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Práticas de estágio em Psicologia Social Comunitária: desafios e perspectivas, Provas de Psicologia

Este artigo discute as práticas de estágio no contexto da psicologia social comunitária, com foco no centro de referência especializado de assistência social (cras) como espaço de acesso às comunidades. A partir de relatórios finais de estágio básico curricular de psicologia em contextos sociais e comunitários, o artigo reflete sobre a dimensão do estágio no processo formativo e na materialização de práticas em psicologia social comunitária.

O que você vai aprender

  • Qual é a importância do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Cras) no acesso às comunidades?
  • Quais são as limitações e possíveis contribuições da pesquisa documental utilizada neste artigo?
  • Como as práticas de estágio contribuem para a formação em Psicologia Social Comunitária?
  • Como o estágio pode ser um espaço potencializador de formação de profissionais de Psicologia reflexivos e pesquisadores?

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Andre_85 🇧🇷

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Barros, A. S. & Almeida, M. B. F. Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação
em Psicologia Social Comunitária
Pesquisas e Práticas Psicossociais 14(3), São João del-Rei, julho-setembro de 2019. e3370
Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação
em Psicologia Social Comunitária
Basic Internship in community environments: Real practice to building
knowledge in Social Community Psychology studies
Práctica básica en contextos comunitarios: oportunidad de ejercicio real en
la formación de estudiantes en Psicología Social Comunitaria
Amailson Sandro Barros
1
Marion Barros Ferreira Almeida
2
Resumo
Este artigo tem como o objetivo central discorrer sobre o estágio básico de Psicologia em contextos
comunitários, tendo o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Cras) como espaço e
via de acesso às comunidades. As discussões e reflexões apresentadas foram desenvolvidas a partir da
perspectiva da Psicologia Social Comunitária latino-americana. Trata-se de uma pesquisa documental,
cujas informações obtidas advêm de 47 relatórios finais de estágios elaborados pelos estudantes
estagiários de uma universidade federal que foram entregues aos professores supervisores no fim de
cada semestre letivo. Os dados coletados, após sistematizados e submetidos à análise de conteúdo,
geraram as seguintes categorias: dimensão educativo-pedagógica do estágio; práticas de intervenção
realizadas durante o estágio; e tensão na relação teoria e prática. Observou-se que as práticas de estágio,
embora coloquem os estagiários em situações concretas de intervenção, ainda não são suficientes para
a formação em Psicologia Comunitária, apresentando-se como desafio a ser superado pelo curso de
graduação.
Palavras-chave: Estágio básico. Formação. Contexto comunitário. Cras. Psicologia Social
Comunitária.
Abstract
This text intends to discuss the basic internship in psychology studies within community environments,
taking Specialized Reference Center for Social Assistance (Cras) as the ideal space and the pathway to
accessing communities. The discussions and considerations addressed here came from the perspective
of Latin American Community Social Psychology. This is a documental research, whose information
comes from the forty seven final reports of internships developed by student-trainees of a Federal
University and delivered to supervisors at the end of each semester. After collecting and systematizing
data, performing content analysis, there were two categories as the result: educational-pedagogical
outreach of the internship; practices during the internship; and tension in the relationship theory and
practice. Although the trainees´ practices revealed insert them in concrete situations of intervention, but
this is not enough for training in Community Psychology. Therefore, this is a challenge the graduation
courses are supposed to overcome.
Keywords: Basic training. Graduation. Community contexts. Cras. Community Social Psychology.
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Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso.
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Discente do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso.
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Barros, A. S. & Almeida, M. B. F. Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação em Psicologia Social Comunitária

Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação

em Psicologia Social Comunitária

Basic Internship in community environments: Real practice to building

knowledge in Social Community Psychology studies

Práctica básica en contextos comunitarios: oportunidad de ejercicio real en

la formación de estudiantes en Psicología Social Comunitaria

Amailson Sandro Barros^1

Marion Barros Ferreira Almeida^2

Resumo Este artigo tem como o objetivo central discorrer sobre o estágio básico de Psicologia em contextos comunitários, tendo o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Cras) como espaço e via de acesso às comunidades. As discussões e reflexões apresentadas foram desenvolvidas a partir da perspectiva da Psicologia Social Comunitária latino-americana. Trata-se de uma pesquisa documental, cujas informações obtidas advêm de 47 relatórios finais de estágios elaborados pelos estudantes estagiários de uma universidade federal que foram entregues aos professores supervisores no fim de cada semestre letivo. Os dados coletados, após sistematizados e submetidos à análise de conteúdo, geraram as seguintes categorias: dimensão educativo-pedagógica do estágio; práticas de intervenção realizadas durante o estágio; e tensão na relação teoria e prática. Observou-se que as práticas de estágio, embora coloquem os estagiários em situações concretas de intervenção, ainda não são suficientes para a formação em Psicologia Comunitária, apresentando-se como desafio a ser superado pelo curso de graduação. Palavras-chave : Estágio básico. Formação. Contexto comunitário. Cras. Psicologia Social Comunitária. Abstract This text intends to discuss the basic internship in psychology studies within community environments, taking Specialized Reference Center for Social Assistance (Cras) as the ideal space and the pathway to accessing communities. The discussions and considerations addressed here came from the perspective of Latin American Community Social Psychology. This is a documental research, whose information comes from the forty seven final reports of internships developed by student-trainees of a Federal University and delivered to supervisors at the end of each semester. After collecting and systematizing data, performing content analysis, there were two categories as the result: educational-pedagogical outreach of the internship; practices during the internship; and tension in the relationship theory and practice. Although the trainees´ practices revealed insert them in concrete situations of intervention, but this is not enough for training in Community Psychology. Therefore, this is a challenge the graduation courses are supposed to overcome. Keywords : Basic training. Graduation. Community contexts. Cras. Community Social Psychology. (^1) Docente do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso. (^2) Discente do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso.

Barros, A. S. & Almeida, M. B. F. Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação em Psicologia Social Comunitária Resumen El objetivo central de este articulo es discurrir sobre la práctica básica de estudiantes de psicología en contextos comunitarios, teniendo Centro de Referencia Especializado para Asistencia Social (Cras) como el espacio y vía de acceso a las comunidades. Las discusiones y reflexiones presentadas fueron desarrolladas por la perspectiva de la Psicología Social Comunitaria latinoamericana. Se trata de una investigación documental, cuyas informaciones obtenidas provienen del cuarenta y siete informes finales de prácticas elaborados por los estudiantes-pasantes de una Universidad Federal y entregados a los profesores supervisores al final de cada semestre lectivo. Los datos recolectados fueron sistematizados y sometidos al análisis de contenido, generando las siguientes categorías: dimensión educativa y pedagógica de la etapa; prácticas de intervención realizadas durante la etapa; y tensión en la relación teoría y práctica. Se observó que los participantes de la práctica obtuvieron situaciones concretas de intervención, pero eso todavía no es suficiente a la formación en Psicología Comunitaria, siendo, por lo tanto, un desafío a ser superado por los programas de graduación. Palabras clave : Etapa básica. Formación. Contexto comunitario. Cras. Psicología Social Comunitaria.

Barros, A. S. & Almeida, M. B. F. Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação em Psicologia Social Comunitária a) dimensão ontológica: envolve o compromisso com a transformação social e pessoal, reconhecendo o caráter não natural da sociedade e dos comportamentos do ser humano, considerado um ser ativo, social e histórico; b) dimensão teórico-epistemológica: refere-se aos aportes de uma Psicologia que considera as premissas histórico-sociais da realidade concreta e da vida cotidiana para além da imediaticidade. Por meio dessa dimensão, a não neutralidade das práticas psicossociais e a indissociabilidade teoria-prática são reconhecidas em suas múltiplas determinações; c) dimensão ético-política: envolve o respeito e a valorização ao saber e à vida do outro; inclusão das pessoas da comunidade na produção do conhecimento; identificação das possibilidades e dos limites do exercício profissional, mantendo compromisso com os “segmentos populares explorados e oprimidos” (Freitas, 2015a, p. 529); d) dimensão técnico-metodológica: vincula-se ao uso de técnicas e metodologias participativas, colaborativas e coletivas, de relações democráticas, como pesquisa-ação, observação participante, grupos de reflexão, rodas de conversa e as oficinas psicossociais (Afonso, 2001). A inter-relação dessas dimensões se torna essencial para a atividade educativa e para a realização do estágio, ao proporcionar o exercício de pensar a prática, refletir a realidade a partir de uma concepção crítica da sociedade e das práticas sociais. Assim, entendemos que essa inter-relação pode contribuir para o exercício consciente da Psicologia e para a proposição de intervenções que abarquem compreensão sociopolítica e histórica dos fenômenos psicossociais, como forma de auxiliar na superação de práticas psicologizantes, de naturalização da questão social e das desigualdades (Freitas, 2010, 2014a, 2015a; Guzzo, 2014; Martín- Baró, 1996; Montero, 2010, 2016; Yamamoto, 2003). Sobre o estágio curricular em contextos comunitários e a inserção dos estagiários no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) O curso de Psicologia no qual esta pesquisa se desenvolveu foi implantado no ano de 2008, como resultado do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). O referido curso adota a forma de regime seriado semestral, em período integral (tarde-noite). Para o cumprimento da integralização da graduação, o Projeto Pedagógico do Curso estabelece o tempo mínimo de dez e o máximo de quinze semestres. A carga horária total do Curso é de 4. horas. Destas, 2.760 referem-se às aulas teóricas, 1.165 às atividades que garantem o contato do aluno com situações simuladas e/ou concretas da vida profissional, e 200 às atividades complementares, que garantem a flexibilidade do currículo e dão ao aluno a oportunidade de atender a anseios particulares no campo da Psicologia. (Projeto Pedagógico do Curso, 2009, p. 20) Dessas 1.165 horas de atividades, que buscam garantir o contato do estudante com situações da vida profissional, 240 horas são cumpridas via estágios básicos supervisionados que fazem parte do núcleo comum do curso. De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais (Brasil, 2011), o núcleo comum é constituído por um conjunto de disciplinas que possibilitam ao estudante a capacitação básica e os

Barros, A. S. & Almeida, M. B. F. Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação em Psicologia Social Comunitária conteúdos da Psicologia como campo diverso de conhecimento e de atuação. A carga horária de 240 horas previstas para as atividades de estágios básicos no curso em tela está distribuída ao longo de quatro semestres da seguinte forma: a) Estágio Básico I: Contextos Socioeducativos (3º semestre do curso), b) Estágio Básico II: Contextos Sociais Comunitários (4º semestre do curso), c) Estágio Básico III: Contextos Organizacionais e do Trabalho (5º semestre do curso), d) Estágio Básico IV: Contextos Clínicos e de Saúde (6º semestre do curso). Cada estágio básico tem carga horária de 60 horas assim divididas: 30 horas para supervisão acadêmica e 30 horas para atividade prática. Para a realização do Estágio Básico II, os estudantes são inseridos em diversos contextos de atuação da Psicologia no campo social e comunitário, destacando-se o Cras como uma opção entre outras possibilidades, por exemplo: Associação de Moradores, Casa do Migrante, Pastoral da Família, Pessoas em Situação de Rua, Organizações da Sociedade Civil, Centros de Convivência para Idosos e programas sociais específicos do município voltados para o atendimento infantojuvenil. O Cras, como espaço de estágio e de formação em Psicologia Social Comunitária, foi escolhido pelo potencial desse equipamento no desenvolvimento de projetos voltados para a comunidade e realização de atividades, envolvendo diversos públicos (crianças, adolescentes, idosos e a própria equipe técnica dos serviços) e profissionais de áreas distintas (assistentes sociais, pedagogos e educadores sociais). Para a inserção dos estagiários nesse campo de estágio, o curso realizou, por meio da Universidade e a Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento Humano, convênio de estágio curricular obrigatório. Trata-se, portanto, de uma inserção na comunidade pelo acesso institucional, com objetivo pedagógico de promover a formação guiada por uma “práxis educativo-comunitária” (Freitas, 2014b), expressa pelas premissas da observação e pesquisa participante (Montero, 2004) e embasada no planejamento e execução de intervenções psicossociais definidas a posteriori (Freitas, 2015c; Martín-Baró, 1996). No início de cada semestre letivo, de acordo com o número de estudantes interessados em realizar o estágio básico no Cras, a Secretaria Municipal de Assistência Social disponibiliza número suficiente de vagas para atender ao quantitativo de estagiários para cada semestre. Os estagiários são então distribuídos em duplas entre os 14 Cras existentes no município. A escolha dos Cras que receberão estagiários é concentrada na decisão da Secretaria, que se pauta na disponibilidade das equipes em ofertar vagas de estágio para o semestre e, principalmente, nas condições físicas e estruturais dos equipamentos. Os casos de impossibilidade de receber estagiários são justificados pela falta de espaço ou pela realização recorrente de reformas prediais. Isso faz com que ocorra uma rotatividade na oferta de vagas entre os Cras, gera descontinuidade no processo de estágio, rompe vínculos e fragiliza as parcerias. Todos os Cras do município funcionam em prédios alocados e adaptados pela prefeitura para atender minimamente às exigências formais de habilitação do equipamento no Sistema Único de Assistência Social (Suas). Os dias e horários para o cumprimento da carga horária de estágio são estabelecidos entre os estagiários e a equipe técnica de cada Cras. Metodologia Trata-se de uma pesquisa documental (Severino, 2007) de abordagem qualitativa, que, em sua essência, utilizou estritamente os relatórios de conclusão de estágio básico em contextos comunitários elaborados pelos estagiários que atuaram no

Barros, A. S. & Almeida, M. B. F. Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação em Psicologia Social Comunitária para o campo da Psicologia Social Comunitária e para a formação profissional. Apresentação e discussão dos resultados A amostra da pesquisa foi composta por 47 relatórios de estágio, conforme indicamos na Tabela 1. Tabela 1. Seleção dos relatórios de estágio básico em contextos sociais comunitários Semestre Quantidade de relatórios 2015/1 4 2015/2 6 2016/1 7 2016/2 12 2017/1 10 2017/2 8 Total 47 Fonte: Elaborada pelos autores. Identificamos em todos os relatórios que a dimensão teórico-metodológica e técnico-operativa que serve de suporte para a escrita desses documentos advém da Psicologia Social Comunitária latino- americana e das premissas da pesquisa e observação participante (Brandão, 2010; Freitas, 2014a), com contribuições da saúde comunitária e da educação popular apoiada em Paulo Freire (Freire, 2013). Ao observarmos os planos de ensino correspondentes aos semestres dos relatórios pesquisados, constatamos correlação direta entre as bibliografias básicas e complementares indicadas nesses planos com as referências bibliográficas utilizadas pelos estudantes em seus relatórios de estágio. Desse modo, desenhou-se o início da materialização do caminho teórico percorrido pelos estagiários para o cumprimento do estágio. Dimensão educativo-pedagógica do estágio para a formação profissional Esta categoria evidencia o estágio básico como uma atividade educativo- pedagógica e estratégica para a formação profissional em Psicologia. O estágio básico é entendido pelos estagiários como um exercício que instiga o protagonismo dos estudantes, fomentando o trabalho coletivo e colaborativo, a partir de diversos arranjos de relação (estagiário-estagiário, supervisor-estagiário, superior-estagiário- profissionais do Cras, estagiários- profissionais do Cras, estagiários-público- alvo da intervenção). Mesmo que de modo embrionário, há destaque para o exercício de uma metodologia participativa na construção dos planos de ação e das atividades desenvolvidas nos estágios. Em alguns casos, foi possível observar a participação dos profissionais e do público- alvo na elaboração das práticas de intervenção, principalmente nos trabalhos envolvendo crianças e adolescentes. “Elaboramos o nosso projeto ‘Ser família não é morar na mesma casa, é morar no mesmo coração’. Cabe ressaltar que ele foi elaborado por meio da demanda identificada nas observações, no diálogo com as crianças e em parceria com a orientadora e a coordenadora do Cras” (R.06). O cuidado com o planejamento e o desenvolvimento conjunto das atividades de estágio foi apontado como essencial para o fortalecimento da proposta de trabalho. Nesse âmbito, uma participação ativa e

Barros, A. S. & Almeida, M. B. F. Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação em Psicologia Social Comunitária consciente dos envolvidos com as atividades de intervenção desmitifica a ideia de que o estágio básico é um momento de mera observação das “coisas certas e erradas” sem intervenção dos estagiários, como destaca o fragmento retirado do relatório 01: “O estágio proporcionou a oportunidade de vivenciarmos o cotidiano da rotina no Cras e estabelecermos relações com os profissionais nas ações do psicólogo social, de modo interdisciplinar e do trabalho em rede” (R.01). O estágio básico II possibilitou maior aproximação com a Psicologia Social Comunitária, o que foi essencial para pensar nos caminhos possíveis de ser seguido na Psicologia. Ademais, ofereceu um ambiente para a junção de teoria e prática. Desta forma, para além da observação da atuação profissional da Psicologia em contexto comunitário, pudemos vivenciar um pouco o processo de construção dialógica de projetos, mas isso não foi fácil. (R.03) A proposta de intervenção, de acordo com a metodologia pensada para o projeto, foi desenvolvida sobretudo a partir da escuta e do diálogo entre a dupla de estagiários, a equipe de funcionários do Cras e nas supervisões de estágio, com o professor. (R.

Nas informações contidas nos documentos, destacou-se que a realização do estágio é considerada como uma função educativa e pedagógica importante para sua formação profissional, ao possibilitar um constante movimento de criação e busca por novas possibilidades de intervenção da Psicologia a partir da realidade concreta vivida pelas comunidades. Ao interagir com essa realidade, os estagiários compartilham conhecimentos e saberes, questionam técnicas, instrumentais e metodologias, criam formas de ser e agir como futuros psicólogos para essas e outras situações e contextos. Atentos a essa realidade que nos contemplava com tantas informações que não haviam sido repassadas com a mesma intensidade no que tange à teoria, o campo conseguiu, pouco a pouco, nos distanciar do lugar de meros observadores e permitiu nossa participação. Interagimos, dialogamos e buscamos compreender como lidar e agir em situações de fragilidades, não só ali no Cras, mas, também, em outras áreas. (R. 44) Em relação ao percurso técnico- metodológico adotado para o desenvolvimento do estágio, verificamos que este se apoiou nas seguintes proposições: a) familiarização com o local de estágio (Freitas, 2014b; Montero 2004); b) observação participante (Fals Borda, 1986); c) diagnóstico da realidade (Freitas, 2014b); d) elaboração do plano de ação e das estratégias de intervenção (Freitas, 2014a, Silva 2006); e) realização e avaliação das ações planejadas; f) devolutiva ao campo de estágio. Como uma estratégia didático-pedagógica, foi utilizado durante todo o estágio o diário de campo. De acordo com os relatos contidos nos relatórios, “para registro de cada observação, utilizamos um diário de campo no qual anotamos os dados de maior relevância para posterior estudo nas supervisões e para a projeção das intervenções” (R.21). Ou ainda, “as intervenções foram baseadas nas observações e no diário de campo utilizado durante a permanência no estágio. Durante esta estada no Cras, foi possível conhecer a equipe e o seu funcionamento” (R. 17). Durante a realização do estágio básico II, utilizou-se, principalmente, como metodologia fundamental a observação participativa. Além do mais, foi utilizado como instrumento o diário de campo. [...] Dessa forma, a atuação se consolidou por meio de observações das atividades diárias realizadas no equipamento e participando, de modo a favorecer a realização das mesmas. (R.26) Durante todos os outros dias, estivemos presentes no grupo, muitas vezes com a função de monitores, o que nos ajudou a conhecer melhor cada criança ali. Com o

Barros, A. S. & Almeida, M. B. F. Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação em Psicologia Social Comunitária realizada com base em informações disponíveis nos Cras, no site da prefeitura e obtidas nas conversações informais com pessoas da comunidade. Os conteúdos trabalhados nas rodas de conversa enfatizaram aspectos do cotidiano das equipes técnicas do Cras no desenvolvimento de ações do Programa de Atenção Integral às Famílias (Paif), acolhimento familiar, visitas domiciliares, busca ativa, acompanhamento das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, cadastramento de pessoas no Cadastro Único para Programa Sociais (CadÚnico), festas temáticas e comunitárias, palestras, encaminhamento de famílias ou indivíduos para a rede socioassistencial, acompanhamento de adolescentes no cumprimento de medida socioeducativa em liberdade assistida, grupo de idosos, grupo de mães, grupo de adolescentes, oficinas de música e atividades esportivas. Concomitante às oficinas psicossociais e às rodas de conversa, alguns estagiários puderam acompanhar as equipes técnicas dos Cras na realização de visitas domiciliares, componente metodológico e procedimento técnico que possibilitou a verificação in loco pelos estagiários das situações de vulnerabilidade social a que estão expostas as pessoas que vivem na comunidade. Em termos práticos, a visita domiciliar revela-se uma das atividades do psicólogo comunitário ainda pouco explorada pela própria literatura científica (Amaro, 2014; Rocha, Moreira & Boeckel, 2010). Tensão na relação teoria e prática As informações obtidas nos relatórios de estágio revelam alguns aspectos teórico-metodológicos e algumas condições técnico-operativas do trabalho da Psicologia no Cras que indicam também a presença de uma tensão na relação entre a teoria e a prática durante a realização do estágio. No que se refere às questões teórico-metodológicas, verificamos que o estágio propicia aos estudantes uma aproximação com conhecimentos teóricos e metodológicos do campo da Psicologia Social Comunitária (Freitas, 2014a; Lane, 2006), o contato com metodologias participativas (Montero, 2004; 2015; 2016; Freitas, 2010), estratégias grupais (Lane, 2006), políticas públicas e com o trabalho interdisciplinar (Freitas, 2015b). Emerge nos documentos uma preocupação dos estudantes com o exercício de práticas psicossociais libertárias e emancipatórias (Freire, 2013), os quais apontam a importância de uma atuação ativa e reflexiva. O estágio básico II não foi desenvolvido de forma fácil. Questionei-me muito sobre a capacidade de concretizá-lo. Receei com o que me depararia em campo e, apesar da fundamentação teórica anteriormente realizada em sala de aula, senti falta de um olhar mais “aguçado” da Psicologia Comunitária no momento de elaborar o plano de intervenção. (R.13) Podemos concluir que o pouco tempo no local de estágio limita a nossa aproximação tanto com a comunidade quanto com a equipe. A possibilidade de um tempo maior para acompanhar a equipe, facilitaria nesse diálogo entre a teoria que é apresentada em sala e as limitações desta prática. (R.4) A unidade não apresenta projetos e nem programas de autoria própria ou atividades específicas pensadas com a comunidade local. Quando questionados do porquê dessa inexistência de projetos, afirmaram que são realizadas somente atividades determinadas pela Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento Humano. Essa situação dificultou a elaboração de projetos coletivos e com a participação da comunidade. Várias vezes nos questionamos sobre a efetividade dessa forma de trabalho com a equipe. (R.23) O estágio básico é dividido em 30h teóricas e 30h práticas. Dessa forma, o pouco tempo que temos de interação com a comunidade dificulta o desenvolvimento de intervenções mais elaboradas e participativas. O tempo não nos permite avaliar o quanto nossas intervenções atingiram cada uma daquelas crianças. (R.14)

Barros, A. S. & Almeida, M. B. F. Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação em Psicologia Social Comunitária Se, de um lado, as informações contidas nos relatórios indicam uma possível compreensão da teoria estudada em sala de aula, de outro, revelam que os estagiários consideram o estágio básico como a parte prática do curso, momento em que empregarão, de forma adequada ou não, os conhecimentos teóricos aprendidos. “Após o período dentro da unidade, a dupla entendeu processos e relações sociais na prática, e não teorizando” (R.22). De acordo com esse raciocínio, o estágio é um momento prático para o desenvolvimento e aplicação/replicação de técnicas necessárias para o desempenho da Psicologia em contextos comunitários, gerando inquietações relativas a: a) incertezas sobre o uso metodológico da observação participante e se esta foi efetivada de acordo com os princípios da Psicologia Social Comunitária; b) como elaborar o plano de ação do estágio primando pela construção coletiva, participativa e democrática, eixos comuns das intervenções comunitárias; c) como definir os conteúdos temáticos das atividades de intervenção, voltados para o compromisso com as necessidades da população; d) como efetivar o trabalho interdisciplinar e psicossocial previsto pela Psicologia Social Comunitária e pela política pública de assistência social, evitando práticas de intervenção bancária, nas quais os participantes sejam colocados como agentes passivos. No dia em que fizemos a visita domiciliar, estávamos preocupados em como seria e o que faríamos. Pudemos ter essa experiência de como é esse primeiro contato no domicílio de um grupo familiar e também de como fazer essa entrevista, pois a assistente social nos mostrava isso na prática, como profissional. Ela nos ajudou no levantamento das demandas daquela família. Depois a preocupação de como elaboramos o plano de atividades considerando as necessidades da família. (R.18) Essas inquietações sinalizam a tensão dos estagiários em elaborar e desenvolver uma proposta de intervenção significativa e condizente com os pressupostos da Psicologia Social Comunitária. Nesse sentido, se trabalhadas e instrumentalizadas teoricamente, podem contribuir para superar o praticismo e para uma perspectiva transformadora (Freire, 2013). Em condições reais de estágio, os estudantes se deparam com contradições do exercício profissional, com práticas imediatistas, instrumentalistas e fragmentadas, que contribuem também para a ideia de que “na prática, a teoria é outra” (R.46). No cerne dessa afirmação, reside a carência ora da teoria ora da prática. Teoria e prática, por esse prisma, estão desvinculadas, quando deveriam explicitar unidade. No contato com o campo de estágio, a observação inicial dos estagiários indica também a contradição entre o discurso oficial das funções e serviços do Cras e o vivido. “Experienciamos a dificuldade de depender do aparato do governo, experimentamos a frustração de ter intervenções interrompidas por imprevistos no local e por ter que depender de terceiros da instituição para que elas fossem realizadas” (R.09). Isso expressa questões éticas e políticas que perpassam a realização das atividades de estágio. A esse respeito, outros estagiários assim se expressam: Os adolescentes do socioeducativo fazem trabalhos que deveriam ser executados por profissionais que trabalham no Cras, como lavar os corredores, arrastar móveis, ajudar na manutenção, etc. Não têm um plano concreto de atividades para cumprir no período que ficam lá. (R.21) Questões de ordem material também foram pontuadas como aspecto fundamental para o desenvolvido do trabalho e de sua qualidade.

Barros, A. S. & Almeida, M. B. F. Estágio básico em contextos comunitários: momento práxico na formação em Psicologia Social Comunitária contribui para que seja possível responder a congruências-incongruências entre o agir e o refletir. Ou seja, ao fato de se a investigação pode conduzir a ações, que estejam implicadas na mesma direção do compromisso social; e se a intervenção pode contribuir para a produção de conhecimentos, que estes sejam socialmente comprometidos e relevantes àquele cotidiano concreto e de preferência coletivo e digno. (Freitas, 2015c, p. 259) Por se configurar um momento em que os estudantes se aproximam de áreas específicas de atuação da Psicologia, acreditamos que o estágio básico pode se configurar em um espaço potencial para uma formação crítico-reflexiva, comprometida com a mudança e a transformação social, considerado um desafio para todos que nele se envolvem (estudantes, estagiários e profissionais de campo). Concordamos com Freitas (2015a) que a formação de profissionais de Psicologia para atuar em contextos comunitários ainda precisa superar o praticismo e o tecnicismo, como forma de aprimorar o processo de profissionalização e as práticas de intervenção social- comunitária. Destacamos que os resultados apresentados neste estudo estão distantes de esgotar as discussões sobre a formação e o exercício profissional da Psicologia em contextos comunitários. Permanece, não só pelas limitações de uma pesquisa documental, a necessidade de ampliar as reflexões que os estudantes têm sobre esse estágio e de suas atividades realizadas com a comunidade via Cras, utilizando-se, por exemplo, de entrevistas individuais e coletivas ou grupo focal. Aprofundar as análises apresentadas pode contribuir para a melhoria da formação profissional em Psicologia Social Comunitária e, com isso, cooperar também com mudanças sociais. Concluímos que a articulação teoria-prática, pautada em uma atitude investigativa-reflexiva, visando à efetivação de um projeto de formação profissional que supere o pragmatismo é ato político. Isso implica um trabalho pedagógico engajado envolvendo estagiários, supervisores acadêmicos e profissionais do campo de estágio, pois a transmissão e a produção de conhecimentos e saberes não ocorre de maneira descontextualizada. Finalmente, a partir dos dados obtidos, identificamos que embora tenham sido realizadas práticas exitosas durante o estágio, a carga horária destinada para integralização do EB II (60h) é insuficiente para experiências mais salutares de inserção e de trabalho com as comunidades. Diante disso, uma revisão no Projeto Pedagógico Curricular do curso pesquisado se faz necessária, visando ao fortalecimento da práxis da Psicologia em contextos comunitários e de sua interface com as políticas públicas. Referências Afonso, L. (2001). Oficinas em dinâmicas de grupo: um método de intervenção psicossocial. Belo Horizonte: Edições do Campo Social. Afonso, M. L. M., & Fadul, F. M. (2015). O trabalho com grupos no Paif: um diálogo interdisciplinar com a Oficina de Intervenção Psicossocial. Pesquisas e Práticas Psicossociais , 10 (1), 140-154. Recuperado em 18 abril, 2019, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1809- 89082015000100012&lng=pt&tlng= pt Amaro, S. (2014). Visita domiciliar: teoria e prática. Campinas, SP: Papel Social. Baima, L. S., & Guzzo, R. S. L. (2015). Formação em Psicologia e prática comunitária: problematização da Psicologia Social Comunitária no Brasil. Revista Psicologia Política , 15 (32), 33 - 47. Recuperado em 28

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