Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Identidade, Diferença e Deficiência: Construindo Sujeitos em Sociedades Multiculturais, Manuais, Projetos, Pesquisas de Cultura

Neste texto, discutimos as ideias de identidade, diferença e deficiência em relação às representações e estereótipos que criam sujeitos atuantes em uma sociedade multicultural. A preservação da dignidade humana, a busca da identidade e o exercício da cidadania são princípios fundamentais do direito à educação de pessoas com necessidades educacionais especiais. As diferenças não são uma obviedade cultural, mas se constroem historicamente, social e politicamente. Não podem ser caracterizadas como totalidades fixas, essenciais e inalteráveis; as diferenças são sempre diferenças. Não devem ser entendidas como um estado não-desejável, impróprio, de algo que cede ou tarde voltará à normalidade; as diferenças dentro de uma cultura devem ser definidas como diferenças políticas – e não simplesmente como diferenças formais, textuais ou linguísticas. As diferenças, embora vistas como totalidades ou colocadas em relação com outras diferenças, não são facilmente permeáveis nem perdem de vista suas

O que você vai aprender

  • What are the implications of viewing differences as political rather than formal, textual, or linguistic?
  • What is the role of human dignity, identity seeking, and citizenship in the right to special education?
  • How do historical, social, and political factors shape differences?
  • How do the existence and recognition of differences impact societal structures?

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Carioca85
Carioca85 🇧🇷

4.5

(406)

220 documentos

1 / 58

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO A DISTÂNCIA EM
GESTÃO EM ARQUIVOS
EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA
2º semestre
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Identidade, Diferença e Deficiência: Construindo Sujeitos em Sociedades Multiculturais e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Cultura, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO A DISTÂNCIA EM
GESTÃO EM ARQUIVOS

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

2º semestre

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

Presidente da República Federativa do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva

Ministério da Educação Fernando Haddad Ministro do Estado da Educação Ronaldo Mota Secretário de Educação Superior Carlos Eduardo Bielschowsky Secretário da Educação a Distância

Universidade Federal de Santa Maria Clóvis Silva Lima Reitor Felipe Martins Muller Vice-Reitor João Manoel Espina Rossés Chefe de Gabinete do Reitor André Luis Kieling Ries Pró-Reitor de Administração José Francisco Silva Dias Pró-Reitor de Assuntos Estudantis João Rodolfo Amaral Flores Pró-Reitor de Extensão Jorge Luiz da Cunha Pró-Reitor de Graduação Charles Jacques Prade Pró-Reitor de Planejamento Helio Leães Hey Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa João Pillar Pacheco de Campos Pró-Reitor de Recursos Humanos Fernando Bordin da Rocha Diretor do CPD

Coordenação de Educação a Distância Cleuza Maria Maximino Carvalho Alonso Coordenadora de EaD Roseclea Duarte Medina Vice-Coordenadora de EaD Roberto Cassol Coordenador de Pólos José Orion Martins Ribeiro Gestão Financeira

Centro de Ciências Sociais e Humanas Rogério Ferrer Koff Diretor do Centro de Ciências Sociais e Humanas Denise Molon Castanho Coordenadora do Curso de Pós-Graduação Especialização a Distância em Gestão em Arquivos

Elaboração do Conteúdo Marcia Lise Lunardi Lazzarin Maria Alcione Munhóz Professoras pesquisadoras/conteudistas

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

  • APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................. Sumário
  • ÉGIDE DA MODERNIDADE – TEMPO DA ORDEM .................................................................................... UNIDADE A
    • Objetivos ...................................................................................................................................................
    • Introdução ................................................................................................................................................
    • 1 Estratégias de controle e regulação da alteridade ...................................................................
    • 2 Processos de inclusão/exclusão: lógica perversa da sociedade moderna.......................
    • 3 Pluralismo, diversidade, multiculturalismo e tolerância: retóricas da modernidade ...
    • Referências Bibliográficas ....................................................................................................................
  • A PRODUÇÃO DAS IDENTIDADES CULTURAIS .......................................................................................... UNIDADE B
    • Objetivos ..................................................................................................................................................
    • Introdução ................................................................................................................................................
    • 1 A compreensão do espaço/tempo e a identidade ..................................................................
    • 2 Identidades híbridas – traçando novos mapas culturais .......................................................
    • 3 Identidades e diferenças: uma questão de representação ...................................................
    • Referências Bibliográficas ....................................................................................................................
  • PEDAGOGIA DA DIFERENÇA .......................................................................................................................... UNIDADE C
    • Objetivos ...................................................................................................................................................
    • Introdução ................................................................................................................................................
    • 1 Produzindo o outro na cultura e na educação .........................................................................
    • 2 A perturbação da diferença.............................................................................................................
    • 3 Os não-lugares da educação do outro ........................................................................................
    • Referências Bibliográficas ....................................................................................................................

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

APRESENTAÇÃO

A disciplina Educação, Identidade e Diferença vem ao encontro de uma perspectiva que aborda a relação entre as dinâmicas sociais a partir das representações mediadas pela cultura e da identidade dos sujeitos. Na primeira unidade, são abordadas as concepções que envolvem os processos de inclusão/exclusão, no contexto da sociedade moder- na, procurando mediar aspectos pertinentes entre pluralismo, diversi- dade, multiculturalismo e tolerância. Nessa perspectiva, para entender- mos a produção da alteridade, torna-se imprescindível a compreensão da noção de norma. Nas demais unidades, propomos uma discussão sobre as noções de identidade, diferença e deficiência atreladas à representação e aos estereótipos que produzem os sujeitos que são os atores de uma so- ciedade multicultural. Para tanto, partimos de uma análise acerca das relações de poder instituídas nas relações sociais que demarcam dis- cursos “normalizadores” sobre grupos culturais minoritários.

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

FIGURA A1 - A diversidade da população

Sabemos que todo ser humano é visto como sujeito de direito, isso significa que ele tem de ser respeitado nas suas particularidades e peculiaridades. É nesse sentido que o sujeito negro, por exemplo, não pode ser discriminado por sua cor; ou o sujeito surdo, por sua falta de audição; ou o estrangeiro, por sua língua. Essas especificidades não devem ser elemento para a construção de desigualdades, discrimi- nações ou exclusões, mas, sim, devem ser norteadoras de políticas afirmativas de respeito à diversidade. Sob a égide dessa sociedade democrática, que se considera “pluralista”, a escola surge como uma das instituições que coloca em funcionamento essa pluralidade, sob os parâmetros da compreensividade ou da solidariedade. Tais valores são enaltecidos quando o que está em discussão é a educação das Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais. Nesse processo, a escola é tomada como um “laboratório para a diversidade”, em que o princípio da democracia se constitui como uma das bases que to- dos devemos conhecer e praticar, pois é ele que “estabelece as bases para viabilizar a igualdade de oportunidades e também um modo de sociabilidade que permite a expressão das diferenças, a expressão de conflitos, em uma palavra, a ‘pluralidade’” (Brasil, MEC/SEESP. 2001, p. 19). A idéia da “preservação da dignidade humana”, da “busca da iden- tidade” e do “exercício da cidadania” – princípios que fundamentam o direito à educação das pessoas com necessidades educacionais espe- ciais – coloca na ordem do dia determinados discursos, sem os quais é praticamente impossível pensar uma educação baseada na eqüidade e no respeito.

Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais - é rele- vante frisar que este termo se re- fere às pessoas que antes eram chamadas de “deficientes”.

GLOSSÁRIO

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

Mas o que significa respeitar a diferença? Há como limitar o que seja diferença e não diferença? Onde se estabelece a fronteira entre a diferença do outro e a minha? Até que ponto conseguimos convi- ver com a diferença do outro sem tocarmos naquilo que entendemos como normalidade? Ou melhor, uma normalidade em que a diversi- dade é “aceita” e “promovida”, desde que as identidades do “outro” sejam representadas por padrões estáticos e hegemônicos, quer dizer, pelas referências da norma: homem branco, letrado, ouvinte, vidente, etc.? Essas são questões bastante complexas e difíceis de serem res- pondidas, mas que, no entanto, permeiam constantemente nossas relações com os grupos aos quais pertencemos, por exemplo, a famí- lia, a escola, a igreja, o clube, a associação, etc. Vamos imaginar que, em algum desses grupos, se encontram algumas pessoas que, por diferentes razões, não se assemelham ao nosso padrão de normalida- de, poderíamos falar de uma criança surda, ou um adulto cadeirante. Como você, reagiria ao defrontar-se com esses sujeitos? Por alguns minutos pense sobre essa ação e tente responder essas questões: como eu reajo em relação ao outro que não é igual a mim? Que sen- timentos esse outro desperta em mim? Entre as inúmeras reflexões a essas indagações, talvez alguma das suas respostas se encontrem retratadas por sentimentos como de pena, benevolência, repulsa e tolerância, ou também, por afirmações do tipo “que bom que eu não sou igual a ele, eu tenho minha audi- ção perfeita”, “que incrível, mesmo sem a mobilidade das pernas, ele consegue realizar coisas que eu, uma pessoa ‘normal’, não faria”. Ou, quantas vezes não fugimos de um surdo por ter medo de não conse- guirmos nos comunicar.

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

discursivo que tem no seu centro a questão do outro, da alteridade. No entanto, para entendermos a produção da alteridade, torna-se im- prescindível a compreensão da noção de norma. Fica muito difícil es- tabelecer o limite entre diferença e deficiência na relação com o outro sem entendermos o que significa ser normal e anormal. Num primeiro momento, podemos ficar chocados, pois a impres- são que temos é de que estas palavras, normal/anormal, fazem parte de uma época muito remota, passaram de moda; como é possível falar de anormalidade em tempos de pluralidade e diversidade? No entan- to, elas são a origem daquilo que estabelecemos como deficiência e diferença. Cabe destacar que as pessoas “estranhas”, “deficientes”, “diferen- tes” têm existido ao longo de toda história da humanidade – elas não “surgem” somente com a institucionalização da Educação Especial; pelo contrário, são essas figuras que acabam por constituir as con- dições que possibilitaram o surgimento de quem agora é visto como sujeito deficiente. Nesse contexto, interessa percorrer alguns fragmen- tos históricos que permitirão compreender como se foram deslocando ou simplesmente se reforçando as representações acerca dos sujeitos ditos anormais. De uma forma bastante resumida, poderíamos dizer que a noção de anormal e, por isso, de deficiência inicia nas sociedades primiti- vas, período em que a luta pela sobrevivência dependia totalmente daquilo que a natureza proporcionava (caça, pesca, cavernas) e em que o nomadismo era constante. Consideremos que a necessidade desses povos era ter sujeitos fortes e preparados para as intempéries desse tipo de vida, “razão pela qual é indispensável que cada um baste por si e ainda colabore com o grupo” (Bianchetti, 1998, p. 15). Nesse sentido, todos aqueles sujeitos que apresentavam algum tipo de defi- ciência natural que os impedisse de lutar por sua sobrevivência eram considerados “inúteis”, “sem necessidade”; portanto, eram abandona- dos sem nenhum tipo de constrangimento. Poder-se-ia dizer que não há, nesse período, uma preocupação moral com esse fenômeno. Há, simplesmente, uma espécie de seleção natural em que os mais fortes sobrevivem. O mesmo não acontece na época clássica, que se vale de razões de natureza demoníaca ou divina para explicar a conduta humana quan- do ela se desviava da “norma”. Algumas perturbações do tipo mental, como a loucura e a epilepsia, que eram de origem não-visível e que não podiam ser cientificamente interpretadas – devido ao desconheci- mento, naquela época, acerca de algumas ciências como a Anatomia, a Fisiologia e a Psicologia – eram explicadas através do misticismo. A característica de possuir algum tipo de deficiência, malformação ou

Misticismo - crença ou doutrina religiosa dos místicos. Místico é sinônimo de devoto, religioso, contemplativo, piedoso.

GLOSSÁRIO

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

até mesmo alguma enfermidade poderia levar a pessoa a ser segrega- da e, em muitos casos, a ser eliminada fisicamente, principalmente os recém-nascidos. A prática do infanticídio era comum nas sociedades espartanas em que também eram eliminados os inválidos e os velhos. Nessas sociedades, em que a guerra exigia corpos perfeitos e a ginástica e a estética eram valorizadas, o defeito deveria ser extinguido. Se, ao nas- cer, uma criança apresentasse algum tipo de deficiência, praticava-se uma eugenia radical. É conveniente ressaltar que a eliminação física era uma prática que, no contexto daquela época, se estendia a toda infância. A idéia dos pais como proprietários dos filhos permitia que decidissem sobre a vida de seus filhos, eliminando não apenas os que não respondiam à norma, mas também, em algumas ocasiões, as fi- lhas e os gêmeos. O ideal espartano do corpo perfeito traz à tona a própria noção de ideal, pois convém lembrar a figura da Vênus de Milo, considerada o máximo de beleza e erotismo ocidental, embora sua imagem esteja sem braços e desfigurada. Outro exemplo da construção dessa noção faz referência à Afrodite, figura pintada pelos artistas gregos, composta por partes perfeitas de diferentes mulheres de carne e osso. Para que servissem de modelo, algumas ofereciam seus braços, seios, outras, seu rosto, etc. O que temos aqui são figuras humanas emprestando seus corpos, servindo como modelos para a construção de um corpo ideal, ou seja, de um modelo que nunca encarnará o humano, pois o ideal não pode ser encontrado neste mundo, isto é, não é deste mundo. Para Davis (1997), a noção do corpo ideal, exemplificado pela Vênus de Milo, apresenta a idéia de um corpo “mito-poético” que está ligado ao dos deuses. Segundo esse autor, esse corpo divino, ideal não é atingível por um humano. A noção de um ideal implica que, neste caso, o corpo humano, tal como visualizado na arte ou na imaginação, deve ser composto a partir de partes ideais de modelos vivos. Esses modelos individualmente não podem nunca corporificar um ideal, já que um ideal, por definição, não pode ser encontrado nunca neste mundo (p. 10). Poderíamos, neste espaço, perguntar: o que faz com que uma fi- gura sem braços, sem mãos, com uma cicatriz no seu rosto e com seu lábio inferior arrancado seja, assim mesmo, considerada uma das figuras mais belas do mundo? Por que ela, diferentemente de outras nessa mesma condição, não é considerada deficiente ou anormal? Tal- vez uma das respostas possa ser encontrada na relação com a idéia do corpo divino, da representação da mitologia e do mundo divino discu- tida anteriormente. Mas poderíamos também nos concentrar em um outro argumento: a noção de uma norma, do que seja normal, algo que se refere muito menos a uma condição humana do que a uma ca- racterística de um certo tipo de sociedade. Com isso, quero dizer que a deficiência, a “discapacidade”, é uma construção histórica e social que

Infanticídio - Segundo Martinez e Vila Suñé (1999, p. 85) a prá- tica do infanticídio pode ser en- tendida a partir de Plutarco (48- 122 D.C.): “quem nos descreve a famosa Lei de Licurgo da socie- dade espartana, através da qual, se um ancião da comunidade detectava alguma ‘deformidade’ nos recém-nascidos, estes eram jogados do Monte Taijeto”. Em Roma, abandonar ou jogar as crianças nas águas do rio Tiber e/ou Roca Tarpeia cumpriam a mesma função.

SAIBA MAIS

FIGURA A3 - Vênus de Milo

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

2 Processos de inclusão/exclusão: lógica perversa

da sociedade moderna

As discussões atuais sobre igualdade e justiça para todos giram em torno do problema da inclusão/exclusão, que, por meio de estratégias de poder, define quais são os grupos que participam dessa relação. Isso envolve um imperativo em que campanhas, políticas públicas, do- cumentos oficiais, entre outros artefatos, acabem por identificar quais são os grupos não-representados, não-beneficiados pelo bem públi- co para, em seguida, encontrar maneiras de incluí-los. Essa inclusão é atravessada pelas idéias de participação, “uma noção que emergiu nos últimos tempos, construída a partir de conceitos burgueses euro- peus de democracia e capitalismo e, mais recentemente, nos EUA, a partir da administração pelo Estado das questões sociais, tais como as da ‘pobreza’” (Popkewitz, 2001, p. 164). Tem-se assumido, através das políticas educacionais, um compromisso com a idéia de uma so- ciedade inclusiva, com uma preocupação em buscar estratégias que permitem uma distribuição de participação mais eqüitativa aos grupos populacionais que têm sido excluídos. Essas questões não fogem ao contexto das políticas voltadas para o atendimento das pessoas que se encontram inseridas no campo da Educação Especial; pelo contrá- rio, dão uma maior visibilidade a elas; afinal, sua bandeira é a inclu- são dos sujeitos portadores de necessidades educativas especiais no âmbito educacional. Mas por que existem pessoas incluídas e outras excluídas? E, mais, podemos dizer que estamos incluídos e, portanto, excluídos? Como funcionam esses processos? Em outras palavras, trata-se de um jogo em que a exclusão não se sustenta pelo seu contrário, pela sua oposição; em que ser excluído é o antônimo de ser incluído. Isso pode ser visível no caso do indivíduo leproso e da vítima da peste, em que coincidia a questão do indivíduo com a condição de incluído e excluído. Porém, na complexidade das sociedades contemporâneas, tal relação é praticamente inverificável. Atualmente, a problemática da inclusão/exclusão vem atingindo a todos, nas suas mais diversas formas, ou seja, todos podem ser ex- cluídos de alguma situação e incluídos em outra, não existe alguém completamente incluído ou completamente excluído; o que há são jogos de poder, em que, dependendo da situação, da localização e da representação, alguns são enquadrados e outros não (ibidem).

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

FIGURA A4 - Um grupo de pessoas incluídas e outras excluídas

Logo, incluir e excluir estão no campo do discurso; quanto mais discursivamente se vão definindo os excluídos, maior é a possibilida- de de incluí-los. Assim sendo, maior é a tendência à democracia, ao “politicamente correto”; o reverso também é válido: quanto menos discursivamente conhecido for o excluído, maior é a exclusão e, por isso, maior a possibilidade de um discurso autoritário e conservador. Esses discursos corroboram a promoção e divulgação das políticas de inclusão preconizadas por órgãos; daí a necessidade constante desses documentos indicarem quem é a pessoa que deve ser incluída. O estiramento da noção de quem é o sujeito partícipe das políticas de inclusão permite quadricular, dividir, categorizar e fixar cada vez mais a figura do anormal. Para isso, as práticas de inclusão constituem, num primeiro momento, uma “operação de ordenamento” (Veiga-Ne- to, 2001). Isso significa, antes de tudo, um movimento de aproxima- ção, talvez aquilo que se chama, nas atuais propostas pedagógicas, de “convivência positiva”. Aproximar, trazer junto, conviver no mesmo espaço são situações que provocam a necessidade de reconhecimen- to do outro. Há a implicação de um campo de saber, o que quer dizer que, para incluir, é necessário que se estabeleça um saber sobre esse outro, é importante que se marque a diferença entre o anormal e o normal ou, como diz Veiga-Neto, “detectada alguma diferença, se es- tabelece um estranhamento, seguido de uma oposição por dicotomia” (idem, p. 113). Nesse deslizar de parte e reparte, há um exercício de poder sendo operado, é claro, por aquele que está realizando a ação do repartir; um exercício que permite construir uma lógica em que, ao se incluir

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

Talvez uma das operações que é colocada em funcionamento pela inclusão, como estratégia de normalização, é a própria busca da or- dem. Essa preocupação, que caracteriza a Modernidade como “um tempo marcado pela vontade da ordem” (Veiga-Neto, 2001, p. 112), é que permite pensar que a sociedade inclusiva e, então, a escola inclu- siva poderiam estar operando como restauradoras do caos, “sendo o caos aquilo que está fora da ordem, o negativo da ordem” (ibidem). A idéia da ordem como um controlador do caos se estabelece a partir da instauração do Estado Moderno, pois, como coloca Bauman (1998), “foi este (...) que legislou a ordem para a existência e definiu a ordem como clareza de aglutinar divisões, classificações, distribuições e fron- teiras” (p. 28).

Atividade A.2 - Entre em contato com o professor para receber as infor- mações referentes a esta atividade.

ATIVIDADE

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

3 Pluralismo, diversidade, multiculturalismo e tole-

rância: retóricas da modernidade

Para o entendimento dessa problematização, convém assinalar, nesse momento, o que significa “diferença”. Recorremos, num primei- ro momento, a um dos instrumentos fundamentais quando se trata de entender palavras, o dicionário. Segundo o dicionário Houaiss (2001), “diferença” significa “qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de outra; falta de igualdade ou de semelhança; caracterís- tica do que é vário”. Portanto, o que significa ser diferente, ser diverso no contexto da escola? Essa pergunta nos reporta a um alerta: precisamos estar atentos para que a diferença não fique resumida a simples formas de vestir, de comer, de dançar, de se comunicar; marcando, nesse sentido, que ser diferente é vestir um outro tipo de roupa, usar uma outra língua, ou ter outros hábitos alimentares, como é o caso das diversas regiões do país. Por exemplo, não somos diferentes simplesmente porque come- mos churrasco, ou acarajé, ou vestimos roupas africanas, a diferença não se constrói assim, ela é fruto das experiências culturais, históricas e políticas de um povo. A diferença não pode ser marcada pela contradição, a desconfor- midade do outro em relação a mim, a normalidade. Se ela for vivencia- da assim estaremos falando de deficiência. A deficiência, como vimos anteriormente, é representada como algo indesejável, incomum, devi- do ao seu tom de anormalidade, estranheza e exotismo. Em muitos momentos, na escola, percebe-se o apelo em estra- tégias didáticas a fim de tornar o “deficiente” o mais familiarizado possível com os “não-deficientes”. Por exemplo, convidamos os ditos normais a passarem para o outro lado, a viverem nem que seja por alguns instantes, o que é ser uma pessoa “deficiente”. Fazer esse exer- cício não é tarefa muito difícil, principalmente quando o que importa é aprender a perceber e conviver com as diferenças. A escola é um dos espaços privilegiados onde as questões das diferenças e diversidades saltam aos olhos, pois são nesses espaços em que tradicionalmente se constrói a fronteira entre aqueles da nor- malidade e da anormalidade.

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

certa forma equivocada, talvez pela nossa ignorância em relação ao assunto. Assim, Klein (2004), destaca que o oposto da tão almejada igual- dade é a desigualdade. Mas diferença também não é sinônimo de diversidade, como pode parecer numa primeira aproximação. Diversi- dade remete a uma norma ‘transparente’ construída na sociedade [...] a diversidade parte do reconhecimento, da aceitação, da tolerância para com o outro. Ou seja, alguém hospeda, tolerantemente, o outro em seu espaço. Quanto às diferenças, elas são construídas histórica, social e politicamente. As diferenças são sempre diferenças. Para que se torne possível uma compreensão mais ampla desta colocação que, a princípio, é bastante complexa, vejamos o caso da surdez, em que a diferença serve como referência a uma minoria lin- güística que se utiliza de uma outra Língua, ou seja, a Língua de Sinais. No que se refere à diversidade, a surdez passaria então a ser vista como uma deficiência, passando então a serem realizadas ações que visam à normalização, ou seja, tornar o surdo um ouvinte. Os estudos que abrangem a área da Educação Especial requerem uma constante revisão de terminologias, de práticas, de pesquisas para que se possa trabalhar no contexto da inclusão. Vivemos numa sociedade na qual o sujeito é constituído pela cultura que passa a ser representada pela linguagem e esta, por sua vez, é passível de trans- formações. Desta forma, o sujeito deve ser entendido como incomple- to e de múltiplas identidades, sendo constituído pelas suas relações sociais e seus suportes culturais. Para Lopes (2004, p.39), “a escola foi inventada tendo entre seus propósitos formar sujeitos disciplinados, cristãos e subservientes. Ela empenhou-se e empenha-se até hoje em formar corpos dóceis e úteis dentro de uma ordem pré-estabelecida para as relações. As crianças vão à escola para que possam ser disci- plinadas e civilizadas”. As narrativas acerca das pessoas com Necessidades Educacionais Especiais, vem sempre representadas por um grau pejorativo, de assis- tencialismo ou filantropia, sendo que, a partir disso, constituem uma visão muito aquém daquilo que realmente se pretende na educação e na acessibilidade destes sujeitos. Neste sentido, Klein (2004), destaca que, “a racionalidade política dos programas de formação profissional, por exemplo, procura evitar ‘o estrago que a discriminação, o precon- ceito, o racismo, os estereótipos causam na sociedade’. Para isso, co- loca em funcionamento a tecnologia da diversidade e da igualdade de oportunidades, através de variadas estratégias que estimulem a boa vontade e bons sentimentos, em que a diversidade cultural deve ser tolerada e respeitada” (p. 87-88).

Estereótipos: Fôrma compacta obtida pelo processo estereotí- pico, estereotipia, clichê, lugar comum, chavão.

GLOSSÁRIO

EDUCAÇÃO, IDENTIDADE E DIFERENÇA

FIGURA A7 - Imagem produzindo de forma estereotipada um indígena (usan- do cocar, penas....)

Como já foi mencionado anteriormente, no que se refere à inclu- são, é necessário que tenhamos claro que, na sociedade contemporâ- nea, a complexidade das relações sociais permite que ora estejamos incluídos em determinadas situações e excluídos de outras. Neste sen- tido, torna-se evidente que o sujeito, para se incluir, seja na escola, no mercado de trabalho ou em qualquer outro espaço social, necessita de determinados atributos, que, na maioria das vezes, fazem referência a uma norma. Isso deflagra aquela afirmação geral de que é responsabi- lidade de cada indivíduo zelar pela sua inclusão/exclusão. Entretanto se torna óbvio que essa colocação é totalmente problemática quando se refere à capacidade de o sujeito estar incluído/excluído, sabendo- se que os discursos que permeiam esta ideologia são marcados por atribuições que tratam das “faltas” do indivíduo. Portanto, o ambiente da educação deve ser um espaço no qual se torne possível o convívio, o respeito e especialmente a ética para com as diferenças de cada ser humano. Educar para a diferença exige do professor que ele saiba trabalhar conscientemente com a capacidade e as dificuldades de seu aluno e não somente com aqueles que se encontram inseridos no discurso da educação especial, mas também alunos negros, indígenas, estrangeiros ou de outras identidades que se encontram numa situação diferente daquela vivida pela grande maio- ria da população. A educação abrange atualmente um campo em que se deflagram inúmeras possibilidades de análise sobre a estrutura social, sobre as normas de disciplinas impostas pela sociedade, a normalização dos