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Emaús: A idolatria dos discípulos, a distância salutar e a ..., Resumos de Pedagogia

Palavras-chave: Emaús; ídolo; distância; pedagogia, Igreja. ... discípulos estão dececionados, logo, o diálogo entra numa dinâmica do inexaurível, uma vez.

Tipologia: Resumos

2022

Compartilhado em 07/11/2022

jacare84
jacare84 🇧🇷

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
FACULDADE DE TEOLOGIA
MESTRADO INTEGRADO EM TEOLOGIA (1.º grau canónico)
TIAGO JOÃO MARTINS COSTA
Emaús: A idolatria dos discípulos, a distância
salutar e a pedagogia de Jesus
Leitura sistemático-pastoral de Lucas 24, 13-35
Dissertação Final
sob orientação de:
Professor Doutor João Alberto Sousa Correia
Braga
2021
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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

FACULDADE DE TEOLOGIA MESTRADO INTEGRADO EM TEOLOGIA (1.º grau canónico) TIAGO JOÃO MARTINS COSTA

Emaús: A idolatria dos discípulos, a distância

salutar e a pedagogia de Jesus

Leitura sistemático-pastoral de Lucas 24, 13- 35 Dissertação Final sob orientação de: Professor Doutor João Alberto Sousa Correia Braga

AGRADECIMENTOS

Sinto-me herdeiro imerecido. Tenho recebido infinitamente mais que o merecido. Simplesmente, sinto que não mereço tanto. Retribuir não posso. Sou como pena que dança ao vento: leve, frágil, quase inútil, a decompor-se. Só se a transformar numa pena que escreve. Nesse caso, tudo o que possa fazer é escrever a eterna gratidão. Dizer obrigado é minha obrigação. Aliás, é o máximo que posso fazer, neste momento. Por isso: sou obrigado a escrever obrigado: aos meus pais, Abílio e Fernanda. Por me darem nome, identidade. Sei quem sou porque me ensinaram a saber quem era, mesmo não tendo consciência de quem era. Hoje, sei que sou filho. Ser filho é-me já herança pesada. Obrigado pelo nome, obrigado por ser filho; sou obrigado a escrever obrigado: às minhas irmãs, Daniela e Mariana. Aprendi a ser irmão com elas. Não posso ser irmão sozinho. Felizmente, dependo de vocês para ser irmão. Quero continuar a depender-me das minhas irmãs. Obrigado por me deixarem ser vosso irmão; sou obrigado a escrever obrigado: aos viandantes com quem tenho o privilégio de caminhar. Quando caminho com amigos de caminhada sinto-me amparado, mais seguro porque na queda sinto a mão que me sustenta. A amizade faz-me viver a humanidade no seu estado puro. Obrigado pela amizade; sou obrigado a escrever obrigado: aos seminários. Aos formadores que me acompanharam, que me fizeram compreender o incompreendido. Aprendi com todos eles a maturidade de ser jovem, a liberdade de ser responsável e o tempo para poder crescer, mesmo que, às vezes, excedesse o que me era permitido; sou obrigado a escrever obrigado: à Faculdade de Teologia de Braga. A todos os professores com quem pude aprender a ler novamente, a escrever as primeiras letras e a pensar o não pensado. De um modo particular, ao Professor João Alberto, meu orientador. Mestre que me ensinou a procurar a palavra certa, a ser claro na hora de escrever; sou obrigado a escrever obrigado: a Deus. Pelo dom da vida, pelo dom da interrogação e pelo dom da incompreensão. Finalmente, compreendi que compreendê-lo totalmente é fantasia de infância. Obrigado por nunca te deixares aprisionar por mim. Serei sempre um herdeiro imerecido. A todos muito obrigado!

Índice

3.5. “Entrou, então, para permanecer com eles … reclinou com eles à mesa, tomando o pão,

  • Agradecimentos
  • Resumo
  • Siglas e abreviaturas
  • Introdução
  • Capítulo 1 - Texto de Lucas 24, 15-17. 19a. 25-27. 28.
  • 1.1. O texto de Lc 24, 13-
  • 1.2. Tradução
  • 1.3. Texto no contexto
  • 1.4. Estrutura
  • 1.5. Comentários
  • 1.6. Intertextualidades
  • Capítulo 2 - Deus e o Ídolo
  • 2.1. Os discípulos e a falsa imagem de Deus
  • 2.2. Jesus e o Ídolo
  • 2.3. Jesus a partir da distância
  • 2.4. A morte de Jesus e a morte de Deus
  • Capítulo 3 - Pedagogia de Jesus e a Pedagogia da Igreja
  • 3.1. “Aproximando-se, pôs-se a caminho com eles” (Lc 24,15)
  • (Lc 24, 19a) 3.2. “Que palavras são essas que trocais entre vós enquanto caminhais?” (Lc 24, 17); “o quê?”
  • 3.3. “Explicou-lhes, em todas as Escrituras, o que a Ele diziam respeito” (Lc 24, 27b)
  • 3.4. “Ele fez menção de seguir adiante” (Lc 24, 28b)
  • visível” (Lc 24, 31b) pronunciou a bênção e, partindo-o, deu-lho” (Lc 24, 29c – 24, 30); “Ele deixou de lhes ser
  • Conclusão
  • Bibliografia

SIGLAS E ABREVIATURAS

AT – Livro dos Atos dos Apóstolos. 1 Cor – Primeira Carta aos Coríntios. Ex – Livro do Êxodo. Gn – Livro dos Génesis. Is – Livro de Isaías. Jo – Evangelho segundo João. Lc – Evangelho segundo Lucas. Mc – Evangelho segundo Marcos. Mt – Evangelho segundo Mateus. CT – João Paulo II, Exortação Apostólica Catechesi Tradendae (16 de outubro de 1979). DV – Concilio Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática Dei Verbum (18 de novembro de 1965). EG – Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (24 de novembro de 2013). LG – Concílio Ecuménico Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium (21 de novembro de 1964). PG – Patrologia cursus completus. Series Graeca, Editor J. P. Migne. Cf. – Confrontar ou conferir. V. – Versículo. VV. – Versículos.

INTRODUÇÃO

Nos tempos hodiernos, assistimos, cada vez mais, a um fenómeno de movimentos fugidios, de incompreensões e de medos; deambulações constantes com horizontes entristecidos e atolados^2. Não poucas vezes, por imagens construídas falsamente, por esperanças desvirtuadas da realidade ou pela conceção de propósitos e ideias que estão aquém da verdadeira vivência da experiência do Ressuscitado. A incompreensão desta experiência tem atolado os caminhos de fugitivos. Estas fugas, na sua maioria, são feitas apressadamente, por caminhos lamacentos e num desespero desmedido. O mesmo aconteceu com os discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) que são o protótipo da desesperança desesperante. A fuga de Jerusalém para Emaús tem sido uma constante, apenas mudam os intérpretes e os nomes das localidades, mas a experiência do desalento tem sido a mesma. É a partir deste ambiente perplexo e desnorteado que a presente reflexão se debruça. Pretende-se, portanto, tomar o fenómeno de Emaús e contemplá-lo na sua pertinência atual. É um modo operante comum que merece a nossa atenção. Partimos do texto bíblico dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35) e analisamos as motivações e preconceitos dos viandantes e, consequentemente, a ação pedagógica do estrangeiro. O primeiro capítulo abordará o texto em análise num sentido exegético e literário. Atravessamos o texto original e, paulatinamente, vamos conferir o significado das expressões gregas que nos parecem basilares para a sua melhor compreensão. Por certo, é importante perceber o texto no contexto e sitiá-lo diante dos textos envolventes para que a trama seja melhor compreendida através dos textos que precedem e seguem o texto em análise. É importante também que se compreenda como se estrutura todo o texto e perceber aquilo a que o autor dá relevo, sobressaindo algumas nuances dessa mesma estrutura. Recorrendo à história exegética da obra, asseguramos uma melhor compreensão da trama através dos estudos até então realizados pela tradição exegética. Por fim, estabelecemos paralelismos e concordâncias literárias não só com outras passagens da Escritura, mas também com a literatura clássica. Conforme caminhámos, fomos percebendo que as dinâmicas relacionais dos dois discípulos repercutiram uma apropriação imagética, espelhando nela uma obscura vivência com a alteridade. Sistematicamente, fomo-nos questionando sobre a existência do salutar vínculo entre o humano e o divino. Com isto, quisemos transferir a passagem de Emaús para a atualidade, numa analogia mais de similitudes do que propriamente de contradições. Assim sendo, movidos pela questão da relação humana com a divindade, compreendemos que o modo (^2) Cf. Byung-Chul Han, A Sociedade Paliativa (Lisboa: Relógio D´Água, 2020).

modo de atuar da Igreja enraizado em todas as ações que Jesus efetuou ao longo de toda a passagem. Iremos, pois, deambular entre a pertinência de Emaús e a vivência moderna contemporânea, entre o ídolo e a distância, entre a Pedagogia de Jesus e a Pedagogia da Igreja. Quisemos que este fosse um caminho itinerante, semelhante ao de Jesus. Partimos de um capítulo alicerçado na Sagrada Escritura, para passarmos ao indício sistemático, remoendo a imagética incompreendida e, por fim, num estado prático, que se concretiza em ações e modos de estar. Da Palavra à prática quisemos apresentar uma reflexão itinerante, coerente, com princípio, meio e fim.

CAPÍTULO 1 - TEXTO DE LUCAS 24, 15 - 17. 19 A. 25 - 27. 28. 30

1.1. O texto de Lc 24, 13- 35 Nos tempos hodiernos, a capacidade do dizer-se e do mostrar-se é, cada vez mais, a oportunidade resiliente num tempo perplexo. Deixar-se dizer é um modo pouco comum de comungar com o inerte. Ora, perante isto, vislumbramo-nos por ilustrações que se dizem dialéticas e, neste âmbito, a dimensão mistérica ressoa na incerteza da ambiguidade humana. Assim, a hermenêutica de um texto pode ser díspar no sentido e pouco linear teologicamente. Perante isto, seguimos, religiosamente, o texto grego de Nestle-Aland. Apesar de, ao longo do nosso estudo, não tratarmos os versículos todos da narrativa dos discípulos de Emaús, sentimos que é necessário apresentar todo o texto da narrativa. Para o leitor, por um lado, pode ser entusiasmante vislumbrar o texto no seu todo para compreender o enredo, já que parece desajustado separar ou dividir aquilo que é inseparável, como é o caso. O texto deve ser lido como um só. Assim sendo, segue o texto na sua originalidade: (^13) Καὶ ἰδοὺ δύο ἐξ αὐτῶν ἐν αὐτῇ τῇ ἡμέρᾳ ἦσαν πορευόμενοι εἰς κώμην ἀπέχουσαν σταδίους ἑξήκοντα ἀπὸ Ἰερουσαλήμ, ᾗ ὄνομα Ἐμμαοῦς, 14 καὶ αὐτοὶ ὡμίλουν πρὸς ἀλλήλους περὶ πάντων τῶν συμβεβηκότων τούτων. 15 καὶ ἐγένετο ἐν τῷ ὁμιλεῖν αὐτοὺς καὶ συζητεῖν καὶ αὐτὸς Ἰησοῦς ἐγγίσας συνεπορεύετο αὐτοῖς, 16 οἱ δὲ ὀφθαλμοὶ αὐτῶν ἐκρατοῦντο τοῦ μὴ ἐπιγνῶναι αὐτόν. (^17) εἶπεν δὲ πρὸς αὐτούς· τίνες οἱ λόγοι οὗτοι οὓς ἀντιβάλλετε πρὸς ἀλλήλους περιπατοῦντες; καὶ ἐστάθησαν σκυθρωποί. 18 ἀποκριθεὶς δὲ εἷς ὀνόματι Κλεοπᾶς εἶπεν πρὸς αὐτόν· σὺ μόνος παροικεῖς Ἰερουσαλὴμ καὶ οὐκ ἔγνως τὰ γενόμενα ἐν αὐτῇ ἐν ταῖς ἡμέραις ταύταις; 19 καὶ εἶπεν αὐτοῖς· ποῖα; οἱ δὲ εἶπαν αὐτῷ· τὰ περὶ Ἰησοῦ τοῦ Ναζαρηνοῦ, ὃς ἐγένετο ἀνὴρ προφήτης δυνατὸς ἐν ἔργῳ καὶ λόγῳ ἐναντίον τοῦ θεοῦ καὶ παντὸς τοῦ λαοῦ, 20 ὅπως τε παρέδωκαν αὐτὸν οἱ ἀρχιερεῖς καὶ οἱ ἄρχοντες ἡμῶν εἰς κρίμα θανάτου καὶ ἐσταύρωσαν αὐτόν. 21 ἡμεῖς δὲ ἠλπίζομεν ὅτι αὐτός ἐστιν ὁ μέλλων λυτροῦσθαι τὸν Ἰσραήλ· ἀλλά γε καὶ σὺν πᾶσιν τούτοις τρίτην ταύτην ἡμέραν ἄγει ἀφ’ οὗ ταῦτα ἐγένετο. 22 ἀλλὰ καὶ γυναῖκές τινες ἐξ ἡμῶν ἐξέστησαν ἡμᾶς, γενόμεναι ὀρθριναὶ ἐπὶ τὸ μνημεῖον, 23 καὶ μὴ εὑροῦσαι τὸ σῶμα αὐτοῦ ἦλθον λέγουσαι καὶ ὀπτασίαν ἀγγέλων ἑωρακέναι, οἳ λέγουσιν αὐτὸν ζῆν. 24 καὶ ἀπῆλθόν τινες τῶν σὺν ἡμῖν ἐπὶ τὸ μνημεῖον καὶ εὗρον οὕτως καθὼς καὶ αἱ γυναῖκες εἶπον, αὐτὸν δὲ οὐκ εἶδον. 25 Καὶ αὐτὸς εἶπεν πρὸς αὐτούς· ὦ ἀνόητοι καὶ βραδεῖς τῇ καρδίᾳ τοῦ πιστεύειν ἐπὶ πᾶσιν οἷς ἐλάλησαν οἱ προφῆται· 26 οὐχὶ ταῦτα ἔδει παθεῖν τὸν χριστὸν καὶ εἰσελθεῖν εἰς τὴν δόξαν αὐτοῦ; 27 καὶ ἀρξάμενος ἀπὸ Μωϋσέως καὶ ἀπὸ πάντων τῶν προφητῶν διερμήνευσεν αὐτοῖς ἐν πάσαις ταῖς γραφαῖς τὰ περὶ ἑαυτοῦ. (^28) Καὶ ἤγγισαν εἰς τὴν κώμην οὗ ἐπορεύοντο, καὶ αὐτὸς προσεποιήσατο πορρώτερον πορεύεσθαι. (^29) καὶ παρεβιάσαντο αὐτὸν λέγοντες· μεῖνον μεθ’ ἡμῶν, ὅτι πρὸς ἑσπέραν ἐστὶν καὶ κέκλικεν ἤδη ἡ ἡμέρα. καὶ εἰσῆλθεν τοῦ μεῖναι σὺν αὐτοῖς. 30 καὶ ἐγένετο ἐν τῷ κατακλιθῆναι αὐτὸν μετ’ αὐτῶν

(^28) Aproximaram-se da povoação para onde iam, e Ele fez menção de seguir adiante, 29 mas eles insistiram com Ele, dizendo: “Fica connosco, porque é tarde e o dia já está a declinar”. Entrou, então, para permanecer com eles. 30 E aconteceu que, quando Ele se reclinou com ele à mesa, tomando o pão, pronunciou a bênção e, partindo-o, deu-lho. 31 Abriram-se-lhes os olhos e reconheceram-no, mas Ele deixou de lhes ser visível. 32 Diziam, então, um ao outro “Não nos ardia o nosso coração quando Ele no caminho nos falava, quando nos abria as Escrituras?”. (^33) E, levantando-se, nessa mesma hora voltaram para Jerusalém. Encontraram reunidos os onze e os que estavam com eles, 34 que diziam: “Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão”. (^35) Então eles contaram tudo o que acontecera no caminho, e com Ele se lhes dera a conhecer na fração do pão^4. 1.3. Texto no contexto Agora, abarcamos o Evangelho de Lucas, na sua totalidade. Para a estrutura do Evangelho de Lucas, seguimos, de perto, o contributo de Joseph Fitzmyer^5 que, sobriamente, o divide em oito grandes partes. O prólogo (cf. Lc 1. 1-4) é considerado a primeira secção do evangelho. Como habitualmente, serve de adveniente a todo o Evangelho, uma espécie de agouro literário. Sucedem-se os relatos da infância (cf. Lc 1, 5 – 2 , 52), relatando o nascimento e juvenilidade de João Batista e Jesus, numa narrativa paralela. Segue-se a preparação do ministério público de Jesus (cf. Lc 3, 1 – 4, 13), como prelúdio dos eventos que irão dar início ao ministério público de Jesus. Neste caso, é João Batista o autor do prelúdio. O ministério de Jesus na Galileia (cf. Lc 4, 14 – 9, 50) incorpora uma imensidão de relatos sobre a atividade e o êxodo de Jesus, caminhando por aldeias a evangelizar e apregoar, pela palavra e por ações. Entre estradas e atalhos, começa o relato do caminho para Jerusalém (cf. Lc 9, 51 – 19, 27). Nestes capítulos, a secção central do Evangelho de Lucas, está vincada a típica ideia lucana do caminho e êxodo de Jesus. O caminho é repleto de acontecimentos instauradores e ardorosos, sobretudo, para todos aqueles que contactam Jesus. De seguida, Jesus realiza o seu ministério em Jerusalém (cf. Lc 19, 28 – 21, 38), numa majestosa entrada na cidade, que ditará, também, o seu fim. O clímax do êxodo de Jesus imprime-se no Relato da Paixão (cf. Lc 22, 1 – 23, 56 a), começando a sua ascensão ao Pai. Por fim, a última parte, apresenta os relatos da ressurreição (cf. Lc 23, 56 b – 24, 53), numa exaltação de Jesus aos próprios discípulos, que passam a testemunhas oculares da sua glorificação. Esta ramificação literária, pode, por conseguinte, (^4) Conferência Episcopal Portuguesa, Os Quatro Evangelhos e os Salmos (Lisboa: Fundação Secretariado Nacional de Educação Cristã, 2019), 258 - 260. (^5) Cf. Joseph Fitzmyer, El Evangelio según Lucas: I. Introducción General (Madrid: Cristiandad, 1986), 227 - 228.

ajudar-nos a situar a narrativa do texto estudado de Emaús, na última parte, nos relatos da ressurreição. Além da pluralidade interpretativa que este texto origina, há prolongamentos que não são meros acasos. São eventos de uma escrita criativa que permanecem no quotidiano. Assim, pela linguagem, somos incitados a uma compreensão imagética da perícope. Antes de mais, será interessante situar o texto de Lucas 24, 13 - 35 na globalidade do capítulo 24. Ora, Nicholas Thomas Wright^6 refere que, em Lucas 24, existem três secções. Segundo o autor, «Lucas 24 é uma pequena obra mestra pensada para ser a cena conclusiva de uma obra de arte de grande envergadura»^7. É fascinante como N. Wright olha para o capítulo, tratando-o como uma obra de arte. Provavelmente, ao usar esta expressão, o autor terá em conta o facto de Lucas ter sido, eventualmente, pintor. Acreditamos que o maior quadro que Lucas alguma vez pintou foi este capítulo, mais concretamente 24,13-35. À medida que percorremos o capítulo 24, claramente, percebemos o tipo de tinta usada pela elegância do seu grego. A textura do quadro é pura cultura, com diversidade de recursos estilísticos. O cerne do quadro é que pode ser ambíguo, mas, ao mesmo tempo, o leitor aprisiona-se ao texto, nunca querendo deixar escapar qualquer pormenor. Talvez seja por isso que N. Wright afirma estarmos perante uma obra de arte de grande envergadura, ou que Xabier Pikaza intitula a obra de «joia literária»^8. A variabilidade de temas é indeterminada, numa teologia narrativa, onde a verdade expressa-se em forma de relato e vocábulo^9. A sagacidade de assentir num itinerário textual é uma motivação legítima para enveredar pela leitura do texto dos discípulos de Emaús. Deixar-se escoltar pelas inquietações dos caminhantes, é fazer das suas também as nossas inquietações, numa procura de reconhecimento. Portanto, a opção de 24, 13 – 35 não é senão uma intimidade criada entre o leitor e a história lida. É, sem dúvida, um relato inspirador, onde se entrevê a humanidade, enquanto processo complexo de influências e relações transformadoras. A escolha deve-se, essencialmente, pelo carater dizível da humanidade discípula, dos dois de Emaús, como rememoração da relação carnal dos tempos hodiernos. Revivência que nós, eternos viandantes, fazemos de todo o relato. Não foi fácil, perante a panóplia de textos sagrados, enveredar pelo relato de um Deus que caminha connosco. Foi intuitivo. Uma insinuação que, mais tarde, passou a realização, realizando-se no próprio texto e realizando-nos enquanto realização do próprio texto. Os motivos não são ordenamentos argumentativos, mas de uma crença que nasceu do íntimo. Simplesmente, porque sim, porque foi nossa vontade que (^6) Cf. Nicholas Thomas Wright, La Resurrección del Hijo de Dios (Navarra: Verbo Divino, 2008), 789. (^7) Wright, La Resurrección del Hijo de Dios , 789. (^8) Xabier Picaza, Camiño de Pascua: misterios de gloria (Salamanca: Sígueme, 1996), 148. (^9) Cf. Picaza, Camiño de Pascua: misterios de gloria , 148.

relato estudado é precedido e procedido por narrativas pascais, onde Jesus faz-se presente nas suas aparições. A perícope de Emaús está rodeada de momentos reveladores. É nesta continuidade e no festim pascal que todo o capítulo 24 se desenrola, promovendo uma série de manifestações do Ressuscitado às mulheres, aos discípulos desconhecidos e aos onze. Todas elas, num tempo de, apenas, um dia. De facto, todo o capítulo demora um dia, contudo, note-se o modo como ele se torna estonteante, emocionante, movimentado, surpreendente e capaz de despertar inquietação, tanto nas personagens como no leitor. Num dia, ocorrem momentos que afetam toda a vida crente. Lucas tem a mestria e o poder de, num capítulo, relatar um dia e, agregar à unidade literária e temporal a complexidade humana e transcendente, como prenúncio de todo o evangelho. Nesta congregação, desvela-se o véu do mistério pascal. O pitoresco capítulo, como já pudemos evidenciar, é habitado por experiências vividas por homens e mulheres, conhecedores do Senhor, mas que demonstram alguma impassibilidade de reconhecer. Ora, o texto literário que relata a experiências dos homens de Emaús (vv. 13-35) situa-se no centro do capítulo 24. 1.4. Estrutura Segundo N. Wright, o capítulo 24 de Lucas é semelhante às narrativas pascais de Mateus e Marcos e apresenta, por sua vez, uma breve introdução (vv. 1-12), duas secções intermédias (vv. 13-35 e 36-49) e uma conclusão (vv. 50-53). Em 24, 13-35 exibe-se a história central, a mesma que pretendemos estudar ao longo destas páginas. Em 24, 36 - 49 , somos presenteados com uma cena que prepara a conclusão do encontro com Jesus, na habitação onde estão reunidos os onze. A conclusão está nos últimos quatro versículos (vv. 50-53) que fecham o evangelho como um todo e, simultaneamente, introduz a cena inicial dos Atos dos Apóstolos^12. Na sequência do que foi dito, o capítulo 24 enquadra-se num tríptico seccional, em que cada parte fundamenta o todo. Agora, prendamo-nos apenas à unidade literária que nos propomos estudar. Segundo diversos autores, transparece dos vv. 13 - 35 uma estrutura concêntrica. A título de exemplo, Dussaut refere que «esta tabela oferece uma das mais famosas simetrias concêntricas de toda a Bíblia»^13. Também François Bovon admite a estrutura concêntrica^14 desta perícope, à luz do que defendem os estudiosos franceses. (^12) Cf. Wright, La Resurrección del Hijo de Dios , 789. (^13) Louis Dussaut, “Le tripyque des apparitions en Luc 24 (analyse structurelle)”, Révue Biblique 94 (1987): 161 - 223. (^14) Cf. François Bovon, El Evangelio según San Lucas: Luc 19,28-24,53 (Salamanca: Sígueme, 2010), 627.

A pluralidade de estruturas mostra, claramente, a beleza interpretativa do texto. Face à necessidade de optar por uma delas, a estrutura proposta por João Alberto Correia^15 apresenta- se como uma escolha que, desprendida de qualquer obséquio consentâneo, aporta melhores afluências ao trabalho que aqui se desenvolve. v. 13- 16 Situação inicial ou exposição A v. 17- 27 Nó B v. 28- 30 Ação Transformadora C v. 31- 32 Desenlace B’ v. 33- 35 Situação final A’ Trata-se de uma estrutura de penetrante compreensão, onde a simetria concêntrica é uma constante e a dinâmica do relato evidente. Observemos bem a estrutura apresentada. Inevitavelmente, podemos concluir uma estrutura quiástica (A-B-C-B’-A’), sendo visíveis os paralelismos simétricos e antitéticos, numa coletânea de sabores. Não obstante, é recomendável determo-nos também na estrutura apresentada por François Bovon^16. É notório que estas estruturas divergem em alguns aspetos, mas, nesta aparente divergência, podemos compreender o contributo de incessante inspiração que a pluralidade interpretativa alberga. Este tipo de estruturas é bastante usado por Lucas. Aliás, de seguida, podemos averiguar isso mesmo com os esquemas apresentados por Xavier Léon-Dufour. Numa análise minuciosa, este autor demonstra todo o paradigma do relato, onde as simetrias concêntricas são intencionalmente provocadas. Evidentemente, podemos vislumbrar uma estrutura de inclusão, sobretudo, na correspondência entre a introdução e a conclusão.^17 Ora, François Bovon afirma que estamos perante uma estrutura concêntrica^18. A conclusão (vv. 33-35) serve de contrapartida a uma introdução (vv. 13-14). No esquema abaixo, elaborado por Léon-Dufour é percetível isso mesmo. Tanto no versículo 13 como no 33, a referência é Jerusalém, embora, no primeiro caso, como local de saída e, no segundo, como local de regresso. Em ambos os casos, os discípulos encontram-se a caminho, mas a inversão da caminhada provoca uma transformação no seu coração, pois, estando afastados da comunidade, aproximam-se dela, nomeadamente dos onze (v. 33)^19. O princípio e o fim correspondem-se e, mais uma vez, Lucas é exímio nas regras da (^15) Cf. João Alberto Sousa Correia, A hospitalidade na construção da identidade cristã (Lisboa: Universidade Católica, 2014), 68. (^16) Cf. Bovon, El evangelio según San Lucas: Luc 19,28-24,53 , 628. (^17) Cf. Xavier Léon-Dufour, Resurreccion de Jesus y mensaje Pascual (Salamanca: Sígueme, 1974), 228. (^18) Cf. Bovon, El evangelio según San Lucas: Luc 19,28-24,53 , 627. (^19) Cf. Manuel Isidro Alves, Ressurreição e Fé Pascal (Lisboa: Didascália, 1991), 206.

Façamos uma análise fenomenológica do comportamento dos discípulos de Emaús e do próprio Jesus. Não se trata de meras oposições, mas de uma circularidade de influências, na medida em que o modo de agir dos discípulos e de Jesus não é assim tão distinto quanto imaginamos. Pelo contrário, as semelhanças são bastante consideráveis. Se não, observemos: (^17) iniciativa de Jesús 29 inciciativa dos discípulos (^18) o único a não saber 25 desprovidos de inteligência (^19) profeta 25cprofetas (^20) condenado à morte 25 sofrer e glória (^21) esperança falida 27 profetas 22,23b (^) mulheres não o encontraram 24 alguns não o encontraram 23cESTÁ VIVO Mais uma vez, o centro está na afirmação “Jesus está vivo” (23c)^22. Pretende-se, com isto, enfatizar a centralidade desta expressão, como já tínhamos visto. Contudo, gostávamos também de salientar os comportamentos dos personagens. Parece-nos que o núcleo deste enredo é o modo atuante de Jesus. É rosto do anonimato que se aproxima e interpenetra a situação íntima dos discípulos, cria comunhão auto revelando-se nela mesmo. É sinal de uma presença que questiona, deixando-se também questionar. Não entra em pietismos desmedidos, mas confronta com perguntas existenciais, afetivas e antropológicas. Ouve para ser ouvido. É incompreendido, mas compreende. Incita a uma pedagogia dialogante sem discursos excessivamente fideístas. De modo interessante, «durante a viagem de Emaús, os dois discípulos retomam, ponto por ponto, as grandes etapas do ministério de Jesus, segundo as regras elementares da retórica da época: uma boa conclusão deve recapitular o conjunto de um discurso ou de uma narrativa»^23. 1.5. Comentários Porque temos como objetivo incidir no modo acional de Jesus detemo-nos somente nos versículos que nos parecem mais importantes para o estudo pretendido: 24, 15-17. 19a. 25-27.

    No v. 15, aparece a expressão καὶ ἐγένετο (e aconteceu). Frequentemente, Lucas usa esta expressão com o verbo finito, no caso, συνεπορευετο. Esta expressão é, não poucas vezes, (^22) Cf. Léon-Dufour, Resurrección de Jesus y mensaje Pascual , 228. (^23) Aletti, Voltar a falar de Jesus Cristo , 184.

introduzida por ἐν τῷ (em o)^24. Não obstante, a expressão «teve influência nos LXX, porque esta forma assindética é muito frequente na tradução da frase hebraica “ wayyehí ”, especialmente, quando vai acompanhada de uma oração temporal ἐν τῷ mais infinitivo»^25. Note-se que καὶ ἐγένετο também aparece no v. 30, ou seja, na mesma resenha ocorre duas vezes, salientando-se a insistência com que se repete esta construção, no grego de Lucas. Efetivamente, Jesus é o protagonista desta perícope, como refere Isabel Gómez Acebo^26. Tal reflete-se no facto de ser Jesus a aproximar-se. O verbo ἐγγίσας (aproximar) que se encontra no particípio aoristo ativo, mostra-nos quem é que toma a iniciativa da ação. «É Jesus que vem por detrás deles, alcança-os como se fora outro peregrino que volta a casa, depois de ter celebrado a Páscoa em Jerusalém»^27. É Jesus que se junta a eles, «começando a forçar espaço para a revelação»^28. Numa atitude de inquietude criativa, inevitavelmente, interrogamo-nos sobre a pertinência dum terceiro viajante. Consideramos, pois, que só poderá existir um verdadeiro diálogo quando aparece um terceiro. Paralelamente ao ingresso do desconhecido na conversação, há a oferta de uma nova luz de interpretação, há a novidade do dizer-se. Os discípulos estão dececionados, logo, o diálogo entra numa dinâmica do inexaurível, uma vez que as suas desilusões não permitirão um verdadeiro diálogo, onde a contraposição de ideias é evidente. Aliás, a evidência está no aparecimento de um terceiro, neste caso, Jesus. É ele que cria o diálogo, criando confrontação e comunicação de ideais. Contudo, os seus olhos estavam impedidos de o reconhecer (v. 16). A partir da expressão “estavam impedidos”, podemos refletir sobre a cegueira dos discípulos que viam, mas não reconheciam. O verbo ἐκρατοῦντο (“estavam impedidos”) encontra-se na forma passiva, mas uma passiva teológica^29. François Bovon considera, no seu estudo, que o verbo na passiva teológica é especializado, ou seja, é-nos sugerido tanto a debilidade humana como a força divina que se prepara, antecipadamente, para o seu desenlace^30. Habitualmente, nos Evangelhos Sinóticos, o endurecimento do coração daqueles que não reconhecem Jesus ou não acreditam nele é atribuído aos seus adversários^31. Não obstante, talvez devêssemos interrogar-nos: Afinal, de quem é o problema? Eles discutiam e falavam do que tinha acontecido, lamentando-se da ausência do Nazareno. Entretanto, Aquele acerca de quem eles conversam põe-se a caminho com eles, e eles não O reconhecem (ἐπιγνῶναι). Este (^24) Cf. Fitzmyer, El Evangelio según Lucas: I , 199. (^25) Fitzmyer, El Evangelio según Lucas: I , 199. (^26) Cf. Isabel Gómez Acebo, Lucas (Navarra: Verbo Divino, 2008), 656. (^27) Joseph Fitzmyer, El Evangelio según Lucas: IV. Comentario de los capítulos 19,28 al 24,53 (Madrid: Cristiandad, 2005), 584. (^28) José Tolentino Mendonça, “Emaús, laboratório da fé pascal”, Communio XXVII, n. º2 (2010): 137. (^29) Cf. Fitzmyer, El Evangelio según Lucas: IV , 584. (^30) Cf. Bovon, El evangelio según San Lucas , 636. (^31) Cf. José Tolentino Mendonça, O tesouro escondido (Prior Velho: Paulinas, 2014), 10 3.