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Estudo Sobre a Atividade Financeira do Estado e Direito Financeiro, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

Este documento aborda o estudo do direito financeiro, que se refere à análise do fenômeno financeiro do estado, observando a razão da obtenção de recursos públicos e a justificativa para maior ou menor tributação. O texto discute as necessidades executadas pelo poder público, os quatro fenômenos da atividade financeira do estado (receitas públicas, despesas públicas, orçamento público e crédito público), e o papel do direito financeiro no estudo jurídico da atividade financeira do estado.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Amanda_90
Amanda_90 🇧🇷

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A AtividAde finAnceirA do
estAdo e o direito finAnceiro
Sumário 1. Atividade financeira do estado; 2. Direito financeiro; 2.1.
Autonomia do Direito Financeiro; 2.2. Fontes do direito financeiro; 2.2.1.
Fontes Principais; 2.2.2. Fontes Secundárias; 3. Competência legislativa; 4.
Quadro sinóptico; 5. Questões.
1. ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO
O estudo do direito financeiro perpassa pela análise do fenômeno financeiro,
tomado esse no sentido de observar gradativamente a razão da obtenção de ingressos
de recursos, que está atrelada ao “tamanho1 desse Estado, a ponto de justificar uma
maior ou menor tributação.
O fenômeno financeiro estuda a finalidade principal do Estado, que é a realiza-
ção do bem comum, e a consequente necessidade de desenvolver diversas atividades,
chamadas de atividades estatais, para que esse bem geral seja alcançado. Desse modo,
o Estado não visa a proteção das necessidades individuais ou coletivas do homem,
mas, sim, a satisfação de suas necessidades públicas.
É que, se por um lado, o homem consegue satisfazer suas necessidades indivi-
duais pelo seu próprio esforço, como se dá com a alimentação, vestuário etc., e, por
outro, as necessidades coletivas podem ser satisfeitas pelo esforço coordenado da
sociedade e por grupos regulamentados, como ocorrem com as associações de classes
e os grupos profissionais especificados, as necessidades públicas, por sua vez, só o
Estado poderá atendê-las, de modo que tomou para si a responsabilidade para a sua
satisfação, como estradas, usinas hidrelétricas, segurança, justiça.
São necessidades que devem ser executadas pelo poder público, através da pres-
tação de serviços públicos, delegáveis ou não a particulares, sem perderem, contudo,
a natureza de essencialidade. A par dessas funções nitidamente estatais, o Estado
poderá exercer outras, até mesmo de ordem econômica, que não afetam a sua exis-
1. “Tamanho” no sentido de número de atribuições assumidas pelo Estado, que só poderão ser satisfeitas com a
arrecadação de recursos públicos.
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A AtividAde finAnceirA do

estAdo e o direito finAnceiro

Sumário • 1. Atividade financeira do estado; 2. Direito financeiro; 2.1. Autonomia do Direito Financeiro; 2.2. Fontes do direito financeiro; 2.2.1. Fontes Principais; 2.2.2. Fontes Secundárias; 3. Competência legislativa; 4. Quadro sinóptico; 5. Questões.

1. ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO

O estudo do direito financeiro perpassa pela análise do fenômeno financeiro,

tomado esse no sentido de observar gradativamente a razão da obtenção de ingressos

de recursos, que está atrelada ao “tamanho”^1 desse Estado, a ponto de justificar uma

maior ou menor tributação.

O fenômeno financeiro estuda a finalidade principal do Estado, que é a realiza-

ção do bem comum, e a consequente necessidade de desenvolver diversas atividades,

chamadas de atividades estatais, para que esse bem geral seja alcançado. Desse modo,

o Estado não visa a proteção das necessidades individuais ou coletivas do homem,

mas, sim, a satisfação de suas necessidades públicas.

É que, se por um lado, o homem consegue satisfazer suas necessidades indivi-

duais pelo seu próprio esforço, como se dá com a alimentação, vestuário etc., e, por

outro, as necessidades coletivas podem ser satisfeitas pelo esforço coordenado da

sociedade e por grupos regulamentados, como ocorrem com as associações de classes

e os grupos profissionais especificados, as necessidades públicas, por sua vez, só o

Estado poderá atendê-las, de modo que tomou para si a responsabilidade para a sua

satisfação, como estradas, usinas hidrelétricas, segurança, justiça.

São necessidades que devem ser executadas pelo poder público, através da pres-

tação de serviços públicos, delegáveis ou não a particulares, sem perderem, contudo,

a natureza de essencialidade. A par dessas funções nitidamente estatais, o Estado

poderá exercer outras, até mesmo de ordem econômica, que não afetam a sua exis-

  1. “Tamanho” no sentido de número de atribuições assumidas pelo Estado, que só poderão ser satisfeitas com a arrecadação de recursos públicos.

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tência, e, mais do que isso, poderá lhe render receitas para cobrir os custos com a

prestação dos serviços públicos.

É que cada vez mais estes custos se tornam crescentes, mormente em Estados

intervencionistas e protetivos, em que aumentam as necessidades públicas com o au-

mento da atuação do Estado na assistência social, previdência e seguridade, tal como

se dá com o Estado brasileiro. Sendo assim, mais do que justificável a ação estatal

de obtenção de receita pública para prestar os serviços públicos que atenderão essas

necessidades públicas.

A satisfação dessas necessidades, inegavelmente, implica gastos públicos ,

que devem ser meticulosamente analisados e geridos através de um orçamento

público. Se, porventura, as receitas arrecadadas não forem suficientes para custe-

arem os gastos, o Estado poderá obter empréstimos públicos, também chamados

de créditos públicos, com o fim de atingir o equilíbrio entre receitas e despesas.

O conjunto que envolve esses quatro fenômenos, quais sejam, receitas públicas,

despesas públicas, orçamento público e crédito público chama-se atividade finan-

ceira do Estado.

Essa atividade financeira coincide com a própria atividade essencial do Es-

tado, que é a promoção do bem comum, que se dá com a busca e a aplicação

dos recursos financeiros com o intuito de atender às necessidades públicas. As

necessidades públicas, cumpre lembrar, não se confundem com as necessidades

coletivas. Estas são apenas o somatório das necessidades individuais percebidos a

cargo de um grupo específico, regidas pelo princípio da autonomia da vontade.

As necessidades públicas, por sua vez, são as que o Estado deve satisfazer em

virtude da existência de uma norma jurídica. Decorrem, portanto, de um dever

legal, estando sob a égide do direito público. Como derivam da lei, estão adstritas

ao campo da legalidade, de modo que a Administração Pública não desfruta de li-

berdade para satisfazê-las ou não.

Essas necessidades, como dito, são satisfeitas através da prestação de serviços

públicos, serviços estes prestados pelo Estado objetivando o atendimento de necessi-

dades que surgem como decorrência da vida social. É através da prestação de serviços

públicos que o Estado satisfaz as necessidades públicas.

Assim, quando o Estado atua na busca dos seus objetivos fundamentais, ex-

pressos no art. 3º da Constituição Federal, ele nada mais faz do que atender às

necessidades públicas através do exercício de uma atividade que lhe é substantiva

e essencial.

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Tem estreita relação com a ciência das finanças. Esta consiste na ativida-

de pré-normativa, seja no âmbito econômico, social, político ou estatístico, que

informa e norteia o direito financeiro no sentido de estabelecer as regras que re-

gerão a atividade financeira do Estado. Ou seja, o desenvolvimento das normas

do direito financeiro está estribado também na ciência das finanças, que oferece

o caráter informativo, teórico e especulativo daquela. Assim, enquanto a ciência

das finanças se preocupa com o estudo da atividade financeira do Estado em

seu sentido teórico e especulativo, o direito financeiro estuda seu aspecto jurí-

dico. Logo, quando da elaboração do orçamento público, por exemplo, a ciência

das finanças oferece importante auxílio ao ente político, fornecendo dados e os

meios para que o legislador escolha a decisão política acertada.

ExEmplo dE quEStão SobrE o tEma

(Juiz Federal Substituto 2ª região – UnB/CESPE – 2009) Com relação às normas de finanças públicas previstas na CF e ao direito financeiro, assinale a opção correta. a) O direito financeiro cuida do crédito público e da dívida pública. b) Cabe à lei complementar instituir o plano plurianual. c) À lei ordinária cabe dispor acerca do exercício financeiro da lei orçamentária anual. d) A despesa, a receita, o orçamento e o crédito públicos são objeto de estudo do direito financeiro. e) A compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas as características e as condições operacionais plenas daquelas voltadas ao desenvolvi- mento regional, não é matéria de norma geral a ser reservada à lei complementar. Resposta: Alternativa D

A atividade financeira do estado e o direito financeiro

2.1. Autonomia do Direito Financeiro

Embora o direito seja incindível, é sabido que a sua divisão se dá apenas

por questões de ordem didática, para facilitar o seu estudo. Assim, justifica-se

estudar um ramo em apartado quando o mesmo possui institutos e princípios

próprios, a ponto de não mais fundamentar o seu estudo como mero apêndice

de outro ramo.

E tal se dá com o direito financeiro. Ele possui um sistema próprio de nor-

mas (art. 24, I da CF/88), bem como o capítulo II do Título VI da Constituição

Federal, alusivo às finanças públicas (arts. 163 a 169 da CF/88), além de um plexo

de artigos espalhados no corpo da Constituição Federal, que tratam dos emprés-

timos públicos, financiamento dos direitos fundamentais, discriminação de des-

pesas públicas entre as diferentes esferas de governo, princípios constitucionais,

responsabilidade pelos gastos públicos, precatórios e parâmetros para a concessão

de incentivos financeiros.

Sendo assim, não se justifica estudar o direito financeiro juntamente com o

direito tributário, ramo que lhe é mais próximo, visto que, enquanto o direito fi-

nanceiro estuda a atividade financeira do Estado, aí incluída as receitas públicas,

o direito tributário preocupa-se apenas com uma parte desta receita, qual seja, a

receita tributária, a demonstrar maior amplitude do direito financeiro.

DirEito FinanCEiro: ReCeitAS PúbliCAS tRibUtáRiAS e Nã O tRibUtáRiAS DirEito triBUtário: ReCeitAS PúbliCAS tRibUtáRiAS

2.2. Fontes do direito financeiro

O estudo das fontes do direito determina o local de onde se extrai o comporta-

mento financeiro que deverá ser positivado. Assim, no primeiro caso, tem-se a fonte

material, que exprime os fatos financeiros, e que, isoladamente, nada significam, e,

no segundo, a fonte formal que é a forma de exteriorização desses fatos.

Interessa ao estudo apenas as fontes formais. Estas, pela sua importância, po-

dem ser fontes principais ou secundárias.

2.2.1. Fontes Principais

A) Constituição Federal

Inegavelmente, a Constituição Federal está repleta de temas alusivos ao direito

financeiro. Do início ao final, não é raro encontrar um artigo que faça menção à lei

A atividade financeira do estado e o direito financeiro

Art. 165. (...)

§ 9º – Cabe à lei complementar:

i – dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual; ii – estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da adminis- tração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcio- namento de fundos.

Dentre as leis complementares existentes, em matéria financeira, chama-se

atenção para a LC n. 101/00, também conhecida como Lei de Responsabilidade

Fiscal (LRF) , pelo marco que representou no chamamento ao rigor fiscal, que pas-

sou a ser observado pelos gestores públicos. Trata-se de lei voltada para o planeja-

mento, a transparência, o equilíbrio das contas públicas, o cumprimento de metas

de resultados entre receita e despesas, e fixação de limites e condições para renúncias

de receitas e geração de despesas.

Sua abrangência alcança a Administração direta e parte da Administração

indireta , na dicção do seu art. 1º, §§ 2º e 3º:

Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição. (...)

§ 2º As disposições desta Lei Complementar obrigam a União, os Estados, o Dis- trito Federal e os Municípios.

§ 3º Nas referências: I – à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, estão compreen- didos:

a) o Poder Executivo, o Poder Legislativo, neste abrangidos os Tribunais de Contas, o Poder Judiciário e o Ministério Público;

b) as respectivas administrações diretas, fundos, autarquias, fundações e empresas estatais dependentes; II – a Estados entende-se considerado o Distrito Federal;

III – a Tribunais de Contas estão incluídos: Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado e, quando houver, Tribunal de Contas dos Municípios e Tri- bunal de Contas do Município.

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Logo, no âmbito de cada ente federado, a LRF alcança (i) o Poder Legislativo,

incluindo o Tribunal de Contas, (ii) o Poder Judiciário, (iii) o Ministério Público

e, no (iv) Poder Executivo, a Administração Direta, as (v) Fundações, Autarquias

e Empresas Estatais Dependentes. Assim, não é toda a Administração Indireta

que se submete às regras da LRF, mas tão somente aquelas consideradas depen-

dentes , entendidas estas como “empresa controlada que receba do ente controlador

recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral

ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de parti-

cipação acionária” (art. 2º, inciso III da LRF).

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E) Medida Provisória

Pela redação do art. 62, § 1º, inciso III, da CF, é vedada a edição de medida

provisória sobre a matéria reservada a lei complementar. Assim, já se tem em mente

que a matéria de direito financeiro destinada a lei complementar, descrita nos arts.

163 e 165 da CF, não pode ser veiculada por medida provisória.

Para além dessa vedação, o mesmo parágrafo, no inciso I, alínea “d”, veda a edi-

ção de medidas provisórias sobre matéria relativa a “planos plurianuais, diretrizes or-

çamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto

no art. 167, § 3º”, que permite a sua admissão para atender a despesas imprevisíveis

e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

Sendo assim, a regra é o não cabimento de medida provisória em matéria financeira/

orçamentária, com exceção da previsão do art. 167, § 3º da CF.

ImportaNtE SabEr! Não cabe mP em matéria orçamentária, exceto para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública

E-1) Jurisprudência

Como visto, é cabível medida provisória (MP) apenas para a abertura de

crédito extraordinário , para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as

decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública.

Ocorre que durante muito tempo a União se valeu de MP’s para a abertura de

crédito extraordinário em situações em que não havia guerra, comoção interna ou

calamidade pública, mas tão somente a alegada relevância e urgência, matérias gené-

ricas a toda medida provisória, mas não extensível àquelas em matéria financeira, já

que a CF exigiu outros requisitos de adequação fática, envolvendo situações graves,

semelhantes à guerra, comoção interna ou calamidade pública.

Em virtude dessa atuação repetida, que trazia vários problemas à execução do

orçamento, já que o mesmo era aprovado pelo Parlamento e logo após alterado via

medida provisória pelo Executivo, diversas foram as Ações Diretas de Inconstituciona-

lidade (ADI) ajuizadas no Supremo Tribunal Federal (STF), com o fito de controlar a

adequação dessas medidas provisórias com o art. 167, § 3º da CF, mas todas sem êxito,

sob o argumento de que (i) não cabia controle de constitucionalidade em relação às leis

orçamentárias, bem como às que promoviam a sua alteração, tema que será discutido

adiante, além do posicionamento extensível a outras medidas provisórias, de que (ii)

não cabia ao Judiciário analisar a hipótese de compatibilidade da medida provisória

com situações que ensejam o seu cabimento, quais sejam, a relevância e a urgência.

Ocorre que a utilização desenfreada de medidas provisórias, alterando somas

vultosas do orçamento, com o grave dano da alteração imediata das dotações, sem

A atividade financeira do estado e o direito financeiro

a possibilidade de se voltar ao estado anterior, no qual a lei orçamentária fora legiti-

mamente votada, começou a incomodar o Judiciário, que não viu alternativa senão

restringir a utilização desse instrumento normativo a situações que fossem similares

à descrita no art. 167, § 3º, limitando o posicionamento defendido pelo Executivo.

Assim, enquanto o Executivo defendia que toda situação de relevância e

urgência, em que recursos precisassem ser realocados, caberia o manejo da medida

provisória, o Judiciário passou a entender que apenas as situações fáticas

semelhantes ou iguais às descritas no art. 167, § 3º da CF, quais sejam, guerra,

comoção interna ou calamidade pública, é que poderiam ensejar a utilização da

medida provisória para a abertura de crédito extraordinário. Assim, fazer uso de

crédito extraordinário através de medida provisória para atender a uma alteração no

orçamento em que não houvesse adequação entre a natureza do crédito e a situação

fática, seria o mesmo que desnaturar o crédito, tornando-o algum outro, mas não o

extraordinário.

Nesse ponto, vale a pena verificar o julgamento da ADI 4048, ajuizada contra

a Medida Provisória 405/2005, convertida na Lei n. 11.685/2008, em que foram

abertos créditos extraordinários em situações distintas da prevista no permissivo

constitucional. Nesse pioneiro caso, o STF deu uma grande reviravolta no seu posi-

cionamento vetusto acerca das questões orçamentárias. Primeiro, permitiu o contro-

le concentrado de constitucionalidade de normas orçamentárias, o que nunca tinha

sido outrora claramente admitido. E, segundo, delimitou a utilização de medidas

provisórias apenas para situações semelhantes às descritas no art. 167, § 3º da CF.

Igual entendimento se deu no julgamento da ADI 4049, o que permite afirmar

a existência de certa pacificação em volta da matéria.

ExEmplo dE quEStão SobrE o tEma

(Juiz Federal Substituto 2ª região – UnB/CESPE – 2009) Considerando que o Poder executivo federal esteja determinado a realizar a abertura de crédito extraordinário por meio da edição de medida provisória (mP), para fazer face às despesas de execução de investimentos das obras do Programa de Aceleração do Crescimento, de sua responsabilidade, assinale a opção correta de acordo com a jurisprudência do StF. a) trata-se de crédito suplementar ou especial e não de extraordinário e, por isso, será ne- cessária prévia autorização legislativa para sua abertura, de modo a fazer face às despe- sas de execução de investimentos. b) A abertura do crédito terá eficácia com a aprovação da mP pelo Congresso Nacional. c) tendo em conta que a matéria objeto da mP é de exclusiva competência do presidente da República, o crédito extraordinário será regular e terá eficácia desde a vigência da norma. d) A mP poderá referir-se às despesas de custeio, mas não às de investimento, pois, neste caso, fugirá à natureza do crédito extraordinário. e) Somente prévia autorização legislativa, ou seja, aprovação de lei no Congresso Nacional, poderá autorizar a abertura de qualquer crédito extraordinário. Resposta: Alternativa A

A atividade financeira do estado e o direito financeiro

Os concursos ainda não tomaram parte desse tema, colocando as decisões judi-

ciais como fonte do direito. No entanto, têm começado a dar relevo ao assunto, na

medida em que questionam o aparente conflito existente entre a atuação judicial e a

implantação de políticas públicas.

De um lado, os defensores da impossibilidade de o Judiciário implantar política

pública, direta ou indiretamente, seja por ferir a separação de poderes, por não ter

permissivo constitucional direto para esta atuação ou por não estar dotado de co-

nhecimento técnico suficiente para optar pela melhor escolha no atendimento aos

direitos. De outro, os que propugnam pela intervenção judicial, sob a alegação de

que os direitos sociais descritos no art. 6º da CF/88 são exigíveis judicialmente e que

o Judiciário não pode negar a satisfação desses direitos sob alegações orçamentárias

ou de qualquer outra ordem, uma vez que, comparados os direitos fundamentais

com outros argumentos, os primeiros sempre se sagram vencedores.

Muito embora não assista razão a qualquer dos extremos, chegar a um ponto de

equilíbrio entre os limites da atuação judicial e os temas orçamentários que subja-

zem essa atuação tem sido missão ainda inalcançável pela doutrina e jurisprudência.

O certo é que há decisões de toda ordem, das mais interventivas às mais omissas,

cabendo, por ora, saber qual tem sido o posicionamento dos tribunais superiores a

esse respeito.

O debate se inicia com a premissa de que os direitos fundamentais não são

apenas parâmetros a serem seguidos ou nortes que indicam as prioridades nas pro-

gramações das políticas públicas. Vão além, pois com a efetividade da Constituição,

destaca-se a defesa judicial desses direitos, que passaram a ter aplicabilidade direta

e imediata. Foi a partir dessa premissa que o Judiciário passou a se posicionar em

defesa dos direitos à saúde e à educação com maior intensidade, a exemplo do que

se deu no RE n. 271.286, julgado em 21/09/2000, em que o STF determinou ao

Município de Porto Alegre o fornecimento gratuito de medicamentos ao tratamento

de portadores do vírus HIV.

Até então, as questões orçamentárias não faziam parte do debate, a exemplo do

voto do Min. Marco Aurélio, no julgamento do RE 150.764-1/PE.

Senhor Presidente, não me preocupa o problema de caixa do erário, como também não preocupa aos demais ministros que integram esta Corte. Preocupa-me, sim, a manutenção da intangibilidade da ordem constitucional.

No entanto, com o crescente reflexo de decisões dessa natureza no orça-

mento público, o Judiciário passou a ser mais ponderado quantos aos efeitos

consequencialistas de suas decisões, tornando-se mais criterioso quanto aos im-

pactos orçamentários. Desse modo, a intervenção judicial tornou-se aceitável,

desde que alguns critérios fossem observados. E o maior desses critérios é o

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equilíbrio fiscal diante da limitação dos recursos, o que gerou estudo aprofun-

dado em torno da “reserva do possível”.

No ponto, cumpre trazer decisão do STJ a respeito, no julgamento do REsp. n.

1.185.474-SC, Rel. Min. Humberto Martins:

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – ACESSO À CRECHE AOS

MENORES DE ZERO A SEIS ANOS – DIREITO SUBJETIVO – RESER-

VA DO POSSÍVEL – TEORIZAÇÃO E CABIMENTO – IMPOSSIBILIDA-

DE DE ARGUIÇÃO COMO TESE ABSTRATA DE DEFESA – ESCASSEZ

DE RECURSOS COMO O RESULTADO DE UMA DECISÃO POLÍTICA

– PRIORIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – CONTEÚDO DO

MÍNIMO EXISTENCIAL – ESSENCIALIDADE DO DIREITO À EDUCA-

ÇÃO – PRECEDENTES DO STF E STJ.

  1. A tese da reserva do possível assenta-se em ideia que, desde os romanos, está incorporada na tradição ocidental, no sentido de que a obrigação impossível não pode ser exigida (Impossibilium nulla obligatio est – Celso, D. 50, 17, 185). Por tal motivo, a insuficiência de recursos orçamentários não pode ser considerada uma mera falácia.
  2. Todavia, observa-se que a dimensão fática da reserva do possível é questão intrin- secamente vinculada ao problema da escassez. Esta pode ser compreendida como "sinônimo" de desigualdade. Bens escassos são bens que não podem ser usufruídos por todos e, justamente por isso, devem ser distribuídos segundo regras que pressu- põe o direito igual ao bem e a impossibilidade do uso igual e simultâneo.
  3. Esse estado de escassez, muitas vezes, é resultado de um processo de escolha, de uma decisão. Quando não há recursos suficientes para prover todas as necessidades, a decisão do administrador de investir em determinada área implica escassez de recursos para outra que não foi contemplada. A título de exemplo, o gasto com festividades ou propagandas governamentais pode ser traduzido na ausência de dinheiro para a prestação de uma educação de qualidade.
  4. É por esse motivo que, em um primeiro momento, a reserva do possível não pode ser oposta à efetivação dos Direitos Fundamentais, já que, quanto a estes, não cabe ao administrador público preterí-los em suas escolhas. Nem mesmo a vontade da maioria pode tratar tais direitos como secundários. Isso, porque a democracia não se restringe na vontade da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no processo democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da maioria, a realização dos direitos fundamentais. Só haverá democracia real onde houver liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito às minorias e às ideias minoritárias etc. Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja a von- tade da maioria. Caso contrário, se estará usando da "democracia" para extinguir a Democracia. 5. Com isso, observa-se que a realização dos Direitos Fundamentais não é opção do governante, não é resultado de um juízo discricionário nem pode ser encarada como tema que depende unicamente da vontade política. Aqueles di- reitos que estão intimamente ligados à dignidade humana não podem ser limitados em razão da escassez quando esta é fruto das escolhas do administrador. Não é por

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resistem aos comandos constitucionais de proteção desses direitos. Por óbvio

que esses direitos não são absolutos, pois todo direito sofre restrição em alguma

medida, principalmente as de ordem orçamentária, mas, para tanto, deve ser com-

provada objetivamente a ausência de recursos para essa proteção.

Levado o tema ao STF, este se posicionou em sentido favorável ao fornecimento

de prestações estatais positivas em relação aos direitos sociais, conforme se extrai do

julgamento da STA 175, Relator Min. Gilmar Mendes, julgado em 18/09/2009:

DECISÃO: Trata-se do pedido de suspensão de tutela antecipada nº 175, formu- lado pela União, e do pedido de suspensão de tutela antecipada nº 178, formulado pelo Município de Fortaleza, contra acórdão proferido pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, nos autos da Apelação Cível no 408729/CE (2006.81.00.003148-1), que deferiu a antecipação de tutela recursal para determi- nar à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza o fornecimento do medicamento denominado Zavesca (Miglustat), em favor de Clarice Abreu de Cas- tro Neves. Na origem, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, contra a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza, com o fim de obter o fornecimento do medicamento Zavesca (Miglus- tat) em favor de Clarice Abreu de Castro Neves, portadora da doença Niemann- -Pick Tipo “C” (fl. 3). O Juízo da 7ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Ceará determinou a extinção do processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, por ilegitimidade ativa do Ministério Público, com base na maioridade da pessoa doente e no fato de que o Ministério Público Federal não poderia substituir a Defensoria Pública (fls. 90-95). Interposto recurso de apelação pelo Ministério Público Federal (fls. 96-111), a 1ª Turma do TRF da 5ª Região, reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público para a propositura da ação civil pública, deferiu antecipação de tutela para que a União, o Estado do Ceará e o Município de Fortaleza fornecessem o medicamento Zavesca (Miglustat) à jovem de 21 anos portadora da doença neurodegenerativa progressiva (Niemann- -Pick Tipo “C”). Contra essa decisão a União ajuizou pedido de suspensão, alegan- do, em síntese, a ilegitimidade ativa do Parquet Federal e a ilegitimidade passiva da União. Sustentou a ocorrência de grave lesão à ordem pública – uma vez que o medicamento requerido não foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sa- nitária e não consta da Portaria no 1.318 do Ministério da Saúde – e de grave lesão à economia pública, em razão do alto custo do medicamento (R$ 52.000,00 por mês). Inferiu, ainda, a possibilidade de ocorrência do denominado “efeito multipli- cador”. Em 8 de novembro de 2007, a Ministra Ellen Gracie determinou o apen- samento da STA 178/DF a estes autos, por considerar idênticas as decisões formu- ladas. Na Suspensão de Tutela Antecipada nº 178, o Município de Fortaleza requereu a suspensão da decisão liminar com base, igualmente, em alegações de lesão à ordem pública, em virtude da ilegitimidade do Ministério Público para propositura de ação civil pública a fim de defender interesse individual de pessoa maior de 18 anos (fls. 2-9 da STA 178). (...) O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) “direito de todos” e (2) “dever do Estado”, (3) garantido mediante “políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos”, (5) regido pelo princípio do

A atividade financeira do estado e o direito financeiro

“acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços para a sua promoção, prote- ção e recuperação”. A doutrina constitucional brasileira há muito se dedica à inter- pretação do artigo 196 da Constituição. Teses, muitas vezes antagônicas, prolifera- ram-se em todas as instâncias do Poder Judiciário e na seara acadêmica. Tais teses buscam definir se, como e em que medida o direito constitucional à saúde se traduz em um direito subjetivo público a prestações positivas do Estado, passível de garan- tia pela via judicial. O fato é que a judicialização do direito à saúde ganhou ta- manha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciá- rio é fundamental para o exercício efetivo da cidadania e para a realização do direito à saúde, por outro as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias. Em 5 de março de 2009, convoquei Audiência Pública em razão dos diversos pedidos de suspensão de segu- rança, de suspensão de tutela antecipada e de suspensão de liminar em trâmite no âmbito desta Presidência, com vistas a suspender a execução de medidas cautelares que condenam a Fazenda Pública ao fornecimento das mais variadas prestações de saúde (fornecimento de medicamentos, suplementos alimentares, órteses e próte- ses; criação de vagas de UTIs e leitos hospitalares; contratação de servidores de saúde; realização de cirurgias e exames; custeio de tratamento fora do domicílio, inclusive no exterior, entre outros). Após ouvir os depoimentos prestados pelos representantes dos diversos setores envolvidos, entendo ser necessário redi- mensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso por- que, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do di- reito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita do proble- ma da interferência judicial em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discri- cionariedade de outros Poderes quanto à formulação de políticas públicas. Esse dado pode ser importante para a construção de um critério ou parâmetro para a decisão em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferência do Poder Judiciário na esfera dos outros Poderes. O primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente. Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de uma omissão legislativa ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensação. Não raro, busca-se no Poder Judi- ciário a condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde não re- gistrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) .(..) O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de

A atividade financeira do estado e o direito financeiro

Com essa decisão, fica clara a possibilidade de o Judiciário controlar as polí-

ticas públicas, mormente aquelas existentes, porém não cumpridas. No enteanto,

quando se está diante da impossibilidade fática de cumprimento de direitos,

muito embora a sua proteção constitucional, o Judiciário não poderá ordenar

a sua realização, pois se trata de medida ilógica determinar o impossível. Mas,

relembre-se, a impossibilidade deve ser provada.

O voto do Ministro Gilmar Mendes na Suspensão de Segurança 3.154-6/RS

revela com clareza esse entendimento, sendo reproduzido apenas em parte:

DECISÃO: O Estado do Rio Grande do Sul, com fundamento nos arts. 4º da Lei 4.348/64, 4º da Lei 8.437/92, 25 da Lei 8.038/90 e 297 do RISTF, requer a sus- pensão da execução da liminar deferida pelo desembargador relator do Mandado de Segurança nº 70019045624, que garantiu aos associados da impetrante o paga- mento integral de suas remunerações até o último dia útil deste mês (fls. 20-22). Diz o requerente que, ante a exaustão de sua capacidade orçamentária em relação a todas as suas obrigações, elegeu como único meio possível de satisfazer o pagamen- to da remuneração de 7,34% (sete vírgula trinta e quatro por cento) de seu fun- cionalismo público o parcelamento de seus vencimentos em datas distintas, quais sejam, pagamento no último dia útil deste mês até o valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) e o restante até o dia 10 de abril deste ano. (...)

(...)

No caso em análise, é notório que a Administração Pública estadual não dis- põe, neste momento, de recursos financeiros suficientes para o cumpri- mento de todas as suas obrigações, motivo pelo qual elegeu a forma que achou mais adequada e razoável para o equacionamento desse problema. Nesse sentido, permito-me trazer à colação interessante caso julgado pela Corte de Cassação da Bélgica, mencionado por Perelman em “Lógica Jurídica”. Anota Perelman: “Durante a guerra de 1914-1918, como a Bélgica estava quase toda ocupada pelas tropas alemãs, com o Rei e o governo belga no Havre, o Rei exercia sozinho o poder legislativo, sob forma de decretos-leis.

‘A impossibilidade de reunir as Câmaras, em conseqüência da guerra, impedia in- contestavelmente que se respeitasse o artigo 26 da Constituição (O poder legis- lativo é exercido coletivamente pelo Rei, pela câmara dos Representantes e pelo Senado). Mas nenhum dispositivo constitucional permitia sua derrogação, nem mesmo em circunstâncias tão excepcionais. O artigo 25 enuncia o princípio de que os poderes ‘são exercidos da maneira estabelecida pela Constituição’, e o artigo 130 diz expressamente que ‘a Constituição não pode ser suspensa nem no todo nem em parte.’ (A. Vanwelkenhuyzen, De quelques lacunes du droit constitutionnel belge, em Le problème des lacunes en droit, p. 347).

Foi com fundamento nestes dois artigos da Constituição que se atacou a legalidade dos decretos-leis promulgados durante a guerra, porque era contrária ao artigo 26 que precisa como se exerce o poder legislativo.

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(...)” (Perelman, Chaïm. Lógica Jurídica, trad. Vergínia K. Pupi. Ed. Martins Fon- tes, São Paulo, 2000, p.105).

Perelman responde à indagação sobre a legitimidade da decisão da Corte, com base nos argumentos do Procurador-Geral Terlinden. É o que lê na seguinte passagem do seu trabalho:

“Como pôde a Corte chegar a uma decisão manifestamente contrária ao texto constitucional? Para compreendê-lo, retomemos as conclusões expostas antes do aresto pelo procurador-geral Terlinden, em razão de seu caráter geral e fundamen- tal.

‘Uma lei sempre é feita apenas para um período ou um regime determinado. Adap- ta-se às circunstâncias que a motivaram e não pode ir além. Ela só se concebe em função de sua necessidade ou de sua utilidade; assim, uma boa lei não deve ser intangível pois vale apenas para o tempo que quis reger. A teoria pode ocupar- -se com abstrações. A lei, obra essencialmente prática, aplica-se apenas a situações essencialmente concretas. Explica-se assim que, embora a jurisprudência possa es- tender a aplicação de um texto, há limites a esta extensão, que são atingidos toda vez que a situação prevista pelo autor da lei venha a ser substituída por outras fora de suas previsões.

Uma lei – constituição ou lei ordinária – nunca estatui senão para períodos nor- mais, para aqueles que ela pode prever.

Obra do homem, ela está sujeita, como todas as coisas humanas, à força dos acon- tecimentos, à força maior, à necessidade.

Ora, há fatos que a sabedoria humana não pode prever, situações que não pôde levar em consideração e nas quais, tornando-se inaplicável a norma, é necessário, de um modo ou de outro, afastando-se o menos possível das prescrições legais, fazer frente às brutais necessidades do momento e opor meios provisórios à força invencível dos acontecimentos.’ (Vanwelkenhuysen, Le problème des lacunes en droit, cit., pp. 348-349).

(...)” (Perelman, Lógica Jurídica, cit., p.106).

Nessa linha, conclui Perelman:

“Se devêssemos interpretar ao pé da letra o artigo 130 da Constituição, o acórdão da Corte de Cassação teria sido, sem dúvida alguma, contra legem. Mas, limi- tando o alcance deste artigo às situações normais e previsíveis, a Corte de Cassa- ção introduz uma lacuna na Constituição, que não teria estatuído para situações extraordinárias, causadas ‘pela força dos acontecimentos’, ‘por força maior’, ‘pela necessidade’" (Perelman, Lógica Jurídica, cit. p. 107).

Portanto, desde essa perspectiva de análise, a interpretação das normas constitucio- nais em questão, no sentido de um pensamento jurídico de possibilidades, pode fornecer soluções adequadas ao problema em exame.

O ato da Chefe do Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul enquadra-se numa situação excepcional, em que as finanças públicas estaduais encontram-se em crise. As garantias constitucionais da irredutibilidade e do pagamento em dia da