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EROTILDES ANDRÉ SANT’HELENA
SOCIEDADES NÃO PERSONIFICADAS:
SOCIEDADE EM COMUM E SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel.
Orientador: Prof. Luiz Gustavo Lovato, Msc.
Florianópolis
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina,
a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
Florianópolis, 25 de novembro de 2009.
Erotildes André Sant’Helena
Graduanda
A Deus, alento constante. Aos meus filhos,
Fúlvio e Ivanir e aos meus netos, Lucas,
Thiago, Amanda e Alana: refúgios da minha
alma. Ao meu genro Irinésio e minha nora
Edna, complementos dos meus mais caros
laços.
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Luiz Gustavo Lovato, pelo esmero com que prestou as orientações
necessárias, proporcionando-me segurança e ânimo para a realização desta pesquisa.
Aos professores do curso de direito da Unisul-NI, pela atenção e dedicação que
me foram dispensadas durante esta importante trajetória, prestando-me subsídios
valiosíssimos para esta pesquisa, pela qual pude constatar a importância do tema e sua
projeção social.
Aos funcionários da biblioteca da Unisul-NI, que pacientemente me atenderam e
forneceram excelentes obras que facilitaram o meu trabalho.
RESUMO
A presente pesquisa busca abordar os diversos aspectos que envolvem as sociedades em
comum e em conta de participação, como entes não personificados. Tem como objetivo
demonstrar o funcionamento destas estruturas societárias que permitem refletir sobre a
aplicação de significados de elementos, como a personalidade jurídica e a capacidade
negocial. Partindo-se da hipótese de que as sociedades somente se registram em prol de uma
conduta regular perante o Estado, é possibilitada a adoção de conceito de sociedade em
comum e sociedade em conta de participação, dada a importância que a mera solicitação de
arquivamento de atos constitutivos possui, a de possibilitar caráter de entes legitimados a
responder por suas práticas. A codificação civil de 2002 recepcionou com singelas alterações
a maioria das disposições contidas no Código Comercial de 1950, iniciando o subtítulo I, do
direito de empresa, com estes tipos societários (arts. 986 a 996) que, em um primeiro
momento parecem tratar-se de entes ilegais, por não disporem de personificação. Tais entes
são formados, funcionam, servem ao desenvolvimento de uma atividade (quase sempre por
curto período), e extinguem-se, sem uma personalidade jurídica própria. Como resultado,
diante da análise do comportamento de tais sociedades, constata-se que existem aspectos
positivos e negativos a serem ponderados, verificando-se, ainda, a importância do instituto da
conta de participação como modalidade de sociedade dotada de especial peculiaridade e que,
embora não seja muito divulgada, presta-se a inúmeras atividades com fins lucrativos.
Palavras–chave: Sociedades não personificadas. Personalidade Jurídica. Fins Lucrativos.
Capacidade Negocial.
ABSTRACT
The present research intends to approach the various aspects which are related to common
societies and societies characterized such as participation account partnership (Brazilian
“sociedade em conta de participação”), as unincorporated beings. Its objective is to demonstrate
the operation of these collective structures that allows one to cogitate about the meaning of its
uses and elements, such as legal entity and negotiating capability. Based on the hypothesis that
companies only register for the purpose of obtaining a legal status in relation to the State, it is
allowed the existence of legal concepts such as common societies and the ones characterized as
participation account partnership, giving the relevance that the mere request filing of its
constitutive documents has, which is to allow legitimacy status towards these societies in order to
make possible its liability. The 2002´s Brazilian Civil Code in spite of some modest variation
took most of the items present in the Brazilian Commercial Code from 1850, initiating its subtitle
I – about Law Firm – with these specific collective species (articles 986 to 996) which, initially,
seem being illegal companies, once both unincorporated. Such companies are formed, operate,
are useful for developing some activity (often in a short term), and end without a specific legal
entity. Because of it, from the analysis of the behavior of such companies, one observes positive
and negative aspects for further consideration as well as the relevance of the participation
account partnership pattern as a kind of company endowed with a special peculiarity that,
although not very widespread, serves for innumerous profitable activities.
Key words: unincorporated companies; legal entity; profit; negotiating capability.
1 INTRODUÇÃO
Como consequência de fenômenos sociais, as relações de comércio evoluem no
contexto histórico - partindo do grupo familiar chegando à esplendorosa empresa mercantil,
passando tal evolução a ser acompanhada de perto pelos sistemas jurídicos que partem da
jurisdição consular advinda com os estatutos das corporações de mercadores, passando pelo
direito comercial moderno com o conceito de empresa, ditado pelo Código Comercial da
Alemanha (1897), culminando com o direito das empresas comerciais - sociedades
empresárias (art. 982 do Código Civil de 2002). A consequência desta evolução é o
surgimento de novos direitos, ou adequações, como ocorreu no Brasil com a incorporação
pelo Código Civil de 2002 da quase totalidade do Código Comercial.
No que concerne às sociedades não personificadas, também chamadas de
irregulares ou de fato, ou ainda, de sociedades menores, que são o objeto do presente trabalho,
o Código Civil de 2002 não trouxe alterações significativas, mantendo o legislador pátrio os
requisitos necessários à personalização das pessoas jurídicas e ao mesmo tempo
contemplando aquelas que, por motivos diversos não se constituem mediante registro de
contrato social.
O objetivo da presente pesquisa é trazer a lume um instituto pouco divulgado e
praticado no âmbito empresarial, visando apresentar alguns aspectos de ordem legal e também
de ordem prática, qual seja, demonstrar o funcionamento das sociedades destituídas de
personalidade jurídica. Quando determinada matéria é tratada dentro de uma codificação civil,
significa que a importância desta alcança patamares sociais muito abrangentes, portanto, se
faz necessária sua análise, sua interpretação e sua correta aplicação.
Especificamente, a intenção é buscar e explanar o conhecimento de como se
comportam as sociedades em comum e as sociedades em conta de participação,
principalmente no que diz respeito à:
a) ausência de personalidade jurídica
b) administração, responsabilidade dos sócios e riscos
c) se atingem o fim almejado: o lucro
Trata-se de dois tipos societários que fogem às regras impostas às sociedades em
geral e, ao mesmo tempo, devidamente inseridas no nosso sistema normativo, com fins
lucrativos, direitos e obrigações. Estas sociedades não são muito divulgadas. Resta-nos então,
por meio da pesquisa, conhecer a fundo o seu funcionamento, para daí com a maior clareza
possível, informar aos futuros empreendedores sobre a possibilidade de constituição de um
empreendimento (geralmente sem ânimo definitivo) legal, e, ao mesmo tempo abster-se da
enorme carga burocrática que envolve a formação, o registro e o encerramento de uma
sociedade.
Tem-se assim a presunção de familiarizar pretensos investidores com as
peculiaridades que envolvem estas sociedades, o que poderá ser de grande valia, ao decidirem
se embrenhar no mundo empresarial/societário, podendo assim optarem com mais segurança
ao investirem seus recursos, preocupação constante no atual momento econômico.
Como método de abordagem nesta pesquisa optou-se pelo dedutivo, assim
compreendido pela proposição de uma formulação geral, qual seja, modalidades societárias
inseridas na legislação civil, e a partir desta constatação, delinear o funcionamento daquelas
em questão - sociedade em comum e sociedade em conta de participação. Para tanto, usa-se
como técnica de pesquisa, a documentação indireta, consubstanciada na Lei 10.406/2002 e
alguns julgados sobre o assunto, sendo estas fontes primárias. Como fontes secundárias, a
presente pesquisa baseia-se em livros e artigos sobre o tema, buscando-se sempre dar ênfase
aos dois tipos societários delineados, principalmente a sociedade em conta de participação,
por meio de exemplos práticos extraídos de revistas jurídicas e sites.
A estrutura da presente pesquisa está dividida em cinco capítulos, destinando-se o
primeiro e o quinto, respectivamente a esta breve introdução e à conclusão.
No segundo capítulo, se aborda as entidades comerciais, hoje chamadas de
sociedades empresárias, de uma forma geral, localizando-as na história da sociedade e do
direito, desde a primitiva sociedade familiar, até os dias atuais, identificando-as como um
complexo de direitos e obrigações gerados a partir da necessidade econômica e do lucro. Faz-
se também um apanhado das modalidades societárias existentes e da personalidade jurídica do
instituto societário/empresarial no ordenamento jurídico.
No terceiro capítulo, a preocupação encontra-se voltada para a sociedade em
comum, sua definição como ente desprovido de personalidade, prova da sua existência,
responsabilidades dos sócios e suas relações com terceiros. O derrogado código comercial
expunha critérios específicos para identificação de tal ente, os quais não foram reproduzidos
pelo Código Civil de 2002. Buscou-se então, na doutrina, uma pormenorização do artigo 987
daquele ordenamento, na presunção de melhor se caracterizar o aludido tipo societário.
O quarto capítulo, se dedicou ao estudo da sociedade em conta de participação.
Dá-se maior ênfase a este tipo societário, haja vista sua relevância em relação aos demais
entes destituídos de personificação, buscando-se apresentar exemplos práticos de sua
utilização. Com a divisão do capítulo pretende-se uma análise pormenorizada a partir da
2 SOCIEDADES
2.1 CONCEITO
Alfredo de Assis Gonçalves Neto aponta o art. 1.363 do Código Civil de 1916
como “o primeiro documento legislativo brasileiro a formular o conceito de sociedade:
‘Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus
esforços ou recursos, para lograr fins comuns’ 1 .”
Quanto à origem da comunhão formadora do ente societário, hoje plenamente
inserido no nosso ordenamento jurídico, é oportuno buscar-se na história da humanidade o seu
nascedouro.
Partindo-se do princípio de que os homens são seres de natureza sociável, revela-
se a família a forma originária de sociedade. A partir da família, premidos pela necessidade de
alimentação, defesa e abrigo, passam os homens a ver na organização de pequenos grupos
maiores possibilidades de êxito na satisfação de suas necessidades. Neste ponto, iniciam-se as
permutas de objetos (escambo), que originaria o comércio, culminando com o surgimento da
moeda cerca de 700 a.C. Assim, a economia de troca evolui para economia de mercado (visão
de lucro). Surgem as associações de classe e as corporações de mercadores, que por meio da
jurisdição consular inicia a formação do direito comercial
2
As atividades mercantis em nome próprio, ou seja, aquelas exercidas por
empresários individuais, premidas pela necessidade de conjunção de diversos elementos,
apesar de nos dias atuais ainda fazerem parte do universo empresarial, foram, ao longo dos
anos, cedendo espaço a diversos tipos societários, como delineia Amador Paes de Almeida:
O exercício do comércio, porém, exigia, como exige nos dias atuais, uma enorme soma de valores e recursos - são os instrumentos de trabalho, a saber: mercadorias, meios de transporte (do camelo ao navio), o estabelecimento comercial (com seus bens corpóreos e incorpóreos) etc. Acrescente-se a tais elementos a concorrência de mercadores ou comerciantes mais abastados, para facilmente se verificar das vantagens da cooperação, da combinação de meios e esforços, como forma de se conseguir maior êxito, surgindo, assim, a sociedade comercial, de início despida de qualquer complicação ou meandros jurídicos, o que nos leva a concluir pela precedência histórica da sociedade em nome coletivo sobre a sociedade em comandita simples.^3
(^1) NETO, Alfredo de Assis Gonçalves. Direito de empresa. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p. 113. (^2) ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios. Sociedades comerciais. 9. ed. rev. atual. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1 ‐3. (^3) Ibidem. p. 4 ‐5.
Deste modo, o instituto da sociedade nos remete à idéia de organização de
indivíduos na busca de determinado fim de interesse coletivo, conforme definição de De
Plácido e Silva:
SOCIEDADE. Do latim societas (associação, reunião, comunidade de interesses), gramaticalmente e em sentido amplo, sociedade significa reunião, agrupamento, ou agremiação de pessoas, na intenção de realizar um fim, ou de cumprir um objetivo de interesse comum, para o qual todos devem cooperar, ou trabalhar. [...] juridicamente, e em sentido estrito, convém acentuar, sociedade e associação têm finalidades distintas que bem as identifica. Em regra, a sociedade traz fins de ordem econômica, visando particularmente aos interesses dos sócios. [...] como expressão jurídica, sociedade tem um conceito próprio: revela-se na organização constituída por duas ou mais pessoas, por meio de um contrato, ou convenção, tendo o objetivo de realizar certas e determinadas atividades, conduzidas ou apreendidas em
benefício e em interesse comum^4.
Dessemelhante dos pactos bilaterais comuns, os ditos contratos ou as convenções
formadoras dos entes societários, perseguem um objetivo único, qual seja, pela contribuição
organizada dos participantes, obterem resultado econômico e compartilhá-lo.
A existência da sociedade jurídica delineada por De Plácido e Silva requer, além
da capacidade jurídica de seus componentes, ou seja, do pleno gozo da capacidade civil
(art.972, CC), a vontade de associar-se, que consiste na livre intenção de criar um ente para
fins econômicos determinados. O objeto social há que ser lícito, não se reconhecendo, por
exemplo, uma sociedade para distribuição de entorpecentes. A sociedade se perfaz, ainda,
com a contribuição de cada sócio com alguma coisa, que pode ser bens, dinheiro ou trabalho
para a formação do seu capital e a participação de todos nos resultados, de forma
proporcional
5
No mesmo sentido, o Código Civil de 2002 ao tratar das sociedades dentro do
capítulo reservado ao direito de empresa, conceitua a sociedade, no artigo 981 que se
transcreve:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.^6
Entende-se, assim, que a sociedade empresarial compreende um instituto de
natureza econômica, juridicamente organizada, voltada à prática voluntária de atos negociais.
(^4) SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p.1311. (^5) SILVA, loc. cit. (^6) BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. In: Vade Mecum Saraiva. 8. ed. atual. e ampl.
São Paulo: Saraiva, 2009. p.215.
empresárias, as que exercem atividade própria de empresário, qual seja, atividade econômica
organizada destinada à produção ou circulação de bens ou serviços. Esta distinção encontra-se
bem delineada na lição de Alfredo de Assis Gonçalves Neto:
Sociedade empresária, segundo a norma do art.982, é, portanto, aquela que tem por objeto toda e qualquer atividade econômica que não se insere nas excluídas do conceito de empresário (arts. 966, parágrafo único, e 971); é - insistindo - toda sociedade que tiver por objeto o exercício de atividade organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, que não envolva profissão intelectual ou exploração rural.^8
Para as sociedades empresárias, exige-se a inscrição no Registro Público de
Empresas Mercantis, conforme estipula o artigo 982 c/c artigo 967, do Código Civil de 2002.
As sociedades simples, por sua vez, registram-se no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. O
que distingue as sociedades empresárias das simples, portanto, é o objeto da exploração a que
se destina, porém a sociedade por ações sempre será empresária, e a cooperativa sempre será
simples, não importando os seus objetos.
2.3 PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES
A personalidade jurídica é uma criação do direito, podendo ser definida como a
atribuição de direitos e deveres a um instituto ou associação de pessoas, reunidas com o
intuito de realizar determinado fim. Esta união é reconhecida pela ordem jurídica como
sujeito de direitos, ou seja, como uma pessoa jurídica^9.
Silvio de Salvo Venosa diz que esta associação é revelada pela necessidade que o
homem tem de conjugar seus esforços, e tem tanta importância quanto viver em sociedade,
assim delineando o autor sobre o surgimento da pessoa jurídica:
[...] assim como se criam institutos jurídicos em prol do indivíduo, tais como a propriedade, os direitos obrigacionais, criam-se pessoas jurídicas como forma de se atribuir maior força ao ser humano, para realizar determinadas tarefas as quais sozinho ou em grupo amorfo de indivíduos seriam inconvenientes ou impraticáveis^10
A pessoa jurídica não é, portanto, um ser humano uno, individual, assim
reconhecido pelo ordenamento como uma pessoa natural, mas sim, uma reunião de pessoas e
(^8) NETO, Alfredo de Assis Gonçalves. Direito de empresa. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008. p. 123. (^9) CUNHA, Gonçalves. Apud: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil : parte geral. 33. ed. São
Paulo: Saraiva, 1995. p. 96. (^10) VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. V. 1: parte geral. p. 242.
bens, ou apenas bens, reconhecida sua personalidade independentemente da de seus
componentes.
São entidades que, formadas por pessoas e bens, e com intuito de desempenhar
determinadas finalidades, estão sujeitas a direitos e deveres^11.
São pessoas jurídicas as sociedades comerciais, civis, as associações, as
fundações, entre outras.
Na interpretação de Maria Helena Diniz, porém, “existem entidades que não
podem ser submetidas ao regime legal das pessoas jurídicas do Código Civil, por lhes
faltarem requisitos imprescindíveis à subjetivação, embora possam agir ativa e
passivamente”
12
. Esta subjetivação nada mais é do que a manifestação de vontade dos
indivíduos em associar-se para instituir uma ficção jurídica, que atuando com personalidade
própria, está sujeita a direitos e deveres previstos no ordenamento jurídico^13.
Não há como atribuir o caráter de pessoa jurídica a determinadas entidades, pois
embora tenham patrimônio e envolvam interesses comuns de pessoas naturais, faltam-lhes
alguns requisitos legais para serem consideradas como tal.
Embora os fundamentos essenciais de existência de uma pessoa jurídica estejam
presentes, quais sejam: a união de interesses de pessoas físicas, associados ou não a um
patrimônio, há situações em que esta agregação não poderá adquirir personalidade jurídica
própria, quer porque sua constituição é temporária, quer porque a lei não previu a existência
deste tipo de pessoa jurídica
14
Estes entes, que não são pessoas físicas, nem jurídicas, agem por outros processos
técnicos previstos em lei, para que possam buscar seus interesses, exercerem direitos, e
também se submeterem às obrigações
15
O critério essencial, assim conhecido como o elemento subjetivo, que determina a
existência de uma pessoa jurídica, é a intenção declarada dos partícipes em se constituir uma
sociedade. Esta vontade em associar-se não está presente em determinados grupos, não
possuindo assim o elemento principal que dá início à existência de uma pessoa jurídica.
Unidos por interesses que independem da vontade de seus participantes, determinados
agrupamentos de pessoas ou patrimônios vinculam-se uns aos outros sem traduzir a affectio
(^11) DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 205. (^12) Ibidem. p. 250. (^13) RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1995.v. 1: parte geral. p.54. (^14) DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 19. ed. v. 1: Teoria geral do código civil. p. 250. (^15) GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 197.
EXECUÇÃO - Nota promissória - Embargos do devedor - Ilegitimidade passiva ad causam - Responsabilidade exclusiva, pelo débito, da firma individual de propriedade do embargante - Resistência rejeitada - Sentença mantida - Apelo desacolhido. Aquele que emite nota promissória em nome próprio, vinculando-se como pessoa física, responsabiliza-se pelo pagamento do título. Falece-lhe razão para, nesse contexto, buscar o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva para a respectiva execução, ao argumento de que a cambial é de responsabilidade, não sua, mas da firma individual da qual é ele proprietário. Mesmo porque, a firma individual, não sendo entidade personificada, não se distingue, para os efeitos legais, da pessoa natural do comerciante, pelo que não se investe ele de uma dupla personalidade: uma civil e outra comercial. Exceto para fins de imposto de renda, existe uma única personalidade: a do comerciante^20.
A postura jurisprudencial, portanto, é da acolhida da sociedade unipessoal
expressa no empresário individual como ente despersonificado, que forma uma unidade com a
pessoa física, com exceção das responsabilidades com o imposto de renda, uma vez que estas
são distintas - pessoa física e pessoa jurídica.
Fora a empresa individual, a qual não chega a ser considerada um ente societário,
as demais pessoas jurídicas não se confundem com os seus integrantes, em decorrência da sua
autonomia, de acordo com a lição de Fábio Ulhoa Coelho:
Em decorrência do princípio da autonomia da pessoa jurídica, é ela (e não os seus integrantes) que participa dos negócios jurídicos de seu interesse e titulariza os direitos e obrigações decorrentes. Também é ela quem demanda e é demandada em razão de tais direitos e obrigações. Finalmente, é apenas o patrimônio da pessoa jurídica (e não o de seus integrantes) que, em princípio, responde por suas obrigações.^21
O princípio da autonomia da pessoa jurídica, no entanto, não se aplica às
sociedades destituídas de personalidade jurídica, como a sociedade em comum e a conta de
participação, justamente por faltar-lhes a personalidade.
2.3.1 Sociedade em comum e sociedade em conta de participação, como entes
despersonalizados
As sociedades não personificadas encabeçam os capítulos do Direito de Empresa,
do Código Civil de 2002, que tratam das sociedades. A sociedade em comum ( arts. 986 a
990) possui instrumento social, porém não arquivado no Registro Público de Empresas
(^20) SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 2002.025599‐ 3. Balneário Camboriú. J. 27.02.2003.
Relator: Trindade dos Santos. Disponível em: HTTP://app.TJSC/jus.br/jurisprudência. Acesso em: 03 nov.2009. (^21) COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: parte geral. A pessoa jurídica. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva,
- v. I. p. 235.
Mercantis e Atividades Afins, enquanto a conta de participação ( arts. 991 a 996) só existe de
fato, isto é, o contrato social inexiste e, se existente só opera efeito entre os sócios.
Ricardo Negrão assim se manifesta quanto à conta de participação:
Por princípio, as sociedades são sempre personificadas porque classificadas, ao lado das associações e das fundações, como pessoas jurídicas de direito privado. Entretanto, o Código Comercial já excetuava essa natureza à sociedade em conta de participação (arts. 325 a 328), no que o seguiu o novo Código Civil (arts. 991 a 996)^22.
Fábio Ulhoa Coelho não faz alusão à sociedade em comum, listando as
sociedades: em nome coletivo (N/C), em comandita simples (C/S) e em conta de participação
(C/P), como sociedades contratuais menores, devido a sua tímida presença na economia
brasileira^23.
O Código Civil 2002, por sua vez, tornou obrigatória a inscrição do empresário no
registro próprio, para que tenha existência legal e personalidade jurídica (arts. 45, 985 e
1150), figurando como exceção da regra a sociedade ainda não registrada ou a que teve seu
número de sócios reduzidos abaixo do mínimo legal, conforme preleciona Vera Helena de
Mello Franco:
Para as sociedades existentes de fato ou cujos contratos não tenham sido arquivados, reservou a expressão sociedade em comum, sancionando a omissão com a ausência de personalidade jurídica e consequente responsabilidade pessoal e solidária (e não subsidiária) de todos os sócios. [...] Entende-se, agora, por sociedade comum tanto aquela na qual, em que pese a existência do contrato escrito, não foi cumprida alguma exigência estabelecida na lei, tal seja o arquivamento; tal a redução do número de sócios abaixo da previsão legal (em regra dois), como aquela na qual falta o instrumento escrito, e é esta a situação prevista na norma em questão^24.
Sob o ponto de vista da caracterização das sociedades empresárias ou simples,
esta consiste na autorização prévia governamental inserida nos artigos 45 e 1.150 do nosso
Código Civil. A mesma legislação, porém, acolhe os entes destituídos de personalidade (art.
986 a 996), o que, num primeiro momento, passa a idéia de acolhimento de entes marginais
ou informais.
A tendência do Direito é ver expurgada da vida prática a informalidade societária,
esquecendo-se, porém, dos preceitos de ordem econômica, ditados pelo Código Civil.
Observe-se a respeito da nova Lei a relevância de elementos mencionados, como a função
social dos contratos e a da propriedade, liames de relações jurídicas com a Economia, em
especial no que diz respeito ao direito empresarial.
(^22) NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1. p. 298. (^23) COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 147. (^24) FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial. As sociedades. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. v. 1. p. 189 ‐190.