com uma população de 2.672.560 (2005). Tal expansão
populacional se associa com o processo de industrialização da capital.
Salvador nos anos de 1970, além do crescimento demográfico, sofreu uma série de trans-
formações sociais, administrativas e econômicas, a exemplo do deslocamento do centro
econômico tradicional, que se situava no bairro do Comércio, que foi gradativamente per-
dendo sua função polarizadora com a instalação do Shopping Iguatemi 9 (1975), assim como
de novos sub-centros comerciais modernos em outras áreas da cidade; o Centro Administra-
tivo da Bahia (CAB), que se localizava no Centro Histórico foi transferido para um moderno
conjunto de prédios localizado na Avenida Paralela – área norte da cidade; a região industrial
antes localizada no interior do perímetro urbano, especificamente nas imediações do Bairro
da Calçada e no Subúrbio Ferroviário – Península de Itapagipe – foi transferida para os mu-
nicípios de Camaçari, compondo o Complexo Petroquímico de Camaçari (COPEC) e para o
Centro Industrial de Aratu (CIA), em uma perspectiva que estabeleceu uma maior integração
viária com Salvador e sua região metropolitana.
No transcorrer das décadas, observamos que nos anos 80 e 90 um adensamento contínuo
na área do miolo urbano de Salvador, sentido vetor norte de expansão; em 2006, observou-
se a projeção de um tecido ainda em dinâmica, mas já com uma considerável ocupação na
área do miolo, assim como a consolidação da mancha na área da orla suburbana e da orla
atlântica. Através destes mapas, compreendemos como o tecido urbano se espalhou no
transcorrer das décadas, em uma progressão contínua em direção à área norte da cidade, que
passa a estruturar sua expansão urbana, a partir da Av. Paralela (sentido Shopping Iguatemi
- Aeroporto Internacional).
A partir dos anos 80 do século XX, o crescimento de Salvador foi progressivo, culminando
em uma explicita territorialização de áreas pobres e ricas na cidade. A oscilação topográfica
do tecido urbano de Salvador, assim como a sua ocupação rápida e desordenada, dificulta uma
circunscrição exata dos limites das áreas ricas e pobres da cidade, contudo temos algumas
concentrações que podemos chamar de “mares de pobreza” e outras de “ilhas de riqueza”.
Desta forma, caracterizaremos zonas de contexto, que podem ser consideradas como espaços
intra-urbanos nos quais diferentes territórios se articulam. Dimensionaremos a extensão do
tecido urbano, dando assim uma maior visibilidade territorial às análises sobre pobreza e seus
contrapontos. Apresentaremos na tabela seguinte a dimensão espacial das áreas de contexto
e, em seguida, alguns aspectos relevantes de cada área: central, suburbana e do miolo urbano.
9 Cf. (CARVALHO, Ináia M. M.; PEREIRA, Gilberto, 2006, p. 284). A nova centralidade gerada pelo Shop- ping Iguatemi e pelo conjunto de serviços que sua área de entorno pas- sou a oferecer, não apenas direcionou a expansão da cidade no sentido orla norte, como efetuou a dinâmica do centro tradicional na área antiga da cidade, contribuindo para o seu gradativo esvaziamento.
90 Belo Horizonte 05(1) 83-96 janeiro-junho de 2009 Cidade revelada: pobreza urbana em Salvador-BA Geo grafias ARTIGOS CIENTÍFICOS
Figuras 2 Mapas de ocupação e expansão do tecido urbano de Salvador
Fonte: Arquivos SEPLAM/PMS Adaptação: SOARES, Antonio Mateus de C. & ALMEIDA, Ricardo A. (2008).
92 Belo Horizonte 05(1) 83-96 janeiro-junho de 2009 Cidade revelada: pobreza urbana em Salvador-BA Geo grafias ARTIGOS CIENTÍFICOS
Na outra face da moeda, os territórios dos herdeiros da pobreza, compreendidos como os espaços
pobres e informais da cidade, aqueles ilegais juridicamente ou fruto de dissimulados projetos públi-
cos de reurbanizações populares, habitados em sua maioria por negros, pobres e desempregados,
constituídos em sua maior concentração pelas áreas situadas ao norte (miolo urbano), e ao sudoeste
de Salvador (subúrbio ferroviário). Estes territórios compreendem os seguintes bairros: Cajazeiras,
Fazenda Grande, Boca da Mata, Mussurunga I,II,III, Parque São Cristovão, Novo Horizonte (
Planeta dos Macacos), ,conjunto habitacional Vale das Dunas, bairro da Paz (Guerra das Malvinas)
Alto do Girassol, Raposo, Sussuarana, Carobeira, Cassange, Nova Brasília de Itapuã, área oeste
do bairro de Itapuã e entorno; Ilha da Maré, Valéria e proximidades; Subúrbio Ferroviário e seus
vinte e dois bairros (aglomerado de Alagados, Novos Alagados, Conjunto Nova Primavera, Baixa
Fiscal, Boiadeiro, Plataforma, Lobato, Itacaranha, Praia Grande, Periperi, Baixo de Coutos, Paripe
e outras aglomerações na região limítrofe dos bairros do Uruguai, Calçada e Liberdade etc); Pau
da Lima Invasão Brasilgás, Beco do Bozó e etc; Tancredo Neves, Cabula VI, Beiru, Engomadeira,
Narandiba, entre outros.
Os territórios dos herdeiros da pobreza em Salvador se aglomeram principalmente na área sudoeste
composta pelo Subúrbio Ferroviário e na área norte do miolo urbano – parte geograficamente
central do município – nas últimas décadas houve uma ocupação mista, na área do miolo, mas com
predominância de áreas residenciais. Segundo Ângela Gordilho (2000, p. 60) é notória a ausência de
grandes equipamentos urbanos nas zonas habitacionais sudoeste e norte da cidade, correspondendo
ao Subúrbio e Miolo que, como visto, representam as áreas de moradia da maioria da população
com predominância de rendas mais baixas.
Figura 03 – Mapa de áreas de influência no tecido urbano de Salvador.
Fonte: Arquivos SEPLAM/PMS Adaptação: SOARES, Antonio Mateus de C. & ALMEIDA, Ricardo A. (2008).
Belo Horizonte 05(1) 83-96 janeiro-junho de 2009 93 Antonio Mateus de C. Soares^1 Geo grafias ARTIGOS CIENTÍFICOS
No Subúrbio, predomina a informalidade, em termos urbanísticos e de mercado, assim como a precariedade.
No Miolo coexistem habitações formais, conjuntos habitacionais de baixo padrão, loteamentos populares
e moradias precárias. [...] Em uma região caracterizada pela pobreza de sua população, paradoxalmente,
grande parte dos habitantes são proprietários de seus domicílios – precários ou não – podendo-se inferir
que a impossibilidade de acesso da maior parte da população ao mercado imobiliário formal, e as soluções
como aluguel de habitações ,a leva a produzir sua própria moradia. [...] Isso quer dizer que mais de 80%
dos domicílios são próprios e só 10% não é, também , de proprietários dos terrenos, o que se explica
pelas invasões e a autoconstrução, processos motivados, em grande parte, pela impossibilidade da popu-
lação de adquirir suas moradias e, também , pela carência de políticas públicas direcionadas a essa questão.
(PEREIRA, G. C.; SOUZA, Â. G. 2006, p. 143)
Como conseqüência de um processo de urbanização, com territórios marcados por diferenças
econômicas e raciais, constituído a partir de formas próprias de negociar e ocupar a terra urbana (lote/
espaço), temos a proliferação de um padrão de urbanização segregacionista, gerando o fenômeno
da periferização que aguça a discriminação por classe, na mesma esteira de uma das mais cínicas
formas de estruturar intervenções urbanas movidas por uma ideologia de controle e separação a se
expressar na forma desigual da apropriação do solo urbano em Salvador, com a criação de áreas
de “vocação para classes de baixa renda”.
Neste contexto, a classificação das pessoas em “classes sociais”, o ato de classificar e ser classifi-
cado e as formas e padrões de ocupação por renda das populações na cidade moderna evidenciam
um processo de segregação que contribui para o estabelecimento da naturalização de uma cultura
de pobreza e despossessões de direitos sociais, que se estabelece como um ethos social contemporâ-
neo, que nos remete à necessidade de uma compreensão do conceito de pobreza em suas interfaces
com a segmentação social. Conforme Dabrowsky, (2003, p.183) “a discriminação está na origem da
segregação. Uma é sociológica e a outra é geográfica, afirmação que corrobora as análises de Espin-
heira, (2003, p.189), “que ao se referenciar o subúrbio Salvador, como lugar sujo, feio, desumano,
logo um lugar discriminado, conota-se que também é habitado por pessoas também discriminadas
e marcadas como seres socialmente impuros, doentes e desvalorizados”.
Conclusão
O capital que dinamiza a cidade é o mesmo que exacerba as desigualdades sociais, determinando
um padrão especifico de urbanização que se funda na segmentação do território urbano a partir de
uma forma específica de dominação das elites, que se manifesta através da segregação social e da
consolidação de um padrão periférico para o crescimento urbano^10. Neste movimento o Estado,
capturado pelo capital financeiro, intervem na cidade para atender interesses pré-determinados por
este mesmo capital.
Na esfera urbana, este sequioso jogo que há tempos se manifesta em nosso país, se exacerba
na atualidade com um abrupto encolhimento do Estado, figurando-se nos agenciamentos e nas
parcerias imobiliárias com construtoras e incorporadoras que constroem áreas ricas como as
Avenidas Antonio Carlos Magalhães e a Tancredo Neves, nas proximidades do Shopping Igua-
temi e do Shopping Salvador, e áreas empobrecidas como o subúrbio ferroviário e o “miolo”
urbano de Salvador. Nestas investidas do capital, o Estado contribui para a consolidação do
10 Cf. (TELLES, 2004) Trata-se de (...) uma relação social que diz respeito social que diz respeito à dinâmica da cidade, aos modos como a riqueza é distribuída (a disputada) e corporificada nas suas materialidades, formas e artefatos (Harvey), definindo as condições desiguais de acesso a seus espaços,bens e serviços.
Belo Horizonte 05(1) 83-96 janeiro-junho de 2009 95 Antonio Mateus de C. Soares^1 Geo grafias ARTIGOS CIENTÍFICOS Referências: ALMEIDA, Paulo H. A economia de Salvador e a formação de sua região metropolitana. In: CARVALHO, Ináia M..M & CORSO, Gilberto Pereira (Org). Como anda Salvador e sua Região Metropolitana. EDUFBA, Salvador,
__________;. A economia de Salvador em 2005. Relatório parcial de pesquisa. Salvador: UFBA/ SEMPLAN- PMS, 2005b. CALDEIRAS, Tereza. “Enclaves fortificados: a nova segregação urbana:”. Novos Estudos, São Paulo, CEBRAP, 47, março: (155- 78). 1997. CARVALHO, Ináia M..M & PEREIRA , Gilberto Corso (Org). Como anda Salvador e sua Região Metropolitana. EDUFBA, Salvador, 2006, 185 p. __________;. PINHO, José Antônio G. Duas lógicas em confronto: solo urbano e moradia em Salvador. In: RIBEIRO, Luiz Cezar de Queiroz e AZEVEDO, (org.) A crise de moradia nas grandes cidades. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ,
- p. 189-204. __________;. Família e Pobreza. In: SEI. Pobreza e desigualdades sociais. Salvador: 2003. p. 117 – 134 ( Série estudos e pesquisas, 63) __________;. CODES, Ana Luiza Machado de. Segregação Socioespacial e dinâmica metropolitana. In: __________;. (Org). Como anda Salvador e sua Região Metropolitana. EDUFBA, Salvador, 2006, 185 p. __________;. ALMEIDA, Paulo Henrique; AZEVEDO, José Sérgio G. Dinâmica metropolitana e estrutura social em Salvador. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP. São Paulo, v. 13, n.2, p. 89-114, 2001. CERTEAU. Michel – Teoria e método no estudo das práticas cotidianas. In: Cotidiano, cultura popular e o planejamento urbano, São Paulo, FAU
- USP, 1985. CODES, Ana Luiza. **Combate à pobreza** **na América Latina:** **uma abordagem** **comparativa.** In: SEI. Pobreza e Desigualdade Social. Salvador: 2003, p. 47-64. ( Série estudos e pesquisas 63). ESPINHEIRA, Carlos (Gey) & SOARES, Antonio Mateus de C. **Pobreza e** **marginalização:** **um estudo da** **concentração e da** **desconcentração** **populacional nas** **metrópoles latino-** **americanas: o caso de** **Salvador, no Brasil.** In ANAIS do XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, Caxambú - MG, 2006. ESPINHEIRA, G. (org.) **Sociabilidade** **e Violência:** **criminalidade no** **cotidiano de vida** **dos moradores do** **Subúrbio Ferroviário** **de Salvador.** UFBA, Salvador, 2004. __________;. **Salvador: A cidade das** **desigualdades**. Cad. CEAS, Salvador. 1999. HARVEY, David. **Condição pós-** **moderna.** 8ª. Ed. Edições Loyola. São Paulo, 1999. __________;. **Espaços** **de Esperança.** Capítulo 3 - Operários de todo o mundo, uni-vos. São Paulo: Loyola, 2004. __________;. HARVEY, David. **A Justiça Social** **e a Cidade.** São Paulo: Editora Hucitec, 1980. IVO, Anete B. L. **Metamorfoses da** **questão democrática:** **governabilidade e** **pobreza.** Buenos Aires: CLASCO/ASDI, 2001, 205p. LEFEBVRE, Henri. **A vida cotidiana no** **Mundo Moderno.** Tradução Alcides João de Barros. Editora Ática, São Paulo, 1991. LIMA, Ana Luiza Machado de Codes. **Mensuração da** **Pobreza: uma reflexão** **sobre a necessidade** **de articulação de** **diferentes indicadores.** Caderno CRH, Salvador. v. 17, n. 40, p. 129 – 141, Jan./Abr. 2004. MARICATTO, Ermínia. **Metrópole na periferia** **do capitalismo**. São Paulo, Hucitec, 1996. MARCUSE, Peter. **A** **construção social da** **segregação urbana:** **convergências e** **divergências.** Revista Espaço e Debates: Segregações Urbanas – São Paulo. v. 24, no. 45, jan/julho 2004. OLIVEIRA, Francisco de - **Acumulação** **monopolista, estado** **e urbanização:** a nova qualidade do conflito de classes - in Contradições urbanas e movimentos sociais - São Paulo, CEDEC/Paz e Terra, 1977.
96 Belo Horizonte 05(1) 83-96 janeiro-junho de 2009 Cidade revelada: pobreza urbana em Salvador-BA Geo grafias ARTIGOS CIENTÍFICOS OCEPLAN – PLANDURB. Evolução física-urbana de Salvador. Salvador,
PEREIRA, Gilberto Corso. Atlas digital Salvador. Salvador: LCAD/UFBA, 2000. CD-ROM. PAUGAM, Serge. Desqualificação Social: Ensaio Sobre a Nova Pobreza. Editora Cortez: EDUC. São Paulo, 2000. PRÉTEICEILLE, Edmond. A construção social da segregação urbana: convergências e divergências. Revista Espaço e Debates: Segregações Urbanas – São Paulo. v. 24, no. 45, jan/julho 2004. REIS FILHO, Nestor Goulart. Urbanização e Planejamento no Brasil - 1960/1983. In: Cadernos de Pesquisa do LAP 11. AUH/FAU/ USP, São Paulo, 1996. SAMPAIO, Antonio Heliodório L. Formas Urbanas: Cidade Real & Cidade Ideal. Salvador. Quarteto Editora/PPG/AU, Faculdade de Arquitetura da Ufba, 1999. SANTOS, Milton. O centro da cidade de Salvador. Salvador: UFBA, 1959.
SCHERER – WARREN,
Ise. As múltiplas faces da exclusão nas lutas pela cidadania .In: Caderno CRH, Salvador. v. 17, n. 40, p. 55 – 60, Jan./Abr. 2004. SERPA, Ângelo (org). Fala Periferia! [...] a produção do espaço periférico soteropolitano. Salvador – 2001. SOUZA, Ângela Ma. Gordinho. Mudanças urbanas em Salvador no final do século XX. Revista BAHIA ANÁLISE & DADOS. Salvador – BA, SEI. v. 4, p. 53-73, 03/ 2000. TELLES, Vera da Silva. Pobreza e Cidadania. São Paulo:USP, Curso de Pós Graduação em Sociologia/Ed. 34, 2001. VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra - Urbano no Brasil. São Paulo. Studio Nobel, Lincoln Institute, Fapesp.1998.