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Educação e Cultura Política no México: Análise da Relação entre Valores e Educação, Notas de aula de Cultura

Uma análise detalhada da relação entre educação e valores no méxico, mostrando a necessidade de analisar o processo educativo em funções cognoscitiva, socializadora e de desenvolvimento da personalidade, e suas relações com a cultura política e os níveis de escolaridade. O texto também discute a erosão de valores tradicionais ligados à revolução mexicana e a importância da escolaridade na formação de opiniões políticas e direitos do governo.

O que você vai aprender

  • Como a educação socializa valores aos educandos?
  • Como a escolaridade influencia a formação de opiniões políticas e direitos do governo?
  • Qual é a relação entre educação e valores no México?
  • Qual é a importância da escolaridade na estabelecimento de regimes democráticos mais participativos?
  • Quais são os valores tradicionais ligados à Revolução Mexicana que estão sendo erodidos?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Fatima26
Fatima26 🇧🇷

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Opinião Pública, Campinas, vol. IV, nº 3, Novembro, 1997, p.141-181
Educação e cultura política no México:
uma relação esgotada
Victor Manuel Durand Ponte
Instituto de Pesquisas Sociais da
Universidade Autônoma de México
Maria Márcia Smith Martins
Centro de Pesquisa e Serviços Educativos da
Universidade Autônoma de México
Resumo
Este artigo analisa o impacto da educação sobre a cultura política e a formação de valores democráticos
na sociedade mexicana.
Palavras-chave: cultura política, educação, Revolução Mexicana, valores democráticos, consolidação
democrática.
Abstract
This article analyses the impact of the education on the political culture and the formation of democratic
values in the Mexican society.
Keywords: political culture, education, Mexican Revolution, democratic values, democratic consolidation.
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Opinião Pública, Campinas, vol. IV, nº 3, Novembro, 1997, p.141-

Educação e cultura política no México:

uma relação esgotada

Victor Manuel Durand Ponte

Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade Autônoma de México

Maria Márcia Smith Martins

Centro de Pesquisa e Serviços Educativos da Universidade Autônoma de México

Resumo Este artigo analisa o impacto da educação sobre a cultura política e a formação de valores democráticos na sociedade mexicana. Palavras-chave : cultura política, educação, Revolução Mexicana, valores democráticos, consolidação democrática.

Abstract This article analyses the impact of the education on the political culture and the formation of democratic values in the Mexican society. Keywords : political culture, education, Mexican Revolution, democratic values, democratic consolidation.

Opinião Pública, Campinas, vol. IV, nº 3, Novembro, 1997, p.141-

Introdução

Este texto examina de forma crítica a relação entre a educação e os valores políticos no contexto estabelecido pela globalização. Até algumas décadas atrás a educação representou a mais importante agência socializadora dos velhos valores políticos pós-revolucionários, que justamente agora parecem estar em crise. Tais valores, sedimentados ao longo da história, foram o cimento da sociedade mexicana, permitiram seu funcionamento ordenado desde a década de quarenta, mas a sua índole autoritária agora converteu-se em um empecilho para a democratização do país. O sistema educacional também experimenta uma crise - a coerência entre as suas funções de socializar e a de formar o pensamento crítico desapareceu, e agora estão direcionadas para lados opostos. Se a transição política chegar a um sistema eleitoralmente democrático, será necessária a sua consolidação, ou seja, o enraizamento de suas regras e valores no conjunto da população, para que possa reproduzir-se de maneira adequada ou sistêmica. Do contrário, a falta de consensos democráticos ou a existência de públicos não democráticos poderão permitir que a transição se frustre ou se dissolva no que Guillermo O'Donnel (1993) e Francisco Weffort (1992) têm chamado de “a democracia delegada”, na qual prevalece o líder populista. Nela não existe a idéia de responsabilidade do governante, - a base da avaliação dos cidadãos para votar - delega-se esta responsabilidade ao líder e abre- se espaço para o que alguns autores chamaram de criação de maiorias voláteis (TORRES, 1993). Para o processo de consolidação democrática é fundamental o papel que pode desempenhar a educação, pois este é, sem dúvida, um dos espaços mais significativos para a formação dos consensos democráticos. Entretanto, a mudança dos valores e do sistema educacional encontra-se emoldurado pela nova realidade internacional que impõe novos requisitos aos países, pela relação entre a educação e a cultura vigente, e pela estratégia da mudança, parcialmente determinada pela anterior. Por isso buscamos recuperar tais elementos para estudar essa relação e sua mudança. O texto a seguir está dividido em quatro partes. Na primeira nos dedicamos a caracterizar a problemática que vive o país, com a finalidade de estabelecer o contexto sóciopolítico em que ocorre a transformação dos valores políticos e, conseqüentemente, o desafio que enfrentamos como sociedade. Procuramos ressaltar os efeitos da globalização sobre nossa realidade, ou seja, procuramos estabelecer o contexto em que se desenvolve a transformação dos valores e da relação destes com a educação. Na segunda parte, abordamos o tema da crise dos valores políticos no México, tentando esclarecer suas origens e a necessidade de sua mudança. Na terceira parte, apresentamos uma análise detalhada da relação

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Os custos do ajuste passivo desenvolvido desde 1982 são múltiplos:

Primeiro , criou-se uma dependência crescente dos capitais internacionais, em especial os especulativos, para manter o equilíbrio financeiro. Como conseqüência disso, o México foi forçado a manter taxas de juros muito altas, cujos dividendos são pagos com dívida crescente, resultado dos pacotes de ajuda ou de salvamento, ou com a riqueza nacional que é transferida para mãos dos investidores, com o que se criou um círculo vicioso pior que aquele que definiu a crise do modelo de substituição de importações. A proposta compensatória de limitar a dependência do capital estrangeiro com a poupança interna somente é viável se ocorre crescimento e se os fundos conformam recursos financeiros de longo prazo para investir produtivamente. Porém, se isso é logrado, a decisão de investir deve estar acompanhada pela possibilidade de dispor de tecnologia de ponta, de recursos de mercado em tecnologia e de acesso aos mercados, que são controlados pelas companhias transnacionais, para não falar da dívida externa. O capital estrangeiro cobrou carta de naturalização. O ajuste passivo aumentou a dependência do governo ou, se prefere, diminuiu sua margem de manobra política ao ficar amarrado à política econômica decidida fora e ao depender dos capitais estrangeiros para poder crescer, manter o equilíbrio das finanças, pagar o serviço da dívida, etc.

Segundo , a autonomização da economia, da política, e da sociedade, tem significado também uma mudança radical na organização e na política do governo. Durante o século XX o Estado forçou a economia a distribuir seus ganhos em benefício do conjunto da sociedade, no caso dos países desenvolvidos, e em benefício de alguns setores, basicamente as classes médias, no caso dos países subdesenvolvidos. A social-democracia foi o modelo mais desenvolvido dessa supremacia do Estado. Agora isso acabou, a economia emancipou-se da sociedade. Seguindo o raciocínio de José Luis Fiori (1995) podemos dizer que a crítica à democracia, realizada ao longo dos anos sessenta como um regime que levava à ingovernabilidade pelo excesso de demandas dos setores sociais corporativos que o Estado tinha que atender, foi o início de uma ofensiva que culminou com a proposta neoliberal de limitar o Estado, reduzir seu tamanho, destruir seu papel de empresário público, acabar com a regulação estatal da economia, privatizando os bens públicos para deixar a regulação nas mãos do mercado. Nos anos noventa, teve impulso um programa destinado a assegurar a homogeneização internacional da política econômica de tendência neoliberal conservadora: o governo bom, ou a boa governabilidade, passou a ser sinônimo ou resultado da capacidade dos “reformistas” em lograr uma extraordinária concentração de poder (NELSON, 1989, cf. FIORI, 1995, p. 16) através da formação de uma coalizão ampla, sólida e

PONTE, V. M. D.; MARTINS, M. M. S. Educação e cultura política no México: ...

permanente de poder que obtivesse a adesão da burguesia (WHITEHEAD, 1989, p. 73-94, 80 cf. FIORI, 1995), uma vez que na prática, comprar a adesão das classes inferiores pode custar muito pouco em termos de recompensas materiais (idem, p. 81). Para isto os autores desse projeto sugerem igualmente o isolamento burocrático de um grupo de technopols (WILLIAMSOM, 1990 cf. FIORI, 1995) que pudesse comandar a economia mantendo distância das pressões corporativas da sociedade. Na mesma direção, procurando estabilizar as expectativas dos agentes econômicos, são sugeridas reformas político-eleitorais capazes de incrementar o ‘índice de governabilidade’ da economia, assegurando a continuidade no poder da maioria obtida pela coalizão formada para apoiar a execução das reformas liberais. O novo “bom governo” tem como objetivo, e como padrão de medida internacional da sua eficácia, manter os equilíbrios macroeconômicos que preservem o bom funcionamento da economia internacional. Isto define uma inversão das prioridades dos governos: já não está em primeiro plano o desenvolvimento social ou o bem- estar, e sim o equilíbrio macro-econômico. Assim, as reformas provocam necessariamente um empobrecimento das sociedades sobre as quais se aplicam e ao mesmo tempo uma separação dos setores ou grupos sociais da política, reproduzindo a separação entre a política e a sociedade. No caso do México a transformação da política foi evidente, a separação da política econômica dos grupos sociais, em especial os velhos setores operários e camponeses corporativos, cuja ruína como organismos representativos é evidente. Nos últimos seis anos tentou-se desenvolver o “Liberalismo Social”, como uma doutrina compensatória que levaria para um ajuste menos brutal sobre os níveis de vida da população, mas o programa Solidariedade, que pretendeu ser a sua efetivação fracassou, entre várias razões, por ter-se colocado a serviço dos interesses políticos do grupo governante. Atualmente não existe qualquer rastro de política compensatória, obedecendo à risca a separação entre a política e a sociedade. Nestas condições, esperar apoios importantes do governo para transformações na educação soa algo muito distante, a não ser os exercícios retóricos, que fora da realidade, florescem todos os dias nas bocas dos governantes.

Terceiro , a nova organização do capital de nível internacional, a preponderância das novas tecnologias poupadoras de mão de obra e do setor de serviços com as mesmas características, conduzem a uma menor utilização da população economicamente ativa do mundo. Os períodos de pleno emprego, próprios da era keynesiana, cederam seu lugar a uma economia com taxas de desemprego elevadas que são consideradas normais e permanentes. Ainda nos países desenvolvidos, a população economicamente ativa ocupada no mercado formal é menor do que metade da população economicamente ativa; em nossos países a proporção é ainda

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consolidada em uma situação de marginalidade social crescente, e a população marginalizada e empobrecida possa mudar seus valores e desenvolver uma cultura política democrática. No atual governo vemos crescer mais rápido as forças repressivas, ou de segurança, de que os esforços para democratizar o sistema político. Aqui aparece o problema da estratégia neoliberal nos países atrasados como o nosso: o governo, extremamente endividado e com margens de ação muito estreitas, é refém das políticas que exigem o equilíbrio macroeconômico, tendo que depender de forma crescente do capital estrangeiro, no mesmo processo perde capacidade de financiar as políticas sociais; pelo contrário, sua tendência é para limitá-las, impossibilitando uma melhora nas condições de vida da população. Ao acatar as recomendações do Banco Mundial de isolar os tecnocratas da sociedade para evitar que o modelo de ajuste seja submetido a pressões, o autoritarismo do governo mexicano foi incrementado, é impenetrável às pressões ou aos problemas sociais. Em virtude de que a reforma democrática “definitiva” foi postergada para depois do êxito da política econômica, o governo foi administrando a abertura política, guardando para ele as decisões que atentem contra a sua permanência no poder. Por isso os canais de expressão da população mobilizada estão ocorrendo fora do sistema político, criando um clima de tensão e intranqüilidade social.

Quarto , junto ao processo de marginalização econômica e política da população, apresentam-se as demandas que os Estados e as organizações civis dos países mais desenvolvidos exercem pela democratização do sistema político, pelo respeito aos direitos humanos e a preservação do meio ambiente, pelo respeito aos direitos das minorias, tornando-os imperativo para os governos locais, que já não podem ignorar as demandas como faziam quando as mesmas vinham de atores nacionais. Esta presença internacional favoreceu o surgimento de muitas organizações não- governamentais e, com elas, a intensificação das lutas de grupos oprimidos, ou pelas bandeiras ecológicas e dos direitos humanos, reforçando o tecido social. Há uma exigência de modernização que, junto aos seus lados positivos, como a organização dos grupos oprimidos e a luta pelos seus interesses, tem o efeito de sobrecarregar de demandas os fracos governos nacionais, criando efeitos contraditórios às tentativas neoliberais de isolar a política econômica das demandas sociais. Perante a separação entre política econômica e a sociedade, apresentasse uma tendência para que estes grupos se expressem utilizando canais fora do sistema, como ocorre no caso do EZLN - Exército Zapatista de Libertação Nacional, ou como demonstram as crescentes marchas à capital, os plantões de greve, as greves de fome cada dia mais freqüentes e perturbadoras da ordem pública.

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Quinto , a transformação dos valores promovida pelo novo processo mundial é outra particularidade do processo. Neste plano, podem-se assinalados dois processos que para o México tornam-se contraditórios. De um lado, está a universalização de certos valores e a pressão externa para que sejam cumpridos em todos os cantos do mundo, como são os direitos humanos, a tolerância, a democracia, o respeito ao meio ambiente, os direitos das mulheres e das crianças, os direitos das minorias, etc. Por outro lado, a supremacia dos valores ligados ao individualismo, que marcha paralelamente ao anti-estatismo, a perda da solidariedade social com a queda do Estado benfeitor, a imposição de um racionalismo extremo - rational choice - como único motor da ação social. Junto às reformas neoliberais ocorre então uma batalha para impor à sociedade mundial uma nova moral coerente com o novo modelo. Nos países com regimes democráticos consolidados, ambos os conjuntos de valores são complementares e correspondem ao que Inglehart (1994)^3 denominou a revolução silenciosa. Com efeito existe uma tendência para que as pessoas sejam orientadas mais por valores pós-materiais, aqueles que tem a ver mais com a qualidade de vida, do que com os valores ligados às necessidades, o que seria válido naquelas sociedades que conseguiram um nível de bem-estar significativo. A mudança para valores pós-materiais é acompanhada de mudanças nos modos de participação política. Basicamente, os indivíduos tornam-se independentes das organizações verticais, como os partidos políticos, os sindicatos, etc. e começam atuar numa variedade de movimentos sociais de forma mais autônoma e com maior liberdade pessoal. Este último ponto também foi documentado pelos estudiosos dos chamados novos movimentos sociais^4. No caso mexicano, ambos os grupos de valores apresentam-se como contraditórios devido ao ajuste passivo. De um lado, o governo tenta impor os valores ligados ao individualismo, ao mercado, a chamada “modernização”, e por outro, nega ou não pode atender, pelas condições que já mencionamos nos pontos anteriores, os valores ligados à democracia e a uma melhor qualidade de vida, gerando uma contradição que coloca frontalmente os diferentes atores sociais e governamentais. Em resumo, encontramos um quadro definido por uma menor autonomia do governo em termos de política-econômica, um afastamento brutal dos interesses e problemas sociais da definição da política, uma separação dos atores sociais da política e, portanto, suas limitações para se expressar e influenciar através dos canais institucionais; e a pressão para que sejam adotados valores que no caso do México apresentam-se contraditórios. Ou seja, a mudança de valores no México e das instituições educativas apresenta-se em um contexto muito desfavorável. Por

(^3) Inglehart tem uma ampla bibliografia sobre o tema, citamos esta por incluir o caso do México. (^4) Sobre os movimentos sociais e as novas formas de participação consultar MELUCCI, 1989.

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mexicana e que foram analisados procurando erradicar os preconceitos, mostrando as arestas positivas e negativas da sua gestão; e ainda fazendo uma nova interpretação de épocas inteiras como no trabalho de Arnaldo Córdoba sobre a ideologia da Revolução Mexicana, ou a de François Xavier Guerra que realiza uma esplêndida interpretação conservadora do período da Independência até a Revolução de 1910, acabando com o mito de que a Revolução fora a “parteira” das mudanças ulteriores, pondo em evidência que estas já estavam se desenvolvendo nos períodos anteriores. Estejam ou não com a razão, conseguiram colocar em debate um conjunto de idéias e valores que antigamente eram considerados válidos e fora de discussão, e que conformavam o núcleo da ideologia do nacionalismo revolucionário e da cultura política mexicana. Pode-se dizer que perdeu-se o sentido da história, sua unidimensionalidade. Em segundo lugar, destaca-se a ação coletiva de uma série de movimentos que também colocaram em xeque um conjunto de valores. Entre tais movimentos destaca-se o feminista, que não somente colocou na berlinda o outrora orgulhoso machismo mexicano^6 , mas que incidiu na vida política reivindicando igualdade para as mulheres e o fim da dominação por parte do homem em todas as esferas da vida pública e privada. A reivindicação sobre o direito de decidir sobre sua sexualidade, tem mexido em alguns dos valores mais incorporados da cultura mexicana. Destacam-se, da mesma forma, os movimentos étnicos que, potencializados pelo levante armado do Exército Zapatista de Libertação Nacional em janeiro de 1994, recolocaram o problema da autonomia, da desigualdade a que foram submetidos por séculos de dominação sem piedade, e da necessária reorganização do Estado mexicano para assegurar seus direitos e sua continuidade como povos, como nações. Os movimentos urbano-populares, os ecologistas, os anti-nucleares, os de homossexuais e lésbicas, também contribuíram com a crítica aos valores estabelecidos. Ao lado destas ações coletivas de origem social, o movimento propriamente político pela democratização do regime teve um papel central. Os partidos de oposição conseguiram, junto a uma série de outros movimentos civis, conquistas importantes para por em crise o velho regime autoritário e os valores que o sustentavam; colocaram na berlinda o partido de Estado e o executivo, forçando-os a ceder na democratização, em eleições cada vez mais limpas e críveis, tirando sua posição de autoridade suprema.

(^6) Como o apresentou até o cansaço o cinema mexicano da “época de ouro” onde o homem mulherengo, bêbado e pendenciador era a personagem central.

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Em terceiro lugar, é necessário apontar a ação da modernização da sociedade mexicana, basicamente, o aumento da urbanização e o crescimento significativo da escolaridade, a diminuição do analfabetismo e o aumento dos anos de escolaridade média dos mexicanos. Como é conhecido, este processo de modernização está ligado à secularização dos valores tradicionais, à sua dessacralização (HUNTINGTON, 1994; INGHEHART, 1993, p. 9-42; LIPSET, 1995, p. 2-18). O resultado da ação dos três fatores assinalados foi um enfraquecimento dos antigos valores, sem que até hoje se possa observar um conjunto de novos valores que orientem a ação social, e que se possa dizer que constituam uma nova ordem. Pelo contrário, vemos uma pugna entre vários grupos para implantar seus valores, os “novos valores”. Desde o governo, apoiado por grupos empresariais e vários intelectuais, impulsiona-se abertamente os valores liberais, relacionados com a nova ordem econômica mundial, ao chamado neoliberalismo, enquanto que outros setores e organizações fazem pressão pela democratização política e social, o respeito pelos direitos humanos, etc. Vemos, em resumo, uma luta pela nova ordem social e política, uma luta pela historicidade, como diria Alan Touraine. Esta luta faz parte da crise política que impede que as velhas regras do fazer político e de se fazer política funcionem “automaticamente”. O grau de incerteza tem aumentado, e por isso surgem as perguntas: ‘quais são os novos valores que podem substituir os velhos?’ e ainda, ‘como pode a sociedade adotar esses novos valores?’. Antes de continuar devemos analisar a relação atual entre a educação e a cultura política dos cidadãos mexicanos, para saber qual é o desafio a ser superado, o que é que se tem que transformar.

Educação e cultura política no México 7

Para estudar esta relação, e necessário diferenciar algumas das muitas funções da educação: a cognoscitiva, que forma intelectualmente aos alunos, cria o senso crítico, reflexivo; a socialização, que transmite para os alunos os valores básicos de identidade nacional e local, dota e reforça seus valores morais; a formação da personalidade, para que o indivíduo adquira segurança e confiança nas instituições que o circundam, permitindo que atue com um ser autônomo, capacitado para dissentir, se opor, sabendo que está no seu direito fazê-lo. Como veremos, os anos de escola dão à criança uma formação que abrange desde o

(^7) Para uma revisão de como tem sido tratado o tema na literatura sociológica pode ser consultado: SMITH, 1995.

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Tabela 1 Relação entre escolaridade e Identificação com os heróis nacionais

(% dos que têm muita admiração)

Escolaridade

Miguel Hidalgo Benito Juarez Francisco Madero

Emiliano Zapata Até 5 anos 8.941 9.029 7.841 8. 79,1 79,9 69,4 75, Primário completo 4.701 4.701 4.166 4. 88,5 88,5 78,4 81, Secundário incompleto 1.329 1.376 1.243 1. 80,6 83,4 75,3 76, Secundário completo 2.799 2.887 2.433 2. 79,9 82,4 69,4 68, Bacharelado incompleto 795 831 641 747 78,3 81,8 63,2 73, Bacharelado completo e Ensino 2.598 2.692 2.196 2. Técnico (^) 89,5 92,8 75,7 87, Educação Superior ou mais 1.504 1.580 1.128 1. 81,9 86,0 61,4 80, Não sabe 1 1 1 1 24,8 24,8 24,8 24, Total das colunas 22.669 23.097 19.650 21. 82,3 83,9 71,4 77,

O estatismo, contra o que se poderia supor, incrementa-se com a escolaridade, enquanto a simpatia que os entrevistados sentiam por Carlos Salinas de Gortari é independente da escolaridade atingida. Ao contrário dos símbolos patrióticos anteriores ou da confiança que sente-se na família, estes indicadores mostram a relação dos mexicanos com as instituições do executivo, tanto com a presidência, como com o Estado. Certamente há uma relação de dependência dos cidadãos frente a estas instituições, ou seja, está pouco desenvolvido o sentimento de autonomia individual, de cidadania independente. Diante destes consensos básicos encontramos um mundo de desconfiança, tanto na maioria das instituições, como na própria capacidade dos mexicanos para influenciar a política (os dados aparecem na Tabela 2). A confiança que os

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mexicanos expressam perante instituições como o governo, nos vizinhos, nos meios de comunicação de massas, nos sindicatos, nos partidos políticos, nos colegas de trabalho, nos empresários, na polícia, nos juízes e na justiça, nos deputados e senadores, nos militares e nas associações de bairro, é baixa e aumenta com a escolaridade, ou seja, na medida que o indivíduo tem maior conhecimento e maior capacidade reflexiva. sua confiança diminui. As exceções são a igreja, a escola e os professores, e organizações camponesas e indígenas que são merecedoras da confiança da maioria dos entrevistados. Como é sabido, a confiança interpessoal e nas instituições da sociedade é um dado básico da cultura política cívica que garante a possibilidade de que o indivíduo colabore na vida pública na qual acredita, e que o faça pensando que terá respaldo. A desconfiança interpessoal, por exemplo, nos amigos ou vizinhos, e nas instituições, é um dado que remete o indivíduo a seus núcleos primários, à família, à certas organizações com grande força moral, a igreja, a escola e os professores; ou afetivamente significativas, como é o caso das organizações camponesas e indígenas. Da mesma forma, é muito importante o dado que para a maioria dos entrevistados sua auto-percepção frente à política seja negativa - a maioria opinou que não tem capacidade para influenciar nela - sua competência frente à política, como a chamaram Almond e Verba (1963), ou sua eficácia como preferem denominá-la outros autores é muito baixa (CRAIG; CORNELIUS, 1980). Os indicadores aparecem na Tabela 4. Nestes indicadores a escolaridade não é um fator que aumenta a auto- valorização dos cidadãos frente à política, mostrando um comportamento errático e tendências heterosedásticas. Ainda nos níveis de alta escolaridade, a porcentagem dos que estão muito de acordo com as perguntas não chega a superar 50% dos casos. Assim, junto ao núcleo afetivo, patriótico, encontramos uma baixa confiança nas instituições sociais e políticas, - com as exceções ressaltadas - e uma baixa eficiência política das pessoas - os entrevistados não acreditam nas instituições e, talvez por isso, não acreditam poder influenciar nelas^11.

(^11) Na pesquisa perguntou-se sobre a percepção da lei: O/A senhor/a acredita que as leis que nos afetam mais diretamente, abrangem a todas as pessoas por igual ou as colocam em forma desigual? Os resultados são muito similares, a grande maioria, sempre superior ao 70% dos casos, respondeu que a lei trata as pessoas de forma diferenciada. A maioria também respondeu que os deputados e senadores têm outros interesses e não representam a população. Ou seja os entrevistados não confiam na justiça, nem no sistema parlamentar de representação.

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Escolaridade Partidos políticos

Empresários Polícia Justiça e juízes

Deputados e Senadores

Associações de bairro

Militares Organizações Camponesas e Indígenas

Até 5 anos 1.523 1.189 2.132 1.911 1.928 2.456 3.184 4. 13,5 10,5 18,9 16,9 17,1 21,7 28,2 39, Primário 904 767 981 1.043 968 1.233 1.383 2. completo (^) 17,0 14,4 18,5 19,6 18,2 23,2 26,0 40,

Secundário 488 345 411 377 372 431 580 697 incompleto (^) 29,6 20,9 24,9 22,8 22,5 26,1 35,1 42,

Secundário 192 98 194 330 260 309 486 1. completo (^) 5,5 2,8 5,5 9,4 7,4 8,8 13,9 30,

Bacharelado 49 22 37 82 32 91 227 291 incompleto (^) 4,9 2,2 3,7 8,1 3,2 9,0 22,4 28,

Bacharelado 352 414 346 605 499 550 678 1. completo e Ensino Técnico

12,1 14,3 11,9 20,9 17,2 19,0 23,4 40,

Educação 93 50 48 116 55 336 139 414 Superior ou mais 5,1^ 2,7^ 2,6^ 6,3^ 3,0^ 18,3^ 7,6^ 22,

Não Sabe 4 75, Total das 3.602 2.889 4.149 4.465 4.114 5.406 6.677 10. colunas (^) 13,1 10,5 15,1 16,2 14,9 19,6 24,3 37,

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Relação entre escolaridade e escala de liberalismo-estatismo 12 (n/%) (*) em algumas tabelas a total de respostas “não sabe” não soma o total devido a um caso perdido.

 - Tabela 
  • Até 5 anos 2.589 698 4.158 5.302 12. Escolaridade Liberalismo Indeciso Estatismo NS/NR Total
    • 20,3 5,5 32,6 41,6 46,
  • Primário completo 1.207 378 2.534 1.732 5.
    • 20,6 6,5 43,3 29,6 21,
  • Secundário 299 174 530 352 1.
  • incompleto 22,1 12,8 39,1 26,0 4,
  • Secundário 395 300 1.999 343 3.
  • completo 13,0 9,9 65,8 11,3 11,
  • Bacharelado
  • incompleto 8,3 1,9 82,9 6,9 3,
  • Bacharelado 211 129 1.647 209 2.
  • Técnico 9,6 5,9 75,0 9,5 8, completo e Ensino
  • Educação Superior 64 43 1.182 110 1.
  • ou mais 4,6 3,1 84,4 7,9 5,
  • Não Sabe (*) - 75,2 24,8 0,
  • Total das colunas 4.833 1736 12.741 8.107 27.
    • 17,6 6,3 46,5 29,6 100,

PONTE, V. M. D.; MARTINS, M. M. S. Educação e cultura política no México: ...

É importante ressaltar que a confiança dos mexicanos está depositada basicamente na família, no núcleo familiar, e isto tem importantes conseqüências no desempenho público dos indivíduos. A desconfiança nas instituições, e nas instituições políticas principalmente, impede a associação do cidadão com propósitos públicos, torna difícil a colaboração com outras pessoas, com desconhecidos, os quais costuma ver como estranhos, ou ainda como inimigos. A desconfiança nas instituições públicas comumente implica uma visão pobre ou negativa do direito ou das leis, vistas como normas que na realidade não regulam a ação social ou política. Este tema já tratado por alguns autores é de uma importância crucial para a vida democrática, baseada na pluralidade e na incerteza, que se defronta com as relações primárias baseadas na família, as quais privilegiam a lealdade, a certeza, a exclusão do outro (ver LOMNITZ; COLEMAN; DAVIS, 1988). Em resumo, podemos afirmar que existe um núcleo básico da cultura nacional que diz respeito aos símbolos patrióticos nos quais a escolaridade não parece influenciar. Ao lado, encontramos certas opiniões que refletem forte apego ao Estado, a quem se atribui a responsabilidade pelo bem-estar dos cidadãos, e pela instituição presidencial, com a que todos identificam-se ou simpatizam. Junto a este núcleo encontramos a existência de uma cultura da desconfiança nas instituições e na capacidade dos entrevistados para influenciar na política que se mitiga com a escolaridade. Esta gera maior confiança pessoal, interpessoal e nas instituições, criando condições para a participação cidadã. Contudo, a escolaridade não consegue superar a síndrome da desconfiança.

  1. Na dimensão cognoscitiva encontramos os melhores efeitos da escolaridade. Quando pesquisamos sobre o poder de conceitualização dos entrevistados achamos diferenças fundamentais. Nas perguntas sobre o significado da democracia, do significado de ser de esquerda e ser de direita, observamos que os entrevistados com uma escolaridade primária incompleta ou menos mostram porcentagens superiores ao 79% de respostas “não sabe”, como se observa na Tabela 5. Somente a partir do bacharelado, mais de 75% emitiram uma resposta sobre o significado da democracia; no caso do significado de ser de esquerda ou de direita, essa porcentagem somente é atingida no nível de educação superior.

Opinião Pública, Campinas, vol. IV, nº 3, Novembro, 1997, p.141-

Tabela 5 Relação entre escolaridade e a incapacidade de conceitualizar a democracia, a esquerda e a direita (% de respostas “não sabe”)

Escolaridade Democracia Esquerda Direita Até 5 anos 8.757 8.634 8. 77,5 76,4 73, Primário completo 3.729 3.612 3. 70,2 68,0 63, Secundário incompleto 947 928 1. 57,4 56,2 60, Secundário completo 1.686 1.766 1. 48,1 50,4 48, Bacharelado incompleto 273 345 320 26,9 34,0 31, Bacharelado completo e Ensino 1.055 1.077 1. Técnico (^) 36,3 37,1 43, Educação Superior ou mais 152 303 250 8,3 16,5 13, Não Sabe 4 6 6 75,2 100,0 100, Total das colunas 16.603 16.603 16. 60,3 60,5 58, Perguntas: O que é democracia? O que significa ser de esquerda? O que significa ser de direita?

Ou seja, a possibilidade de conceituar a política, de pensá-la em abstrato, está intimamente relacionada com a escolaridade e em especial com os níveis altos de escolaridade, de bacharelado em diante. Os níveis mais baixos influem pouco na capacidade dos indivíduos para definir conceitos básicos da política. O mesmo papel importante que desempenha a escolaridade encontramos nas variáveis sobre o acesso aos meios de informação e o nível de informação que têm os entrevistados, ou seja, na capacidade dos cidadãos de se informar sobre política e de participar com base nisso. Como é possível observar na Tabela 6, a escolaridade introduz uma diferença significativa entre os entrevistados que ouvem ou assistem noticiários, que se informam dos acontecimentos políticos através de noticiários de televisão ou de rádio, e pela leitura de jornais ou revistas. Neste último caso os limites extremos da escolaridade mostram uma diferença superior aos 60 pontos percentuais, enquanto que nas outras a diferença é maior do que 30%.