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É isso mesmo que é isso e, Esquemas de Matemática

É isso mesmo que é isso e pronto

Tipologia: Esquemas

2025

Compartilhado em 04/07/2025

jessica-maria-rosa-de-oliveira
jessica-maria-rosa-de-oliveira 🇧🇷

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Política educacional paranaense:
a transformação da escola pública
em mercadoria.
Não venda a
minha escola.
Organizadores(as):
Cleiton Costa Denez
Edinéia Fátima Navarro Chilante
Jussara Aparecida Ribeiro
Marcia Aparecida de Oliveira Neves
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Política educacional paranaense:

a transformação da escola pública

em mercadoria.

Não venda a

minha escola.

Organizadores(as):

Cleiton Costa Denez

Edinéia Fátima Navarro Chilante

Jussara Aparecida Ribeiro

Marcia Aparecida de Oliveira Neves

scola de

formação

APP 2024

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formação

APP 2024

formação

APP 2024

formação

2° semestre

A TRANSFORMAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM MERCADORIA

Expediente:

APP-Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná - Filiada à CUT e à CNTE. Av. Iguaçu, 880, Rebouças, Curitiba / PR - CEP 80.230-020 - Tel.: (41) 2170-2500. Site: www.appsindicao.org.br

Uma publicação do Grupo de Trabalho e Estudo de Formação Política Sindical em parceria com a Unespar. Coordenação: Secretaria de Formação Política Sindical da APP-Sindicato. Projeto Gráfico e diagramação: Secretaria de Comunicação da APP-Sindicato.

Gestão APP Unida e Forte – Em Defesa da Escola Pública (2021-2025): Walkiria Olegário Mazeto [Presidenta], Celso José dos Santos [Secretário Geral], Elio da Silva [Secretário de Finanças], Nádia Aparecida Brixner [Secretária de Administração e Patrimônio], Sidineiva Gonçalves de Lima [Secretária de Organização], Maria Adelaide Mazza Correia [Secretária de Aposentados(as)], Márcia Aparecida de Oliveira Neves [Secretária de Assuntos Municipais e Secretária Educacional], Antônio Marcos Rodrigues Gonçalves [Secretário Executivo de As- suntos Municipais], Margleyse Adriana dos Santos [Secretária Executiva Educacional], Cleiton Costa Denez [Secretário de Formação Política Sindical e Cultura e Secretário Executivo de Formação Política Sindical e Cultura], Daniel Nascimento Matoso [Secretário de Comunicação], Cláudia Gruber [Secretária Executiva de Comunicação], Ralph Charles Wendpap [Secretário de Sindicalizados(as)], Marlei Fernandes de Carvalho [Secretária de Assuntos Jurídicos], Simone Regina Checchi [Secretária de Política Sindical], Jussara Aparecida Ribeiro [Secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos], Elizabete Eva Almeida Dantas [Secre- tária de Funcionários(as)], Taís Adams Gramowski [Secretária da Mulher Trabalhadora e dos Direitos LGBTI+ e Secretária Executiva da Mulher Trabalhadora e dos Direitos LGBTI+], Julia Maria Moraes [Secretária de Promoção de Igualdade Racial e Combate ao Racismo e Secretária Executiva de Saúde e Previdência], Tereza de Fátima dos Santos Rodrigues Lemos [Secretária de Saúde e Previdência] e Silvana Prestes Rodacoswiski (in memoriam).

Ficha elaborada pela Biblioteca da UNESPAR, Campus de Paranavaí Bibliotecária Responsável: Vânia Jacó da Silva, CRB 1544-

Não venda a minha escola. Política educacional paranaense: a transformação N194 da escola pública em mercadoria: coletânea de textos para debate / organizado por Cleiton Costa Denez... [et al.].– Paranavaí: Unespar, 2024. 58 p. Caderno digital; pdf: 1,76 mb.

Inclui bibliografia Disponível em: https://appsindicato.org.br/ ISBN: 978-65-01-15932-

  1. Educação – Políticas Públicas. 2. Educação Pública - Empresariamento.
  2. Escola - Privatização. 4. Educação – Paraná. I. Denez, Cleiton Costa. II Chilante, Edinéia Fátima Navarro. III. Ribeiro, Jussara Aparecida. IV. Neves, Marcia Aparecida de Oliveira. V. APP – Sindicato. VI. Título.

CDD 20. ed. 379.

A TRANSFORMAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM MERCADORIA

APRESENTAÇÃO

Conoscenza è, nel momento attuale, sinonimo di forza

(Gramsci, L’Ordine Nuovo, 1919-1920)

O Programa Parceiro da Escola ganhou notoriedade na política educacional paranaense em 2022, quando a Secretaria de Estado da Educação lançou Edital de credenciamento de empresas prestadoras de serviços educacionais que viriam a assumir a gestão de 27 escolas públicas do estado. Naquele processo, apenas duas unidades aceitaram a proposta. Agora, o projeto retorna com a indicação de 204 escolas do estado para se- rem administradas pela iniciativa privada. Esse processo, se implantado, tende a alterar o que conhecemos por escola pública e suas finalidades. E muda não só a administração burocrática da escola, como toda a organização do trabalho pedagógico e, como consequência, os processos de ensino e de aprendizagem, formação docente, relações trabalhistas e a própria concepção de educação enquanto direito de cidadania, cujos efeitos serão percebidos na redução da qualidade de formação da população paranaense, nos próximo anos. As propagandas veiculadas pelos canais oficiais da Secretaria de Estado da Educação explicam o funciona- mento do Programa, porém deixam muitas perguntas sem respostas. Com o objetivo de contribuir para o debate e apresentar análises a respeito de importantes aspectos do campo educacional, o Observatório da Educação do Curso de Pedagogia da Unespar, campus de Paranavaí, e o Programa de Formação da APP Sindicato organizaram o processo formativo para o segundo semestre de 2024, no formato de grupos de estudos, com os 29 Núcleos Sindicais da APP-Sindicato quando se dedicarão ao estudo do Programa, junto à comunidade escolar. É sabido que a universidade, por meio da pesquisa acadêmica, tem um papel importante nas discussões quanto à política educacional. Cobrados quanto à existência de material escrito que pudesse auxiliar a com- preensão do complexo fenômeno da privatização, via Programa Parceiro da Escola e, considerando que o tempo da pesquisa e a produção de resultados acadêmicos é diferente do tempo da política, que exige res- postas rápidas a demandas imediatas, optou-se, no âmbito do curso de formação, pela produção de ensaios teóricos embasados em pesquisas concluídas ou em andamento sobre temas relacionados ao processo de privatização das escolas públicas no Paraná. Para isso, pesquisadores de cinco universidades públicas do estado do Paraná (UNESPAR, UEM, UEL, UFPR, UFFS) e professores(as) da rede básica de educação pública do estado e dirigentes da APP-Sindicato, foram convidados(as) a escrever, à luz da pesquisa acadêmica, sobre aspectos relevantes do caráter público da Edu- cação e as implicações do processo de privatização das escolas no Paraná, apresentando para o debate infor- mações relevantes que são omitidas nas comunicações oficiais do governo do estado. O primeiro ensaio, de autoria das professoras Edinéia Navarro Chilante, da UNESPAR, Adriana Medeiros Farias, da UEL, e Michelle Fernandes Lima, da UEM, apresenta as principais características do Programa Parcei- ro da Escola e antecipa as questões principais que orientam os demais trabalhos. Na sequência, a professora Adriana Medeiros Farias, da UEL, evidencia as conexões entre a privatização das escolas públicas no estado e o movimento de empresariamento da educação em curso no país. Sobre o neoliberalismo digital e o processo de plataformização do ensino, escreve a professora Carolina Batista Israel, da UFPR. Na sequência, destaca- mos as contribuições do professor Cleiton Costa Denez, da APP Sindicato, e da professora Edinéia Navarro Chilante, da UNESPAR, ao refletirem sobre as experiências internacionais de gestão privada da educação pú- blica. No quinto texto, o professor Regis Clemente da Costa, da UFFS, situa o Programa Parceiro da Escola no contexto das políticas neoliberais, oferecendo uma análise crítica das políticas que envolvem a parceria entre o setor público e a iniciativa privada na gestão escolar. A reflexão da professora da Educação Básica Hellen Cris Leite de Lima problematiza as implicações de uma escola cuja ênfase recai sobre a meritocracia e a competitividade para a formação da juventude no estado. A da juventude no contexto da pedagogia do empreendedorismo e o fetiche do uso da tecnologia, é tema do ensaio da Professora Renata Peres Barbosa, da UFPR.

A TRANSFORMAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM MERCADORIA

PROGRAMA PARCEIRO DA ESCOLA: O QUE VOCÊ PRECISA

SABER SOBRE MAIS UMA AÇÃO PRIVATISTA DO GOVERNO RATINHO

Edinéia Navarro Chilante^1 Adriana Medeiros Farias^2 Michelle Fernandes Lima^3

Neste ensaio apresentamos as principais características do Programa Parceiro da Escola, nos dois momen- tos de sua apresentação no estado do Paraná: em 2022 e agora em 2024. Ao apresentarmos o Programa a partir do que dizem os documentos normativos e orientadores e a propaganda do Governo Ratinho sobre ele, problematizamos, também, em forma de perguntas, aquilo que os documentos não dizem. O objetivo é contribuir para que o debate ultrapasse a aparência do Programa abrindo as discussões que serão tratadas nos ensaios que virão na sequência deste material. Em 2022, o Serviço Social Autônomo Paranaeducação publicou o Edital nº03/2022 de credenciamento de empresas na área da educação, com objetivo de transferir a gestão administrativa de 27 unidades escolares e, então, criar o Projeto Parceiro da Escola. De acordo com o Edital, os requisitos para credenciamento de em- presas eram: possuir no mínimo 5 mil estudantes em instituições próprias nos últimos 03 anos e comprovar a média do ENEM das Instituições geridas pela empresa, acima de 550 pontos. A empresa credenciada que assumisse a gestão administrativa da escola, segundo o Edital 003/2022, re- ceberia um valor de R$ 800,00 por estudante, por mês, durante o prazo de vigência do contrato que é de 12 meses, podendo ser renovado ou não, de acordo com o cumprimento de metas estipuladas. Desse valor pago por estudante, deveriam ser descontadas as despesas pagas pela SEED, tais como: o valor de hora-aula por professor(a) e dos(as) servidores(as) lotados(as) e em atividade na escola. Além das despesas de água, luz, gás, telefone que seriam pagos pela SEED e, ainda, eventuais alimentos fornecidos pelo FUNDEPAR. Ainda, no termo de referência do Edital de credenciamento, foram listadas as metas a serem atingidas pelas empresas que assumissem a gestão da escola, sendo que a primeira refere-se ao aumento da qualidade na educação, a redução da evasão escolar, seguidas do aumento da frequência dos estudantes. A qualidade, neste caso, seria medida por testes padronizados (Prova Paraná) e pelos índices alcançados pelas escolas no IDEB. Assim, por exemplo, a escola que tivesse média 5,0, na avaliação aplicada pela SEED no início do contrato com a empresa privada, deveria atingir a média 6,75, em 2027. Caso a meta mínima não fosse atingida, ficaria a critério da SEED optar pela não renovação do contrato ou aplicar a penalidade de desconto financeiro de R$100,00 por cada estudante matriculado(a) na Instituição de Ensino. Caso a meta avançada fosse atingida e mediante a renovação do contrato, haveria o pagamento de bônus de R$100,00/mês por cada estudante matriculado(a) na Instituição de Ensino, pelo período de 12 meses. A empresa contratada deveria manter a utilização dos seguintes sistemas geridos pela SEED: a. Registro de Classe Online - RCO; b. Sistema Estadual de Registro Estadual - SERE; c. Sistema de Recursos Humanos – Meta- 4; d. Plataforma Redação/PR; e. Plataforma Inglês/PR; f. RH-SEED; g. Plataforma Programação (EduTech). h. Sistema de Obras online. Para efetivar o Projeto, o edital de credenciamento previa a realização de consulta pública nas escolas, organizada pelos Núcleos Regionais de Educação. Como resultado da consulta pública que ocorreu nos dias 05, 06 e 07 de dezembro de 2022, das 27 escolas listadas, duas tiveram quórum mínimo e aprovaram a parti- cipação no Projeto, são elas: Colégio Estadual Anita Canet, de São José dos Pinhais, e Colégio Estadual Anibal Khury, região metropolitana de Curitiba. Em 2024, o governo do estado Paraná enviou à Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP) um Projeto de Lei com a proposta de ampliar a privatização da gestão de 204 escolas públicas do estado. Diferente da primeira etapa, em 2022, não havia, no Projeto, um termo de referência para consulta, apenas o Projeto de Lei enviado para a Assembleia. Mesmo depois de vários protestos de membros da ALEP, da APP- Sindicato e docentes da IES, a respeito da sua inconstitucionalidade, o PL foi aprovado na Assembleia Legislativa, com a maioria dos votos e se tornou a

A TRANSFORMAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM MERCADORIA

Lei nº 22.006, em 4 de junho de 2024, instituindo o Programa Parceiro da Escola. A Lei aprovada, com apenas 19 artigos, autoriza a Secretaria de Estado da Educação (SEED) a celebrar contrato com pessoas jurídicas de direito privado especializadas na prestação de serviços de gestão educacional e implementação de ações e estratégias que contribuam para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem dos(as) estudantes e a efi- ciência na gestão das unidades escolares. Art. 13. A critério da Secretaria de Estado da Educação - SEED, o Pro- grama Parceiro da Escola poderá ser executado por intermédio do Serviço Social Autônomo Paranaeducação, instituído pela Lei nº 11.970, de 19 de dezembro de 1997. A melhoria no processo de ensino e aprendizagem para a SEED é entendida como a melhoria dos índices educacionais aferidos pelas provas em larga escala. Na Lei, assim estão listados os objetivos do Programa: I - garantir a gestão técnica e qualificada nas unidades educacionais, a fim de assegurar a prestação de serviços públicos educacionais de excelência; II - manter o acesso universal, público e gratuito aos serviços educacionais prestados pelo estado; III - buscar o aumento da qualidade da educação pública estadual, por meio do estabelecimento de metas pedagógicas e modernização das estruturas administrativas e patrimoniais; IV - garantir os direitos dos(as) servidores(as) públicos(as) do quadro efetivo da Secretaria de Estado da Educação - SEED, lotados nas referidas unidades educacionais, assegurando, dentro das normas da Seed, oferta de vaga em concurso de remoção; e V - garantir aos(às) professores(as) contratados(as) pelo Programa Parceiros da Escola remuneração não infe- rior ao dos(as) professores(as) contratados(as) por regime especial - PSS, bem como o direito às horas-ativi- dade previsto na legislação trabalhista. Quanto à avaliação do Programa, se dará a cada ciclo contratual, que nos contratos de 2022, iniciados em duas escolas no ano de 2023, são de 12 meses. A avaliação do Programa será feita por meio de indicadores de frequência, aprendizagem (Prova Brasil e Prova Paraná), conservação e limpeza e satisfação da comunidade escolar. Para esta edição do processo de entrega da gestão da escola para empresas educacionais, serão realizadas consultas públicas, conforme consta no Art. 6º da Lei aprovada. Antes da celebração do contrato, a proposta será submetida a consulta pública à comunidade escolar aten- dida, que poderá decidir pela adesão ao Programa, em votação preferencialmente presencial regulamentada por resolução da Secretaria de Estado da Educação - SEED. Diante da aprovação desse Programa que pode, inclusive, ser implementado em todas as escolas públicas do estado, torna-se necessário o esclarecimento quanto às implicações desse modelo de gestão empresarial privatista para a organização do trabalho pedagógico, da gestão escolar e do processo de ensino e aprendiza- gem dos estudantes, objetivo principal da escola, assim como para a função social da escola pública. Diante desse contexto, entendemos que é preciso garantir as condições de um debate qualificado com a participação efetiva de toda a comunidade escolar - estudantes, pais, mães, professores(as) e funcionários(as) de escola - partícipes da consulta pública sobre a adesão ao Programa. A leitura da Lei Lei nº 22.006 e as propagandas veiculadas pela SEED e pelo Paranaeducação apresentam o Programa mas deixam uma série de questionamentos sem respostas, entre eles, destacamos: a. Quais os interesses econômico, político, social, cultural e educacional em jogo na criação do Programa Parceiro da Escola, instituído por meio da Lei nº 22006/2024. b. Como fica o princípio legal da gestão democrática com a introdução de uma gestão privada da escola pública? c. Privatizar a gestão melhora a aprendizagem dos estudantes? d. Treinar diariamente estudantes para a realização de provas, com objetivo de melhorar os índices edu- cacionais, garante de fato a qualidade da educação? Qual concepção de qualidade de educação desse modelo empresarial de escola? e. A ênfase recorrente dos gestores educacionais no cumprimento das metas e resultados e o uso coer- citivo de plataformas digitais de controle do trabalho docente e gestor garantem uma aprendizagem significativa? Afinal qual a função social da escola? f. Como fica o direito à educação, em uma escola cuja meta é alcançar resultados numéricos? g. Em que medida a ênfase no uso das plataformas educacionais como forma de controle do trabalho docente traz benefícios à aprendizagem dos estudantes? h. Como fica o controle social e a transparência do uso de recursos públicos, quando estes são repassa- dos para o setor privado?

A TRANSFORMAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM MERCADORIA

EMPRESARIAMENTO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA:

QUANDO A EDUCAÇÃO É MERCADORIA E O PODER PÚBLICO É CLIENTE PREFERENCIAL

Adriana Medeiros Farias^1

Quem é o empresariado brasileiro que lucra com a educação?

Esta denominação genérica empresários da educação é atribuída aos capitalistas, pessoas que na divi- são das classes sociais se apropriam do trabalho alheio e dos meios de produção, nas relações econômicas históricas derivadas do capital industrial, agrário, bancário e financeiro. Dentre seus negócios, eles têm feito da educação um mercado rentável, por meio de suas empresas (empresas, holdings e conglomerados) e de seus braços sociais (fundações, institutos e organizações sociais). Os tais capitalistas têm nome, sobrenome, estão listados nas revistas entre os mais ricos do Brasil e do mundo, são acionistas majoritários de agências do mercado financeiro, banqueiros, proprietários de latifúndios, de conglomerados educacionais, do capital transnacional, entre outros setores e ramos. Vamos aos nomes de alguns deles: Jorge Paulo Lemann, uma riqueza estimada em R$ 82,89 bilhões, ex- -proprietário do Banco de Investimentos Garantia, fundador e acionista da GP Investimentos, do Fundo Privaty Equitay 3G Capital Patners , do Innova Capital e da Gera Venture Capital, acionista majoritário da Americanas SA; Anheuser-Busch InBev e Restaurant Brands International (controladora do Burger King e a Kraft-Heinz); Mar- cel Hermann Telles e Carlos Alberto da Veiga Sicupira são sócios do Lemann e juntos somam uma riqueza de quase 20 bilhões de dólares; Alexandre Behring da Costa acionista da 3G Capital, AB-Inbev, Kraft; Família Mei- relles do Banco Itaú-Unibanco; Miguel Krigsner do Grupo Boticário; Janguiê Diniz do Grupo Ser Educacional, entre outras empresas; Rodrigo Galindo da Cogna, maior conglomerado de educação privada (Vasta, Kroton, Saber, Somos Educação, Unopar/Anhanguera, Pitágoras); Ostrowiecki e Renato Feder (ex-ceo) da Multilaser, Oriovisto Guimarães ex-ceo do Grupo Positivo, a lista é longa. Gramsci distingue empresários como sendo aqueles que têm o domínio técnico e que organizam a própria classe. Além do domínio econômico, dirigem os interesses de classe a partir de organizações sociais empresa- riais localizadas na sociedade civil (Fundação Lemann, Fundação Estudar, Endeavor, Fundação Brava, Instituto Itaú Social, Fundação Boticário, Instituto Êxito, Fundação Positivo, para citar algumas) mas, ao mesmo tempo, na sociedade política, por meio de seus prepostos empresariais. Este movimento tem sido analisado por muitos historiadores(as), cientistas sociais, pesquisadores(as) de diversos campos do conhecimento. Suas pesquisas revelam que o empresariado brasileiro participa do esta- do político fazendo com que os interesses privados de uma classe sejam reproduzidos nas ações, nos progra- mas, nos projetos, como aqueles que a SEED tem gerido e, que em parte, é continuidade e aprofundamento de algumas ações privatizantes que estão em curso no Paraná, desde a reforma neoliberal do Estado, dos anos 1990. O que temos observado e analisado é que o fenômeno do empresariamento da educação pública é o aprofundamento, a extensão e o modus operandi da produção da hegemonia das classes dominantes, sobre- tudo das frações empresariais, para perpetuar a sociabilidade capitalista, e, portanto, submeter a educação aos interesses do capital (Farias, 2022). Para manter a sua posição de classe, manter a riqueza expropriada é preciso disseminar ideias, sentimentos, valores, concepções de mundo que justifiquem, legitimem as mais variadas formas de superexploração dos trabalhadores, com o consentimento e adesão dos trabalhadores e trabalhadoras. A educação é fundamental para a reprodução da concepção empresarial e formação do tipo de trabalha- dor(a) que interessa ao projeto neoliberal em curso. Para tanto, sobressai a ideia de que não há educação de qualidade que se realize nos sistemas de ensino público fora das concepções empresariais de educação expressas na BNCC; no Novo Ensino Médio; nas Diretrizes Operacionais da EJA; sem metas do Índice de De- senvolvimento da Educação Básica (IDEB) para cumprir; sem o treinamento diário exigido para realização das avaliações em larga escala (SAEB, Prova Paraná, Prova Paraná Mais, ENCCEJA); sem o uso obrigatório das pla-

A TRANSFORMAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM MERCADORIA

taformas educacionais para controlar o trabalho docente e gestor; sem referencial curricular para dizer o que se deve e pode ensinar; sem gestão gerencialista para garantir que tudo isto aconteça. A concepção capitalista meritocrática de educação precisa ser reproduzida e também incorporada, captu- rando a subjetividade das pessoas e fazendo com que acreditem que não há qualquer outra possibilidade de se fazer educação se não for dentro dos moldes empresariais, das “boas práticas” referenciadas em Sobral e nos “ cases de sucesso” da Fundação Lemann e Vetor Brasil. Ideias não são hegemônicas se não forem tam- bém acompanhadas de coerção. Gramsci, ao explicar ao longo de seus escritos a construção da hegemonia, expõe que ela não será alcançada se não for acompanhada da força policialesca do Estado. E não restam dúvidas quando se trata da confluência de forças do governo do estado do Paraná, das formas utilizadas para coerção, no campo e na cidade: indígenas, trabalhadores do campo, operários, profissionais da saúde, agen- tes de segurança, professores da educação básica e das instituições de ensino superior.

Qual a concepção de Estado?

Temos utilizado com frequência o termo Estado para designar muitas coisas, a mais comum é reduzir Estado a governo. Todavia, a interpretação da sociedade burguesa capitalista feita a partir das chaves de lei- tura, construídas por Marx, Engels, Gramsci e Poulantzas e seus/suas intérpretes, permitem extrair as bases estruturais e o funcionamento do modo de produção capitalista, fundamentados no complexo método de interpretação da realidade denominado por materialismo dialético. Ele - o materialismo dialético - exige de nós não apenas a leitura crítica do mundo, mas o compromisso com a sua transformação. Para Marx o Estado é, pois, “o comitê que administra os negócios comuns da classe burguesa como um todo” (Marx e Engels, 2005). O estudo sobre Estado não é algo que Marx tenha se debruçado e que a gente tenha tempo para estudar aqui, mas é importante destacar que ela dista da leitura que os liberais, em suas diversas matrizes, produziram e tornaram senso comum. Por exemplo, a separação entre Estado e sociedade, ideia que é típica da concepção liberal. Com isso, o Estado é um sujeito que paira sobre os interesses da sociedade e que cumpre a função de mediação dos interesses humanos para fazer valer o direito à propriedade,a liberdade e a livre concorrência. É como se o Estado, aqui entendido como institui- ção administrativa das demandas sociais, não fosse conduzido hegemonicamente pelos interesses de uma classe sobre a outra. Marx e Engels, colocaram no chão as matrizes liberais e mostraram que o Estado é gerido pelos negócios da burguesia e que dele também se reproduzem as relações sociais e econômicas do capital. O Estado é, por- tanto, classista. Gramsci, avança a partir desta análise e aponta para o fato de que o Estado não pode ser o sujeito que paira sobre os interesses da sociedade como afirmam as matrizes liberais, de modo muito, muito geral. Tam- pouco o Estado é objeto, como sugerem interpretações marxianas a este respeito. Ele é uma relação social e, como tal, sociedade civil e sociedade política não estão separadas. O Estado ao administrar os interesses sociais em seus aparelhos, pode atender parte dos interesses de uma educação dos(as) trabalhadores(as), de qualidade, democrática, inclusiva, para todos(as). Como também atender aos projetos do Todos pela Educação, da Fundação Lemann, do Itaú Social, da Fundação Positivo, das empresas do Agronegócio reunidas na ABAG; todos estes projetos interessados em uma educação para todos(as) os(as) que puderem lucrar. A concepção ampliada de Estado é categoria fundamental para a análise das políticas educacionais, ao lado de hegemonia, intelectuais orgânicos e aparelhos privados de hegemonia (APH). Todas elas estão sendo mo- vimentadas nas análises que derivam do empresariamento da educação pública, no Brasil e particularmente no estado do Paraná. Elas permitem de forma relacional, analisar as transações mercantis no campo da edu- cação, quem compra e quem vende a mercadoria educacional.

A educação é mercadoria?

A educação é mercadoria para os capitalistas que veem a educação pública (básica e superior) como mer- cado em expansão e o poder público como principal cliente. O poder público foi e continua sendo o principal cliente das editoras na compra de livros didáticos, de empresas de equipamentos tecnológicos, de platafor- mas e “sistemas de ensino”.

A TRANSFORMAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM MERCADORIA

Quadro 1 - Empresariamento da educação pública no estado do Paraná

Aparelhos Privados de Hegemonia e Empresas Programas, Frentes^ Ações, Projetos e Programas Fundação Lemann Instituto Reúna com apoio técnico do Elos Educacional, Sincroniza, Gesto, Mathema e Porthema

Pólo de “Gestão para a Aprendizagem”, Progra- ma Formar.

Programa de Formação de Docentes e Gestores estaduais e municipais. Programa de Formação de Gestores da Fundação Lemann em Londrina. Assessoria para elaboração do CREP, para cur- sos de formação implementação da BNCC. Programa Social Educa Juntos Fundação Lemann Mega Edu

Programa Conectividade: Plataforma Khan Academy Brasil, Youtube Edu, HBX Coursera Brasil. Entre as startups educacionais perfilam a Geekie, QEDU. Programa do Governo Federal: Educação Conectada

Produtos e Serviços tecnológicos para Ensino Fundamental e Médio conteúdos (exercícios, ar- tigos e vídeos) de Matemática, Ciências e Língua Portuguesa, alinhados à BNCC, Cursos profissio- nalizantes privados à distância. RLCO, Power Bi, Edu Tech. Recursos Educacionais Digitais (RED): Khan Academy; o Desafio Paraná (Quizzes); a Matific; o Leia Paraná e a Redação Paraná Fundação Lemann, Instituto Humanize, Funda- ção BRAVA, Republica.org. Apoio: Vetor Brasil, RAPS, CLP, CONSAD, CONSED, UNDIME e GIFE e das empresas EloGroup, Instituto Publix e Instituto Gesto

Programa Aliança Vamos Transformar o terceiro setor e a gestão Pública

Guia de Seleção Pública Matriz de Competência para os cargos críticos mapeados; desenho das rotinas de desenvolvi- mento; levantamento das Diretrizes estratégicas e Priorização; pactuação das metas com as lideranças. Seleção dos Chefes dos NREs, Coordenação da Coordenadoria de Educação de Jovens e Adultos e Educação e Trabalho. Continuidade da seleção com uso de Platafor- mas sem o Programa Aliança para vários cargos de médio escalão da SEED. Vetor Brasil Programa Lideranças no Setor Público programa Líderes de Gestão Pública Residência Gestão Pública Rede de Líderes

Seleção para Secretário municipal de Educação de Londrina (PR). Seleção para Secretário Regional de Educação do Consórcio de Desenvolvimento e Inovação do Norte do Paraná (Codinorp) Seleção para gestores escolares (municipal e estadual). Programa de Residência em Gestão Pública (estagiários na gestão da SEED e da Secretaria de Panejamento e Gestão) Fundação Lemann e a empresa Sincroniza Orientação e Assessoria em Educação Ltda.

Programa Formação Programa Formadores em Ação Curso “Ensino Híbrido na Prática”, Implementa- ção em escala da plataforma Khan Academy. Iungo Instituto MRV e Bem Maior

Parceiro investidores: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Instituto Eurofarma, a Log, Fundo de Susten- tabilidade Hydro (FSH), Vale, Porticus, Instituto Arapyaú Itaú Educação e Trabalho Instituto Reúna, Parceiro técnico: Porvir

Formação de Professores do Ensino Médio Implementação do NEM

Instituto Latino-Americano de Empreendedoris- mo, Inovação e Desenvolvimento Sustentável

  • Instituto Êxito

Grupo Ser Educacional entre outras empresas. Empreendedorismo. Uso de Plataformas e con- teúdos digitais gratuitos para 200 mil estudan- tes do Ensino Médio. Termo de Adesão Consed e Instituto Êxito Itaú-Unibanco Fundação Itaú Educação e Trabalho Política de Ensino Médio Integrado a Educação Profissional e Tecnológica Itinerário de Forma- ção Técnica e Integral Monitoramento e avalia- ção dos estudantes em relação a prontidão para mundo o trabalho. Fundação Dom Cabral Associação Comercial do Paraná (ACP) Fecomér- cio PR, Faep, Fiep, Fecoopar, Faciap e Fetranspar

Reforma do estado do Paraná fusão de secre- tarias e absorção de mais de 30 militares ao governo. Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), governo do estado do Paraná, Universi- dade Aberta do Brasil e Youth Action Hub IES públicas estaduais e privadas

Observatório Sistema Fiep. Arranjo de Pesquisa e Inovação (Napi) Educação do Futuro Observatório da Educação Básica. Avaliação das Políticas Educacionais do estado.

Fontes diversas: sites oficiais do governo do estado do Paraná, das empresas, das fundações e organizações.

A TRANSFORMAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM MERCADORIA

Considerações para o seguimento dos estudos:

O empresariamento da educação pública é fenômeno social histórico que integra a reorganização das relações entre o capital e o trabalho e da necessidade de reforma do Estado para atender aos interesses das frações empresariais burguesas. E o empresariado brasileiro elegeu a educação como campo para dissemi- nação de seus projetos estratégicos, por meio dos Aparelhos Privados de Hegemonia (APH). Nesse sentido, as fundações, institutos e organizações empresariais servem para fazer com que seus projetos (BNCC, NEM) se- jam incorporados às políticas educacionais com o consentimento e uso dos instrumentos de coerção, dentre eles as plataformas educacionais. O empresariamento da educação pública viabiliza a privatização de formas e tipos diversos, alcançando a expansão do mercado educacional, a disputa dos fundos públicos, a formação escolar dos filhos e filhas das classes trabalhadoras. Tudo isso apoiado pelos marcos legais que regulamentam as complexas relações entre empresas, APHE e poder público. A interpretação das políticas educacionais por meio das chaves de leitura marxistas e gramscianas exigem análises relacionais. Mas elas não são chaves mágicas, não resolvem os problemas, porque não é sua função. Elas são fulcrais para a interpretação da complexa realidade que vivemos e para a construção dos caminhos que só os(as) trabalhadores(as) organizados(as) coletivamente podem tomar, considerando os rumos que lhes são possíveis, num dado momento da história, considerando a sua condição de luta, de organização e de consciência crítica da vida material concreta, sonhada na perspectiva da educação como emancipação humana.

Notas:

(^1) Adriana Medeiros Farias. Doutora em Educação pela FE/Unicamp. Professora do Departamento de Educação da Universidade Estadual

de Londrina (UEL), professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPEdu). Pesquisadora Líder do Grupo de Pes- quisa em Educação, Estado Ampliado e Hegemonias (GPEH). E-mail: adrianafarias@uel.br

Referências FARIAS, Adriana Medeiros. Estado Ampliado e o empresariamento da educação pública. Revista Trabalho Necessário , v. 20, n. 42, p. 01-24, 2022. Disponível em: https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/53532. Acesso em: 04 ago. 2023

FARIAS, Adriana Medeiros. O Conglomerado de Aparelhos Privados de Hegemonia Empresariais Lemann e sócios na “seleção pública” de pessoas para a gestão educacional do estado do Paraná. Práxis Educativa , [S. l.], v. 18, p. 1–27, 2023. Disponível em: https://revistas.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/20670. Acesso em: 4 ago. 2023.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere , 6 volumes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011

MARX, K.; ENGELS, F.. Manifesto do Partido Comunista. In: Armando Bogo (Org.). Teoria da organização política (escritos de Engels, Marx, Lenin, Rosa, Mao), vol. I. São Paulo: Expressão Popular, 2005.

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rências, permitindo a criação de perfis comportamentais, passam a ser considerados dados de fato (Romele; Severo, 2015). A capacidade de (re)configuração automatizada dos espaços algorítmicos para usufruir desses perfis e gerenciar comportamentos é a finalidade última do mercado de futuros que rege a economia de da- dos. No atual sistema extrativista de dados, denominado Capitalismo de Vigilância, por Zuboff,

os habitat dentro e fora do corpo humano estão saturados de dados e produzem oportunidades radi- calmente distribuídas para observação, interpretação, comunicação, influência, predição e, em última instância, modificação da totalidade da ação (Zuboff, 2018, p. 44).

Nesse contexto, a plataformização do ensino se torna um lugar privilegiado para produção de futuros. Tanto no que diz respeito a futuros imediatos, como insumos para o mercado de dados a partir dos usos das plataformas pelos alunos, quanto como projeto futuro de sociedade, dentro do qual a educação desempe- nha papel fundamental para delinear a cognição humana, em suas formas e conteúdos, incluindo o futuro do trabalho. Para Zuboff, as transformações do mundo do trabalho derivam das formas atualizadas de produção de valor, onde o trabalho informatizado se instala como nova lógica produtiva. A automação computacional que substituiu a energia humana como geração de valor coloca-se como dispositivo que conduz novas formas de trabalho guiadas por informação maquínica, ao mesmo tempo que se coloca como dispositivo de capta- ção das atividades laborais, tornando o trabalho transparente por meio de sua codificação informacional. “A automação não somente impõe informação (sob a forma de instruções programadas), mas também produz informação” (Zuboff, 2018, p. 44). Na lógica do trabalho mediado por computador, o aprendizado constante e em tempo real coloca-se como nova ordem de produção de valor, a partir das atividades cognitivas humanas ( ibidem ). Ainda que a exploração do trabalho como energia corporal permaneça, as formas atualizadas de extração de valor laboral envolvem a expansão exponencial de atividades mediadas por informação. O relatório publicado pelo Banco Mundial em 2019, A natureza Mutável do Trabalho , é flagrante dessa perspectiva, ao assinalar que a emergência de uma forma mercado baseada em plataformas digitais prioriza, neste âmbito, o que denomina “habilidades cognitivas”^4. Nesse cenário, o ensino plataformizado expressa os maiores anseios do neoliberalismo digital em termos de formação de força de trabalho. No Brasil, o estado do Paraná tem se colocado como protagonista no movimento de plataformização do ensino. Entre o período de 2021 e 2024, foram identificados contratos com oito plataformas diferentes, pelo portal da transparência do estado, alcançando um gasto aproximado de cento e cinquenta e cinco milhões de reais, conforme Tabela 1. Observa-se que a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (Seed-PR) procede à substituição do nome proprietário das plataformas, adotando um selo que remete ao governamental, como um ocultamento do caráter privado desses dispositivos algorítmicos, conforme disponível em seu site^5.

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Tabela 1 – Contratos com plataformas educacionais firmados pela Seed-PR (2021-2024)

Contrato Nº/ Ano (^) governamentalNome proprietárioNome País sede

Datas (^) Valor Contratado Inicial Final (R$)

757/2024 Sala VirtualParaná Google Classroom EUA 13/02/2024 11/06/2024 5.065.993,

598/2024 Edutech Alura Brasil 04/02/2024 03/02/2025 12.437.

229/2024 Power BI -Microsoft Power BI - Micro-soft EUA 24/01/2024 23/03/2024 4.118.132,

Acordo de Cooperação n.º 2023000442

Matemática Paraná Khan Academy^ EUA^ 29/01/2024^ 24 meses^ Não se aplica

4900/2023 Sala VirtualParaná Google Classroom EUA 27/09/2023 27/01/2024 2.597.339,

1271/2023 Sala VirtualParaná Google Classroom EUA 07/04/2023 05/08/2023 999.950,

439/2023 Edutech Alura Brasil 03/02/2023 15/03/24 10.414.527, 380/2023 Inglês Professor EnglishCentral EUA 24/01/2023 23/01/25 24.795.

376/2023 MatemáticaParaná Matific Austrália 24/01/2023 23/01/2025 10.368.

Indisponível Desafio Paraná Quizizz EUA 08/02/23 24 meses 6.228. Acordo de Cooperação n.º 202200017

Matemática Paraná Khan Academy^ EUA^ 13/01/2023^ 12/2023^ Não se aplica

5671/2022 Leia Paraná Odilo Espanha 21/11/2022 21/11/2024 8.277.781,

2733/2021 MatemáticaParaná Matific Austrália 13/07/2021 12/07/2025 14.976.

2196/2021 Inglês Paraná EF Education First Suiça 28/06/2021 27/06/2025 31.479. 358/ (005/2022 interno) Edutech^ Alura^ Brasil^ 07/02/22^ 03/02/23^ 8.021. 1687/2021 Edutech Alura Brasil 18/02/21 18/12/21 4.155. 210/ (007/2021 interno)

Power BI - Microsoft

Power BI - Micro- soft EUA^ 28/01/2021^ 27/01/2023^ 1.143. Total: 154.935.275,

Fonte: Portal da Transparência do Paraná. Consultado em junho/

A presença do Google Classroom indica que o governo paranaense segue a tendência mundial de adoção de soluções advindas das chamadas big techs para a rede de ensino público. Entre as dimensões sensíveis que envolvem a presença de big techs no gerenciamento da coisa pública, situa-se a perda da soberania de dados, dimensão estratégica do poder estatal contemporâneo, tanto econômica quanto política. Hoje, quando um(a) estudante se matricula na rede pública paranaense, recebe um login para o Google Classroom, onde os(as) professores(as) deixam conteúdos e realizam atividades. Como um produto digital, os contratos configuram licenças para o uso do software como Serviço (em inglês, Software as a Service – SaaS ), por um quantitativo e período limitados. No caso do Google Classroom , o último contrato refere-se a 6.156 licenças para o uso da plataforma, num período de quatro meses, pelo valor de cerca de dois milhões e meio de reais, como indica a Tabela 1^6. Além da Google como uma das grandes big techs por trás do ensino paranaense, encontra-se também a Microsoft com o aporte da interface Power BI , compreendida como uma solução de inteligência de negócios. A principal finalidade do recurso consiste no processamento de bases de dados, resultando em gráficos, tabelas e outras informações organizadas para o gerenciamento de pessoas e de recursos.

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Notas:

(^1) Texto extraído de: ISRAEL, Carolina Batista. Economia de dados e digitalização do espaço: a Geografia em tempos de Capitalismo Digital.

In: GONÇALVES, Ricardo Assis; OLIVEIRA, Adão Francisco de; MARQUES, Ana Carolina de Oliveira; BARROS, Willian Simões Cezar (Orgs). Geografias da esperança: revisitar o Brasil, dialogar com o mundo. Anápolis (GO): Editora Universidade Estadual de Goiás, 2024. (^2) Professora do Departamento de Geografia e da Pós-graduação em Geografia da UFPR. (^3) Disponível em: https://www.economist.com/leaders/2017/05/06/the-worlds-most-valuable-resource-is-no-longer-oil-but-data. (^4) Relatório disponível em: https://documents1.worldbank.org/curated/pt/232751580940525237/pdf/Overview.pdf. (^5) Disponível em: https://professor.escoladigital.pr.gov.br/plataformas_educacionais. (^6) Contrato disponível em: http://www.transparencia.download.pr.gov.br/exportacao/gms/contrato_convenio/contrato/2023/9/41506/ter-

mo_contrato_41506_169452.pdf?windowId=311. (^7) Informações levantadas durante entrevista realizada em maio de 2023, junto à DTI (Seed-PR). (^8) A Lei no 21.648 pode ser encontrada em: https://leisestaduais.com.br/pr/lei-ordinaria-n-21648-2023-parana-dispoe-sobre-a-designa-

cao-de-diretores-das-instituicoes-de-ensino-da-rede-de-educacao-basica-do-estado-do-parana-por-meio-dos-processos-de-habilitacao- -e-selecao. (^9) Disponível em: https://www.aen.pr.gov.br/Audio/Alunos-e-professores-da-rede-estadual-ganham-plataforma-para-licao-de-casa. (^10) Desenvolvido pela organização The Markup, a ferramenta Blacklight permite inspecionar tecnologias de rastreamento presentes em

sites. Disponível em: https://themarkup.org/blacklight. (^11) Documentos disponíveis em: https://www.iadb.org/en/whats-our-impact/BR-L1551.

Referências

ISRAEL, Carolina Batista; FIRMINO, Rodrigo; KRAMER, Henrique; MAIA, Camila; ABAD, Júlia. Reconhecimento facial nas escolas públicas do Paraná. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2023. Disponível em: https://observacuritiba.ufpr.br/ wp-content/uploads/2023/12/RF_PR_2023.pdf.

ISRAEL, Carolina. Os rastros geodigitais enquanto processo de totalização da espacialidade algoritmica: sobre as verticalidades da Internet e do ciberespaço no período pandêmico. In: ARROYO, Mónica; ANTAS JR., Ricardo Mendes; CONTEL, Fabio Betioli (org.). Usos do território e pandemia : dinâmicas e formas contemporâneas do meio técnico-científico informacional. Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2020, p. 63-93.

RIVERA CUSICANQUI, Silvia. Ch’ixinakax utxiwa : uma reflexão sobre práticas e discursos descolonizadores. 1. ed. São Paulo: n-1 edições, 2021.

ROMELE, Alberto; SEVERO, Marta. Soft data: Essai d’une nouvelle définition des données pour études territoriales. In: ROMELE, Alberto; SEVERO, Marta (org.). Traces numériques et territoires. Paris: Presses des Mines, 2015.

SAVIANI, Dermeval. Trabalho didático e história da educação: enfoque histórico-pedagógico. In: BRITO, Silvia Helena Andrade de; CENTENO, Carla Villamaina; LOMBARDI, José Claudinei; SAVIANI, Dermeval (org.). A Organização do Trabalho Didático na História da Educação. Campinas: Autores Associados, 2010.

ZUBOFF, Shoshana. Big other: capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização de informação. In: BRUNO, Fernanda; CARDOSO, Bruno; KANASHIRO, Marta; GUILHON, Luciana; MELGAÇO, Lucas (org.). Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo: Boitempo, 2018. p. 17-68.

A TRANSFORMAÇÃO DA ESCOLA PÚBLICA EM MERCADORIA

O QUE AS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS TÊM A DIZER SOBRE

A GESTÃO PRIVADA EM ESCOLAS PÚBLICAS?

Edinéia Navarro Chilante^1 Cleiton Costa Denez^2

Em primeiro lugar devemos chamar a atenção para a ideia de que a comparação internacional se torna inócua se não levarmos em conta a historicidade em sua interpretação. Assim, experiências internacionais no campo educacional não podem ser tomadas como modelos a serem seguidos com a mera transposição de um país para outro. Ainda que se considere, como explica Dale (2004), a influência homogeneizadora da globalização no campo da educação, deve-se levar em conta que os efeitos das políticas afetam de maneira diferente os sistemas de educação. No entanto, podemos dizer que é possível aprender com as experiências já realizadas, levando-se em conta as características políticas, econômicas, sociais e culturais de cada região. Dito isso, nosso objetivo com esse ensaio é trazer à comunidade acadêmica informações que permitam compreender os possíveis desdobramentos do Programa Parceiro da Escola à luz do que já aconteceu em outros países, sobretudo no Chile e nos Estados Unidos. O Chile é colocado como modelo para a parceria pú- blico-privado, em processo de implantação nas escolas públicas do estado do Paraná. Como um ensaio, não pretendemos esgotar a temática, tão somente trazer alguns elementos de análise para o debate, próprio do processo democrático. Para tanto, nos apoiamos em estudos realizados por pesquisadores brasileiros, desdobramentos do traba- lho de grupos de pesquisa ou teses de doutorado, trazendo, estes sim, um estudo mais aprofundado do tema. Assim sugerimos a leitura dos materiais que referenciamos neste texto. Comecemos por situar o Programa Parceiro da Escola no contexto das políticas que visam aumentar a participação do setor privado na educação pública. Desde os anos 1990 esse tem sido um tema constante no debate educacional, período em que chega ao Brasil as ideias neoliberais de um Estado gerencial abrindo, então, caminho para novas formas de prestação de serviços públicos pelo setor privado. No final dos anos 1990 o ordenamento jurídico brasileiro foi modificado para permitir a chamada “publici- zação”, definida no Plano Diretor da Reforma do Estado, documento do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, de 1995, como a transferência “para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu funcionamento e controle”. (Brasil, 1995, p. 18) Vale lembrar que nos anos 1990, sobretudo a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil implementou medidas neoliberais que levaram o Estado a abandonar o papel de executor e prestador de determinados serviços, conforme o receituário neoliberal aos países periféricos. Havia uma forte pressão de organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio, para tornar a educação um serviço comercial subordinado às leis de mercado (Silva, 2005). A disposição do governo em alinhar-se ao conjunto de medidas neoliberais, levou a políticas restritivas no campo social e educacional. Além disso, havia o entendi- mento que estas políticas não deveriam ser exclusivas do Estado e que poderiam ser objeto de privatização. Nessa lógica, as organizações, com ou sem fins lucrativos, recebem fundos públicos e prestam o serviço à população. Além disso, o recurso público passou a ser disputado pelos interesses de editoras, para a venda de material didático; de empresas de informática; de empreiteiras; de empresas de alimentação escolar; das fundações privadas com a oferta de programas e projetos educacionais. Como analisa Silva (2005, p. 260), o processo de privatização não estava fora do Estado, mas deu-se por dentro de suas estruturas. Esta lógica persiste até hoje. No entanto, novas formas de privatização ganharam espaço com o avanço das forças reacionárias e ultraliberais a partir da ascensão do governo Bolsonaro. Para o dublê de ministro da economia e ideólogo ultraliberal, Paulo Guedes, a solução da educação estaria na promoção de programa de Voucher educacional. A experiência econômica chilena que ele acompanhou de perto nos anos de 1980, era o horizonte de Guedes. A experiência chilena, na América do Sul, demonstra muito bem a influência dos modelos neoliberais na educação. Os estudos de Falabella, Pires e Perone (2019) explicam que a educação privada no Chile passou