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Escuta, Zé Ninguém! Wilhelm Reich, Notas de aula de Energia

Escuta, Zé Ninguém! não é um documento científico, mas humano. Foi escrito no Verão de 1946, para os arquivos do Instituto Orgone, sem que se pensasse, ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Selecao2010
Selecao2010 🇧🇷

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Escuta, Zé Ninguém!
Wilhelm Reich
Amor, trabalho e sabedoria são as fontes da nossa vida.
Deviam também governá-la
Ó respeitáveis enganadores que troçais de mim!
Donde brota a vossa política,
Enquanto o mundo for governado por vós?
Das punhaladas e do assassínio!
Charles de Coster (em Ulenspiegel)
O Autor:
Wilhelm Reich nasceu a 24 de Março de 1897 nos confins orientais da Galícia, então na
posse do Império Austro-Húngaro. Acusado de charlatanismo, perseguido pelos nazistas
e pelos “democratas” norte-americanos, expulso do círculo de psicanalistas e do Partido
Comunista. Foram inúmeros os problemas que teve com todos os tipos de poderes
instituídos. Isso graças ao vigor de seu pensamento e de sua independência frente às
instituições repressivas que tanto criticou. Não reconheceu limites na ciências, da
psicologia foi pra física, pra biologia... e cada campo recebeu valiosíssimas contribuições,
que até hoje (até mesmo nas academias) não são reconhecidas e até mesmo boicotadas.
Em 1918 matriculou-se na Faculdade de Medicina de Viena, orientando o essencial dos
seus estudos para a Biologia, a Sexologia e as teorias de Freud. No final dos anos 20
ingressa na Associação Psicanalítica de Viena, onde provocará grandes controvérsias,
pois o seu pensamento vai-se afastando da ortodoxia freudiana e por diferenças políticas.
Acabará por ser expulso em 1934.
Entretanto escreve os seus primeiros livros: O Caráter Impulsivo, 1925; A Função do
Orgasmo, 1927; Maturidade Sexual, Continência, Moral Conjugal, 1930; O Aparecimento
da Moral Sexual, 1932; A Luta Sexual da Juventude, 1932; Psicologia de Massa do
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Escuta, Zé Ninguém!

Wilhelm Reich

Amor, trabalho e sabedoria são as fontes da nossa vida. Deviam também governá-la

Ó respeitáveis enganadores que troçais de mim!

Donde brota a vossa política,

Enquanto o mundo for governado por vós?

Das punhaladas e do assassínio!

Charles de Coster (em Ulenspiegel)

O Autor:

Wilhelm Reich nasceu a 24 de Março de 1897 nos confins orientais da Galícia, então na posse do Império Austro-Húngaro. Acusado de charlatanismo, perseguido pelos nazistas e pelos “democratas” norte-americanos, expulso do círculo de psicanalistas e do Partido Comunista. Foram inúmeros os problemas que teve com todos os tipos de poderes instituídos. Isso graças ao vigor de seu pensamento e de sua independência frente às instituições repressivas que tanto criticou. Não reconheceu limites na ciências, da psicologia foi pra física, pra biologia... e cada campo recebeu valiosíssimas contribuições, que até hoje (até mesmo nas academias) não são reconhecidas e até mesmo boicotadas. Em 1918 matriculou-se na Faculdade de Medicina de Viena, orientando o essencial dos seus estudos para a Biologia, a Sexologia e as teorias de Freud. No final dos anos 20 ingressa na Associação Psicanalítica de Viena, onde provocará grandes controvérsias, pois o seu pensamento vai-se afastando da ortodoxia freudiana e por diferenças políticas. Acabará por ser expulso em 1934. Entretanto escreve os seus primeiros livros: O Caráter Impulsivo, 1925; A Função do Orgasmo, 1927; Maturidade Sexual, Continência, Moral Conjugal, 1930; O Aparecimento da Moral Sexual, 1932; A Luta Sexual da Juventude, 1932; Psicologia de Massa do

Fascismo, 1933; e Análise do Caráter, 1933. Alguns deles só muitos anos mais tarde seriam devidamente apreciados. Reich desenvolveu também artefatos usados na cura do câncer e na diminuição dos efeitos negativos da energia nuclear.Comentários sobre alguns deles:

  • A Função do Orgasmo (de 1942 e renovado em 1961) sintetiza o trabalho médico e científico de Reich com o organismo humano em um período de vinte anos e apresenta todo o desenvolvimento desse trabalho em sua rápida progressão da esfera da psicologia para a da biologia. Afirma que o orgasmo sexual pleno e satisfatório é o regulador biológico da harmonia vital e que as neuroses são provocadas através dos bloqueios à afetividade. A descoberta do orgônio (ou orgone) foi o resultado de uma profunda investigação clínica do conceito de "energia psíquica", a princípio na esfera da psiquiatria. A experiência tem mostrado que o conhecimento das funções emocionais da energia biológica é indispensável para a compreensão das funções fisiológicas e físicas.
  • Segunda obra importante de Reich, Análise do Caráter, considerado como o que de melhor e mais profundo se havia dito sobre psicoterapia. Foi escrito para o analista e desenvolve com exatidão - com numerosos exemplos clínicos - sua singular técnica terapêutica
  • Em 1953 publicaO Assassinato de Cristo onde explora o significado da vida de Jesus e

atribui o flagelo universal que causou sua agonia e morte à Peste Emocional Da

Humanidade, presente no Zé Ninguém. O homem se defronta, através dos tempos, com a

plena responsabilidade pelo assassinato de Cristo: pelo assassinato do vivo, qualquer que seja a forma sob a qual se apresenta. Esta é a verdade crua sobre o modo real como as pessoas são, agem e se emocionam. Muitas das passagens lembram a própria vida de Reich, que sofreu várias perseguições e preconceitos graças aos seus posicionamentos nada ortodoxos. Após uma viagem à Rússia, em 1929, instala-se em Berlim dois anos depois. Mas a ascensão do nazismo leva-o a trocar Berlim e Viena por Copenhage. Seguem-se Malmoe, Londres, Paris, Zurique, Lucerna, Oslo, até chegar aos Estados Unidos, em 1939. A sua permanência neste país irá causar-lhe dissabores que terão sido provavelmente os mais amargos da sua vida agitada. Logo em 1941 é preso por dois agentes do F.B.I., que lhe

apreendem livros como Mein Kampf (A Minha Luta), de Hitler, eMy Life (A Minha Vida),

de Trotsky. Considerado "pai" das Psicoterapias Corporais, Wilhelm Reich entende o ser humano como uma das expressões da energia que chamou orgone, uma energia que preenche

Introdução

Escuta, Zé Ninguém! não é um documento científico, mas humano. Foi escrito no Verão

de 1946, para os arquivos do Instituto Orgone, sem que se pensasse, então, em publicá- lo. Resultou da luta interior de um cientista e médico que, durante décadas, passou pela experiência, a princípio ingênua, depois cheia de espanto e, finalmente, de horror, do que o Zé Ninguém, o homem comum, é capaz de fazer de si próprio, de como sofre e se revolta, das honras que tributa aos seus inimigos e do modo como assassina os seus amigos. Sempre que chega ao poder como “representante do povo”, aplica-o mal e transformado em qualquer coisa ainda mais cruel do que o sadismo que outrora suportava por parte dos elementos das classes anteriormente dominantes.

Escuta, Zé Ninguém! representa uma resposta silenciosa à intriga e à difamação. Ao ser

escrito, ninguém podia compreender que certas entidades governamentais com missão de proteger a saúde pública fossem capazes, em conluio com politiqueiros, de atacar o trabalho de investigação do Instituto Orgone. A tentativa, no ambiente de peste emocional de 1947, de destruir o Instituto (não com provas de erro ou crime, mas atacando a sua

honra) levou a publicar, como documento histórico,Escuta, Zé Ninguém!.

As circunstâncias mostravam ser necessário, ao homem comum, saber o que se passa nos bastidores de um laboratório científico e, ao mesmo tempo, verificar o que pensa a seu respeito um psiquiatra experiente. Que conheça a realidade, único modo de vencer a desastrosa paixão pelo poder que tanto o obceca. Que lhe seja dito, sem rebuço, que responsabilidade assume, quando trabalha, ama, odeia ou difama. Que entenda como se chega ao fascismo, negro ou vermelho, ambos igualmente perigosos para a segurança dos vivos e para a proteção de nossos filhos. Isso, não apenas porque tais ideologias, vermelhas ou negras, são intrinsecamente assassinas, mas também por transformarem crianças saudáveis em adultos mutilados, autômatos e moralmente dementes. Pois dão preferência ao Estado sobre a justiça, à mentira sobre a verdade, à guerra sobre a vida. Para o educador, para o médico, existe apenas uma fidelidade: ao que há de vivo na criança e no doente. Se esta fidelidade for estritamente respeitada, até os grandes problemas da “política externa”, encontram uma solução simples. Esta “conversa” não pretende apresentar receitas existenciais. Simplesmente, descreve as tempestades emocionais por que passa um homem produtivo e satisfeito. Não visa convencer, aliciar ou conquistar ninguém. Visa, sim, retratar a experiência, como um guache pinta uma tempestade. O leitor não é chamado a testemunhar-lhe simpatia. Pode

ler ou não ler. Não encerra quaisquer intenções ou programas. Visa unicamente facultar ao pesquisador e ao pensador o direito ao sentimento e a reação pessoal, nunca disputado ao poeta e ao filósofo. É um protesto contra os desígnios secretos e ignotos da peste emocional que, bem entrincheirada e em segurança, vem capciosamente envenenando o investigador honesto e corajoso com as suas setas ervadas. Mostra como é a peste emocional, como funciona e entrava o progresso. Testemunha ainda a confiança na inexplorada riqueza que se oculta na “natureza humana”, pronta a servir as esperanças do homem.

Escuta, Zé Ninguém!

Chamam-te “Zé Ninguém!” “Homem Comum” e, ao que dizem, começou a tua era, a “Era

do Homem Comum”. Mas não és tu que o dizes, Zé Ninguém, são eles, os vice-

presidentes das grandes nações, os importantes dirigentes do proletariado, os filhos da burguesia arrependidos, os homens de Estado e os filósofos. Dão-te o futuro, mas não te perguntam pelo passado. Tu és herdeiro de um passado terrível. A tua herança queima-te as mãos, e sou eu que to digo. A verdade é que todo o médico, sapateiro, mecânico ou educador que queira trabalhar e ganhar o seu pão deve conhecer as suas limitações. Há algumas décadas, tu, Zé Ninguém, começaste a penetrar no governo da Terra. O futuro da raça humana depende, à partir de agora, da maneira como pensas e ages. Porém, nem os teus mestres nem os teus senhores te dizem como realmente pensas e és, ninguém ousa dirigir-te a única critica que te podia tornar apto a ser inabalável senhor dos teus destinos. És “livre” apenas num sentido: livre da educação que te permitiria conduzires a tua vida como te aprouvesse, acima da autocrítica. Nunca te ouvi queixar: “Vocês promovem-me a futuro senhor de mim próprio e do meu mundo, mas não me dizem como fazê-lo e não me apontam erros no que penso e faço”. Deixas que os homens no poder o assumam em teu nome. Mas tu mesmo nada dizes. Conferes aos homens que detêm o poder, quando não o conferes a importantes mal intencionados, mais poder ainda para te representarem. E só demasiado tarde reconheces que te enganaram uma vez mais. Mas eu entendo-te. Vezes sem conta te vi nu, psíquica e fisicamente nu, sem máscara, sem opção, sem voto, sem aquilo que fiz de ti “membro do povo”. Nu como um recém-

Sabes melhor lutar pela tua liberdade que preservá-la para ti e para os outros. Isto eu sempre soube. O que não entendia, porém, era porque de cada vez que tentavas penosamente arrastar-te para fora de um lameiro acabavas por cair noutra ainda pior. Depois, pouco a pouco, às apalpadelas e olhando prudentemente em torno, entendi o que te escraviza: ÉS TU O TEU PRÓPRIO NEGREIRO. A verdade diz que mais ninguém senão tu é culpado da tua escravatura. Mais ninguém, sou eu que te digo! Esta é nova, hein? Os teus libertadores garantem-te que os teus opressores se chamam Guilherme, Nicolau, papa Gregório XXVIII, Morgan, Krupp e Ford. E que os teus libertadores se chamam Mussolini, Napoleão, Hitler e Stalin.

Mas eu afirmo: Só tu podes libertar-te.

Esta frase faz-me, porém, vacilar. Intitulo-me paladino da pureza e da verdade, mas agora que se trata de te dizer a verdade, hesito, temendo a tua atitude em relação à verdade. A verdade é um perigo para a vida quando é a ti que diz respeito. A verdade é a salvação mas não há população que não se lance sobre ela para a espoliar, de outro modo não serias o que és nem estarias onde estás. Intelectualmente, sei que devo dizer a verdade a todo o custo. Mas o Zé Ninguém que se alberga em. mim adverte-me: estúpido, expores-te, entregares-te, ao Zé Ninguém. O Zé Ninguém não está interessado em ouvir a verdade acerca de si próprio. Não deseja assumir a grande responsabilidade que lhe cabe, quer queira quer não. Quer permanecer o que é ou, quando muito, tornar-se num desses grandes homens medíocres – ser rico, chefe de um partido, da Associação dos Veteranos de Guerra ou secretário da Sociedade de Promoção da Moral Pública. Mas assumir a responsabilidade do seu trabalho, alimentação, alojamento, Transportes, educação, investigação, administração pública, exploração mineira, isso nunca. E o Zé Ninguém que se aloja dentro de mim acrescenta: “És agora um grande homem, conhecido na Alemanha, Áustria, Escandinávia, Inglaterra, América, Palestina. Os comunistas atacam-te. Os ‘defensores dos valores culturais’ odeiam-te. Os teus alunos estimam-te. Os doentes que curaste admiram-te. Os que sofrem da peste emocional perseguem-te. Escreveste 12 livros e 150 artigos sobre as misérias da existência, sobre o sofrimento do homem comum. As tuas idéias são ensinadas nas Universidades; outros grandes homens igualmente solitários confirmam o teu prestígio e põem-te entre os maiores intelectos da história da ciência. Fizeste uma das maiores descobertas científicas desde há muitos séculos, a da energia cósmica da vida e suas leis. Tornaste o cancro um fenômeno compreensível. Por tudo isto, andaste de pais

em pais por dizeres a verdade. Descansa agora. Goza os frutos do teu êxito, do teu prestígio. Em poucos anos o teu nome será conhecida por todos. O que fizeste já basta. Recolhe-te agora ao repouso, ao estudo da lei funcional da natureza”. Esta é a conversa do Zé Ninguém dentro de mim e que te teme a ti, Zé Ninguém. Durante muito tempo sintonizei contigo porque conhecia a tua vida através da minha própria existência e porque queria ajudar-te. Mantive-me perto de ti porque via que te era útil e que aceitavas o meu auxilio com prazer e, não raro, com lágrimas nos olhos. Só aos poucos percebi que o aceitavas, mas que não eras capaz de defendê-lo. Defendi-o e lutei para ti, por ti. Foi então que os teus chefes destruíram o meu trabalho e que tu os seguiste em silêncio. Continuei então em comunhão contigo, tentando achar maneira de ajudar-te sem soçobrar quer como teu dirigente quer como tua vítima. E o Zé Ninguém que reside em mim tentava convencer-te, “salvar-te”, merecer-te o respeito que consagras

às “altas matemáticas” por não fazeres a mínima idéia do que sejam. Quanto menos

entendes, mais prezas. Conheces Hitler melhor que a Nietzsche, Napoleão melhor que a Peslalozzi. Qualquer monarca significa mais para ti do que Sigmund Freud. E o Zé Ninguém que vive em mim gostaria de ter-te nas mãos pelo processo costumeiro, recorrendo ao rataplã dos chefes. Eu temo-te, porém, quando o meu Zé Ninguém deseja “conduzir-te à liberdade”. É que poderias descobrir a mesma identidade medíocre em ti e em mim, e, assustado, matares-te na minha pessoa. Foi por isso que deixei de ser escravo da tua liberdade e desejar morrer por ela. Sei que não me entendes ainda quando te falo na “liberdade de ser escravo de quem quer que seja”, idéia que não é fácil. Para não ser escravo fiel de um único senhor, e ser escravo de todos, ter-se-á em primeiro lugar que matar o opressor, digamos, por exemplo, o Czar. Este crime político nunca poderia ser perpetrado sem um grande ideal de liberdade e motivos revolucionários. É, portanto, necessário fundar um partido revolucionário de liberdade sob a égide de um homem verdadeiramente grande, seja ele Jesus Cristo, Marx, Lincoln ou Lenin. Claro está que este grande homem tomará a tua liberdade muito a sério. Para a impor, terá que rodear-se de uma multidão de homens menores, ajudantes e moços de recados, dada a imensidade de tarefa para um só homem. Tu não, irias entendê-lo, e deixá-lo-ias de lado, se ele se rodeasse de gente um pouco superior. Assim escudado, ele conquista para ti o poder, ou uma parcela da verdade, ou uma nova e melhor crença. Escreve evangelhos, promulga leis liberais, e conta com o teu apoio, seriedade e prontidão. Arranca-te do lameiro social onde te encontras imerso. Para manter solidários os muitos acólitos de menor talhe, para

muito melhor do que um Rockefeller ou os Conservadores. Conhecem os teus podres

como só tu próprio os devias conhecer. Sacrificam-te a um símbolo e éstu próprio quem

lhes confere o poder que exercem sobre ti. Ergueste tu próprio os teus tiranos, e és tu quem os alimenta, apesar de terem arrancado as máscaras, ou talvez por isso mesmo. Eles mesmo te dizem clara e abertamente que és uma criatura inferior, incapaz de assumir responsabilidades, e que assim deverás permanecer. E tu nomeia-los novos “salvadores” e dá-lhes “vivas”. É por isso que eu tenho medo de ti, Zé Ninguém, um medo sem limites. Porque é de ti que depende o futuro da humanidade. E tenho medo de ti. porque não existe nada a que mais fujas do que a encarar-te a ti próprio., Estás doente, Zé Ninguém, muito doente, embora a culpa não seja tua. Mas é a ti que cabe libertares-te da tua doença. Já há muito que terias derrubado os teus verdadeiros opressores se não tolerasses a opressão e não a apoiasses tu próprio. Nenhuma força policial do mundo poderia prevalecer contra ti se tivesses ao menos uma sombra de respeito por ti próprio na tua vida quotidiana, se tivesses aprofunda convicção de que, sem o teu esforço, a vida sobre a terra não seria possível por nem uma hora mais. Será que o teu “libertador” te disse? Qual quê! Chama-

te “Proletário do Mundo”, mas não te dizem que tu, e só tu, ésresponsável pela tua vida

(em vez de seres responsável pela “honra da pátria”). Terás que entender que és tu quem transforma homens medíocres em opressores e torna mártires os verdadeiramente grandes; que os crucificas, os assassinas e os deixas morrer de fome; que não te ralas absolutamente nada com os seus esforços e as lutas que travam em teu nome; que não fazes a menor idéia de quanto lhes deves do pouco de satisfação e plenitude de que gozas na vida. Dizes: “Antes de confiar em ti, gostaria de saber qual a tua filosofia da vida.” Quando souberes a minha filosofia da vida vais a correr ao presidente da Câmara, ou ao “Comitê contra as Atividades Antiamericanas”, ou ao F.B.I., ao G.P.U. ou à imprensa sensacionalista, ou à Ku Klux Klan, ou aos “Líderes dos Proletários de Todo o Mundo”, ou pura e simplesmente safas-te: Não sou um Vermelho, nem um Branco, nem um Negro, nem um Amarelo. Não sou nem cristão, nem judeu, nem maometano, mórmon, homossexual, polígamo, anarquista ou membro de seita secreta. Faço amor com a minha mulher porque a amo e a desejo e não porque tenha um certificado de casamento ou para satisfazer as minhas necessidades sexuais.

Não bato nas crianças, não vou à pesca e não mato veados nem coelhos. Mas não atiro mal e gosto de acertar no alvo. Não jogo brídge, não dou festas com o fito de divulgar as minhas teorias. Se o que penso é correto divulgar-se-á por si próprio. Não submeto o meu trabalho às autoridades oficiais de saúde, a não ser que elas possam entendê-lo melhor do que eu. E sou em quem decide quem pode manejar o conhecimento e as particularidades da minha descoberta. Observo estritamente o cumprimento das leis quando fazem sentido, e luto contra elas quando obsoletas ou absurdas. (Não corras já para o presidente da Câmara, Zé Ninguém, porque se ele for um homem decente faz o mesmo.). Desejo que as crianças e os adolescentes experimentem com o corpo a sua alegria no prazer tranqüilamente. Não creio que para ser religioso no sentido genuíno da palavra seja necessário destruir a vida afetiva e tornar-se crispado e encolhido de corpo e de espírito. Sei que aquilo a que chamas “Deus” existe, mas de forma diferente da que pensas: é a energia cósmica primordial do Universo, tal como o amor que anima o teu corpo, a tua honestidade e o teu sentimento da natureza em ti ou à tua volta. Ponho na rua quem quer que seja que, sob qualquer pretexto insignificante, tente interferia no meu trabalho clínico e pedagógico com doentes ou crianças. Confrontá-lo-ia em tribunal com algumas perguntas simples e claras a que não lhe seria possível responder sem cobrir a cara de vergonha para o resto da vida. Porque eu sou um homem de trabalho que sabe o que um homem é por dentro, que sabe o que o outro vale e que

deseja que seja o trabalho a governar o mundo, e não as opiniões sobre o trabalho.

Tenho a minha opinião e sei distinguir uma mentira da verdade que quotidianamente emprego como instrumento e que sei manter limpo após uso. Tenho muito medo de ti, Zé Ninguém, um enorme e profundo medo, e nem sempre foi assim. Eu já fui um Zé Ninguém entre milhões de outros. Hoje, como cientista e psiquiatra, sei ver que és doente e perigoso na tua doença. Aprendi a reconhecer o fato de que é a tua doença emocional que te destrói minuto a minuto, e não qualquer poder exterior. Há muito já que terias suprimido os tiranos se estivesses vivo e são no teu íntimo. Hoje em dia os teus opressores vêm das tuas próprias fileiras, tal como outrora vinham dos estratos mais altos da hierarquia social. Ainda são mais medíocres do que tu, Zé Ninguém. Porque, tendo conhecido por experiência a tua miséria, é necessária muita

incapacidade de refletir, e os teus “axiomas eternos” que não sobrevivem a dez anos de progresso social. Lembra-te.apenas de todas as coisas que tomaste por certas durante os escassos anos que decorreram entre a primeira e a segunda guerra mundiais. Quantas reconheceste como erradas, de quantas foste capaz de te retratar? De nenhumas, Zé Ninguém. Porque o homem realmente maior pensa cautelosamente, mas quando se apropria de uma idéia, pensa a longo prazo. E és tu, Zé Ninguém, que fazes do grande

homem um paria quando o seu pensamentocorreto eduradouro enfrenta a mesquinhez e

a precariedade das tuas convicções. És tu que o condenas à solidão, não à solidão que gera grandes obras, mas à solidão do temor da incompreensão e do ódio. Porque tu és “o povo”, a “opinião pública” e a “consciência social”. Já alguma vez pensaste na responsabilidade gigantesca que estes atributos te conferem, Zé Ninguém? Já alguma vez perguntaste a ti próprio se pensas corretamente, quer do ponto de vista da trajetória social onde estás inserido, quer da natureza, quer até do acordo com os atos humanos de uma figura como, por exemplo, a do Cristo? Não, Zé Ninguém, nunca te inquietaste com a possibilidade do que pensas estar errado, mas sim com o que iria pensar o teu vizinho ou com o preço possível da tua honestidade. Foram estas as únicas questões que puseste a ti próprio. E depois de condenares o grande homem à solidão é ainda teu hábito esquecê-lo. Segues o teu caminho, perorando outras asneiras, cometendo outras baixezas, ferindo de novo. Esqueces. Mas é da natureza do grande homem não esquecer nem vingar-se, mas tentar entender A INCONSISTÊNCIA DO TEU COMPORTAMENTO. Sei que também te é estranho que assim seja. Podes crer, porém, que o sofrimento que infliges tantas vezes inconscientemente - e que quantas vezes logo esqueces - é para o grande homem, mesmo se incurável, motivo de reflexão em teu nome, não pela grandeza dos teus atos vis, mas exatamente pela sua pequenez. E é ele quem se interroga sobre o que te leva a maltratar o marido ou a mulher que te desapontou, a torturar os teus filhos porque desagradam a vizinhos odiosos, a desprezar e explorar alguém só porque é

bondoso; a receber quando te dão e a dar quando te exigem, mas nunca a dar quando o

que te é dado o é por amor; a bater em quem já está de rastos; a mentir quando te é

pedida a verdade e a persegui-la bem mais do que à mentira. Zé Ninguém, tu estás sempre do lado dos opressores. Para que o estimasses e te caísse em graça, o grande homem teria de se adaptar ao teu modo de ser, Zé Ninguém, falar como tu e gabar-se das mesmas virtudes. A verdade é que se ostentasse as tuas virtudes, falasse a tua linguagem e gozasse da tua amizade não mais seria grande, autêntico ou simples. Prova

é que os teus amigos que dizem exatamente o que esperas que eles digam nunca foram grandes homens. Tu não acreditas que qualquer amigo teu possa conseguir o que quer que seja de grande. No mais intimo de ti próprio, desprezas-te, mesmo quando – ou particularmente quando – gabas mais da tua dignidade; e se te desprezas, como poderias respeitar os teus amigos? Nunca poderias acreditar que quem quer fosse que se sentasse à tua mesa ou vivesse na mesma casa contigo pudesse realizar o que quer que fosse de grandioso.

Perto de ti é difícil pensar, Zé Ninguém. É apenas possível pensar acerca de ti, nunca

contigo. Porque tu sufocas qualquer pensamento original. Tal como uma mãe, tu dizes às

crianças que exploram o seu mundo: “Isso não é próprio para crianças”.Como um professor de biologia, dizes: “Isso não é coisa para bons alunos. O quê, duvidar da teoria dos germes do ar?” Como um professor primário, dizes: “As crianças são para ser vistas, e não para se ouvirem”.Como uma mulher casada, dizes: “Há! A investigação! Eu e a tua investigação! Porque é que não vais para um escritório, como toda a gente, ganhar decentemente a tua vida?” Mas sobre o que se escreve nos jornais tu acreditas, quer percebas quer não. Garanto-te, Zé Ninguém, que perdeste o sentido do que mais vale em ti mesmo. Morre de sufocação às tuas mãos, em ti e onde quer que o encontres nos outros, nos teus filhos, na tua mulher, no teu marido, no teu pai e na tua mãe. Tu és medíocre e queres continuar a sê-lo. Perguntas-me como sei eu tudo isto? Eu digo-te: Conheço-te. Experimentei-te e experimentei-me contigo. Como terapeuta libertei-te da tua mesquinhez, como educador orientei-te no sentido da espontaneidade, da confiança. Sei como te defendes da espontaneidade, sei o terror que te toma quando te pedem que sejas tu próprio, autêntico e genuíno.

Eu sei que não és apenas medíocre, Zé Ninguém. Sei que também tens as tuas grandes

horas na vida, momentos de “júbilo” e “exaltação”, de “vôo”. Mas falta-te a coragem para

subir cada vez mais alto, para manter a tua própria exaltação. Tens medo de altos vôos, medo da altura e da profundidade, Nietzsche já te disse isto muito melhor, há muitos anos já. Só que não te disse porque é que és assim. Tentou transformar-te num super-homem,

um Übermensch que superasse o que tens de humano. O Übermensch (Além-Homem ou

Super-Homem) tornou-se “Führer Hitler”. Tu permaneceste Üntermensch. Eu gostaria

apenas que fosses tu próprio. Tu próprio, em vez do jornal que lês ou da balofa opinião do

vizinho. Sei que não sabes o que és e como és em profundidade. Sei que em

judeus”. “Que é que caracteriza a raça dos judeus?” “Bom, um judeu tem cabelos pretos, tem uma bossa no nariz e olhos muito vivos. Os judeus são avarentos e capitalistas.” “Já alguma vez viste um francês do Sul ou um italiano ao Pé dum judeu? Sabes distinguí- los?” “Lá isso não sei assim muito bem” “Bom, então que é um judeu? As análises de sangue não mostram qualquer diferença, não se distingue de um francês ou de um italiano. E já alguma vez viste judeus alemães?” “Já, pois, parecem alemães.” “E que é um alemão?” “Um alemão pertence à raça ariana nórdica.” “Os Índios são arianos?” “São.” “E são nórdicos?” “Não.” “E loiros?’ “Não.” “Bom, então não sabes o que é um alemão e o que é um judeu.” “Mas há judeus.” “Pois há, tal como há cristãos e maometanos.” “Eu refiro-me à religião judaica.” “Roosevelt era holandês?” “Não.” “Então porque é que chamas judeu a um descendente de David, se não chamas holandês ao Roosevelt?” Com os judeus é diferente. “Em que é que é diferente?” “Não sei.” E é assim que tu desatinas, Zé Ninguém. E sobre os teus desatinos levantas exércitos capazes de assassinar dez milhões de pessoas, porque são “judeus”, sem que tu saibas sequer dizer o que é um judeu. E é por isso que és ridículo, que o melhor é evitar-te quando se tem alguma coisa de sério para fazer, é por isso que permaneces no lameiro. Quando dizes “judeu” sentes-te superior. E és forçado a dizê-lo pela tua própria miséria, pois o que matas no judeu é o que sentes que tu próprio és. Mas isto é apenas uma ínfima parcela da tua verdade, Zé Ninguém. Quando dizes “judeu” cheio de arrogância e desprezo sentes menos a tua própria mesquinhez. Só recentemente me dei conta de que assim era. Só chamas “judeu” a quem suscita muito pouco ou demasiado o teu respeito. A tua concepção de “judeu” é perfeitamente arbitrária. Só que eu não te dou o direito a usá-la, quer tu sejas judeu ou ariano. Só eu próprio tenho o direito a determinar quem sou. Biológica e culturalmente sou

um rafeiro e orgulho-me de ser o produto intelectual e físico de todas as classes, raças e

nações, orgulho-me de não pertencer a uma “raça pura”, como tu, de não pertencer a uma “classe pura”, de não ser chauvinista como tu, um fascistinha de todas as nações, raças e classes. Constou-me que em Israel rejeitaste um técnico judeu pelo simples fato de não ser circuncidado. Não tenho mais afinidades com os judeus fascistas do que com quaisquer outros. Porque recuas apenas até Sem, e não até ao protoplasma? A vida para mim tem início nas contrações plasmáticas, e não no escritório de um rabi. Levou milhões de anos a tua evolução de água-viva a bípede terrestre. A tua aberração biológica sob a forma de rigidez dura apenas há seis mil anos. Levará cem ou quinhentos ou talvez cinco mil anos até que redescubras em ti a natureza, a célula inicial. Eu descobri

em ti a água-viva e, quando me ouviste pela primeira vez, chamaste-me gênio. Foi na Escandinávia, andavas tu à procura de um novo Lenin. Mas eu tinha coisas mais importantes a fazer e declinei a função. Também me proclamaste novo Darwin, ou Marx, ou Pasteur, ou Freud. Disse-te já há muitos anos que também tu poderias falar e escrever como eu, se não passasses a vida a saudar os novos messias. Porque os teus gritos destroem-te a razão e paralisam a tua natureza criadora. Não és tu que persegues a “mãe solteira” como uma criatura imoral, Zé Ninguém? Não és tu que estabeleces uma distinção severa entre as crianças “legítimas” e as crianças “ilegítimas?” Pobre criatura, que não entendes as tuas próprias palavras - ou não és tu que veneras o Cristo enquanto criança? Cristo menino, que nasceu de uma mãe que não possuía certificado de casamento? Sem fazeres idéia de que assim seja, como.veneras no Cristo criança o teu desejo de liberdade sexual! Fizeste do Cristo criança, nascido ilegitimamente, o filho de Deus, que não reconhece a ilegitimidade de crianças. Para logo em seguida, como Paulo, o Apóstolo, perseguir os filhos nascidos do amor e proteger sob a alçada das leis religiosas os nascidos do ódio. És realmente um desgraçado, Zé Ninguém! Os teus automóveis e comboios atravessam as pontes que o grande Galileu inventou. Sabias, Zé Ninguém, que o grande Galileu teve três filhos sem qualquer certificado de casamento? Isso não dizes tu às crianças da escola. E não foi também por isso mesmo que o submeteste à tortura? Sabias, Zé Ninguém, que, na “Pátria dos Povos Eslavos”, o, teu grande Lenin, pai dos proletários de todo o mundo, ao tomar o Poder aboliu o casamento compulsivo? E sabias que ele próprio viveu com a mulher sem certificado de casamento? E foi então que pela mão do chefe de todos os Eslavos restabeleceste as leis referentes à obrigatoriedade do casamento, porque não sabias que havias de fazer da liberdade que te fora concedida por Lenin. Mas o que é que tu sabes de tudo isto, tu que não fazes a mínima idéia do que seja a verdade, ou a história, ou a luta pela liberdade? Quem és tu para teres opinião própria? Nem sequer te apercebes de que a opressão das leis que regulam a tua vida matrimonial decorre naturalmente do teu espírito pornográfico e da tua irresponsabilidade sexual. Sentes-te infeliz e medíocre, repulsivo, impotente, sem vida, vazio. Não tens mulher e, se a tens, vais com ela para a cama só para provar que és “homem”. Nem sabes o que é o amor. Tens prisão de ventre e tomas laxantes. Cheiras mal e a tua pele é pegajosa,

capaz de a preservar. E cometeu ainda outro erro: consentir que tu, proletário, te tornasses “ditador”. E sabes o que tu fizeste, Zé Ninguém, do manancial de sabedoria e criação que te legou

este homem? Apenas guardaste no ouvido uma palavra:ditadura. De tudo o que te doara

um grande espírito e um grande coração apenas uma palavra restou: ditadura! Tudo o mais deitaste fora, a liberdade, a clareza e a verdade, a solução dos problemas da servidão econômica, a metodologia da planificação do futuro - tudo pela borda fora! E apenas a escolha infeliz, embora bem intencionada, de só uma palavra, te caiu em graça:

ditadura!

Sobre esta pequena negligência de um grande homem construíste todo um sistema gigantesco de mentiras, perseguição, tortura, deportações, enforcamentos, polícia secreta, espionagem e denúncia, uniformes, marechais e medalhas - enquanto deitavas fora tudo o mais. Começas a perceber como funcionas, Zé Ninguém? Ainda não? Ora tentemos novamente: As. “condições econômicas” do teu bem-estar na vida e no amor, confundiste-as com “mecanização”; a emancipação dos homens, com “grandeza do Estado”; o levantamento das massas, com o desfilar da artilharia; a libertação do amor, com a violação de todas as mulheres a que pudeste deitar a mão ao chegar à Alemanha; a eliminação da pobreza, com a erradicação dos pobres, dos fracos e dos desadaptados;

a assistência à infância, com a “formação de patriotas”; o controle da natalidade, com

medalhas às “mães de dez filhos”. Não tinhas já sofrido bastante, com esta tua idéia da “mãe de dez filhos”? Mas também noutros países o infeliz vocábulo “ditadura” te ficou no ouvido. Aí, vestiste-o de uniformes resplandecentes e geraste no teu próprio seio o funcionariozinho místico, sádico e impotente que te levou ao Terceiro Reich e enterrou sessenta milhões da tua espécie enquanto ias gritando “Viva! Viva!”. És assim, Zé Ninguém. Mas ninguém se atreve a dizer como és. Porque se tem medo de

ti, Zé Ninguém, e se quer que te mantenhas pequeno.

Tu devoras a tua felicidade. Nunca foste capaz de a gozar com plenitude. É por isso que a

devoras avidamente, sem sequer assumires a responsabilidade de a assegurares. Nunca te foi permitido aprenderes a cuidar das tuas alegrias, a alimentar. a felicidade, como o jardineiro o faz com as suas flores, como o homem da terra com as suas colheitas. Os grandes cientistas, poetas e homens de sabedoria sempre fugiram da tua companhia, pois desejaram preservar a alegria que lhes fosse possível. É fácil devorar a felicidade na tua companhia, Zé Ninguém, mas é difícil protegê-la.

Não sabes do que estou a falar, Zé Ninguém? Eu explico-te: um inovador trabalha durante dez, vinte ou trinta anos sem desfalecimentos na sua ciência, ou máquina, ou concepção da sociedade. Tudo o que é novo carrega-o consigo como pesado fardo. Terá de sofrer a, tua estupidez, a mesquinhez das tuas idéias e valores, terá de entendê-las e analisá-las e, finalmente, terá de substituí-las pelos seus atos. Não o ajudarás em nada, Zé Ninguém. Pelo contrário. Não virás dizer-lhe, “ouve, camarada, bem vejo como trabalhas”.E

trabalhas naminha máquina, para os meus filhos, aminha mulher, os meus amigos, a

minha casa, os meus campos, para que as coisas sejam outras. Sofri durante muito

tempo por isto ou por aquilo, mas nada podia fazer. “Posso agora ajudar-te a ajudar-me?” Não, Zé Ninguém, nunca ajudas quem te ajuda. Jogas às cartas ou esfalfas-te a berrar em espetáculos de competição ou vais marrando no teu trabalho no escritório ou na mina. Mas nunca ajudas quem te ajuda. E sabes porquê? Porque todo aquele que é inovador

nada mais tem a oferecer-te de início do queidéias. Nem lucro, nem um salário mais alto,

nem bônus de Natal, nenhum modo de vida mais fácil. Tudo o que pode oferecer-te são preocupações, e isso já tu tens que chegue. Mas se apenas te tivesses mantido afastado, sem oferecer ou dar ajuda, nenhum inovador iria queixar-se de ti. Bem vistas as coisas, não é “para ti” que pensa, descobre, inventa. Fá-lo porque o seu funcionamento vital o impele a que assim seja. Quanto ao cuidado e à compaixão por ti, deixa-os a cargo dos lideres partidários e dos homens do

clero. O que realmente lhe seria agradável seria o ver-te capaz de cuidar de ti próprio. Só

que tu não te contentas com manteres-te à margem, sem oferecer ajuda. Quando o inovador, após longa e árdua tarefa, finalmente entende os motivos por que és incapaz de dar satisfação no amor à tua mulher, tu vens e chamas-lhe obsceno. Nem fazes a menor idéia de que lhe chamas isso porque es permanentemente forçado a esconder a

obscenidade em ti próprio e que por isso és incapaz de amar. Ou então, quando o

investigador descobre por que motivo o cancro atingeem massa as populações e tu és,

por exemplo, Professor de Patologia do Cancro com um sólido salário, dizes que o investigador é uma fraude, ou que não entende nada sobre os germes do ai-que gasta verbas demasiado elevadas; ou perguntas se é judeu ou estrangeiro; ou insistes que tens direito a examiná-lo a fim de saberes se é suficientemente qualificado para trabalhar no

teu problema do cancro, o problema que não consegues resolver; ou preferes ver

condenados muitos doentes cancerosos a ter de admitir que foi ele quem descobriu a

possibilidade de salvar os teus doentes. Para ti, a tua dignidade catedrática, a tua conta