Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

ESPAÇO INTRA-URBANO-esse desconhecido, Manuais, Projetos, Pesquisas de Urbanismo

2º capitulo do livro Espaco Intra-Urbano No Brasil de Flávio Villaça

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2012

Compartilhado em 02/10/2012

silvana-maria-dos-santos-7
silvana-maria-dos-santos-7 🇧🇷

4.9

(10)

2 documentos

1 / 40

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
ESPAÇO URBANO: ESSE DESCONHECIDO
No amplo campo dos estudos territoriais, têm havido nas últimas décadas
um crescente desenvolvimento das investigações regionais e uma
surpreendente estagnão dos estudos intra-urbanos-urbanos. Estes,
pouco de relevante produziram desde a cada de 1970. Mesmo no período
entre as décadas de 1930 e 1970, foram frágeis as contribuições nessa área
(embora abundassem as análises regionais), dadas, por exemplo, pela
economia e geografia neoclássicas (William Alonso, Brian Berry, R. E Muth,
H. S. Perloff e Lowdon Wingo Jr., para citar apenas alguns expoentes).
Decompôs-se a cidade em rios elementos e produziu-se uma série de
estudos atomizados sobre temas específicos, como a densidade
demográfica, as áreas industriais, as comerciais, o preço da terra, etc.;
além disso, produziram-se as conhecidas teorias pontuais da localização.
Uma frágil visão de conjunto, incapaz de ajudar a construção de uma base
teórica mais ampla sobre o espaço intra-urbano, foi apresentada. Nesse
sentido, pouco se avançou nas investigações sobre o conjunto da cidade e
sobre a articulação entre suas várias áreas funcionais, ou seja, sobre a estrutura
intra-urbana.
A visão articulada e de conjunto foi, aliás, a grande contribuição da
Escola de Chicago. As tentativas de formulação de modelos espaciais -
o difundidas por Chorley Haggett no final dos anos 60 (meados dos
anos 70, no Brasil) - tiveram curta duração, pois foram atropeladas pelos
estudos territoriais de base marxista localização. Uma frágil visão de conjunto,
incapaz de ajudar a construção de uma base teórica mais ampla sobre o espaço
intra-urbano, foi apresentada. Nesse sentido, pouco se avançou nas
investigações sobre o conjunto da cidade e sobre a articulação entre suas
várias áreas funcionais, ou seja, sobre a estrutura intra-urbana.
A visão articulada e de conjunto foi, aliás, a grande contribuição da
Escola de Chicago. As tentativas de formulação de modelos espaciais -
o difundidas por Chorley Ilaggett no final dos anos 60 (meados dos
anos 70, no Brasil) - tiveram curta duração, pois foram atropeladas
pelos estudos territoriais de base marxista surgidos igualmente naquela
época e que passaram a dominar o assunto; esses estudos, entretanto,
m ignorando quase totalmente o espo intra-urbano. Desde eno, a
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28

Pré-visualização parcial do texto

Baixe ESPAÇO INTRA-URBANO-esse desconhecido e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Urbanismo, somente na Docsity!

ESPAÇO URBANO: ESSE DESCONHECIDO

No amplo campo dos estudos territoriais, têm havido nas últimas décadas um crescente desenvolvimento das investigações regionais e uma surpreendente estagnação dos estudos intra-urbanos-urbanos. Estes, pouco de relevante produziram desde a década de 1970. Mesmo no período entre as décadas de 1930 e 1970, foram frágeis as contribuições nessa área (embora abundassem as análises regionais), dadas, por exemplo, pela economia e geografia neoclássicas (William Alonso, Brian Berry, R. E Muth, H. S. Perloff e Lowdon Wingo Jr., para citar apenas alguns expoentes). Decompôs-se a cidade em vários elementos e produziu-se uma série de estudos atomizados sobre temas específicos, como a densidade demográfica, as áreas industriais, as comerciais, o preço da terra, etc.; além disso, produziram-se as conhecidas teorias pontuais da localização. Uma frágil visão de conjunto, incapaz de ajudar a construção de uma base teórica mais ampla sobre o espaço intra-urbano, foi apresentada. Nesse sentido, pouco se avançou nas investigações sobre o conjunto da cidade e sobre a articulação entre suas várias áreas funcionais, ou seja, sobre a estrutura intra-urbana. A visão articulada e de conjunto foi, aliás, a grande contribuição da Escola de Chicago. As tentativas de formulação de modelos espaciais - tão difundidas por Chorley Haggett no final dos anos 60 (meados dos anos 70, no Brasil) - tiveram curta duração, pois foram atropeladas pelos estudos territoriais de base marxista localização. Uma frágil visão de conjunto, incapaz de ajudar a construção de uma base teórica mais ampla sobre o espaço intra-urbano, foi apresentada. Nesse sentido, pouco se avançou nas investigações sobre o conjunto da cidade e sobre a articulação en tre suas várias áreas funcionais, ou seja, sobre a estrutura intra-urbana. A visão articulada e de conjunto foi, aliás, a grande contribuição da Escola de Chicago. As tentativas de formulação de modelos espaciais - tão difundidas por Chorley Ilaggett no final dos anos 60 (meados dos anos 70, no Brasil) - tiveram curta duração, pois foram atropeladas pelos estudos territoriais de base marxista surgidos igualmente naquela época e que passaram a dominar o assunto; esses es tudos, entretanto, vêm ignorando quase totalmente o espaço intra-urbano. Desde então, a

mais notável tentativa de teorização desse espaço como um todo tenha sido, talvez, a feita por Castells em La question urbaine. Esse autor, porém, abandonou o campo de estudo em foco e ninguém o retomou a partir do ponto em que ele o deixou. Pelo menos, a partir dele, não se formou uma corrente ou escola de pensamento sobre o espaço intra-urbano. Nesta obra procura-se desenvolver a tese de que os processos que, de um lado, podem ser identificados com a estruturação das redes urbanas, com o elemento urbano das estruturas espaciais regionais, ou com o processo espacial de urbanização, e de outro, os processos de estruturação interna do espaço urbano não se guem a mesma lógica, não passam pelas mesmas mediações (desde as macroanálises socioeconômicas até as transformações espaciais intra-urbanas) e não podem ser abordados pelos mesmos paradigmas teóricos. Partindo de uma dada formação social, para se chegar ao espaço intra-urbano, há necessidade de passar por mediações diferentes das requeridas para chegar ao espaço regional. No entanto, nas últimas décadas têm havido transbordamentos equivocados das análises regionais - que constituem a maioria - para as intra-urbanas. A fundamentação teórica desenvolvida para demonstrar essa tese será exposta a seguir, organizada em quatro itens, a saber:

 a questão semântica. Aqui pretende-se explicar por que é

utilizada nesta obra, a contragosto, a redundante expressão intra- urbano;

 breves considerações sobre a distinção entre espaço intra-urbano e

regional;

 a especificidade do espaço intra-urbano;

 c o n f u s õ e s n a s a b o r da ge n s d o s e s p a ç o s in t r a - u r b a n o e

r e gi o n a l. Seguem-se depois breves considerações sobre a relação entre espaço e sociedade.

A q u e s t ã o s e m â n t i c a

Trata-se de entender e justificar a expressão intra-urbano. Como veremos adiante, essa questão não é mera e inconsequente formalidade.

Tomem-se, por exemplo, algumas excelentes obras lançadas recentemente entre nós: Reestruturação urbana: tendências e desafios (Valladares e Preteceille, org. 1990), ou Reestruturação do espaço urbano e regional no Brasil (Lavinas ei al. org. 1993). De que tratam elas? Ou do processo geral tia urbanização brasileira, ou da reestruturação de nossa rede de cidades, ou seja, das cidades enquanto elementos do espaço regional ou nacional (desmetropolização, desconcentração regional, etc.). Por que não reestruturação regional? O que se analisa nesses livros é a reestruturação de uma região (o espaço nacional brasileiro), embora o único elemento da região analisado sejam as cidades. São, claramente, estudos de reestruturação regional. Por outro lado - a não ser que espaço urbano signifique intra-urbano, o que raramente acontece- não tem sentido falar de "espaço urbano" ao lado de "espaço regional", como na expressão "espaço urbano e regional", abundantemente empregada na literatura especializada, inclusive nas obras acima indicadas. Já há décadas que as estruturações (ou reestruturações) regionais, nacionais ou planetária incluem necessariamente as redes urbanas, pois elas constituem o principal elemento das estruturas territoriais analisadas. Não cabe, portanto, falar em "reestruturação do espaço urbano e regional", mas tão-somente em reestruturação do espaço regional. O fato de, nessas obras. as cidades serem privilegiadas como elemento da estruturação regional não autoriza nem justifica a redundância "regional e urbano", pois toda reestruturação de uma rede urbana (que é o que tais obras analisam) é necessariamente uma reestruturação regional. Por outro lado, no Brasil urbano de hoje - para não falar do Primeiro Mundo - é inconcebível uma reestruturação regional que não seja simultaneamente também uma reestruturação de rede urbana. No entanto, fala-se, por exemplo, referindo-se ao estado de São Paulo atual, em "... estratégias de desenvolvimento urbano e regional". A palavra urbano é aí certamente dispensável, no mínimo por dar a falsa impressão (le que poderia haver no estado em questão uma estratégia de desenvolvimento urbano que não fosse ao mesmo tempo regional, e vice-versa. Mais correta e mais clara é a posição da revista Espaço & Debates. De um lado, editou um número especial (ano IM 1984, n. 13) sob o título "As mudanças na dinâmica urbano-regional e suas perspectivas" e, de outro, sua edição de

número 25 recebeu o titulo de "Reestruturação: economia e território". Em ambos os casos esquivou-se muito bem das armadilhas quer da "reestruturação urbana", quer da "reestruturação urbana e regional". O fato é que, dada a importância do processo de urbanização e das redes ur- banas na estruturação regional, expressões como espaço urbano, estrutura urbana ou reestruturação urbana passaram a ser expressões de prestígio e foram captura- das e monopolizadas pelos estudos regionais. À vista dessa situação, fomos obriga- dos a nos render, a contragosto, à terminologia já cristalizada e a nos conformar em utilizar a expressão - mesmo que redundante - espaço intra-urbano. Essa questão semântica, como dissemos, não é mera e inconsequente forma- lidade Adiante veremos alguns de seus desdobramentos altamente problemáticos.

Espaços regional e intra-urbano

A distinção mais importante entre espaço intra-urbano e espaço regional deriva dos transportes e das comunicações. Quer no espaço intra-urbano, quer no regional, o deslocamento de matéria e do ser humano tem um poder estruturador bem maior do que o deslocamento da energia ou das informações. A estruturação do espaço regional e dominada peio deslocamento das informações, da energia, do capital constante e das mercadorias em geral - eventualmente até da mercadoria força de trabalho. O espaço intra-urbano, ao contrário, é estruturado fundamental- mente pelas condições de deslocamento do ser humano, seja enquanto portador da mercadoria força de trabalho - como no deslocamento casa/ trabalho -, seja en- quanto consumidor - reprodução da força de trabalho, deslocamento casa-com- pras, casa-lazer, escola, etc. Exatamente daí vem, por exemplo, o enorme poder estruturador intra-urbano das áreas comerciais e de serviços, a começar pelo pró- prio centro urbano. Tais áreas, mesmo nas cidades industriais, são as que geram e atraem a maior quantidade de deslocamentos (viagens), pois acumulam os deslo- camentos de força de trabalho - os que ali trabalham - com os de consumidores - os que ali fazem compras e vão aos serviços. Quanto ao papel espacial das comunicações, trata-se de assunto que já traz à baila a confusão entre as análises dos espaços intra-urbano e regional; já ternos aqui a oportunidade de mencionar essa questão, que será desenvolvida logo a se- guir, mostrando como o domínio dos estudos intra-urbanos-urbanos tem sido prejudicado pela indevida adoção de paradigmas, conceitos e metodologias

estudiosos do espaço reage a essas colocações em geral tão veemente quanto impulsiva e irracionalmente, dada a falta de estudos objetivos e argumentos convincentes contra elas. No entanto, abundam nos estudos espaciais menções aos "efeitos dos transportes e das comunicações sobre o espaço urbano ou metropolitano", quando na verdade tais efeitos deviam ser apenas os dos transportes, e não os das comunicações. Trata-se certamente de uma indevida generalização, para o nível intra-urbano, dos estudos espaciais regionais ou planetário. A esse respeito é de se registrar que tais estudos têm ignorado amplamente o fato de que, em qualquer pomo cio espaço intra-urbano ou intrametropolitano, os custos da energia e das comunicações são iguais (ou apresentam diferenças desprezíveis, quando as têm), tornando esses espaços unifor- mes ou homogêneos do ponto de vista da disponibilidade de energia e das comunica- ções. Com os transportes, especialmente o de seres humanos, a questão é totalmente distinta. No tocante a eles, o espaço intra-urbano é altamente heterogêneo. Uma segunda distinção nos é dada por Laborgne e Lipietz (1990, 19). Esses autores, no desenvolvimento de seus estudos segundo a linha da chamada Escola Francesa da Regulação, depois de definirem como modelo de desenvolvimento o conjunto formado por um modo de regulação, uni regime de acumulação e uni bloco hegemônico, perguntam: "... sobre qual espaço geográfico se realiza a unidade de um modelo de desenvolvimento? Admitiremos que é possível distinguir, grosso modo, três níveis: regional, nacional e internacional" (Lipietz 1977,1985). Como o espaço urbano ou metropolitano não aparece, somos obrigados a concluir que o espaço que limita, que enquadra territorialmente uma metrópole, não seria - no pensamento desses autores - um espaço adequado à análise da unidade de um modelo de desenvolvimento. Ou seja, as determinações fundamentais de um modelo de desenvolvimento podem não se articular espacialmente no nível intra-urbano. Mais uma distinção-a serem válidas as proposições desses autores- entre espaço intra-urbano e regional. Uma terceira distinção encontra-se no delicado c inexplorado campo dos efeitos do espaço sobre o social. Boddy aborda uma possível distinção entre os espaços intra-urbano e regional. Segundo ele (1976,1), "... definir uni campo de economia política urbana (grifo no original( é argumentar que é dentro (grifo nosso) das cidades (...) que os efeitos do espacial sobre o social são mais fortes e emergem como óbvios. O 'urbano' passa então a ser definido em termos dos efeitos particulares da intensidade das interações entre o social e o espacial, provocadas

pela forma específica de articulação espacial da produção, da circulação e do consumo, na formação social". Por fim, uma faixa de penumbra. Trata-se do novo tipo de "região urbana", uni misto de cidade e região que estaria surgindo nos Estados Unidos e que poderia escapar à distinção aqui feita. Seria a região metropolitana americana contemporânea, polinucleada, desconcentrada e dispersa que, segundo Mark Gottdiener, seria unia forma de "... espaço de assentamento característica dos Estados Unidos..." e que ainda "... não surgiu, em um sentido qualitativo, em outros países, nem mesmo na Europa industrializada" (Gottdiener, 1985, 9)'. Nessa obra, o que Gottdiener estuda ou menciona são processos intra-urbanos, transformações em elementos da estrutura intra-urbana: o centro, a cidade central, os muitos centros (poli nucleação) e a periferia esparsa. Analisa, portanto, a estrutura intra-urbana, por mais que ela assuma a escala de unia região. Trata-se de um tipo particular de espaço urbano.

Especificidades do espaço intra-urbano

De acordo com Harvey (1982, 375), "o espaço é um atributo material de todos os valores de uso". Na verdade o é também dos produtos não produzidos pelo trabalho, ou seja, que não são valores de uso simplesmente por não terem valor, como os oceanos ou as montanhas. Mas fiquemos por aqui. O espaço é atributo de um auto- móvel, do corpo humano, de uma cadeira. de um edifício ou um conjunto de edifícios e de uma cidade inteira. Prossegue! Harvey (idem, ibid.),"o trabalho útil concreto produz valores de uso em determinados lugares". Os valores de uso são também consumidos em "determinados lugares". Temos então dois espaços: o dos objetos em si (produzidos ou não pelo trabalho humano) e aquele determinado pelos locais onde estes são produzidos e consumidos. Aparece assim a questão da localização - os locais onde os produtos são produzidos e consumidos. A localização é relação a outros objetos ou conjuntos de objetos e a localização urbana é uni tipo específico de localização: aquela na qual as relações não podem existir sem uni tipo particular de contato: aquele que envolve deslocamentos

lá países do Primeiro Mundo em que toda terra urbana tem toda infra- urbanos-estrutura; a localização, dada pelas possibilidades de deslocamento do ser humano, não. Ela é como as obras de arte e antiguidades- são fruto do trabalho humano mas não podem ser reproduzidas pelo trabalho humano (Marx, s.d., 1.3, v. 6, 727). Os produtos específicos resultantes da produção do espaço intra- urbano não são os objetos urbanos em si; as praças, as ruas ou os edifícios, mas suas localizações. A produção de edifícios ou de conjuntos de edifícios - A Noite, o Martinelli, Barra da Tijuca, Copacabana, o Jardim América ou a avenida Paulista, etc. - enquanto objetos urbanos certamente é produção de espaço. Entretanto o é tanto quanto a produção de cadeiras, árvores, ou canetas. A produção dos objetos urbanos só pode ser entendida e explicada se forem consideradas suas localizações. A localização é, ela própria, também um produto cio trabalho e é ela que especifica o espaço intra-urbano. Está associada ao espaço intra-urbano como um todo, pois refere-se às relações entre um determinado ponto do território urbano e todos os demais. O estudo das formas é sem dúvida estudo do espaço urbano, mas não é específico do espaço urbano. Muito pelo contrário, as formas são atributo de todo espaço (árvores, cadeiras, canetas). No entanto, para explicar as formas urbanas - os bairros, as direções de crescimento, a forma da mancha urbana, a verticalização, densidades, etc. - é indispensável considerar as relações de determinado ponto, ou conjunto de pontos, com todos os demais pontos do espaço urbano. Esperamos mostrar nesta obra que dominam essas relações, que se materializam através do deslocamento dos seres humanos enquanto consumidores e/ ou portadores de for ça de trabalho. É o que, em outra obra (Villaça, 1985), chamamos de localização pura. Portanto, a análise específica do espaço intra-urbano não pode limitar-se, por exemplo, aos estudos da produção de escritórios na avenida Paulista ou de condomínios verticais na Barra da Tijuca e horizontais em Alphaville; nem registrar que São Paulo cresce mais para o leste e Porto Alegre tem uma forma marcantemente linear. É preciso explicar por que os condomínios são verticais e não horizontais, e vice- versa; em segundo lugar, por que produziram as localizações representadas pela avenida Paulista, Barra da Tijuca ou Alphaville, c não aquelas

representadas pela avenida Aricanduva, Beirou Roxo, Sapiranga (PA) ou Itaquera. Não basta explicar a abertura da avenida Rio Branco, no Rio, como fruto da especulação imobiliária. O estudo específico do espaço intra-urbano deverá explicar por que ela foi aberta na localização que foi e não em outra qualquer. Não basta explicar o desenvolvimento industrial de São Paulo ao longo das ferrovias, na primeira metade do século XX. É preciso explicar por que esse desenvolvimento ocorreu ao longo de uma ferrovia - a que demandava Santos -, e não de outra - a que demandava o Rio. No caso das metrópoles brasileiras, é necessário explicar por que as camadas de alta renda se localizam em áreas mais centrais, produzindo grande quantidade de edifícios de apartamento e não predominantemente em apartamentos suburbanos - como na Barra da Tijuca - nem em residências uni familiares suburbanas - como em Alphaville. Finalmente - e aqui está uma questão vital para a compreensão do espaço intra-urbano brasileiro - , por que as camadas de alta renda, quando vão para os subúrbios- Barra da Tijuca, Nova Lima, na Área Metropolitana de Belo Horizonte ou Alphaville - escolhem certas localizações suburbanas e não outras, como Belfort Roxo, Venda Nova ou Itaquera. Ao mesmo tempo, é preciso entender as implicações e as consequências dessas localizações; em resumo, é preciso explicar as localizações intra-urbanas. Para ilustrar a especificidade do espaço intra-urbano, vejamos um ponto de partida tão fundamental quanto elementar. Quais os processos socioespaciais intra- urbanos mais importantes e significativos e que por isso devem merecer maior aten- ção por parte dos estudiosos? As análises e teorias sobre o desenvolvimento ou es- truturação (ou reestruturação) regionais já há muito responderam a essa pergunta. llá uni razoável consenso quanto à importância de alguns processos socioespaciais regionais, como aqueles ligados à urbanização, às relações entre a industrialização e a urbanização, ao desenvolvimento regional desigual (nacional ou planetário), à divisão internacional do trabalho, às relações entre os modelos de desenvolvimento - na definição acima, de Lipietz - e a estruturação territorial

Avenida Paulista, Copacabana, Belfort Roxo e Itaquera não são pontos de um espaço geométrico tabuleiro

continente. As expressões na avenida Paulista e em Copacabana são enganosas, pois veiculam a ideia de espaço tabuleiro preexistente. A avenida Paulista, enquanto espaço social c ponto dc grandes escritórios, é um espaço. não está no espaço. As avenidas Paulista e Copacabana de 1920 são uni espaço e as avenidas Paulista e Copacabana de 1980 são outro. Por isso, dizemos localização representada por ...

  1. Seria o deslocamento espacial das classes sociais?
  2. Seria a verticalização? Finalmente, quais seriam os principais elementos da estrutura espacial intraurbana e por quê? Essas questões elementares não têm sido sistematicamente expostas e de- senvolvidas - muito menos interpretadas ou explicadas -, nas últimas décadas, pelos estudiosos de origem marxista (próxima ou remota), excetuada talvez, como já vimos, a efêmera c questionada incursão de Castells no assunto, em La Tremam urbaine. Portanto, os temas sobre os quais versam aquelas perguntas permanecem abandonados e elas, sem resposta. Se não há consenso, corrente organizada de pensamento nem investigação empírica sistemática sobre espaço intra-urbano, como havia, por exemplo, com a Geografia e Economia urbanas neoclássicas; se é precário o conhecimento desse espaço intra-urbano; se não há consenso sobre os processos socioespaciais intraurbanos mais importantes, e que por isso devem ser estudados, como é possível acreditar minimamente em qualquer teoria do espaço intra- urbano? Se é limitado o material empírico e teórico sistematizado e elaborado sobre espaço intra-urbano, como aceitar. para esse espaço, processos socioespaciais, metodologias, paradigmas mi teorias transplantadas das análises regionais? Para finalizar, aproveitemos as observações acima, sobre o papel dos deslocamentos espaciais do ser humano como especificador do espaço intra-urbano, para registrar que não consideramos as áreas metropolitanas regiões. Como pretendemos mostrar nesta obra, são elas assentamentos. ou compartimentos territoriais estruturados pelos deslocamentos dos seres humanos enquanto consumidores ou portadores da mercadoria força de trabalho; são, por isso, cidades - por maior e mais importantes e globais que sejam, e por mais que incluam vários municípios. São um tipo particular de cidade, mas são cidades. Não são regiões. Por isso, nesta obra, só nos utilizamos da expressão área - e não região metropolitana.

Abordagens dos espaços intra-urbano e regional

O aspecto centra! nesta questão é o seguinte: as relações, ou as mediações, entre as grandes transformações socioeconômicas nacionais ou planetárias e, de um lado, as transformações espaciais regionais e, de outro, as intra-urbanas são as mesmas? Por quais mediações passam as relações entre, de um lado, a estruturação do espaço intra-urbano das diferentes cidades de um país e, de outro, as grandes transformações sociais e econômicas experimentadas por esse país, o grupo de países ao qual este pertence e mesmo a sociedade mundial? Nossa tese é de que tais mediações passam fundamentalmente pelos traços nacionais definidores da estrutura e dos conflitos de classe e, ainda, pela dominação política e econômica através do espaço intra-urbano. Tais traços se manifestam na estrutura espacial hum- urbana por meio da segregação, que passa a ser então o processo central definidor dessa estrutura. Esses traços são bastante inelásticos em face de algumas transformações sociais e econômicas nacionais e planetárias. Nossa análise do espaço intra-urbano de seis metrópoles nacionais mostra que a lógica básica de seus espaços pouco se alterou nos últimos cem anos, por mais que, nesse período, o capitalismo brasileiro tenha se alterado, seja nacionalmente, seja em distintas regiões do país. Claro que, se, por exemplo, o neoliberalismo faz aumentar o desemprego e a pobreza, as áreas pobres de nossas cidades aumentarão. Essa explicação é tão verdadeira e óbvia quanto pobre. No nível intra-urbano é fundamental entender como essas transformações são filtradas em nossa sociedade e traduzidas em estruturação e reestruturação- e não apenas em alteração- do espaço urbano. Para mostrar a distinção entre os espaços intra-urbano e regional abordaremos a seguir os pensamentos de alguns notáveis analistas contemporâneos do espaço. Vejamos inicialmente o pensamento nacional sobre a questão, utilizando-nos do enfoque de alguns de nossos mais brilhantes estudiosos. Queiróz Ribeiro (s.d.) e Queiroz Ribeiro e Corrêa do Lago (s.d., 9) veem na promoção imobiliária o elemento de ligação entre, de um lado, as transformações macroeconômicas nacionais e, de outro, a reestruturação intra- urbana. Desenvolvem importante investigação sobre a atividade imobiliária no Brasil urbano, assunto muito próximo ao espaço intra-urbano, razão pela qual são impelidos a abordá-lo. Os all(ores explicam por que os lucros de incorporação, derivando, segundo eles, de transformações no uso do solo,

construído". Isso, entretanto, não é suficiente para explicar a estruturação intra- urbana, como o surgimento de novos centros, a decadência dos antigos, a localização espacial das classes sociais, etc. Pretendendo analisar especificamente a reestruturação intra-urbana", esse autor afirma (1990b, 48):" impacto espacial mais destacado da crise fiscal é a tendência ao reforço da segmentação dos espaços intra-urbanos definida por uma concentração espacial de investimentos imobiliários nas áreas centrais dos grandes centros urba- nos". Tal posição é reiterada em outra passagem (1990a, 178), em que se explica o reforço da segmentação": isso consiste no resultado da queda na provisão da infra-urbanos-estrutura. Referindo-se à crise dos anos 80, declara que"... a crise da intervenção pública na provisão de intra-urbanos-estrutura urbana exacerba o dualismo centro versus periferias urbanas. À reestruturação do mercado imobiliário na crise implicou, por um lado, a (re)concentração da atividade de construção residencial nas áreas centrais e, por outro lado, a sua mareada elitização...". Os, fatos, porém, parecem contrariar essa conclusão. Os anos 80 marcaram precisamente uma enorme explosão dos investimentos imobiliários orientados para as elites, sejam os de escritório, sejam os residenciais, fora das áreas centrais dos grandes centros urbanos. São os casos de Alphaville e Tamboré, em São Paulo, onde foram realizados enormes empreendimentos tanto residenciais como comerciais e industriais; da avenida Luís Carlos Berdni, onde há empreendimentos comerciais apenas, em São Paulo: da Barra da Tijuca ou, ainda, de Boa Viagem, no Recife. Poder-se-ia perguntar: se a segmentação dos espaços é definida por unia concentração espacial de investimentos imobiliários, o que então definiria a localização dessa"concentração espacial dos investimentos imobiliários"? Até que ponto a segmentação do espaço intra- urbano é devida a manifestações, entre nós, de transformações no capitalismo global? Até que ponto decorreriam - como quer Queiróz (idem. ibid.) - da atuação da moderna incorporação imobiliária? Até que ponto - como pretendemos nós -a segregação é um processo necessário para o exercício da dominação social por meio do espaço urbano, decorrendo, portanto, da luta de classes em torno das vantagens e desvantagens do espaço construído? Outro caso ilustrativo das diferenças de conexão entre as transformações econômicas nacionais ou planetárias e os espaços urbano e regional é fornecido por uma análise tipicamente regional: Negri e

Pacheco (1994, 62) identificam três tipos de aglomeração baseada na produção flexível. Primeiramente, "... as indústrias intensivas em design ou revitalizadas pela introdução de conteúdos 'artesanais' (...) com dois tipos principais de localização: ou em áreas próximas das grandes metró - poles (a exemplo de Nova Iorque, Paris, Londres, etc.) ou em antigos centros [grifo nosso) 'artesanais' (como a Terceira Itália, partes da França. Espanha, etc). Em segundo lugar, a indústria de 'alta' tecnologia tenderia a se localizar em áreas selecionadas nos subúrbios das grandes cidades ou em áreas anteriormente não industrializadas (como no Sunbelt americano)". Finalmente (apoiando-se em Scott Storper, 1990, 22/23), afirmam que"... os serviços produtivos e financeiros tenderiam a localizar-se no centro 'grifo nosso' das grandes cidades como Manhattan, a City de Londres ou La Défense em Paris". Negri e Pacheco não analisam, nem pretendem analisar, o espaço intra-urbano. Deles nos utilizamos pela ótima oportunidade que oferecem para mostrar a diferença entre a abordagem regional e a intra-urbana. Em primeiro lugar, para a análise regional, uma cidade central de uma metrópole, uma área metropolitana ou uma região urbana é um ''centro". Assim, a região da Terceira Itália é chamada de centro. Entretanto, os autores também chamam a City de Londres de centro, apesar de ser uma área exígua e de natureza completamente diversa se comparada com Manhattan ou com a Terceira Itália. Por outro lado - e isso é particularmente importante-, procurando o centro de Paris, os serviços produtivos e financeiros procurariam... La Défense, que está a 9 km do centro de Paris. Se nas análises regionais tamanhas diferenças entre "centros" não são importantes, nas análises intra-urbanas essa confusão é inaceitável. Isso por si já revela a diferença entre as análises regionais e intra-urbanas. Na análise intra- urbana, não é possível englobar La Défense e a City de Londres sob o mesmo conceito de centro. No nível intra- urbano, teríamos questões da seguinte natureza: por que os serviços produtivos e Financeiros acima mencionados procurariam Ida Défense, e não o centro tradicional de Paris? Por que procurariam a City (equivalente às ruas Quinze de Novembro, Quitanda e Boa Vista, em São Paulo, ou as ruas Sete de Setembro, Quitanda e do Carmo, no Rio),

infra-urbanos-estrutura de telecomunicações, comunicações, serviços urbanos e espaço para escritório, baseados em instituições tecnológicas e institucionais. Ele prospera a partir do processamento de informações e funções de controle. Às vezes é complementado por instalações de turismo e viagens. Ele é o mi do espaço de fluxos que caracteriza o espaço dominante das sociedades informacionais".• Incidentalmente, é curioso que Castells não mencione as atividades - ou instituições - culturais como as específicas dos centros. Não está claro se Castas está se referindo a um "centro expandido" ou a um centro tradicional - o CBD, por exemplo. No caso de Nova Iorque, o centro seria a ilha de Nlanhattan inteira ou ape- nas a parte ao sul do Central Park? Note-se que ele também não incluiu as institui- ções educacionais nesse centro (se tivesse incluído, ele estaria, obviamente, se refe- rindo a um centro expandido), tuas apenas atividades baseadas em instituições educacionais. Seja como for, fica claro que Castas está sempre se referindo a um centro de tuna cidade ou área metropolitana. Gottdiener abordaria de outra maneira: referir -se-ia às metrópoles polinucleadas, reconhecendo, ou não, que um, e só um, dos centros seria o principal. Gottdiener usaria business centers, no plural, e não business center. Assim sendo, das duas unia: ou Castas e Gottdiener realmente divergem, ou então as cidades norte- americanas - que são as estudadas por Gottdiener - são realmente diferentes das da Europa Ocidental - às quais se refere Castells. Em qualquer caso, cabem as seguintes indagações tipicamente intra-urbanas: nesse aspecto, como são as cidades brasileiras? Quais os processos que vêm ocorrendo em seus centros? No nosso caso, os grandes equipamentos metropolitanos exemplificados por Castells estariam se localizando nos centros tradicionais (ou encostados a eles), como o Teleporto do Rio de Janeiro? Em caso afirmativo, por quê; se não, por quê? Estariam se localizando em centros expandidos - muito afastados dos centros tradicionais- como nos casos das avenidas Luís Carlos Berrini, ou da marginal do rio Pinheiros em São Paulo, ou na região do Shopping Iguatemi. em Salvador? Estariam se localizando fora até mesmo cios centros expandidos, como na região do Centro Empresarial de São Paulo (gigantesco complexo de escritórios construído na década de 1970 a 15 quilômetros em linha reta do centro principal), ou junto ao Centro Administrativo de Salvador? Enfim, quais as transformações territoriais por

que vêm passando os centros das metrópoles brasileiras e por quê? São elas causadas pela acumulação flexível, pela realidade pós-fordista, pela globalização das economias nacionais, ou pela nova sociedade informacional? Em qualquer caso, nossas metrópoles permaneceriam eventualmente com um centro principal apenas, trocando o "velho" (tradicional) por um "novo"? Finalmente, as principais questões, especificamente intra-urbanas: por que os ditos centros novos se instalam na região em que se instalam e não em outra qualquer? Qual a razão de sua localização? Quais as implicações e consequências de sua localização? Castells discorre ainda sobre outros processos socioespaciais intra- urbanos; sobre a segregação espacial das elites das cidades da Europa Ocidental, diz que, lá, essa classe não foi para os subúrbios - ao contrário das americanas - e enuncia, sem desenvolver, uma hipótese, a nosso ver, correta: a que relaciona a localização intra-urbana com a dominação (idem, 26): **^ "Nas cidades europeias, ao contrário das americanas, as áreas residenciais realmente sofisticadas tendem a apropriar-se da cultura e história urbanas, localizando-se em áreas reabilitadas da cidade central, enfatizando o fato fundamental de que, quando a dominação está claramente estabelecida e aplicada, a elite não necessita ir para o exílio suburbano, como fizeram as frágeis e amedrontadas elites americanas para escapar do controle da população urbana (com as significativas exceções de Nova Iorque, São Francisco e Boston). Entretanto, há uma questão mais instigante - e, para mis. questionável - elaborada por Castells: a relação que se estabelece entre a estrutura espacial intra-urbana e as macrotransformações socioeconômicas. Depois de uma rápida exposição sobre a estrutura espacial nas cidades da Europa Ocidental, afirma ele (idem, 28) que "os grandes centros metropolitanos europeus apresentam algumas variações em torno da estrutura de espaço urbano que nós resumimos dependendo de seu papel diferenciado na economia europeia [grifo nosso]. Quanto mais baixa sua posição na nova rede informacional. maior será a dificuldade de sua

  • (^) Embora não seja uma dominação através do espaço urbano, como

concluiremos nesta obra.

32