












Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Uma avaliação crítica do método analítico proposto por lawrence ferrara em seu livro 'philosophy and the analysis of music: bridges to musical sound, form, and reference'. A avaliação é baseada na observação detalhada dos prós e contras dos dez passos do método, com uma perspectiva específica da situação da pesquisa musical no brasil e dos pré-conceitos culturais que a condicionam. O documento também aponta questões abertas sobre o método e suas implicações para o conhecimento musical.
Tipologia: Notas de aula
1 / 20
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Pablo Sotuyo Blanco^1
Resumo
O objetivo deste trabalho é realizar uma avaliação crítica da proposta analítica apresentada por Lawrence Ferrara 2 no seu livro Philosophy and the Analysis of Music: Bridges to Musical Sound, Form, and Reference (vinculando, no assim denominado "Método Eclético", análises hermenêutica, fenomenológica e morfo-sintática convencional). A avaliação será articulada a partir da observação detalhada dos prós e contras dos dez passos sobre os quais o método está articulado, frisando diversos aspectos relativos à situação da pesquisa em música no Brasil e os pré-conceitos culturais que a condicionam.
Introdução
A proposta apresentada por Ferrara constitui, segundo o próprio autor an eclectic method that acts as an umbrella under which seemingly dissimilar systems can function independently according to their own codifications and yet contribute to the overall understanding of musical significance in a particular work.^3
Articulado em dez “passos” consecutivos, e depois da fundamentação filosófica em
relação ao conhecimento em música e as suas implicações metodológicas, o referido
“método” procura cobrir áreas do conhecimento relativo à peça musical a ser analisada tais
como o som no tempo, a forma e as referências que a peça traz ao ouvinte. Para isto se vale
da coleta de informações históricas (geral e particular; social e estilístico, etc.),
fenomenológicas, hermenêuticas, sintáticas e morfológicas; referenciais, performáticas e
até críticas, no mais amplo sentido do termo.
(^1) Formado em Composição pela Escola Universitária de Música (Montevidéu, Uruguai). Doutorando em
Composição pela UFBA. (^2) Professor da New York University. (^3) Lawrence Ferrara, Philosophy and the Analysis of Music: Bridges to Musical Sound, Form, and Reference.
(USA: Excelsior Music Publishing Co., 1991), p.33.
A idéia apresenta-se tentadoramente abrangente. Mas logo no início surgem
perguntas muito difíceis de evitar como: O método de Ferrara completa realmente o
conhecimento da música analisada em todos os seus aspectos possíveis? Até onde poderia
ser aplicado o referido “método” a produtos musicais gerados no contexto cultural
brasileiro? O que implicaria a aceitação do método sem uma crítica culturalmente
contextualizada? O método deveria (ou não) esperar por uma realidade diferente?
Segundo se acredita, toda “manifestação humana” é cultural. Seus elementos
constitutivos, funcionais e de uso, dependem muito da “cultura” que os gerou. No caso da
música, isto pode se confirmar procurando semelhanças e diferenças entre músicas de duas
culturas definidas como diferentes.^4 O mesmo se pode dizer da forma de “pensar em” e
“sobre a” música. Mas o que acontece com a forma de estudar ou analisar a música em uma
(suposta) mesma cultura? A resposta vai depender de variáveis antropológicas diversas,
tanto históricas quanto geográficas e/ou sócio-econômicas.
Levando isso em consideração é fácil perceber a pertinência da crítica. Como o
próprio Ferrara reconhece, quando um analista aborda uma obra musical ele não o faz com
uma consciência vazia. Todo ato analítico está marcado por estruturas de idéias definidas
com anterioridade assim como de pré-conceitos. O entorno cultural constitui-se então,
como condição pré-existente e importante no pensamento analítico, tanto para quem pensa
o método como para quem o usa.
Existem características na realidade da pesquisa acadêmica brasileira que lhe são tão
próprias que a aplicação de qualquer método poderia deixar tanto o analista sem soluções
visíveis aos problemas que se apresentem, quanto o produto da suas análises, absolutamente
desvalorizadas.
Procurando uma definição ao respeito, Renato Almeida em 1958 faz coincidir a
expressão “cultura universal” com “cultura européia”, 5 esquecendo o que Mário de
Andrade lucidamente escrevia em 1939 sobre a “universalidade” da música e os estados-de-
(^4) Pense-se como exemplo as diferenças e semelhanças entre as assim chamadas músicas orientais e as
ocidentais. (^5) Renato Almeida, Compendio de Historia da Música Brasileira (2 a (^) Edição ;Rio de Janeiro: F. Briguiet,
1958), p.13.
para outras partes do mundo. Neste sentido, o pensamento brasileiro sobre o próprio país,
apesar de ter conquistado diversidade no que refere à própria conceitualização da
identidade, ainda não tem se transformado em reflexo incorporado, nem em clara mostra de
salutar auto-estima.
Sobrevoando o pensamento daqueles que integram a nossa coletividade musical,
isto é, produtores, difusores e consumidores, reconhece-se uma crescente busca de
respostas à simples pergunta “Que e/ou quem somos?” (musicalmente falando, claro).
Questões sobre o que pensa a comunidade musical brasileira já foram levantadas em
diversos momentos dos últimos cinqüenta anos.
Na sua tese doutoral Música Contemporânea Brasileira , escrita em Paris em 1976,
José Maria Neves avalia que,
só há bem pouco tempo – na segunda metade do século XIX – descobre-se no Brasil os primeiros sinais da síntese que irá caracterizar sua música própria. Antes disto, o que se via era a justaposição de elementos contrastantes que, influenciando-se mutuamente, mantinham sua validade com relação aos usos e costumes das diferentes camadas que compunham o povo brasileiro.^9
Contrapondo-se a Neves, Marlos Nobre em 1985, volta a questionar não houve de certa maneira uma certa imposição aos países tidos como consumidores de cultura, de um tipo único de solução que não necessariamente se adaptaria às circunstâncias, por exemplo, do Brasil? [...] Não haveria na própria evolução da música brasileira, através das obras de seus criadores, por exemplo, dados suficientes para serem equacionados em outro tipo de solução? As obras de compositores brasileiros foram bastante e suficientemente estudadas para que tenhamos possibilidade de responder negativamente a essa questão? Quem realmente aprofundou o estudo dessas obras em nosso universo criativo? 10
Por sua vez, Fernando Cerqueira, reconhecia em 1988 que qualquer debate sobre
identidade musical
(^9) José Maria Neves, Música Contemporânea Brasileira (São Paulo: Ricordi, 1981), p.13. (^10) Marlos Nobre, “Proposta Nº 9” In Propostas e Pronunciamentos (ART 013; Salvador: UFBA, 1985),
pp.15-16.
não pode jamais ignorar a discussão sobre a identidade cultural, onde a música, nos seus processos de produção, circulação e recepção funciona como um dos fatores. A Arte se articula como sub-sistema na realidade dos povos, acompanhando de forma complexa, e não determinista, as ideologias que estão na base dos processos sociais. Em decorrência, a música latino-americana teria mil faces se admitíssemos que são mil as ideologias geradoras de estéticas; talvez haja tão somente uma meia dúzia de faces identificáveis no turbilhão de influências que nos pressionam, e os musicólogos, seguindo com precisão as suas pistas, encontrarão certamente os modelos originais.^11
Talvez um desses “modelos originais” seja o que Edino Krieger define como
“Identidade Sonora”, ampliando claramente os limites tradicionais até chegar à própria
natureza do habitat territorial anterior à chegada dos conquistadores. 12
O diálogo assim estabelecido ao longo da história entre aqueles que, desde as
diversas áreas que definem o nosso universo musical, tem se detido para refletir ao seu
respeito confirma não apenas a diversidade conceitual, mas também quanto nos custa
pensar e (re)agir nas realidades musicais vividas dia a dia no nosso continente e no nosso
próprio país, nos termos que nos são próprios. Como Paulo Lima o manifesta
The feeling that a process of ‘bridging’ between european mainstream tradition and the body of local musical knowledge should become a major concern has certainly developed as an organic movement in our society, deeply rooted in centuries of longing for an impossible integration. Only in the twentieth century has this society faced the possibility – not yet materialized – of overcoming the trauma of slavery and imperial dominance. 13
Observações gerais em relação ao Método.
A denominação de “Método” que o próprio Ferrara propõe, estaria baseada na
definição dos passos a seguir na ordem estipulada por ele. Uma simples revisão do termo,
(^11) Fernando Cerqueira, Identidade da Música Latinoamericana (pressupostos sócio-culturais) (ART 016;
Salvador: UFBA, 1988), p.5. (^12) Edino Krieger, Reflexões à Marges dos 500 Anos: A Identidade Sonora do Brasil (Brasiliana Nº4; Rio de
Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2000), p.2-3. (^13) Paulo Costa Lima. “Composition and Cultural Identity in Bahia” (Manuscrito mecanografado), p.
confrontamo-nos imediatamente à questão da natureza de seu conteúdo que podemos, de maneira sucinta, encarar de duas formas distintas. O conteúdo ou é interente ao material musical, se evidenciando através dos sons musicais em sua organização estruturada, ou então ele é visto como uma mensagem comunicada por um veículo musical, e neste caso só está ligado de maneira indireta à organização sonora. Em outros termos, ou a música é encarada como uma linguagem poética, ou então ela é vista como um instrumento funcional. Considerada como linguagem poética, podemos distinguir duas análises da compreensão musical. Uma racional e objetiva e outra intuitiva e subjetiva. Para uma a compreensão é, conforme a definição cartesiana, possuir pelo pensamento, ou segundo Kant, ter a faculdade de pensar um objeto de contemplação sensorial. Para a outra, podemos compreender sensitivamente, de maneira não analítica. A compreensão musical se faria então ou diretamente como no caso de um língua que compreendemos sem “pensar”, ou indiretamente através da interação dialética entre a subjetividade do ouvinte e a matéria musical.^16
Falando em termos gerais sobre o que é conhecer a música na América Latina,
Ricardo Tacuchian manifesta:
Pessoalmente, prefiro que os temas sejam abordados de modo mais abrangente, devido à pobreza da literatura sobre o assunto e nossa conseqüente ignorância sobre a música do nosso próprio continente. Em etapas posteriores, assuntos mais específicos (como o enfoque de uma obra recente) poderão ser aprofundados. No momento, data venia , estamos na fase de Cristóvão Colombo, isto é, descobrindo a América. 17
Mesmo reconhecendo a referida ignorância, é difícil aceitar hoje a “pobreza da
literatura”, embora seja (infelizmente ainda) mais aceitável a pobreza “de” literatura. Mas
de qualquer forma, não são poucos os que se pararam para pensar sobre o que é o
conhecimento musical 18 ou “em música”. Exemplos podem-se encontrar na produção
(^16) Victor Flusser, Escutar e Compreender Música (ART 008; Salvador: UFBA, 1983), pp.41-42. (^17) Ricardo Tacuchian, “Proposta Nº4” In Propostas e Pronunciamentos (ART 013; Salvador: UFBA, 1985),
p.12. (^18) Reconhecendo os preconceitos tácitos na terminologia e na visão geral do assunto, veja-se o artigo de Luiz
Oliveira Maia, Natureza do conhecimento musical (ART 018; Salvador: UFBA, 1991), pp.23-27.
brasileira das últimas décadas, sendo bem poucos os que chegam a se perguntar se o termo
música define exatamente o mesmo na Europa, na América ou no Brasil.^19
Observações particulares sobre os passos do Método
Feitas as primeiras observações gerais à proposta de Ferrara, continuar-se-á com
cada um dos “passos” em forma individual, expondo os prós e contras que se podem
observar em cada um deles, a partir da suas formulações originais.
Passo 1 – Marcos de Referência Histórica
The First Step in this process is to place the piece under study within a historical framework from the point of view of music history as well as the composer’s total oeuvre.^20
A abrangência observada anteriormente manifesta-se na procura de explicitar (e
deixar por escrito) uma parte do processo cognitivo o qual nem sempre se conscientiza, isto
é, a procura do marco de referencia histórico-musical. O que com certeza levará a
considerar muitos aspectos geralmente não explicitados nas análises. Conseqüentemente,
obrigará ao analista a desenvolver uma pesquisa mais profunda, sobre tudo em relação à
visão global da obra do compositor estudado, o que, em muitos casos de compositores no
Brasil (e na América Latina), se desconhece.
A estruturação das perguntas na ordem estabelecida por Ferrara poderia não ser fixa
e se adaptar às necessidades do analista. Segundo seja o caso (ou mesmo a preferência do
pesquisador) poderiam se hierarquizar do geral ao particular ou ao contrário.
Por sua vez, as questões referentes ao estilo musical (tanto de um compositor quanto
de um período determinado) deveriam ser modificadas e/ou adaptadas à nossa realidade,
pois mesmo não possuindo um conhecimento geral e profundo sobre o “estilo” do
compositor e/ou da sua obra, o uso da categoria “estilo” por Ferrara desconsidera que ele é
conseqüência da criação musical e nunca causa dela. Como bem o declara Gerard Béhague,
(^19) Paulo Costa Lima, Dinâmica do Conhecimento em Música: Natureza do Conhecimento Musical (ART 018;
Salvador: UFBA, 1991), pp.29-37. (^20) Lawrence Ferrara, Philosophy and the Analysis of Music: Bridges to Musical Sound, Form, and Reference.
(USA: Excelsior Music Publishing Co., 1991), p.180.
tipológica da música religiosa brasileira do século XVIII que hoje, se sabe, é oriunda de várias regiões do Brasil colonial, tais como Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Pernambuco.”^23
Vale estabelecer aqui que, no que refere especificamente ao repertório das
Lamentações de Jeremías no Brasil, a situação da pesquisa está muito mais próxima ainda
das descrições feitas por Béhague ou por Mariz, infelizmente.
Passo 2 – Escutas Abertas
Step Two is an optional step termed “open- listenings” during this initial set of listenings and readings of the score, the listener/analyst becomes oriented to the overall sound, structure, and message of the work. He remains open to the work and may report insights into sound, syntax or reference. A general use of phenomenological, conventional, or hermeneutic analysis is permitted. However, during Step Two (unlike during Step One ) one should attempt to suspend a comparative analysis of this work with other works. In Steps Two through Seven , the analyst is advised to focus on the specific work under study_._^24
A primeira pergunta que surge da leitura do parágrafo anterior, é sobre a forma de
organizar a abordagem auditiva em relação ao uso das diversas análises. Tanto o fato de ser
opcional quanto à abertura sobre a inclusão de insights perceptivos (com toda a sua carga
de associações livres ou mesmo intuitivas), provocam um certo “vazio metodológico” no
que refere à articulação deste passo no contexto geral da proposta de Ferrara.
Por sua vez, o analista/ouvinte deveria ter a disposição um número mínimo
necessário de intérpretes e/ou gravações existentes daquela peça e/ou daquele compositor
estudado, coisa que não é um fato generalizado no Brasil (nem na América Latina). Muitas
vezes tampouco se têm as partituras editadas nem publicadas, tendo que lidar com tudo o
aparelho de manutenção, busca e reprodução documentária de música original manuscrita,
ainda não completamente funcional nos nossos países.
(^23) Régis Duprat. Música Brasileira do séc. XVIII e a definição do seu estilo (ART 007; Salvador: UFBA,
1983), pp.3-8. (^24) Lawrence Ferrara. Op. Cit., p.181-82.
Paralelamente, Ferrara não considera os possíveis perigos das diversas versões que
poderiam se encontrar, colocando o fato da performance num plano quase abstrato e não
claramente observado. Considero que da escuta comparada, poder-se-ia extrair mais
informação, do que de uma só performance (gravada ou não).
Mesmo assim, a experimentação da percepção auditiva provoca ao mergulho no
mundo sonoro do compositor e da obra a ser analisada em particular, assim como incita à
busca e/ou edição das partituras, assim como das gravações existentes, ou do uso
complementar (ainda que não valia como substituto real) de ferramentas informáticas.
Como dizia muito claramente Ilza Nogueira^25 em relação às diversas situações
analíticas que ela considera, entre as que descreve a análise perceptiva:
o tipo de análise que focaliza a percepção da obra visa iluminar nossa experiência musical imediata. Edward Cone é um nome expoente deste tipo de análise. Segundo Cone, ‘a verdadeira análise funciona pelo ouvido e para o ouvido; seus discernimentos revelam como uma obra musical deve ser ouvida, o que, por sua vez, implica em como ela deve ser tocada. A análise é uma diretriz para a execução’ (1960: 36). 26
Passo 3 – Sintaxe Musical (método convencional)
During Step Three, the listener/analyst attends to musical syntax. At this point in the eclectic method, a conventional method(s) of analysis is implemented. The syntactical data is collected and presented in the manner prescribed by the conventional method. An attempt is made for the relative suspension of the collection of phenomenological and hermeneutic data. Syntactical data collected in the open listenings os Step Two may be considered further for more detailed analysis during Step Three. 27
Fora das considerações já feitas em relação à determinação (ou não) de um sistema
único de análise sintático a ser aplicado no repertório a estudar, Ferrara pré-concebe que o
estilo de linguagem usado pelo analista tem de escolher entre os signos e gráficos ou a
(^25) Ilza Nogueira, Análise Composicional: “O Qué”, “Como”, e “Por Que” (ART 020; Salvador: UFBA,
1992), pp.5-15. (^26) A citação de Edward T. Cone foi tirada do seu artigo “Analysis Today”, In Problems of Modern Music. E.
Land, ed. (New York: Norton, 1960), pp.34-50. Devido à abrangente especificidade do referido trabalho de Nogueira, um estudo mais profundo impõe-se para o futuro próximo. (^27) Lawrence Ferrara, Op. Cit., p.182.
apenas dicas amplas (como as leituras sugeridas dos estudos de Lochhead, Brodhead e
Clifton), deixando aberto esse ponto às necessidades da música a ser estudada, ou do
objetivo da análise.
Passo 5 – Significados Referenciais
In Step Five , the first level of referential meanings (there will be three in all) is reported. This is the level of musical representation. Representation in music can be found in the meanings of a program or a text. In the instance of program music, the analyst provides a report of the accompanying representation. If the work has a text, the analyst should adapt a suitable literary method for the analysis of the text. Ingarden’s theoretical work in literary criticism is an excellent starting point for the adaption or construction of a tool for analysis. 30
Embora a consideração do texto eventualmente presente na música (seja da forma
que for) é um fator a mais a ser levantado e estudado, apenas considera o texto na sua
dimensão tradicional escrita e, pode-se supor, fonética. Ferrara descreve claramente o que
fazer nos casos da música de programa e da música com texto. Mas, o que acontece quando
o texto se apresenta de outras formas, como nos casos de “textos” pertencentes à tradição
oral que não chegam até o analista? Ou no caso onde o “texto” do “programa” musical, é
apenas uma espécie de ritual ou cerimônia? Muitas vezes, o texto pode até ser o título da
peça a ser analisada.
Mas tudo isso pressupõe a existência de algum tipo de “texto”. Que acontece quando
não se tem nenhum? Pode-se considerar os diversos níveis de conteúdos “textuais”
possíveis, como as “textualidades” referenciais sonoras simples ou complexas? Ou mesmo
as referências sonoras do tipo onomatopéico? Ou simplesmente se pula o quinto passo e
pronto?
Passo 6 – Significação hermenêutica
In Step Six , the listener/analyst reports the manner in which the work is expressive of human feelings. Music
(^30) Lawrence Ferrara, Op. Cit., p.183.
can be expressive of feelings such as gaiety, pride, turmoil, struggle, humour, sadness, excitement, anxiety, and so on.^31
A importância da capacidade que a música tem de expressar sentimentos humanos,
e a consciência que o analista deve ter deste fato, vai ficar referido nas relações entre os
afetos, as emoções e os “símbolos musicais”, entendendo estes a partir do observado nos
passos anteriores, isto é, dos elementos da sintaxe, do som-no-tempo e das referencias
textuais analisadas.
A aparente falta de ferramentas específicas para lidar com semelhante nível de
relações na proposta de Ferrar, poderia ter solução na utilização de algumas das técnicas
desenvolvidas pelos semiólogos brasileiros (mesmo associados às linhas de pensamento
originadas por extrangeiros). 32
Passo 7 – Ambiente onto-histórico do compositor
In Step Seven , the listener/analyst is directed to another dimension of referential meaning, the onto- historical world of the composer. The analytical tool to be utilized is, as in Step Six, hermeneutic analysis. If one accepts the fecundity of Heidegger’s definition of art, one must respond to the potential in music to exemplify the onto-historical world of the composer. Responding to that level of musical reference, one permits and supports the opening of an onto-historical world as it grows out of the sound-in-time and syntax.^33
Apoiado na definição de arte de Heidegger, neste passo se faz a segunda análise
hermenêutica, porém contextualizada no fenomenológico e sintático. Esta dimensão
“antropológica” da obra no contexto, pode resultar variável a depender tanto da peça
estudada quanto do compositor, e por trás disso tudo, do conceito de “Homem” e de
“Cultura” que se esteja utilizando ou que esteja inconscientemente inserida no pensamento
analítico.
(^31) Lawrence Ferrara, Op. Cit., p.183. (^32) Veja-se, como exemplo o artigo de Maria da Conceição Costa Perrone, Metodologia da Pesquisa:Análise
Semiótica (ART 021; Salvador: UFBA, 1992), pp.75-80. (^33) Lawrence Ferrara, Op. Cit., p.184.
Mesmo reconhecendo a vantagem de estabelecer um certo “apoio” às futuras
versões dos eventuais intérpretes (sobre tudo quando não se possui nenhuma versão anterior
à análise), a questão acerca da real necessidade deste passo, fica ainda em aberto. Sobre
este ponto se questiona Diana Santiago quando escreve “Como, pois, falar de análise para
executantes sem delimitar o tipo de análise a ser realizado, para que músicas e por quem?
Até que ponto refletir sobre a música em foco é realizar uma análise musical?”^36 E é aqui
onde seria preciso estabelecer o ponto de inserção do pensamento pedagógico do analista e
da consciência deste sobre a eventual formação teórica do intérprete. Acompanhando a
revisão bibliográfica realizada por Santiago:
Barros (1976), por exemplo, ao sintetizar seu método de estudo, não faz qualquer menção à análise, detendo-se em tudo mais: leitura, dedilhado, memorização, andamento, toques, edições, e o ato de escutar-se, como se não implicassem em ou sugerissem uma análise e devessem ser realizados (???) isoladamente, Fontainha (1956) também não se detém no tópico; Sá Pereira (1933) e Bastien (1988), idem, este último somente mencionado, num livro de trezentas e noventa e seis páginas.
Entre vários outros nomes referidos ao mundo pianístico – tão caro a Santiago –,
ela mostra como a análise é negligenciada quase que sistematicamente da pedagogia
instrumental. Embora isto possa configurar um problema na formação dos intérpretes ainda
não conscientizado, a nossa “cultura” custa ainda em reconhecer e (sobre tudo) avaliar as
versões pela sua fundamentação analítica. Neste ponto, Santiago se questiona sobre o quê
fazer perante à tradicional “ausência” da análise, e conclui
Que é uma boa execução? Uma tecnicamente perfeita? Ou aquela que revela algo a quem, no caso da música, a escuta? [...] O essencial é percebermos a forma da obra e tentar transmiti-la tão claramente quanto possível aos nossos ouvintes (Cone, 1968, p. 39), utilizando-nos dos recursos do nosso corpo e do nosso instrumento, apoiados numa fundamentação teórica que busque esquadrinhar todos os aspectos da e relacionados com a obra em questão. Creio ser essa a melhor abordagem para o intérprete: deter-se não apenas na análise orgânica da peça a ser trabalhada; tomá-la como
(^36) Diana Santiago, Sobre Análise para Executantes (ART 021; Salvador: UFBA, 1992), p.81.
ponto de partida, porém, além dela, buscar a análise mais abrangente, de relacionamentos com todos os outros aspectos da composição e de seus sentimentos pessoais em relação a ela, ao ato de execução e à própria arte - à vida, enfim, em busca de uma síntese final a ser manifestada em sons.^37
Claro que, tudo isto apenas falando dos intérpretes “humanos”. Mas como agir em
relação àqueles “não humanos”? O que fazer com a música que se aproveita de ferramentas
de automação da performance (total ou parcialmente), ou mesmo da anulação direta de toda
possibilidade de “versões” (como é o caso da música afixada em mídia eletrônica)?
Passo 10 – Meta-crítica
Step Ten requires a meta-critique of the entire analysis. The principle focus in this step is the discussion of the impact of the inherent strengths and weaknesses of the eclectic method on the outcome of the analysis. This step necessitates the examination of one’s theoretical presuppositions in order to improve and extend his theory base. Insofar as all analytical judgments implicitly claim a supportive rationale, this step provides the opportunity to evaluate one’s approach to musical understanding.^38
Mesmo tendo declarado explicitamente o fato de propiciar a crítica dos resultados e
dos pressupostos teóricos nos que foram baseadas as análises, e já próximos do fim desta
“critica” à proposta de Ferrara, surge a pergunta: É realmente necessário que o próprio
analista faça a meta-crítica ou convém melhor que ela seja distanciada no tempo e/ou no
espaço?
Conclusões
Tendo acompanhado os passos articulados por Ferrara, e observado atentamente
como funcionam, reconhecendo os aspectos positivos do caráter não-linear da proposta, da
abrangência conceitual e da incitação à pesquisa mais profunda da música, poder-se-ia
(^37) Diana Santiago, Op. Cit., p.84. [O texto de Edward T. Cone citado é Musical Form and Musical
Performance. New York: W.W.Norton, 1968]. (^38) Lawrence Ferrara, Op. Cit., p.184.
Bibliografia
Almeida, Renato. Compendio de Historia da Música Brasileira. 2 a^ Edição. Rio de Janeiro: F. Briguiet, 1958. Andrade, Mário de. “Evolução Social da Música no Brasil (1939)” In: Aspectos da Música Brasileira. [Vol. XI das Obras Completas de Mário de Andrade ]. São Paulo: Martins, 1965. Béhague, Gerard. Música Mineira Colonial à luz de novos manuscritos. Barroco 3, p.9-15, sem data, lugar ou editora. Fundamento Sócio-Cultural da Criação Musical. ART 019, pp.6-17. Salvador: UFBA, 1992. Bent, 1. D. 1980 “Analysis”. In: S. Sadie (ed.), The New Grove Dictionary of Music and Musicians, v. 1 (pp. 341-389). London: McMillan. Cerqueira, Fernando. Identidade da Música Latinoamericana (pressupostos sócio- culturais). Revista ART 016. Pp.5-11. Salvador: UFBA, 1988. Cone, Edward T. “Analysis Today”. In Problems of Modern Music. E. Land, ed. pp.34-50. New York: Norton, 1960. Musical Form and Musical Performance. New York: W.W.Norton, 1968. Dicionário Michaelis on-line http://www.uol.com.br/michaelis/ [26/12/2000] Duprat, Régis. Música Brasileira do séc. XVIII e a definição do seu estilo. ART 007, pp.3-
Kaplan, David e Robert A.Manners. Teoria da Cultura. Trad. Zilda Kacelnik. Rev. Téc. Gilberto Velho. 2a^ Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. Krieger, Edino. Reflexões à Margem dos 500 Anos: A Identidade Sonora do Brasil. In Brasiliana Nº4, p.2-3. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Música, 2000. Lima, Paulo Costa. Dinâmica do Conhecimento em Música: Natureza do Conhecimento Musical. ART 018. pp.29-37. Salvador: UFBA, 1991. “Composition and Cultural Identity in Bahia”. Original mecanografado. 17 p. Salvador, 2000. “Composição e Identidade Cultural na Bahia: Ernst Widmer e as Estratégias Octatônicas”. Texto apresentado no Fórum do PPGMUS-UFBA. Salvador, 2000 Maia, Luiz Oliveira. Natureza do conhecimento musical. ART 018. pp.23-27. Salvador: UFBA, 1991. Mariz, Vasco. História da Música no Brasil. 4 a^ Ed. Rev. e Amp. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. Merriam-Webster’s Collegiate Dictionary on-line. http://www.yourdictionary.com [26/12/2000] Merriam, Alan P. New Anthropology of Music. Evanston: Northwestern University Press,
Nattiez, Jean-Jacques et al. Semiologia da Música. Mário Vieira de Carvalho, trad. Lisboa: Vega Universidade, s.d. Nettl, Bruno. “Notes on Musical Composition in Primitive Culture”, Anthropological Quarterly, 27: 81-90, 1954.
Neves, José Maria. Música Contemporânea Brasileira. São Paulo: Ricordi, 1981. Nobre, Marlos. “Proposta Nº9” In: Propostas e Pronunciamentos. Revista ART 013. Pp.15-
Souza, Rodolfo Coelho de. “Proposta Nº3” In: Propostas e Pronunciamentos. Revista ART