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Cultura, tendo como referencial teórico o pensamento de Franz Boas, ... conhecida como a moderna antropologia cultural. Ele trouxe para a.
Tipologia: Notas de aula
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Resumo Este artigo busca instigar a discussão dos temas Educação e Cultura, tendo como referencial teórico o pensamento de Franz Boas, sobretudo a obra The mind of primitive man, na qual o autor trata de temas antropológicos de suma importância para a compreensão da realidade social. Temas antropológicos como “raça” e “cultura” são medulares na antropologia de Boas e servem como base para estudar o conceito de educação, hoje, e o processo educacional de todos os tempos e lugares. Palavras-chave : educação; cultura; raça; linguagem; desenvolvimento. Abstract This article seeks to instigate a discussion of the issues Education and Culture, with the theoretical thinking of Franz Boas, especially the book The Mind of Primitive Man, in which the author deals with anthropological themes of great importance for the understanding of social reality. Anthropological themes as "race " and "culture" are medullary in anthropology from Boas and serve as a basis for studying the concept of education today and the educational process of all times and places. Keywords : education; culture; race; language; development.
Comemoramos em 2011 o centenário da primeira edição de uma das obras mais importantes da Antropologia Americana, The Mind of Primitive Man (1911), de Franz Boas. Oportunamente fiz sua tradução para a língua portuguesa e, recentemente ela foi publicada, coincidindo com o ano de seu centenário. Esta obra foi uma das pioneiras a tratar da relação Cultura e Educação. Embora este não seja o foco principal desta obra, faço aqui um resgate deste binômio nela presente, aplicando-o a nossa realidade, cem anos depois do seu lançamento. Junto com as contribuições trazidas nesta sua obra medular da antropologia, agrego contribuições que Boas apresentou em outras obras e que foram fundamentais para o entendimento do conceito de cultura e de educação para o desenvolvimento humano. Embora The mind of primitive man seja uma obra centenária, como todo clássico ela é imortal e atemporal, e seus conceitos ultrapassam a noção de tempo e espaço e podem ser empregados em qualquer realidade, desde as das tribos mais longínquas deste planeta, tidas ainda como “primitivas”, até as mais desenvolvidas da atualidade. Sociedades tidas como “civilizadas”, mas que, devido ao fenômeno da globalização, paradoxalmente se transformaram em “aldeia global”, como sentenciou em meados do século passado Marshal MacLuhan. Desde modo, o pensamento de Boas é um importante contributo para a civilização de um mundo globalizado que têm na cultura e na educação as bases do seu desenvolvimento. Os conceitos de Cultura e Educação foram amplamente abordados nesta obra, como, por exemplo, a ideia de que o desenvolvimento educacional de um povo se deve mais aos seus próprios méritos e esforços do que a influência externa. Não obstante a essa forma de desenvolvimento educacional e cultural, Boas mostra o quanto estes dois conceitos são relativos, variando de acordo com cada ponto de vista e cada realidade. Antes de tratar do tema Educação e Cultura no pensamento de Franz Boas, quero tecer um breve comentário sobre o autor e seu aporte para a Antropologia, destacando alguns elementos que contribuem no entendimento e na aplicação destes dois temas a realidade social, hoje. Em seguida colocarei algumas notas sobre a obra The mind of primitive man e sua importância para a antropologia.
para medir com exatidão os apontamentos reunidos em campo e outras atividades próprias da Antropologia, como, por exemplo, mapear campos de pesquisas. E a psicologia experimental serviu-lhe de base para a antropologia americana, que ganhou em Boas um dos seus principais expoentes. Sua emigração para os Estados Unidos se deu em 1887, onde ensinou na recém-criada Universidade de Clark, na cidade de Massachussets. Mais tarde transferiu-se para a Universidade de Colúmbia, Nova York (1889). De início ainda não tinha reconhecimento como antropólogo, porque até então a Antropologia ainda não tinha status de uma ciência estabelecida, o que significava perspectivas profissionais bastante limitadas, diferentemente da Geografia e da Física, que demonstravam campos promissores. O reconhecimento como antropólogo veio a partir de uma de suas principais obras, The mind of primitive man (1911).
Retomo aqui o comentário que preparei para a orelha desta sua primeira obra publicada no Brasil ( A mente do ser humano primitivo – Vozes, 2011). Nesta obra o autor busca desconstruir as bases das grandes teorias do século XIX (raça, evolução e cultura) e instaura o relativismo cultural como visão motora dentro dessa ciência. Boas desmonta definitivamente o conceito de raça e evolução ontogênica como paradigma do pensamento antropológico e estabelece os métodos e os critérios para o trabalho de campo que até hoje ajudam a guiar os antropólogos. Ele consegue reunir nesta obra os principais temas da Antropologia e traz para a discussão afirmações como, por exemplo, a não existência de raças humanas totalmente definidas, demonstrando que nenhum grupo humano é biologicamente superior a outro. Vale lembrar que afirmações como essa causaria grande impacto não apenas nas pesquisas antropológicas, mas nas sociedades em geral, principalmente as que produziram líderes como Adolf Hitler e Mussolini, com suas teses anti-semitas e racistas. Vale destacar que nesta obra fulcral da antropologia americana, Boas critica teorias deterministas aplicadas ao estudo da cultura humana, como, por exemplo, o determinismo geográfico e econômico. Com isso ele abre espaço para a reflexão e debate sobre a educação nos moldes que hoje a concebemos. Ao criticar a ideia de que o ser humano primitivo pensaria
de forma “pré-lógica”, como queria Lévy-Bruhl, Boas mostra que as funções e os traços fundamentais da mente humana são idênticos e que, portanto, o processo educacional, pode levar uma pessoa a desenvolver seu raciocínio, independentemente da parte do planeta em se vive. Esse tema abre espaço para a discussão, hoje, de medidas na área da educação, como, por exemplo, o sistema de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras. Se Boas vivesse hoje, combateria veementemente esse sistema, uma vez que sua teoria defende a ideia “que, com uma experiência social semelhante, negros e brancos se comportam de maneira semelhante e que a raça está inteiramente subordinada ao marco cultural”. Com essa afirmação, Boas mostra que se todos tivessem a mesma oportunidade de educação, poderiam concorrer em pé de igualdade, sem precisar de estratégias ou subterfúgios que legitimam práticas discriminatórias. Ainda no âmbito da relação Cultura e Educação nas teorias de Boas, destaque para a insistência do autor no estudo dos diferentes tipos culturais que compõem a humanidade em oposição à ideia de raça que classifica os seres humanos como se estes fossem inferiores ou superiores uns dos outros, de acordo com fatores externos, como, por exemplo, cor da pele, localização geográfica, costumes, etc. Dessa maneira, ele combate o preconceito que desqualifica pessoas e as colocam numa condição de inferioridade umas das outras. Esse elemento que Boas traz para a reflexão é essencial no campo da formação da cidadania e da civilidade. A obra The mind of primitive man , como já foi citado, foi publicada pela primeira vez em 1911. Na época, temas como hereditariedade e raça eram ainda pouco estudados. Boas, vinte e sete anos depois, no prefácio desta obra magistral, preparado em 1938, ocasião da sua reedição, reconhece que desde o seu surgimento até então, haviam sido realizados numerosos trabalhos em todos os ramos das ciências e que estes deveriam ser levados em consideração nesta reedição. Pelo fato de neste ínterim ter surgido estudos comprobatórios da influência do meio ambiente sobre a forma corporal e o comportamento humano, bem como abordagens referentes às atitudes mentais do ser humano “primitivo”, a partir de novos pontos de vista, levou-o a reformular, ou mesmo reescrever grande parte desta obra que, a partir do seu segundo lançamento, em 1938, ficou da seguinte maneira: um prefácio escrito na segunda pessoa, como se não fosse ele o autor do mesmo, porém, ao final, ele assina o prefácio, colocando local e data. Era janeiro de 1938. Nessa época ele era professor na Universidade de Colúmbia. Nesse prefácio ele recorda que algumas das conclusões
Em seguida, naquele que é considerado o primeiro capítulo da obra, Boas faz uma análise histórica, destacando o fato da relação entre raça e cultura ter chamado a atenção dos pesquisadores, mas que poucos têm tratado o tema como deveria. Boa parte destes usam critérios de análise influenciado por preconceitos raciais, nacionais e de classe que pouco ou nada contribuem para o avanço da ciência. Ele cita um a um esses autores, apontando as datas de suas pesquisas e como elas influenciaram para a formação de conceitos e preconceitos, porém não elucidam se há uma relação mais ou menos íntima entre a estrutura corporal dos grupos raciais e sua vida cultural, o que contribuiria para entender o processo educacional de cada povo e o próprio conceito de cultura. No capítulo seguinte, dá-se ênfase à composição das raças humanas. Nele o autor busca formular um conceito claro do que ele entende por raça e cultura. A elucidação desses dois conceitos ajuda a entender o binômio “educação e cultura”, aqui tratado, como veremos adiante. Seguindo nessa mesma linha, o terceiro capítulo traz as características hereditárias das raças humanas, demonstrando que cada grupo tem um ritmo de desenvolvimento característico, mas ainda paira dúvida se ele está relacionado a traços hereditários ou se as condições ambientais contribuem para esse desenvolvimento. A resposta começa a aparecer no quarto capítulo quando o autor trata da instabilidade dos tipos humanos, mostrando a importância de se pesquisar a gênese dos diversos tipos de seres humanos que se encontra na face da terra. Ele não discute a evolução das raças, mas emite algumas considerações importantes que ajudam a entender esta problemática antropológica, como, por exemplo, a relação entre a forma corporal de um povo e a incidência de certas enfermidades que podem exercer uma leve incidência sobre a composição de uma população. Assim, o autor se estende no quinto capítulo descrevendo sobre a posição morfológica das raças; analisando a composição das populações; o efeito da hereditariedade e o grau de instabilidade dos tipos humanos, considerando a significação desses tipos fundamentalmente diferentes. Esse tema o conduz para a análise das funções fisiológicas e psicológicas das raças, tratadas no sexto capítulo, onde descreve com riqueza de detalhes tais funções, mostrando que elas são determinadas pela forma corporal. No final desse capítulo, ele chega à conclusão de que as condições exteriores, isto é, os elementos culturais, são fundamentais para o desenvolvimento fisiológico e psicológico das raças e que elas, as raças, não são substancialmente diferentes uma das
outras. Isso levaria a concluir que o desenvolvimento de um povo depende da sua cultura e, sobretudo, da educação que ele recebe. Educação vista aqui como sinônimo de adestramento. A cultura e a educação estão presentes de forma mais evidente no sétimo capítulo, quando é abordada a questão da raça, da língua e da cultura. O autor mostra que quando não se tem as mesmas oportunidades, dificilmente se pode ter o mesmo desenvolvimento. Esse é um fato muito evidente hoje, quando se trata do sistema educacional brasileiro, que cria situações paliativas para problemas crônicos, como, por exemplo, a erradicação do analfabetismo e o sistema de cotas, entre outros. Para a erradicação do analfabetismo institui-se a aprovação automática, como se um “diploma” significasse aprendizagem e o sistema de cotas para negros e indígenas, que os nivela abaixo dos demais na hora de aprová-los para o ingresso no ensino superior, como se o fato de se estar na universidade resolvesse o problema da carência de uma formação mais sólida e consistente. Ambas as soluções não passam de tentativas frustradas que apenas camuflam a real situação da desigualdade de oportunidades, causada não por problemas étnicos, mas por falta de investimentos em políticas educacionais e distribuição igualitária de recursos. Boas traz no oitavo capítulo um apanhado das primeiras manifestações culturais e define o conceito de cultura como “a totalidade das reações e atividades mentais e físicas que caracterizam a conduta dos indivíduos que compõem um grupo social, coletiva e individualmente, em relação ao seu ambiente natural, a outros grupos, a membros do mesmo grupo e de cada indivíduo para consigo mesmo” (Boas, 2010, p. 113). Destaca que, apesar desses elementos serem fundamentais para o entendimento do conceito de cultura, eles não são suficientes porque seus elementos não são independentes, têm uma estrutura. Boas mostra que entre os animais também é possível encontrar essa relação acima enumerada. Assim sendo, o peso da definição do conceito de cultura recai sobre a língua e outros elementos mais intrínsecos à atividade humana. Com isso, Boas abre um leque de interpretações da cultura e isso ele faz no nono capítulo, alertando que é preciso uma análise meticulosa para entender este conceito, seja no âmbito da chamada cultura primitiva ou das classificadas como modernas. Descarta o uso exclusivo da análise comparativa, até então aplicada por muitos, e recomenda um sistema de comparação mais fundamentado para entender não apenas o conceito de cultura, mas a mente do ser humano que produz cultura e educação.
cultural”. O padrão cultural corresponde à soma das atividades de um povo, ou grupo, como, por exemplo, as atitudes deste grupo, os objetos por ele utilizados, seus costumes, suas ideias, enfim, ao ajustamento dos diversos traços e complexos característicos de cada agrupamento humano que traduzem o conjunto de valores que esse grupo expressa. Boas, no início do século XX, mais precisamente em 1911, quando publicou The mind of primite man , colocou as bases na formação desse conceito, ao afirmar a individualidade da cultura. Com isso ele inaugura o conceito de “culturas”, no plural, destacando o particularismo histórico de cada cultura, onde cada uma se forma e se transforma ao longo do tempo, num processo dinâmico. Assim sendo, o papel do antropólogo, segundo Boas, não é o de estabelecer leis gerais para a cultura, como se ela fosse algo único e padronizado para todos os povos, como pensavam os evolucionistas e outras correntes antropológicas de então, mas estudar e compreender os fenômenos dessas culturas particulares e descobrir qual sentido os detentores dessa cultura atribuem às suas práticas. Além disso, constatou-se a necessidade de reconstruir a história de uma cultura para poder compreendê-la. Esse procedimento nós encontramos nas obras de Boas, sobretudo no livro Primitive Art (Boas, 1927), onde ele disseca o comportamento artístico de determinados povos, o qual revela sua personalidade, para compreender sua cultura. Só conhecemos verdadeiramente um povo quando analisamos técnica e metodicamente suas ações diárias, resultadas do seu universo psíquico, seus costumes, como, por exemplo, hábitos alimentares, comportamento rituais, e principalmente sua manifestação artística, como fez Boas ao analisar a arte primitiva dos povos e a relação que ela tinha com a vida social destes, bem como o seu desenvolvimento. Outra afirmação importante de Boas em relação às culturas é a difusão dos seus traços que se processa em várias direções, o que a relativiza em vez de padronizá-la. Essa difusão justifica o culturalismo, ou, mais precisamente, o particularismo histórico de cada cultura. Assim, Boas abre caminho para o relativismo cultural e a antropologia amplia seu campo de ação e, consequentemente, de pesquisa, impelindo os antropólogos a irem a campo recolher materiais para fundamentar suas pesquisas. O relativismo cultural inaugurado por Boas mostra a evolução como fenômeno que pode decorrer do estado mais simples para o mais complexo dentro de uma cultura e que esta tem o seu valor e a sua riqueza dentro do seu próprio sistema cultural. Fora dele ela perde
o sentido. Assim sendo, a noção de bem e de mau, de certo e de errado e outras categorias de valores são relativos a cada cultura. Isso vale para todas as práticas e costumes de um povo, inclusive para a sua educação, como veremos abaixo. Assim sendo, a educação está relacionada à herança cultural e não biológica. Em suma, a principal contribuição de Franz Boas sobre o conceito de cultura está relacionada com a nova abordagem trazida por ele. Não é por acaso que Boas foi um marco da moderna antropologia cultural. Ele não se identificou com uma teoria em particular e nem criou uma escola boasiana de antropologia, mas sua contribuição está no enfoque dado ao estudo da cultura, nos dados que reuniu e nos seguidores que deixou, dentre eles Alfred Kroeber, Margaret Mead, Ruth Benedict, Edward Sapir, Melville Herskovits, Robert Lowie e o brasileiro Gilberto Freyre, que aplicou o método de Boas em obras como a supracitada Casa Grande & Senzala entre outras, enfocando o problema racial, num país multirracial, com a perspicácia que aprendeu com o mestre. A influência de Boas na antropologia foi profunda. Ele aboliu o conceito de raça (embora use o tempo todo esse termo em suas obras), e o a evolução ontogênica como paradigma do pensamento antropológico; estabeleceu os métodos e os critérios para o trabalho de campo que continuam a guiar os antropólogos e os estudos de antropologia e instaurou o relativismo cultural como visão diretora dentro desta ciência, conforme já citado anteriormente.
Tratar da educação no pensamento de Franz Boas é fazer um regate do próprio desenvolvimento da Antropologia Cultural e dos rumos que ela tomou na América, o qual trouxe importantes contribuições para o mundo, mas não é este o propósito deste artigo, embora aqui pontuo alguns elementos importantes do aporte que o pensamento de Boas trouxe para o campo da Educação, como, por exemplo, a melhor compreensão da mente do ser humano primitivo, que foi título da sua mais importante obra, a qual refiro em diversos momentos deste artigo. Nesta obra, Boas afirma que não há nenhuma diferença fundamental na maneira de pensar do ser humano primitivo e do civilizado e que a estreita ligação entre
primitivo e de um civilizado. O que muda são apenas os conceitos e não a essência do ser humano seja ele de tribos da Austrália, da África, da América, dos esquimós do Alasca ou dos povos europeus e americanos que habitam as grandes cidades. Com essa maneira de ver o ser humano, Boas abriu caminho para refletir questões que ainda hoje são discutíveis em nossa sociedade, como, por exemplo, a da igualdade racial (temos até um Ministério no governo para tratar dessa questão); o sistema de cotas e outras questões educacionais, como, o sistema de ensino nos seus diversos níveis, com métodos igualmente discutíveis; o próprio conceito de “escolaridade”, associada comumente como sinônimo de cultura. Boas, com uma visão compromissada e progressista da ciência antropológica ajuda a enfrentar questões como essas e denuncia, com seus argumentos, interpretações distorcidas que ainda hoje insistem em se apresentar como correta ou ideal. Um dos legados de Boas para a Antropologia e demais ciências humanas que utilizam pesquisa de campo, é o seu método de pesquisa. Ele é considerado um antropólogo de campo e nesse quesito tem muito a nos ensinar. Ele observada detalhes, como, por exemplo, a matéria e a forma como as casas eram constituídas, a disposição desses materiais, e como eles eram empregados. Isso servia também para a arte e outros ofícios. Tudo era objeto de meticulosa observação e descrição e procurava fazer isso com a maior fidelidade possível. Boas sabia que nos detalhes estavam ocultas as respostas para grandes questões. Esse procedimento metódico talvez se deva à sua formação em outras áreas como a Geografia e a Física. As ciências exatas ajudaram Boas a coletar e a organizar de forma lógica os materiais de sua pesquisa de campo, e a Geografia, a mapear os povos e áreas de pesquisas. Com isso, Boas mostra a importância da religação dos saberes para se obter melhores resultados nas pesquisas. O rigor da descrição etnográfica foi, portanto, outra contribuição de Boas que ainda hoje precisa ser aplicada para se obter resultados satisfatórios. No campo do estudo do desenvolvimento humano, Boas contribuiu com a ideia da existência de diferentes tipos de desenvolvimentos históricos, e que esses são resultantes de distintos processos, nos quais intervêm inúmeros fatores e acontecimentos, sejam eles culturais e não cultuais. Enfim, apontou novas maneiras de compreender a relação do ser humano com seu meio (cultura e sociedade), abrindo caminho para a moderna antropologia.
Em artigo publicado em 29 de abril de 1905, Boas contribui com a educação ao dar preciosas dicas sobre as funções educativas dos museus antropológicos. Afirma ele: “assim como nosso sistema escolar requer escolas secundárias e universidades – além das escolas primárias –, um grande museu deveria cumprir a função objetiva de uma escola primária para o público em geral, sem deixar de servir àqueles que procuram uma educação mais elevada e de ajudar a treinar o professor” (Boas, 2004, p. 359). Depois coloca passo a passo como ele deve ser organizado, de modo que facilite a pesquisa e a aprendizagem. Faz um alerta importante, de modo que os museus não sejam apenas uma exposição para “divertir” as massas, mas que tenham a finalidade e utilidade para os fins da educação em seus diversos níveis. Outro texto de Boas relacionado à Educação, intitulado “Liberdade de ensinar”, traz uma relevante contribuição para entender as consequências das interferências externas no ensino. Afirma Boas nesse artigo que “o ensino e a pesquisa devem ser livres de interferência externa, e de que a liberdade pessoal dos integrantes do corpo docente não deve ser restringida pelo conselho diretor” (Boas, 2004, p. 401), porém, alerta para outras problemáticas além dessa que podem prejudicar o ensino, pois, conforme comenta em nota o organizador desta obra, George W. Stocking Jr, “os conselhos diretores não são os únicos inimigos potenciais da liberdade do professor” (Stocking, 2004, p. 401), há muitos outros aos quais se deve estar atento. Nesse artigo, Boas defende a ideia da integração da Universidade com a Comunidade, de modo que ela abra mão do seu isolamento. Tentativas semelhantes a que Boas propõe encontramos no Brasil, mais especificamente no Estado de São Paulo, nas escolas públicas de ensino médio e fundamental, com o projeto “Escola da Família” e outros que os Estados têm promovido. São iniciativas tímidas, mas que estão no caminho certo, segundo as proposta de Boas, de uma escola que possa interagir com a comunidade. Boas destaca a necessidade da liberdade não apenas para o ensino, mas também para a aprendizagem. Mostra que as “grades” curriculares cerceiam a liberdade da aprendizagem, apresentando ao estudante uma espécie de “forma”, previamente determinada, pela qual ele deve passar para sair “formado”. Afirma: “essa tradição da escola, quando a linha de estudo é cercada por inúmeras regras e regulações, ainda controla a universidade” (Boas, 2004, p. 405). Lembra que “os estudantes do college ,
áreas, sobretudo da biologia, com teorias evolucionistas que legitimavam a existência de raças superiores e inferiores que serviam de base para fundamentar regimes ditatoriais discriminatórios. Vimos que Boas critica tais abordagens que usavam os conceitos de “raça”, “tipo racial” e de “superioridade racial” para fins políticos e discriminatórios e mostra que o conceito de raça é indefinível e impreciso, portanto, inútil. Assim sendo, ele redefine o uso deste conceito e abre caminho para refleti-lo a partir de outras abordagens, como, por exemplo, a de etnia em vez de raça, como hoje é mais empregado. Afirma, contudo, que não se pode individualizar qualquer diferença entre o modo de pensar do ser humano primitivo e do civilizado, e que toda raça se adapta à vida social, ao seu meio, mas elas não são nem superiores nem inferiores umas das outras, apenas tiveram ambientes e oportunidades distintas. Para Boas, o conceito de “raça” não pode individualizar as constantes anatômicas, fisiológicas e psicológicas de um grupo humano, pois, as diferenças entre as populações são numerosas e as manifestações da vida social mostram como não se pode tratar o comportamento humano com critérios determinísticos, e como se deve abandonar o conceito supracitado, sobretudo porque este conduz ao surgimento do preconceito e a prática discriminatória que resultam em ações como as que se viu nos regimes nazistas e fascistas da Europa e de diversas outras partes do mundo. Boas chega a outra conclusão que, a exemplo da anterior, adentra o campo político. Afirma ele que raça, linguagem e cultura são variáveis independentes e que qualquer teoria que pense na derivação dos fenômenos sociopsicológicos pela componente fisicobiológica não pode ter qualquer fundamento científico. Assim sendo, o problema da “raça ariana”, defendida por Adolf Hitler, não passa de uma mistificação. Enfim, a crítica à utilização de conceitos ideológicos, a recusa do determinismo e da hierarquização das culturas, a denúncia das aplicações discriminatórias, marcam a antropologia de Franz Boas e estão presentes na obra The mind of primitve man , cujos reflexos influenciam ainda hoje o estudo da Educação e da Cultura. Como vimos, a Cultura foi um dos temas centrais da antropologia de Boas, fazendo dele o Pai da Antropologia Cultural moderna. Ele a colocou no âmago das ciências sociais, transformando-a em instrumento de análise dos processos psicológicos e históricos aos quais sempre se interessaram os povos. Mostrou que o “tipo” anatômico, a língua e a cultura não têm, necessariamente, o mesmo destino. Suas argumentações comportam, portanto, a convicção de que as qualidades naturais, as aspirações e
as necessidades dos seres humanos são substancialmente idênticas em cada povo, seja ele “primitivo” ou “civilizado”, independentemente da sua origem geográfica. Com tal afirmação, Boas abre caminho para estudar a educação como um conceito antropológico. Para Boas está claro como o comportamento humano, enquanto complexo e variado, deve ser estudado no quadro da capacidade psicológica, da adaptação ao ambiente, das habilidades linguísticas e simbólicas, além de se referir aos processos educativos. Afirma, assim, a legitimidade de todos os conhecimentos que compõem a cultura, sem hierarquias entre eles, oferecendo as bases não apenas para a ideia de uma ciência étnica, ou “etnociência”, mas para uma filosofia da educação, cujo método se preocupa com o recolhimento e a conservação metódica do patrimônio cultural, para o estudo dos avanços cognitivos de cada povo. Enfim, podemos ainda destacar no âmbito das contribuições de Boas para a compreensão da Educação e Cultura, a capacidade que ele teve de oferecer respostas válidas e polêmicas para todos os tempos, além de deixar um importante legado de instrumentos conceituais e científicos que ainda são aplicados nos estudos da antropologia e demais ciências sociais. Destaque para a tensão moral, concebida como um método, que atravessa toda a sua obra. Esta “tensão moral” é, portanto, uma maneira de se chegar à verdade nas pesquisas antropológicas. Faz parte das bases lançadas por ele para a moderna antropologia americana que veio afirmar um ponto de vista microssociológico do estudo dos grupos humanos, transcrevendo-as minuciosamente na busca de uma abordagem mais fiel possível das manifestações culturais que ele observou, bem como a consideração de cada sociedade em si e para si, como totalidade autônoma. Com isso desenvolveu uma visão crítica e bem elaborada das noções de origem e reconstituição dos estágios culturais. Reconheceu e fundamentou cientificamente a legitimidade de todos os conhecimentos que compõem a cultura, sem hierarquias entre eles, como já foi acima citado. Valorizou o patrimônio linguístico como chave de entendimento de uma cultura, não apenas como instrumento de análise necessário para o pesquisador entender a cultura estudada, mas, sobretudo, como elemento primordial do processo educativo de um povo. Na relação entre Educação e Cultura, Boas procurava leis de evolução e de funcionamento das sociedades através do método indutivo, primando pelo ato de ver, ouvir, falar, escrever, o que sintoniza a Cultura com a Educação. Ele rejeita o evolucionismo unilateral das teorias de Darwin,