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Guias e Dicas
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Escritos Politicos de São Tomas de Aquino, Manuais, Projetos, Pesquisas de Ciência Política

livro Pdf - livro Pdf

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

Antes de 2010

Compartilhado em 10/10/2009

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ESCRITOS POLÍTICOS DE SANTO TOMÁS DE
AQUINO
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ESCRITOS POLÍTICOS DE SANTO TOMÁS DE

AQUINO

Coleção CLÁSSICOS DO PENSAMENTO POLÍTICO Volumes Publicados

  1. TRATADO SOBRE A CLEMÊNCIA – Sêneca A CONJURAÇÃO DE CATILINA / A GUERRA DE JUGURTA – Salústio
  2. ESCRITOS POLÍTICOS DE SANTO TOMÁS DE AQUINO – Santo Tomás de Aquino
  3. SOBRE O PODER ECLESIÁSTICO – Egídio Romano
  4. SOBRE O PODER RÉGIO E PAPAL – João Quidort
  5. BREVILÓQUIO SOBRE O PRINCIPADO TIRÂNICO – Guilherme de Ockham
  6. DEFENSOR MENOR – Marsílio e Pádua TRATADO SOBRE O REGIME E O GOVERNO DA CIDADE DE FLORENÇA – Savonarola
  7. DE CIVE – Thomas Hobbe
  8. SEGUNDO TRATADO SOBRE GOVERNO CIVIL – John Locke
  9. DISCURSO SOBRE ECONOMIA POLÍTICA E O CONTRATO SOCIAL J.J. Rousseau
  10. OS DIREITOS DO HOMEM – Thomas Paine
  11. ESCRITOS POLÍTICOS – San Martín
  12. SOBRE A LIBERDADE – Stuart Mill
  13. REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA – Georges Sorel
  14. MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA – K. Marx e F. Engels
  15. O ABOLICIONISMO – Joaquim Nabuco
  16. A REVOLUÇÃO RUSSA – Rosa Luxemburgo
  17. PARLAMENTO E GOVERNO NA ALEMANHA REORDENADA – Max Weber
  18. O CONCEITO DO POLÍTICO – Carl Schimitt
  19. O SOCIALISMO HUMANISTA – “Che” Guevara Próximos Lançamentos
  20. O PRÍNCIPE – Maquiavel
  21. A TEORIA DO DIREITO / PAZ PERPÉTUA – Immanuel Kant
  22. SOBRE A CAPACIDADE POLÍTICA DAS CLASSES TRABALHADORAS –– P.J. Proudhon
  23. FACUNDO – Sarmiento
  24. SOBRE O ESTADO/ O ESTADO E A REVOLUÇÃO – Lênin
  25. O CONCEITO DA REVOLUÇÃO PASSIVA – A. Gramsci

Tomás, de Aquino, Santo, 1225?-1274. Escritos políticos de Santo Tomás de Aquino / Tomás de Aquino ; tradução de Francisco Benjamin de Souza Neto – Petrópolis, RJ : Vozes, 1995. – (Clássicos do pensamento político) ISBN 85.326.1523-

  1. Política 2. Tomás, de Aquino, Santo, 1225?-1274 I. Título. II. Série.

95-3861 CDD-189. Índices para catálogo sistemático:

  1. Tomismo : Filosofia medieval 189.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

© 1995, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ Brasil

CONSELHO EDITORIAL Presidente Neylor José Tonin

Membros do Conselho Octavio Ianni Maurício Tragtemberg José Cavalcanti Souza Maria Lígia Prado Luís De Boni Maria Helena Capellato Marco Aurélio Nogueira

Secretário José Cardonha

FICHA TÉCNICA DA VOZES

COORDENAÇÃO EDITORIAL: Avelino Grassi

EDITOR: Antonio De Paulo

COORDENAÇÃO INDUSTRIAL: José Luiz Castro

EDITOR DE ARTE: Omar Santos

EDITORAÇÃO: Editoração e organização literária: André Heideman Revisão gráfica: Revitec S/C Revisão final: Francisco Benjamin de Souza Neto Diagramação: Rosangela Lourenço Supervisão gráfica: Valderes Rodrigues

ISBN 85.326.1523-

Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. em abril de 1997.

SUMÁRIO

Introdução, 7

Questões sobre a lei na Suma de Teologia, 33

Do reino ou do governo dos príncipes ao Rei de Chipre, 123

INTRODUÇÃO

O exame e a exposição do pensamento político de Santo Tomás de Aquino, mais ainda do que ocorre quando tal pen- samento versa sobre temas como o ente e o ser, a alma, a natureza e o cosmos, as questões de Lógica e de Filosofia do saber e da ciência, requer do leitor a cautela consistente em este não procurar encontrar no texto examinado o que o mesmo não pretendeu oferecer-lhe. Igualmente, não cabe atribuir a suas teses aquele valor definitivo e universal que se presume ser alcançado no interior da “Philosophia perennis”^1 , o que equivale a dizer que não se lhe deve atribuir qualquer imediata aplicação ao tempo presente. Esta observação pream- bular é tanto mais necessária quanto por toda parte renasce e se fortalece um culto da sabedoria dos antigos, entre os quais, mais do que outrora, é cabível incluir os medievais, culto este nem sempre criterioso, porque nem sempre instruído por uma verdadeira ciência da sabedoria cuja “latria” se proclama.

Feitas as observações acima, passemos a uma breve intro- dução ao pensamento político de nosso autor. Principiemos por dizer que, em sua obra, podem ser encontrados conceitos e juízos concernentes à esfera das relações políticas, como certamente ocorre, salvo acidente, com todo autor para o qual

1. Jamais a Idade Média se valeu deste conceito.

a existência presente do homem não é despojada de qualquer razão ou significado. Resta precisar onde e sob que formas deparamos com um pensamento político em Tomás de Aquino. A primeira observação a se fazer é que, em sua obra, não encontramos nenhum tratado sistemático de Filosofia Política. O Opúsculo “De Regno”, que por vezes é julgado tal, além de não considerar todas as formas ou regimes de governo, mas apenas a monarquia ou reino, não foi concluído. Incompleta também é a exposição sobre a Política de Aristóteles, ainda que esta possa em parte completar-se mediante recurso à exposição sobre a Ética. Além disso, por mais completa que se possa considerar a adesão de Tomás de Aquino à Filosofia de Aristóteles, cabe sempre reconhecer nestes últimos escritos seu caráter de leitura, “lectio”. Há, enfim, a Suma de Teologia: nesta, na primeira parte da segunda parte, as questões 90 a 97, ditas questões sobre a lei, abordam temas de política de forma concisa mas precisa quanto aos princípios. São elas enrique- cidas pela resposta ao artigo primeiro da questão 105 desta mesma divisão da Suma. Como se pode observar, as fontes de que dispomos são obra do leitor, expositor e comentarista, ou do teólogo. Isto não obsta que a filosofia encontre aí um lugar, mas impõe ao leitor moderno certa cautela em identificar as articulações de um discurso filosófico. O que aqui se procura mostrar é que, a despeito desta dificuldade, a “questão” polí- tica é resolvida por Tomás de Aquino em escala filosófica, cabendo à teologia situá-la no horizonte que lhe é próprio e pronunciar-se sobre problemas que possa originar. Também isto deverá ser aqui abordado.

Uma leitura atenta dos escritos aqui brevemente aprecia- dos sugeriu, primeiro, e, depois, recomendou a opção de reproduzir nesta introdução o movimento de conjunto das referidas questões da Suma de Teologia. A justificativa desta opção há de se produzir no curso do presente texto. Antecipe- mos apenas, aqui, que ela parte do fato de, na Suma, Tomás de Aquino ser certamente o responsável por tudo o que é dito em cada “resposta” e de ser aí que, de forma mais abrangente e mais sistematicamente articulada, são estudados a política e o político. A primeira observação a que dá ensejo a leitura da questão XC da referida parte da Suma de Teologia é que o

Por enquanto, urge assinalar que a necessiade de dar a conhe- cer a lei àqueles que ela há de regular faz com que a promul- gação seja declarada algo que pertence à “razão” de lei. É o que faz o artigo quarto, que conclui ser esta certa ordenação da razão para o bem comum promulgada por aquele a quem incumbe a gestão da comunidade. Não é nenhum excesso dizer que, nesta questão, são enunciados os princípios gerais do pensamento político de Tomás de Aquino.

Uma vez enunciados estes princípios, a passagem à divi- são da lei, nas formas que concretamente assume, segue-se imediatamente. A natureza da obra exige, de um lado, que se leve em conta a ordem da graça, isto é, da elevação à Vida Divina; mas, de outro, autoriza que o discurso se limite ao máxime universal. Assim, o artigo primeiro, pressuposta a providência, divisa na própria razão divina, isto é, naquilo que em Deus analogicamente corresponde à razão, a lei eterna de que todas as restantes formas de lei participam. Tal lei é dita eterna, o que permitirá, adiante, chamar divina a lei que há de regular as relações entre Deus e o homem em vista de aquele se haver revelado a este e o haver chamado a participar de sua vida. Todavia, antes de falar desta lei, fundamenta Tomás de Aquino a necessidade e expõe a especificidade da lei natural. Ele o faz no artigo segundo e, mais uma vez, vale-se da doutrina platônica da participação, da qual jamais abriu mão. Todo ente participa de algum modo da lei eterna, em razão de sua natureza, sendo cada ente dotado, neste sentido, de uma lei natural, que é para ele regra e medida e que, como certa impressão da lei eterna, faz com que ele se incline para seus próprios atos e fins. Esta participação ocorre de forma especi- ficamente diferenciada e, no homem, criatura racional, se eleva a uma verdadeira participação na providência, na medi- da em que cabe à razão ser providente para o homem e os demais entes. Esta participação é o que se chama em sentido pleno “lex naturalis” e vale-se de uma luz própria à razão que a leva ao discernimento natural do bem.

A consideração da lei humana segue-se naturalmente à da lei natural. A sua razão de ser é fundamentada no artigo terceiro. Ditame da razão prática, a lei humana decorre de o procedimento desta guardar certo paralelismo com o da razão

especulativa: assim como esta desce de certos princípios in- demonstráveis, para produzir as conclusões das diversas ciên- cias, assim também ocorre com a razão prática. Com efeito, assumindo como princípios os preceitos da lei natural, destes faz derivar disposições mais particulares, as quais, em seu conjunto, são chamadas de lei humana, respeitadas todas as condições inerentes à razão de lei. Na questão XCV o tema será tratado em pormenor, mas já na resposta à terceira sen- tença esclarece o autor que, por versar sobre obras a realizar, as quais pertencem sempre à esfera do singular e do contin- gente, a razão prática não procede com o rigor e a infalibili- dade da razão especulativa na constituição das ciências demonstrativas. Os restantes artigos da presente questão não têm influxo direto na formulação do pensamento político de Tomás de Aquino, sendo, porém, de decisiva importância para a reconstituição de sua teologia da história: o artigo quarto fundamenta a necessidade de uma lei divina na vocação hu- mana à beatitude ou bem-aventurança, isto é, ao bem consis- tente na comunhão com Deus, enquanto o artigo quinto distingue a lei antiga da nova, como o imperfeito do perfeito, já que a primeira ordena para o bem comum terreno e sensível e a segunda para o inteligível e celeste. O artigo sexto trata de uma questão particular, a lei da concupiscência. Todavia, vale a pena mencionar tais distinções e precisões em vista da interpretação de conjunto do pensamento tomista.

A questão XCII estuda os efeitos da lei. O que nela se estabelece, precisamente em razão de sua universalidade, é decisivo para a compreensão das relações entre governantes e cidadãos, relações que vão ser posteriormente estabelecidas. Eis por que o seu conteúdo merece atenção. O primeiro artigo da questão responde afirmativamente à pergunta: é efeito da lei fazer os homens bons? Todavia, a resposta é matizada: toda lei visa tornar bom o homem, tornando-o obediente àquele que governa nos termos por ela prescritos. Se ela visar o bem comum, na medida em que for observada, torna ela bom aquele que se lhe sujeita pura e simplesmente; se não, torna-o bom apenas na medida em que lhe incute certa ordem. Lida no horizonte da questão anterior, a tese aí defendida é ainda mais relativizada: a perfeição suscitada por uma lei depende,

equívoco sobre o exato conceito de lei da natureza no doutor de Aquino. No artigo segundo responde-se à questão “contém a lei natural múltiplos ou um só preceito?” nos termos seguin- tes: retoma-se o paralelo entre a razão especulativa e a prática: assim como aquela parte do ente como o que primeiro se concebe, formula o princípio de não contradição a partir da oposição ente x não-ente, e deste deriva os demais princípios; assim também a razão prática parte do bem, que é o que ela primeiro concebe, nele funda o seu primeiro princípio, consi- derada a oposição bem- mal, “o bem deve ser posto em prática e procurado, o mal evitado”, e deste deriva os demais princí- pios ou leis. Esta derivação se perfaz segundo a tríplice inclinação do homem: a que tem em comum com todas as substâncias, a que tem em comum com os animais e a que tem como própria à natureza da razão, como o conhecimento de Deus e a vida em sociedade: desta inclinação derivam precei- tos como evitar a ignorância, não ofender aqueles com os quais deve conviver e outros tais. O artigo terceiro contempla tam- bém uma questão de ordem geral: estabelece que a lei natural prescreve os atos de todas as virtudes, enquanto virtuosos, pois pertence a tal lei tudo aquilo a que o homem se inclina segundo a sua natureza. Todavia, considerados em si mesmos, isto é, em suas espécies próprias, nem todos os atos das virtudes são da lei da natureza, no sentido de esta inclinar para eles de imediato, “primo”, pois são descobertos por pesquisa da razão. Note-se: trata-se de princípios a não ser olvidados na conside- ração das questões propriamente políticas.

O artigo IV da presente questão estabelece o que, na lei da natureza, é absolutamente idêntico para todos e o que não é. A sua aplicação à política, bem como a todas as formas da ordem jurídica, é manifesta. Expor a resposta dada por com- pleto equivaleria a transcrevê-la. É preferível remeter o leitor à mesma, assinalando o que nela deve ser objeto de especial atenção. De início, parte-se do paralelismo entre a razão especulativa e a prática, tal já fora exposto, para, em seguida, assinalar-se a diferença entre o discurso de uma e de outra. Versando sempre sobre o necessário, a primeira, partindo de premissas fundadas em princípios ou nestes consistentes, pode chegar sem falha às mais extremas conclusões. Pressupõe-se,

é claro, que se trabalhe segundo todo rigor da lógica. Não ocorre o mesmo com a razão prática. Trabalhando com o contingente, é ela sempre a mesma para todos quanto aos primeiros princípios comuns, seja quanto ao conhecimento destes, seja quanto à retidão da ação prescrita. Já no que concerne às conclusões, tal identidade vale as mais das vezes, mas pode falhar em uns poucos casos, quanto à retidão, por força de impedimentos particulares, mas mesmo quanto ao conhecimento, pois a razão de alguns pode haver-se depravado por força da paixão, de um mau costume ou de um mau hábito da natureza. Fiquem exemplos e precisões maiores por conta da leitura direta do texto. Assinale-se, porém, que tal tese sobre a lei natural compreende uma diretriz para o político quanto à sua ação, que deve incluir certa pedagogia quando posta diante de um costume contrário à mesma, mas arraigado e nem sempre susceptível de cirurgia, ao menos imediata.

Outro tema de importância decisiva é estudado pelo artigo V: a mutabilidade da lei natural. A solução dada à pergunta decorre sem óbice maior dos princípios firmados no artigo anterior. São dois os modos consoante os quais pode a lei natural mudar: o acréscimo e a subtração. O primeiro modo é sempre admissível, desde que se vise à utilidade da vida humana. Já o segundo é inaplicável aos primeiros princípios; no que concerne, porém, às conclusões próprias próximas destes, estas permanecem válidas quanto à maioria dos casos, comportando mutação em uns poucos, em razão de causas particulares que impedem a sua observância, como já se estabelecera no artigo precedente. Trata-se, pois, de uma ex- ceção na aplicação da lei e não da alteração ou abolição desta. Eis o essencial da resposta dada neste artigo. Todavia, é oportuno chamar, aqui, a atenção para um exemplo dado na resposta ao terceiro argumento contrário à tese do autor, seja como ilustração de seu pensamento, seja em razão do grande interesse desta para esclarecer o que, para ele, é e não é estabelecido na lei natural. Trata-se de uma citação de Isidoro de Sevilha, segundo a qual a posse comum a todos e a igual liberdade (de todos os homens) são de direito natural. Ora, como tais preceitos foram mudados, entende o argumento que se pode concluir pela mutabilidade da lei natural. Tomás de

experimenta inclinação mais ou menos acentuada para tais deleites. Entre estes, a disposição natural, o costume ou, mais ainda, o dom divino tornam tais aqueles que qualificam, que o acesso à referida perfeição faz-se suficientemente mediante a disciplina paterna. Outros, porém, são de tal modo inclinados ao vício que não se deixam facilmente mover por palavras, têm necessidade da força (“vis”) e do medo para serem coibi- dos quanto à inclinação para o mal. Tal disciplina, que coage pelo medo da pena, é a da lei. As respostas aos argumentos que sustentam a sentença em contrário completam o corpo do artigo. A primeira esclarece que o conselho só é suficiente e supre pela necessidade da lei quanto aos homens bem dispos- tos; os demais necessitam da coação desta. A segunda examina a oposição entre a justiça animada, inerente ao juiz, e a lei. A primeira razão a militar em favor desta é a seguinte: é mais fácil encontrar uns poucos virtuosos para as promulgar, do que muitos para arbitrar com fundamento na justiça que lhes é inerente. A segunda razão é que o legislador tem por base a consideração de um longo tempo durante o qual coube fazer justiça, enquanto o juiz que prescinde da lei fica ao sabor dos feitos e dos casos. Em terceiro lugar argúi-se que o legislador julga de modo universal e quanto ao futuro, enquanto o juiz, que aqui se lhe opõe, julga sobre o presente e está sujeito aos afetos do amor, do ódio ou de alguma cupidez. Disto tudo conclui-se ser necessário predeterminar a nível da lei o que deve ser julgado e deixar o mínimo ao arbítrio do homem. A terceira resposta concede que o que não pode ser compreen- dido pela lei é necessário confiar aos juízes.

A doutrina exposta no artigo primeiro completa-se com a que, no artigo segundo, expõe que e como a lei humana deriva da lei natural. O argumento básico em favor desta derivação perfaz-se logo à abertura da resposta: uma lei só o é verdadei- ramente se for justa, como ensina Agostinho; ora, no âmbito do humano algo só se diz justo quando é reto segundo a regra da razão e, como se estabeleceu acima, a primeira regra da razão é a lei da natureza. Donde, toda lei humana só realiza a razão de lei na medida em que deriva da lei da natureza. Até esta altura, depara-se com a argumentação que se poderia esperar. No que se segue, porém, é formulada uma distinção

que, no pensamento tomista, será decisiva em matéria política. Há dois modos de derivação da lei natural: o primeiro é o da conclusão que se segue ao princípio; o segundo é o da deter- minação do que é comum. Importa compreender com clareza a precisão do autor. O primeiro é semelhante à demonstração, tal esta se processa nas ciências; o segundo é semelhante ao modo segundo o qual, nas artes, as formas comuns são deter- minadas, de maneira a se produzir certa obra singular, por exemplo, esta ou aquela figura de uma casa. Assim, “não matarás” é um preceito que deriva dos princípios da lei natural como uma conclusão, pois esta prescreve que não se pode fazer mal algum a quem quer que seja; já a pena que se há de aplicar a alguém é uma determinação do princípio natural “quem peca deve ser punido”, que a lei natural deixara inde- terminado. O vigor da primeira forma de derivação procede também da lei natural, o da segunda apenas da lei humana. É patente o alcance da distinção, seja quanto à relatividade, seja quanto à mutabilidade das leis. A resposta ao terceiro argu- mento em contrário esclarece ainda que os princípios da lei natural não poderiam aplicar-se de forma homogênea a todos, em razão da múltipla variedade das coisas humanas.

Os dois últimos artigos da presente questão defendem a tradição de Isidoro no que concerne à lei. O artigo terceiro reduz a três todas as condições da lei positiva: seja ela propor- cionada à lei divina, ao ser concorde com a religião; seja conveniente à disciplina enquanto proporcionada à lei da natureza, seja salutar, enquanto proporcionada à utilidade humana. Deixemos a fundamentação tomista desta defesa à leitura do artigo. A defesa do doutor de Sevilha tem seqüência no último artigo desta questão. Trata-se de saber se a divisão isidoriana do direito é adequada, no que concerne à classifi- cação do direito das gentes como positivo, pois o seu caráter comum parece incluí-lo com mais propriedade no direito natural, como o assevera o primeiro argumento a favor da sentença em contrário. A resposta parte do princípio segundo o qual algo pode ser dividido com fundamento naquilo que contém. Assim, à razão da lei humana pertence primeiro derivar da lei natural e é com fundamento nesta que o direito positivo se divide em direito das gentes e direito civil, pois o

eleva este mesmo tratado ao discorrer sobre a lei humana. Na seqüência de um discurso rigoroso e na rigorosa conseqüência deste, procede-se a uma tomada de posição. Ora, há uma outra passagem desta mesma parte da Suma em que a abordagem destes regimes é mais completa quanto a algumas precisões. Trata-se da questão CV, artigo primeiro. O horizonte próprio à discussão é o da lei antiga, entendida precisamente como a da antiga aliança (Q. XVIII-CV); o contexto imediato é o dos preceitos judiciais, definidos na questão anterior, artigo pri- meiro, como os que regulam as relações recíprocas dos ho- mens, por oposição às relações destes para com Deus, regradas pelos preceitos cerimoniais e estudadas nas questões anterio- res. Trata-se, portanto, de uma acepção ampla do termo judi- cial, não, porém, de um uso impreciso, mas próprio a um tempo em que o múnus judicial era em si atributo do magis- trado supremo de uma comunidade política, rei ou outro. A resposta, dada a uma crítica ao regime político dos judeus sob a antiga aliança, principia por formular dois princípios. O primeiro é que a paz, o amor e a custódia da ordem instituída exigem que todos tenham alguma parte no principado. O segundo varia segundo as diversas espécies dos regimes. Retomando a classificação de Aristóteles na Política, exami- na-se o que é próprio às espécies principais, sendo a virtude o título e critério de escolha pressupostos em todas. Se o prin- cipado cabe a um só, tem-se o reino; se a alguns, sempre os melhores, a aristocracia. A resposta é, a esta altura, direcionada para o que é de mais valia à mesma. Expõe-se que ordem é de todas a melhor, sem menção, feita à parte, da democracia e das demais formas. É o melhor regime aquele em que um é preposto segundo a virtude e preside a todos, mas há sob ele alguns que exercem o principado segundo a virtude; tal prin- cipado, porém, pertence a todos, seja porque são estes eleitos de entre todos, seja porque ainda o são por todos. Em tal politia salva-se o bem da unidade, assegurado pela presidência de um único, mas também da aristocracia, pois o principado é com- partilhado por muitos, bem como o da democracia, pois res- peita-se o poder do povo, na medida em que de entre os populares podem ser eleitos os príncipes e ao povo pertence a eleição do príncipe. Assinale-se que, no restante da resposta,

Tomás de Aquino vê este seu aristotelismo efetivado no regi- me da antiga lei.

Esta é a solução tomista da questão política em sua essên- cia. Todavia, há ainda neste artigo algumas precisões que não são de desprezar, notadamente no que concerne ao reino. Assim, na resposta ao segundo argumento precisa-se que o reino é ótimo regime desde que não se corrompa, mas o acúmulo de poder que confere ao rei exige, como contraparti- da, a perfeita virtude deste, o que é muito difícil. Caso contrá- rio, dá-se ensejo à tirania. É por esta razão que se justifica a relutância de Deus em instituir a realeza entre os judeus e sua indignação ao fazê-lo (1Reis 8,7), bem como as cautelas que adotou então: primeiro, que esperassem o juízo de Deus sobre a escolha deste; segundo, que se limitassem os bens dos reis em carros, mulheres e riquezas, estabelecendo ainda que sem- pre lessem e meditassem a sua Lei e não fossem soberbos em relação aos súditos ou declinassem da justiça. Na resposta ao quarto argumento em contrário, o caráter hereditário do sacer- dócio é justificado em razão da reverência devida ao culto divino, providenciando-se também que, mediante parte dos dízimos, primícias e oblações, tirassem sua subsistência. Já os príncipes eram tomados de todo povo e possuíam posses próprias para prover à sua subsistência. Outra medida assina- lada para que se evitasse a degenerescência em tirania era a já citada limitação das riquezas, associada às muitas solicitudes do principado, o que o tornaria menos desejável e reduziria o risco da sedição. Enfim, a resposta ao primeiro argumento da sentença em contrário esclarece que a eleição do rei por Deus não foi confiada ao povo, mas à especial cura divina, em vista da vocação especial deste povo, o que implica ser a eleição pelo povo a forma ordinária de investidura no principado.

As duas últimas questões do “tratado da lei” rematam o mesmo e não são sem interesse para a política. Assim, a questão XCVI, em seu artigo primeiro, insiste no caráter comum da lei, a partir do fim por esta intencionado, o bem comum, mas esclarece que este compreende muitos bens, o que leva a lei a considerar a variedade de interesses e situações humanas, assumindo formas que vão desde as mais gerais até os privilégios. O artigo segundo precisa que a lei humana coíbe