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3.5. Bidimensionamento das personagens. III — Conclusão. IV — Referências bibliográficas. I — Introdução. Segundo S.S. Prawer, um estudo de Literatura Comparada ...
Tipologia: Slides
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Lélia Maria Parreira Duarte
Comparação entre a Antígona de Sófocles e a de Júlio Dantas, com a demonstração de que a tradução de Júlio Dantas não é passiva mas constitui uma tradução-texto, uma nova escrita da obra de Só focles, com a sua adaptação a um novo contexto ideológico e estéti co.
SU M ÁRIO
I — Introdução.
II — A Comparação.
As modificações introduzidas por Júlio Dantas
A tradução no plano ideológico.
A tradução no plano estético.
III — Conclusão.
IV — Referências bibliográficas.
I — Introdução
Segundo S. S. Prawer, um estudo de Literatura Comparada pode ser realizado de duas maneiras:
Examinando textos literários, em mais de uma língua, através de investigação de contrastes, analogias ou influências; ou estudando relações e comunicações literárias entre dois ou mais grupos que falam diferentes línguas (1)
O presente trabalho se enquadra na primeira proposição de Pra wer. Analisa a tradução, feita por Júlio Dantas, da Antígona de Só- focles, procurando identificar as modificações introduzidas pelo Autor no texto clássico, explicáveis pela necessidade que tem cada época de retraduzir as obras clássicas.
Em “Propositions pour une poétique de la traduction” (2), Mes- chonnic fala de dois tipos de tradução: passiva, que transmite a infor mação, a ideologia da língua dominante e tradução-texto, adaptação.
Nesta última se coloca a tradução feita por Júlio Dantas; ela funciona como texto e não apenas como transparência. Como diz Schleiermacher (3), leva o autor ao leitor, isto é, adapta as idéias do autor ao novo contexto sócio-político.
Ao analisar as traduções de Shakespeare, Dryden (4) classifi ca-as em três espécies: metáfrase, paráfrase e imitação, em cujo âm bito se localiza o texto de Júlio Dantas, desde que varia palavras e introduz modificações de sentido no texto original.
II — A Comparação
A peça de Júlio Dantas não apresenta a mesma estrutura da tra gédia de Sófocles. Seu início não se faz através de um prólogo; não tem párodo, cinco episódios, estásimos e êxodo, com treze cenas, mas tem cinco atos, com vinte e sete cenas. A eliminação dos estásimos (cantos estacionários) e o maior número de cenas dão à peça de
A sociedade descrita por Sófocles tem na família o seu alicerce; o poder é transmitido hereditariamente; a família é construída racio nalmente, sem ela o indivíduo desmorona. Por isso, ao ver mortos a mulher e o filho, Creonte mesmo se considera destruído e ordena aos servos que o levem, chamando-se de néscio.
A Antígona de Júlio Dantas termina com os cadáveres dos na morados Antígona e Hémon em cena; Eurídice não se m ata. Há a va lorização do amor na peça — amor impossível cuja única solução é a morte.
As personagens de Júlio Dantas são as mesma de Sófocles. En tretanto, há diferenças na caracterização de cada uma delas:
Creonte é a verdadeira personagem trágica da peça de Sófocles, embora Antígona lhe dê nome. Como diz Kitto (7), há um conflito vivo e agudo entre Creonte e Antígona, mas há outro mais profundo entre Creonte e os deuses, que agem nos acontecimentos contra ele. É Creonte quem peca contra a lei natural, impedindo um morto de ser sepultado, e é ele quem sofre as conseqüências de sua falta.
O Creonte de Sófocles é caracterizado como um ser vivo. Não é o tirano, mas é um tirano, como diz Fraisse (8) Não é a figura abstrata da tirania; é um homem obstinado, mas de complexidade psi cológica. Abalado pelas palavras de Hémon e de Tirésias, embora não aparente, depois se deixa admoestar pelo coro como uma criança. E então, embora orgulhoso de seu trono recente, de sua prudência e de seus anos, dedica todos os esforços a desfazer o seu feito: sepulta Polinices, o que é ironia de Sófocles, como diz Maria Rosa Lida (9), porque Creonte criou a tragédia por essa proibição e ele mesmo re ceberá o castigo. Acabado o rito, pensa em ir resgatar Antígona, mas é tarde, ela está m orta. Ouve junto a ela a voz do filho e quer entrar, mas não chega a tempo e o filho também morre; quando chega ao palácio com o filho morto, encontra o cadáver da rainha. E então Creonte apaga-se, como diz Albin Lesky, é “uma sombra cuja existên cia física nada significa diante do aniquilamento de sua existência psí quica” (10)
Em Júlio Dantas, Creonte não é tão importante quanto na tragé dia grega. Em Sófocles ele está presente em nove das treze cenas, o que equivale a uma porcentagem de 69% , no autor português ele aparece apenas em treze das vinte e sete cenas, numa porcentagem de 48% Cede a primazia em cena ao guarda, um herói do povo, e pas
sa a ser o vilão. Ele não é um tirano, mas é o tipo do tirano, sem qualquer profundidade psicológica. É definido desde o início: não tem dúvidas, não volta atrás, exige constantemente obediência e submissão. Diz a um dos senadores, Proceu:
“Os reis perguntam. N ão respondem” ( 1 1 ).
E a Antígona:
“Já, de joelhos a meus pés, filha de Édipo” (p. 5 2 ).
Sente o perigo que o filho representa, diz a Eurídice que ele o ameaçou de morte e entrega-o aos senadores para ser julgado. Além disso, dá ordens de matá-lo, se ele entrar no palácio — é individualista, egoísta, medroso, covarde, prepotente e vingativo até o fim.
Nem as razões de Tirésias, nem Hémon, nem os senadores o fa zem voltar atrás. Ele somente se curva ante a evidência da morte do filho, a violência do povo, e os senadores que o destituem do poder e enviam para a prisão.
O pecado do Creonte de Júlio Dantas não é infringir seu próprio edito, toda a origem da tragédia, mas teimar nesse edito injusto e no castigo a seu infrator É justamente essa a acusação que Tirésias faz contra ele:
“Queres então que as aves de rapina levem no bico e nas garras, para os lares e para os templos da Beócia, pedaços apodrecidos do corpo de um rei, filho e neto de reis, culpado apenas de haver reclamado, de armas na mão, a coroa real a que tinha direito? Queres fazer caminhar, para o suplício, coberta de infâmia, a filha de Édipo e de tua irmã Jocasta, princesa cujas virtudes deslum brantes são o orgulho de Tebas? Que rios, que fontes, que mares dariam água bastante para lavar a mácula de semelhantes cri mes?” (p. 73)
O pecado de Creonte é desrespeitar o direito humano de reclamar o que é seu — Polinices; o direito humano de cumprir o seu dever — Antígona; o direito humano de amar a escolhida de seu coração — H ém on.
Júlio Dantas traz Creonte da tragédia grega e o coloca em um contexto romântico — seu pecado consiste em negar ao ser humano a liberdade a que tem direito, e por isso ele é castigado. O seu Creonte é uma personagem tipo que, conforme diz Vítor Manuel Aguiar e Silva (12) não evoluciona, não sofre transformações íntimas. É uma personagem sempre igual a si mesma; os fatos acontecem a ela e não
mento ela enfraquece ou se amendronta. Diz: “As minhas mãos não tremem. (E apontando Creonte): A palidez do medo, o pavor da morte, olhai, estão ali!” (p. 55)
Permanece a mesma até o fim. É uma personagem plana, idea lizada romanticamente. Sua despedida também contém elementos ro mânticos: ela se refere à natureza, associando-a emotivamente à vida que vai perder e à sua isenção de culpa:
“Adeus, florestas que me embalaram o sono, rios claros, lourei ros sagrados, montanhas verdes do Citéron. (... ) Dou-vos por testemunhas da minha inocência, pombas que revoais em torno do palácio onde nasci, gotas de orvalho irmãs das lágrimas que choro” (p. 105-6).
Ástaco e Hémon oferecem sua vida por ela, mas, altaneira e heróica, ela não aceita: “Ninguém poderá arrancar-me à morte, nem pagando a minha vida pelo preço da sua” (p. 108)
A Antígona de Júlio Dantas é a mártir cristã, cuja morte tem caráter de triunfo e inspira admiração. Diz a Hémon:
“Suplico-te pelos deuses, Hémon — vive! Deixa-me partir sozi nha — ouviste? — sozinha. Ficam, a acompanhar-te a imagem da minha infância, o sorriso da minha primavera, a sombra da mi nha ternura” (p. 108)
Ela é tão desprendida e sobrenatural que deseja que Hémon a substitua por Ismênia:
“Entrego-te minha irmã. É tudo o que me resta no mundo. Ampa ra-a na sua fraqueza, protege-a na sua inocência, e, se puderes — ela é, também, filha de Édipo — guarda-a no teu coração. Adeus, meu príncipe.” (p. 108).
E para mostrá-la realmente forte no final, Júlio Dantas coloca em sua boca um sorriso e as palavras: “Eu morro feliz, muito feliz. ” (p. 108), especialmente significativas de sua firmeza e convicção.
A Antígona de Júlio Dantas é sempre igual a si própria, jamais revela surpresa ao leitor por suas características específicas. É uma personagem-tipo, ou personagem plana, como diz Massaud Moisés (15)
O Hémon de Sófocles é dominado pela razão; por isso aconse lha o pai a agir com prudência. Está pronto a obedecer-lhe, desde
que ele aja com sabedoria: “Nenhuma boda me prazerá tanto que a prefira à obediência que te devo” (16) -
Hémon enaltece a razão que permite ao homem separar o que é justo e o que é injusto e, sobretudo, lhe permite moderar os impulsos irrefletidos. É compreensivo e moderador, como diz Tabaré Freire (1 7 ).
A sua morte é uma prova de fidelidade aos princípios que de fendeu. Desesperado por ter tentado contra a vida do pai, volta-se contra si mesmo.
O Hémon de Júlio Dantas é dominado pelo sentimento e não pela razão. Suas primeiras palavras são para declarar seu amor por Antígona. O Autor explora, através dele, o sentimentalismo, que vai atingir mais depressa o espectador Os motivos da sua ação não são políticos, mas sentimentais. Por isso ele se volta logo contra o pai, co~ mo mostram o fato de trazer um gládio e as suas palavras a Creonte :
“Quem atentar contra a vida ou contra a honra de Antígona, fere- me em pleno peito a mim” (p. 8 2 ).
Hémon ameaça o pai de morte, avançando contra ele : “Se tu não reconsideras, se não revogas a sentença que o teu rancor ditou, — não será só Antígona que morre. Alguém mais morrerá com ela!” (p. 85)
Não se trata, como em Sófocles, da sugestão de Hémon de matar- se, mas:
“Vou salvar Antígona seja como for, ainda que tenha de tingir os braços no sangue de meu pai!” (p. 99)
Hémon é o típico herói romântico de que Júlio Dantas precisa va. Ele já tinha o vilão — Creonte; a mocinha — Antígona; precisava de um elemento especial para completar a tram a. Levando o tirano a proibir o amor do filho, ele cria a situação necessária e transforma Hémon nesse herói.
Por amor ela mata: “Antígona! Eu abri caminho com a espada para chegar junto a ti” (p. 107)
Por amor ele renega o pai: “Renego dele, da vida que me deu, do sangue que me corre nas veias” (p. 107)
Por amor ele se mata, por amor ele amaldiçoasua própria famí lia: “Que o fogo te abrase, que os deuses te fulminem, que a terra se abra para te devorar, casa maldita, raça maldita!” (p. 109)
dade inferior. (18) É personagem extremamente secundária; aparece em cena apenas duas vezes — a sua função é constituir um receptá culo para a cólera inicial de Creonte.
Júlio Dantas valorizou essa personagem de várias maneiras:
a — Deu-lhe um nome — Egéon, tirando-o do anonimato, dando- lhe seriedade e responsabilidade, e assim valorizando o povo, através da valorização de um elemento seu. Já na primeira cena coloca-o ao mesmo nível dos senadores, dialogando com eles e manifestando com liberdade sua própria opinião.
b — Deu-lhe capacidade de reflexão para:
— Julgar como Etéocles e Polinices foram dignos um do outro; — Conceber o plano para salvar Antígona, plano frustrado pe la própria heroína; — Impedir Hémon de atacar Creonte: “Príncipe, que te per des!” (p. 111) — Perceber como Creonte usa despoticamente o poder: “Por que não perguntas, antes, se a majestade real não teria aten tado contra Hémon?” (p. 104)
Em Sófocles ele é sempre preocupado consigo mesmo e reafirma a sua satisfação por ter-se livrado do castigo prom etido. Traz Antígona e a aponta como culpada.
Em Júlio Dantas ele contemporiza e aconselha Creonte: “No teu lugar, Creonte, eu preferia não saber” (p. 45), enquanto Antí gona é trazida por outros guardas e Creonte mesmo deduz que foi ela quem infringiu sua lei. Quando Hémon insiste em subir ao palácio, onde será morto por ordens do pai, Egéon tenta impedi-lo e na im possibilidade vai com ele, para protegê-lo ou encontrar junto a ele a morte.
Júlio Dantas deu-lhe o maior papel da peça. Egéon aparece em 15 cenas, duas mais que Creonte. Ele é o representante do povo idealizado, com as suas qualidades: seriedade, responsabilidade, in teligência, sensibilidade, desprendimento, argúcia, capacidade de jul gamento. Egéon é o comparsa de Hémon, é o elemento necessário para completar a trama romântica.
O coro, na obra de Sófocles é uma personagem coletiva, especial mente adequada em cada uma de suas tragédias. Por exemplo:
em Electra são mulheres, que vão incitar a heroína à vingança homicida;
em Traquínias são donzelas;
em Êdipo-Rei são anciãos que podem informar sobre o passado, orientar no presente, e compartir com Édipo a dor de sua ruína fatal;
em Édipo em Colona são aldeões coloneses, para refletir clara mente o que era mais típico e natural na vida aldeã;
em Antígona, o coro é formado por um conjunto de anciãos de Tebas, nobres, amantes de sua pátria, sábios e capazes de orientar. Entretanto, como diz Weinstock (19), observamos no coro de Antí gona uma série de contradições:
— aprova o decreto de Creonte; — sugere que sua violação será talvez obra dos deuses; — aprova o tirano quando este repreende o filho; — dá razão a ambos (pai e filho), quando ouve falar o filho.
No diálogo com Antígona:
— pretende consolá-la; — admoesta-a por sua transgressão; — logo atribui suas desditas à herança familiar; — termina dizendo que ela tem a culpa de tudo.
Na cena com Tirésias se comove tanto que é quem dá o empur rão a Creonte para que mude.
No momento da catástrofe comenta que somente muito tarde o tirano chegou a compreender o que seja justiça.
Essas contradições, a nosso ver, são provas da profundidade psi cológica do coro na Antígona de Sófocles; suas opiniões se modifi cam pela reflexão, e ele se mostra capaz de surpreender pela varie dade de atitudes.
O coro em Júlio Dantas não existe propriamente. É desmem brado em três senadores, representantes do povo no poder, o que significa uma transformação no regime político absoluto representa do na Antígona de Sófocles, com a valorização do indivíduo como tal. Já de início Júlio Dantas lhes dá nomes: a — Enópides — é o que está ao lado do Estado, por isso: — É contra Polinices; — É conciliador; para servir aos objetivos da cidade altera os fatos como convém e quer ensinar isso a Antígona: “Dize que não sabes” (p. 48)
Diz Albin Lesky que Sófocles cresceu e se formou numa gran de época de Atenas, marcada pela realização de orgulhosas idéias de poder Apesar de não ter sido grande general nem grande po lítico, chegou a alcançar posição bastante destacada na vida polí tica da cidade. “Foi membro da corporação dos dez probulos que, após o desastre siciliano, constituiu um elemento de autoridade sal vadora na democracia que se quebrantava”
Analisando a ideologia manifesta em suas peças, podemos dedu zir a importância dada por Sófocles à oligarquia como poder político. Suas personagens são nobres, que lutam constantemente para manter ou recuperar o poder É esse o problema de Édipo, como mostrou Michel Foucault (20) — sua ação na peça se resume na luta para conservação do poder
Em Electra a situação é a mesma. As palavras de Electra e de Orestes mostram que o seu problema maior é verem-se privados de seu patrimônio pelos traidores Egisto e Climnestra. Na sua prece a Apoio, Clitemnestra ora para que possa continuar a fruir o que con quistou pelo assassinato e protegeu pelo adultério, e para que seu filho nunca regresse para vingar o pai, mas sim que morra antes. Tanto Electra, quanto Orestes, quanto Clitemnestra, colocam em primeiro lugar a importância do poder econômico.
Em Antígona, toda a ação se desenvolve em torno do problema do poder, que Creonte consegue adquirir e quer defender, de forma ditatorial, por todos os meios ao seu alcance.
Remontando à história da Grécia, percebemos que o Creonte de Sófocles governa uma democracia. Isso porque o seu reino tinha as dimensões de uma cidade, onde, como explica Hugo Weiss, “o povo não deixava de vigiar os menores gestos do soberano” (21) Entre tanto, essa democracia era fictícia: Creonte era um tirano, isto é, um “chefe governando só e promulgando suas próprias leis” (p. 114) O povo o observava e criticava, mas ele não aceitava essas críticas: “Hei-de governar esta terra segundo a opinião de outros, ou segun do o meu parecer?” (p. 13)
O regime político retratado confere-lhe o poder absoluto, por hereditariedade, conforme afirmação sua: “Assim eu, dados os meus laços de parentesco com os que tombaram, assumo todo o poder, toda a realeza” (p. 16)
Esse poder lhe é confirmado, como indicam as palavras do Cori feu:
“— Filho de Meneceu, dá-te prazer proceder assim, tanto com o amigo como para com o inimigo da cidade. E, sim, podes usar
da lei como entendas, quer para os vivos, quer para os mortos” (P- 16-7)
Em Júlio Dantas a situação é diferente. O seu Creonte governa uma democracia real. O povo não o observa diretamente, mas atra vés de seus senadores, de seu filho e de Tirésias, que o admoestam e tentam fazê-lo refletir. Ele também recebe o poder devido aos laços de parentesco, mas sabe que deve prestar contas ao senado, represen tante do povo: “Não vos peço, por enquanto, que confieis em mim. O Senado e o povo não podem cegamente confiar num homem cujas idéias e cujos sentimentos não conhecem” (p. 30)
Em Júlio Dantas, o povo propriamente dito chega à ação: perse gue e apedreja o seu rei, revoltado contra ele. (p. 125)
Esse fato, aliado à valorização de Egón, um seu elemento, revela o novo contexto ideológico da época de Júlio Dantas, e que ele trans mite à sua Aníígona.
Nascido em 1876, Júlio Dantas é testemunha da propaganda para implantação e luta pelo estabelecimento da República em Portugal. Por outro lado, conhece a reação contra o republicanismo, com as tentativas de restauração monárquica. Presencia duas ditaduras mi litares e a revolução de 28 de maio de 1926, que pôs fim à República e prepara o Estado Novo, instalado em 1928 (22)
Júlio Dantas viveu, portanto, numa época de conflito de ideo logias, com suas diferentes perspectivas com relação ao poder, e à par ticipação do povo nesse poder Sentiu a instabilidade de sua época, sua insatisfação por um regime político absoluto, o anseio por um regime liberal e democrático — e colocou tudo isso na sua Antígona.
É interessante notar que, embora Júlio Dantas seja de uma épo ca simbolista, em que a angústia metafísica é acrescentada ao subje- tivismo e ao nacionalismo românticos, especificamente em Portugal, aquele elemento não faz parte de sua peça.
Luciana Stegagno Picchio explica a posição de Lopes de Men donça, Marcelino Mesquita e Júlio Dantas como dramaturgos portu gueses dessa época: seguem o gosto público, com um neo-romantismo como posição moral ou política, apresentando “em vestes modernas os casos e soluções de uma problemática retrógrada” (23)
O trabalho de Júlio Dantas mostra o interesse português de re ceber, naquele momento, aquela tradução, por sua adequação à situa ção política. Isso explica por que diminui na peça a importância de Tirésias, mediador divino para Sóíocles. E também por que valorizou
3 .3 4. Manifestações populares contra o tirano: o povo ape dreja o rei injusto.
3 .3 7 Rivalidade entre famílias
Na peça de Júlio Dantas há várias expressões que constituem lu gar-comum no Romantismo:
3 4.1 Passar sobre o cadáver Egéon quer impedir Hémon de cometer uma loucura e diz que só deixará de fazê-lo depois de m orto.
3 4. 3. Emoção que impede de falar, quando Egéon vai dar a Eurídice a notícia da morte de Antígona e Hémon.
“Salva-a, Hémon! Salva a minha irmã!” (p. 103).
Esta súplica é apresentada também pela sua negação, quando Antígona e Creonte se recusam sucessivamente a rojar-se em terra e pedir perdão.
“Se a matares, tu vibras uma punhalada ao coração do teu filho!” ( -)
“Ouves-me? Matas o teu filho! Matas o teu filho!” (p. 56)
Ela responde: “Adeus, meu príncipe!” (p. 124)
Também Hémon se despede e caminha para a morte: “Até aos infernos, Egéon! Adeus!” (p. 111).
Como ficou exposto, vimos que as personagens de Sófocles são elaboradas, apresentadas em seu modo íntimo de ser, além dos traços superficiais, o que as identifica como complexas, no dizer de Antônio Cândido. (26)
As personagens de Júlio Dantas, pelo contrário, são planas, de costumes, analisadas em relação ao seu comportamento em sociedade. Elas constituem tipos — são destituídas de profundidade, como as personagens românticas em geral. As coisas acontecem a elas e não dentro delas.
III — Conclusão
Em vista do exposto, julgamos que a Antígona de Júlio Dantas constitui realmente uma tradução texto, uma adaptação. Transmite a informação mas modifica-a, introduzindo uma nova ideologia, a par das transformações de caráter estético.
Através de sua Antígona , Júlio Dantas faz uma leitura- escritura — seu texto constitui uma nova escrita do texto de Sófocles. Realiza um dos trabalhos mais essenciais em Literatura, porque introduz os ignorantes do texto clássico àquelas formas de arte e humanidades que não poderiam conhecer de outro modo; e principalmente porque, através da tradução, amplia a capacidade de significação e expressão de sua própria língua.
20. FOUCAULT, M ichel. A Verdade e as Formas Jurídicas. In Cadernos da P U C /R J. Rio de Janeiro, 1974. 21. Enciclopédia D elta de História G eral. **Coordenação geral do Prof. Hugo Weiss, Rio de Janeiro, Delta S .A ., p. 113.
MOISÉS, Massaud — A Criação Literária, São Paulo, Ed. Melhoramentos, tuguesa, 3. e d ., São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970.
26. CÂNDIDO , Antônio: A Personagem de Ficção: São Paulo, Perspectiva, 1968.