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DOSSIÊ SOBRE O EMPIRISMO DE DAVID HUME. I. SÍNTESE DA TEORIA DO CONHECIMENTO DE DAVID HUME. Projeto. Investigar as capacidades e os limites do.
Tipologia: Notas de aula
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SÍNTESE DA TEORIA DO CONHECIMENTO DE DAVID HUME Projeto Investigar as capacidades e os limites do entendimento humano no que respeita ao conhecimento do mundo de modo a evitar especulações inúteis e a determinar se e o que podemos saber. Estratégia Estratégia Analisar os conteúdos da mente.
Os conteúdos da mente
Os conteúdos da mente são as impressões e as ideias. Impressões e ideias são as unidades básicas do conhecimento. Segundo o princípio da cópia, as ideias são cópias das impressões. As cópias são menos intensas e vívidas do que as impressões que estão na sua origem. As ideias são cópias de impressões e são por isso causadas por estas. Têm uma origem empírica. As nossas ideias formam-se todas a partir da experiência. Se as ideias não fossem cópias das impressões, quem não possuísse a capacidade de ter a experiência da cor formaria a ideia de cores, o que é absurdo. Uma pessoa cega de nascença não poderá ter a ideia de branco porque nunca terá a impressão de branco. O princípio da cópia e o empirismo
Do que não há impressão não há ideia. Só conhecemos aquilo de que temos experiência. O conhecimento começa com a experiência e daquilo de que não há experiência não há conhecimento O problema do conhecimento do mundo ou conhecimento factual
A matemática e a lógica dão-nos verdades necessárias, mas não nos dão conhecimentos sobre o mundo. Por isso, o problema da possibilidade do conhecimento é o de saber se podemos conhecer os factos do mundo.
Em que consiste o nosso conhecimento dos factos do mundo
O nosso conhecimento do mundo consiste – esquecendo as observações simples como ver o Sol nascer – em explicações, generalizações e previsões. As explicações implicam o recurso à ideia de relação entre causa e efeito. As generalizações e as previsões são formas de raciocínio indutivo. Assim, o nosso conhecimento do mundo baseia-se essencialmente na relação causa e efeito e em inferências indutivas. Como os argumentos dedutivos se limitam às relações entre ideias, não servem para conhecer factos. O pressuposto fundamental do
Explicamos factos, generalizamos observações particulares e efetuamos previsões. O que subjaz a
nosso conhecimento do mundo
estas atividades é a crença de que o mundo se comporta de forma regular ou uniforme. A crença na uniformidade da natureza é a que está na base da nossa relação de conhecimento com os factos que constituem o mundo. Em que consiste justificar a possibilidade de conhecimento dos factos do mundo
Consiste em tentar provar que é verdade o seguinte:
_1. Que a ideia de conexão necessária dos fenómenos do mundo é uma propriedade objetiva das coisas (não é uma simples ideia).
Primeira conclusão cética: Não é possível provar que a ideia de conexão necessária é verdadeira.
Não podemos provar que acontecimentos que supomos causalmente relacionados estejam conectados necessariamente. Como conhecer é explicar os factos estabelecendo uma conexão necessária entre eles, o conhecimento objetivo do mundo não é possível. Por que razão se chega a esta conclusão? Porque, se todo o conhecimento depende da experiência, esta não nos dá contudo nenhuma prova (nenhuma impressão) de uma conexão necessária entre acontecimentos. Podemos pensar que certos acontecimentos são causas de outros, mas tal crença não pode ser justificada pela experiência. A experiência nada mais nos mostra do que uma conjunção constante entre certos factos, mas nunca uma ligação necessária que faça de um a causa sem a qual o outro não existe ou acontece.
que não há conhecimento de ideias a que não corresponda uma impressão sensível.
Hume e a ideia de causa «Vejamos como usamos a ideia de causa no quotidiano. Sente uma chama a tocar a sua pele e experimenta uma sensação dolorosa. Conclui naturalmente que a chama causou a dor. Esta é uma lição que qualquer criança aprende bem cedo. Mas, segundo Hume, não tivemos experiência de mais nada a não ser de duas impressões: ver uma chama e sentir dor. Onde está então a impressão de causalidade? Será que a temos realmente? Segundo Hume aquilo de que tivemos experiência foi de três factos:
1. Uma relação de contiguidade. A causa deve contatar de alguma forma com o efeito. No nosso exemplo, a chama tocou no dedo e de seguida sentimos dor. Se alguém acender um fósforo a cem metros de si e sentisse dor no seu dedo, não lhe passaria pela cabeça dizer que a chama do fósforo a causou. Se dois factos acontecem muito distantes um do outro, só assumimos que há uma relação causal entre eles se houver uma série de conexões a liga- los. 2. Uma relação de prioridade. O seu dedo doeu imediatamente depois de a chama o tocar. Se os dois acontecimentos estivessem separados por vários minutos ou se o seu dedo começasse a doer antes de se acender o fósforo não lhe ocorreria dizer que haveria uma relação de causa e efeito entre eles. 3. Uma conjunção constante. A contiguidade e a prioridade temporal não são suficientes para caraterizar a ideia de causalidade. Se coçar a cabeça e
rebentar uma tremenda trovoada não vai pensar que os dois acontecimentos estão relacionados. Na verdade, já assistiu a trovoadas sem antes ter coçado a cabeça e sabe que coçar a cabeça não provoca trovoadas. A justaposição dos dois acontecimentos seria por si considerada uma mera coincidência se pensasse em os relacionar. Já o mesmo não acontece entre acender um fósforo e fazer com que a sua chama toque na nossa pele. O lume causa dor. Os dois factos acontecem constantemente juntos. A dor sucede constantemente ao contacto do dedo com a chama do fósforo.
4. A ideia de conexão necessária. Até agora, estes três elementos – contiguidade, prioridade no tempo e conjunção constante – baseiam – se na observação. Mas, segundo Hume, a estes três fatores associamos, quando falamos da relação de causa e efeito, um outro: a ideia de conexão necessária. É exatamente isto o que entendemos por causalidade. Não supomos que há uma conexão necessária entre coçar a cabeça e trovejar mas assumimos que há uma conexão necessária entre o contacto de uma chama na pele e a sensação de dor. Quando dizemos que tocar no fogo causa dor estamos a exprimir a ideia de uma conexão necessária. Mas Hume pergunta: há alguma impressão da qual se possa derivar a ideia de conexão necessária? Não. A causalidade é meramente uma ideia que acrescentamos à nossa observação da contiguidade, prioridade temporal e conjunção constante entre dados acontecimentos.» William E. Lawhead, The Voyage of Discovery – A History of Western Philosophy , Londres, Wadsworth, pp. 332-333 (Traduzido e adaptado)
2 O problema da causalidade «Talvez um exemplo concreto possa ajudar a compreender o modo como David Hume abordou o problema da causalidade. Imagine um bebé a quem os pais sempre tenham dado brinquedos macios e moles para se entreter. Esse bebé atira frequentemente os brinquedos para fora do berço, e eles caem no chão com um baque surdo. Um dia, o tio dá-lhe uma bola de borracha. O bebé examina-a de todos os ângulos, cheira-a, mete- a na boca, apalpa-a, depois deixa-a cair. Não obstante o exame cuidadoso a que submeteu a bola, o menino não tem maneira de saber que, em vez de cair suavemente no chão como os outros brinquedos, ela salta. Só pelo exame de uma coisa, diz-nos Hume constantemente, não poderemos dizer quais os efeitos que ela pode produzir. Só podemos determinar as suas consequências em resultado da experiência. Imagine agora que o tio do menino ficou à espera de ver como brincaria ele com o seu presente. Quando o tio vê a bola cair, espera que ela salte. Se você lhe perguntar o que fez a bola saltar, ele responderá: “O meu sobrinho deixou-a cair”; ou ainda: “Há uma conexão necessária entre deixar cair uma bola e ela saltar”. Mas Hume faz uma pergunta mais profunda. Qual é a experiência que o tio tem e que falta à criança? O tio faz uso de conceitos como “causa” e “conexão necessária”. Se não se tratar apenas de palavras vazias, têm de se reportar de algum modo à experiência. Mas qual é, no caso presente, a experiência? A experiência do tio difere da experiência do sobrinho em quê? A diferença consiste, para Hume, num facto simples. Ao contrário do sobrinho, o tio pôde observar, num grande número de casos, primeiro uma bola de
Conclusão – Quando comer pão no futuro (da próxima vez), aquele alimentar- me-á. Para ver que este não é um raciocínio dedutivo ou demonstrativo, basta considerar se a premissa pode ser verdadeira e a conclusão falsa. Numa dedução válida, como é o caso das provas matemáticas, se a premissa é verdadeira, a conclusão terá de ser também verdadeira. Mas é evidente que, embora o pão me tenha alimentado até agora, pode acontecer que o próximo pedaço de pão que eu coma me envenene por ter arsénico, por exemplo. Ou pode ter desenvolvido uma alergia grave ao trigo de que ele é feito. Assim, embora a premissa seja verdadeira, a conclusão não tem de o ser: pode ser falsa. A conclusão do argumento apresentado é, quando muito, provável mas não certa. Trata-se de um argumento indutivo.» Paul Hurley e outros autores, History of Philosophy , Nova Iorque, Harper Collins College Outline, 1993, p. 216. 4 A ideia de causa, as inferências indutivas e a crença na uniformidade da natureza «Uma bola de bilhar bate noutra e causa o seu movimento. É esta a situação que vemos e é assim que ela é descrita. Mas o que é que significa afirmar que uma coisa causa a outra? Trata-se de uma questão fundamental para Hume, visto que, tal como sublinha, todo o pensamento humano acerca de factos banais implica argumentar a partir de causas conhecidas para efeitos esperados ou a partir de efeitos observados para causas prováveis. Se alguém, por exemplo, encontrasse um relógio numa ilha deserta, pressuporia que alguém o teria lá deixado em dada ocasião. Se alguém ouvisse uma voz a falar no escuro, presumiria que havia ali outra pessoa. Trata-se de exemplos de raciocínio a partir dos efeitos para as suas causas. Quando se observa uma bola de bilhar a rolar em direção a outra, antecipa-se o seu efeito ao fazer contacto com ela, o que constitui um raciocínio a partir da causa para o efeito provável. O raciocínio científico é, também, baseado no raciocínio acerca da relação causa e efeito. No entanto, em vez de tomar como certas as relações entre causa e efeito, como se verifica, inevitavelmente, com os indivíduos na maior parte dos casos, Hume questiona a origem da ideia de causa e efeito. Por muitas vezes que uma pessoa observe colisões entre bolas de bilhar, essa pessoa não será capaz de discernir o que quer que seja na primeira bola que possa significar que a segunda bola deverá movimentar-se numa certa direção. Hume acredita que a fonte de todo o conhecimento humano acerca das relações causais é a experiência. Até se ter observado a colisão entre duas bolas de bilhar (ou, pelo menos, uma ocorrência semelhante), não se poderá ter qualquer ideia acerca do que irá acontecer. Adão, o primeiro homem, não teria sido capaz de saber que o efeito de submergir a sua cabeça na água seria o seu afogamento. Até ter a experiência da água, Adão não teria qualquer maneira de saber os seus efeitos. Depois de ter aprendido algo acerca dos efeitos da água, Adão poderia ter previsto que a água se comportaria sempre do mesmo modo. Este tipo de raciocínio acerca do futuro baseado em regularidades passadas é designado por indução. Causas semelhantes produzem efeitos semelhantes, e torna-se inevitável não pressupor que, a este respeito, o futuro será como o
passado. Contudo, é neste ponto que o assim designado problema da indução se torna evidente. A justificação dada para presumir que o futuro será como o passado é frágil. Contudo, constitui a base de todo o pensamento humano. Não se pode utilizar o facto de a assunção da regularidade na natureza ter resultado no passado como justificação para efetuar um raciocínio indutivo acerca do futuro: usar a indução para justificar a indução constituiria um argumento circular vicioso. A verdade é que se trata apenas de um hábito dos seres humanos, não obstante o facto de se tratar de um hábito que, em geral, tem bons resultados. Os seres humanos são guiados na vida pelo costume e pelo hábito e não pelos poderes da razão. O conhecimento humano da relação causa e efeito, quando examinado de forma detalhada, equivale a uma suposição de que se dois objetos se encontram constantemente conjugados, ocorrendo um sempre antes do outro, o primeiro será, então, designado por causa e o segundo por efeito. Para além do que Hume designa por “conjunção constante” e da precedência temporal da causa em relação ao efeito, não podemos saber se existe qualquer ligação necessária entre a causa e o seu efeito. Hume não pretende que se deixe de confiar nas relações entre causas e efeitos, visto que tal seria impossível para os seres humanos. Em vez disso, o filósofo tem como objetivo demonstrar o quão dependente o comportamento humano se encontra da natureza herdada por cada um e dos hábitos e não da razão.»
Nigel Warburton, Grandes Livros de Filosofia , Lisboa, Edições 70, pp. 134- 136 (adaptado).
5 Os raciocínios indutivos são inválidos «É importante que estejamos cientes da natureza radical da tese de Hume. Ele argumenta que todo o raciocínio indutivo é inválido: não temos razões a priori ou empíricas para aceitar crenças baseadas em inferências indutivas. Não temos justificação para acreditar que o Sol irá nascer amanhã. O ponto crucial é este: se eu afirmar que o Sol vai nascer amanhã e o meu amigo afirmar que ele se vai transformar num ovo estrelado gigante, a minha crença não é, de acordo com Hume, mais justificada do que a do meu amigo. Claro que eu não tenho amigo algum que acredite nisto, e Hume tem uma explicação para esse facto. Devido ao “costume” ou ao “hábito”, todos pensamos em termos indutivos. Contudo, este tipo de pensamento não é justificado; resulta apenas de certas disposições psicológicas que criaturas como nós possuem: “não é, portanto, a razão que é o guia da vida, mas sim o costume” (Hume, Abstract , in Hume, 1978). [...] Julgamos que sabemos que o Sol irá nascer amanhã porque temos uma explicação científica para que tal aconteça, descrevendo o movimento da Terra em relação ao Sol. Aqui, no entanto, podemos ver todo o alcance do argumento de Hume. Chegámos à nossa narrativa através de sucessivas observações astronómicas. A nossa explicação científica do nascer do Sol é, portanto, indutiva, pelo que está igualmente sujeita ao argumento de Hume. De acordo com Hume, o cientista não pode justificar a sua crença de que a gravidade continuará a manter os corpos celestes nas órbitas que até agora temos observado.»
Dan O'Brien, Introdução à Teoria do Conhecimento , Lisboa, Gradiva, 2013, pp. 227-228 (adaptado).
5 Nem a indução nem o princípio da uniformidade da natureza podem ser justificados
O papel do hábito ou do costume «Hume tem uma resposta para a questão “Porque pensamos que o futuro será igual ou semelhante ao passado?”, ou seja, porque confiamos nos nossos raciocínios causais/indutivos acerca de factos futuros. A base desta confiança não é a razão mas o hábito ou o costume. A repetida experiência de “relações causais “cria a expetativa de que um dado acontecimento produzirá outro. Tendo obtido prazer em comer pastéis de nata, prevemos que obteremos prazer quando, no futuro, comermos outros pastéis de nata. Não há nenhuma razão para que muitas experiências deem mais peso às nossas expetativas do que uma única. Mas essas numerosas experiências criam em nós o costume de esperar que as “relações causais” até agora observadas se verificarão no futuro. Precisamos de observar várias repetições da conjugação entre dois fenómenos ou acontecimentos para que tenhamos confiança nas nossas previsões, expetativas ou antecipações. A conexão necessária – quando dizemos que A causa B, estamos a inferir que A será sempre seguido por B e B sempre precedido por A – a que associamos a relação causal não é uma conexão que esteja nas próprias coisas (por isso dela não há experiência). É a nossa expetativa que estabelece a conexão entre algo que não podemos saber que está ligado. Assim, dizer que A causa B, que há uma ligação necessária entre estes dois factos, significa simplesmente que esperamos que acontecendo A sucederá B porque nos habituámos a observá-los associados. Paul Hurley e outros autores, History of Philosophy , Nova Iorque, Harper Collins College Outline, 1993, pp. 218- 219.
7 A indução é uma forma de argumento muito problemático «Os argumentos dedutivos preservam a verdade. Isto significa que se as suas premissas são verdadeiras, as suas conclusões têm de ser verdadeiras. Entraríamos em contradição se afirmássemos as premissas e negássemos a conclusão. Assim, se as premissas “todos as aves são animais” e “os cisnes são aves” são ambas verdadeiras, tem de ser verdade que todos os cisnes são animais. Ao invés, os argumentos indutivos com premissas verdadeiras podem ter ou não ter conclusões verdadeiras. Mesmo que todas as observações de animais com pelo por mim efetuadas tenham sido fidedignas e que todos os animais sejam de facto vivíparos, e mesmo que eu tenha feito milhares de observações, pode vir a descobrir-se que a minha conclusão indutiva de que todos os animais com pelo são vivíparos é falsa. Na verdade, a existência do plátipo ornitorrinco, um tipo peculiar de animal com pelo que põe ovos, significa que se trata de uma generalização falsa.
Estamos sempre a usar argumentos indutivos. É a indução que nos leva a esperar que o futuro seja semelhante ao passado. Já bebi café muitas vezes, mas nunca me envenenou, por isso presumo, com base num argumento indutivo, que o café não me vai envenenar daqui para a frente. Sempre vi o dia seguir-se à noite, por isso presumo que continuará a fazê-lo. Observei muitas vezes que se estiver à chuva fico molhado, por isso presumo que o futuro será como o passado e evito sempre que possível ficar à chuva. Todos estes exemplos são casos de indução. As nossas vidas são todas baseadas no facto
de a indução nos proporcionar previsões razoavelmente fidedignas acerca do nosso meio e acerca do resultado provável das nossas ações. Sem o princípio da indução, a nossa interação com o meio seria completamente caótica: não teríamos bases para presumir que o futuro seria como o passado. Não saberíamos se a comida que nos preparamos para ingerir iria alimentar-nos ou envenenar-nos; não saberíamos a cada passo se o chão iria sustentar-nos ou abrir-se um abismo, etc. Toda a regularidade prevista do nosso meio estaria aberta à dúvida.
Apesar deste papel central desempenhado pela indução nas nossas vidas, é um facto indesmentível que o princípio da indução não é inteiramente fidedigno. Como já vimos, pode dar-nos uma conclusão falsa relativamente à questão de saber se é verdade que todos os animais com pelo são vivíparos. As suas conclusões não são tão fidedignas quanto as conclusões resultantes de argumentos dedutivos com premissas verdadeiras. Para ilustrar este aspeto, Bertrand Russell, nos Problemas da Filosofia, usou o exemplo de uma galinha que acorda todas as manhãs pensando que, uma vez que foi alimentada no dia anterior, sê-lo-á mais uma vez naquele dia. Um dia acorda e o camponês torce- lhe o pescoço. A galinha estava a usar um argumento indutivo baseado num grande número de observações. Estaremos a ser tão tolos quanto esta galinha, ao apoiarmo-nos tão fortemente na indução? Como poderemos justificar a nossa fé na indução? Este é o chamado problema da indução, um problema identificado por David Hume no seu Tratado acerca do Conhecimento Humano. Como poderemos nós alguma vez justificar a nossa confiança num método de argumentação tão pouco digno de confiança?»
Nigel Warburton, Elementos Básicos de Filosofia , Lisboa, Gradiva, 1.ª ed., Trad. Desidério Murcho.
8 A ideia de causa, a indução e o princípio da uniformidade da natureza «Segundo Hume, efetuamos inferências causais baseando-nos no que considerámos ter sido verdadeiro no passado. É verdade que até agora sempre que a mão de uma pessoa comum entra em contacto com o fogo se queima. Mas como sabemos que isto será verdade no futuro? Podemos construir o seguinte argumento:
_1. Até agora, sempre que as pessoas tocaram em fogo sentiram dor.
exatamente o que quer fazer e o que faz. “Sabe”, então, muito bem porque faz o que faz e porque não faz o que não faz, em suma, um agente racional, consciente de suas ações, de seus motivos e objetivos. Uma espécie de núcleo imutável, que, não importando quantas variações possamos sofrer com o passar do tempo e dos acontecimentos que nos afetam, permanece o mesmo, “até à morte” dirão alguns ou “até mesmo depois da morte” afirmarão alguns outros. Esta crença exerce uma inegável, e sem dúvida alguma, poderosíssima influência sobre nossa visão de mundo, tanto no decorrer do dia a dia, quanto em nossas reflexões e conceções históricas e filosóficas a respeito do mundo e da vida.
No Tratado da Natureza Humana, Hume parece se dirigir-se diretamente a Descartes nesta passagem: “Há alguns filósofos que imaginam que estamos intimamente conscientes a todo momento do que chamamos nosso “eu”, que sentimos a sua existência contínua, tendo certeza, para além de qualquer evidência ou demonstração, de sua perfeita identidade e simplicidade “ E na sequência, critica: “Infelizmente, todas essas afirmações são contrárias à experiência que se presume em favor delas, e não temos qualquer ideia do eu da maneira que explicamos aqui” Ora, afinal, o que é que confere realidade ao tal “eu”? Haverá mesmo tal centro de comando fixo e imutável que pensa, sente e quer? Como vimos, para Hume, as ideias devem corresponder a impressões. Por isso, pergunta acerca do “eu”: “De que impressão poderia essa ideia derivar?” E responde: “A esta questão é impossível responder sem absurdo e sem uma contradição manifesta” Isto porque “eu ou pessoa não é uma impressão determinada, mas aquilo que se supõe que as nossas várias impressões ou ideias têm como referência”. Que impressão pode corresponder à ideia de “eu”? “Se alguma impressão dá origem à ideia de eu, esta impressão deve manter ‒ se invariavelmente a mesma, durante todo o curso de nossas vidas, uma vez que se considera que o eu existe desta maneira” No entanto, nenhuma impressão é fixa e imutável : “Dor e prazer, tristeza e alegria, paixões e sensações sucedem - se umas às outras, e nunca existem todas ao mesmo tempo” Assim, chegamos à seguinte conclusão: “Não podemos, então, derivar a ideia de eu de nenhuma destas impressões e, por conseguinte, não existe esta ideia” Não existe, então, alguma impressão que corresponda ao nosso “eu”. Existem impressões de frio, calor, dor, medo, amor, mas não de “eu”. Mas, se estas impressões existem, não deve haver um “eu” que as experimenta? Não, pois todas estas impressões “são diferentes, distinguíveis e separáveis entre si e podem ser consideradas separadamente, podem existir separadamente e não necessitam de nada para fundamentar sua existência” Ou seja, não há necessidade de um “eu” como fundamento das impressões particulares. As impressões não nos pertencem, não são “nossas”. Dessa maneira, o que chamamos “eu”, não é um centro fixo subjacente às impressões passageiras. Pelo contrário, o máximo que se pode chamar “eu” é “uma coleção ou feixe de diferentes perceções que se sucedem umas às outras com uma rapidez inconcebível e que se encontram em um fluxo e movimento perpétuo”. Só há impressões particulares em constante movimento. Em nenhum momento deixamos de experienciar alguma impressão como dor, calor ou alegria, para
experienciar um “eu” puro, que esteve o tempo todo fixo por trás das múltiplas perceções. “ O espírito é uma espécie de teatro onde várias perceções aparecem sucessivamente, passam, voltam a passar, se deslizam e se misturam em uma infinita variedade de posições e situações” e estas perceções não apresentam nenhuma “identidade” entre si. Portanto, “eu” não é quem escreve a peça, não é o ator, nem o personagem, ele é a própria representação da peça que se desenrola através do movimento contínuo e das combinações das diferentes perceções a cada instante. Mais adiante, Hume deixa claro que “eu” não é nem mesmo o palco de teatro vazio onde estas cenas são representadas : “A comparação do teatro não deve nos enganar. Só as perceções sucessivas constituem o espírito e não possuímos a noção mais remota do lugar onde estas cenas se representam”. Sendo assim, a identidade pessoal é apenas uma ficção. Diogo Bógea, «Hume, Nietzsche e o sujeito como ficção», in Theoria, Revista Eletrônica de Filosofia http://www.theoria.com.br/edicao0510/hume_nietzsche_e_o_sujeito_como_ficc ao.pdf
11 Resumo da teoria do conhecimento de David Hume «O filósofo empirista escocês David Hume (1711-1776) no seu “Ensaio sobre o Entendimento Humano” defendia que tudo o que sabemos procede da experiência, mas que esta só nos mostra como as coisas acontecem e não que é impossível que aconteçam de outra maneira. É um facto que hoje o Sol nasceu, o que também sucedeu ontem, anteontem e nos outros dias anteriores. Mas isso é tudo o que os sentidos nos autorizam a afirmar e não podemos concluir daí que é impossível o Sol não nascer amanhã. Ao fazê-lo estaríamos a ir além do que nos é dado pelos sentidos. Os sentidos também não nos permitem formular juízos universais, mas apenas particulares. Ainda que um aluno só tenha tido até agora professores de filosofia excêntricos, ele não pode, mesmo assim, afirmar que todos os professores de filosofia são excêntricos. Nem a mais completa coleção de casos idênticos observados nos permite tirar alguma conclusão que possa tomar-se como universal e necessária. O facto de termos visto muitas folhas caírem em nada nos autoriza a concluir que todas as folhas caem necessariamente, assim como o termos visto o Sol nascer muitas vezes não nos garante que ele nasça no dia seguinte, pois isso não constitui um facto empírico. Mas não é precisamente isso que fazemos quando raciocinamos por indução? E as leis científicas não se apoiam nesse tipo de raciocínio ou inferência? Logo, se algo de errado se passa com a indução, algo de errado se passa com a ciência. Mas se as coisas na natureza sempre aconteceram de uma determinada maneira (se o Sol tem nascido todos os dias), não será de esperar que aconteçam do mesmo modo no futuro (que o Sol nasça amanhã)? Para Hume só é possível defender tal coisa se introduzirmos uma premissa adicional, isto é, se admitirmos que a natureza se comporta de maneira uniforme. A crença de que a natureza funciona sempre da mesma maneira é conhecida como o «princípio da uniformidade da natureza». Mas, interroga-se Hume, em que se fundamenta por sua vez o princípio da uniformidade da natureza? A resposta é que tal princípio se apoia na observação repetida dos mesmos fenômenos, o que nos leva a acreditar
a nossa razão, sem o auxílio da experiência, jamais tirar uma inferência acerca da existência real de um facto.» David Hume, Investigação sobre o Entendimento Humano , Lisboa, Edições 70, 1985, pp. 50-51. http://duvida-metodica.blogspot.pt/2009/05/crenca-na-causalidade-e-instintiva. html
2 A ideia de conexão necessária e o hábito «Em que consiste a nossa ideia de necessidade quando dizemos que dois objetos estão necessariamente ligados entre si? A este respeito repetirei o que muitas vezes disse: como não temos ideia alguma que não derive de uma impressão, se afirmamos ter a ideia de ligação necessária (ou causal), deveremos encontrar alguma impressão que esteja na origem desta ideia. Para isso, ponho-me a considerar o objeto em que comummente se supõe que a necessidade se encontra. E como vejo que esta se atribui sempre a causas e efeitos, dirijo a minha atenção para dois objetos supostamente colocados em tal relação (causa-efeito) e examino-os em todas as situações possíveis. Apercebo-me de imediato de que são contíguos em termos de tempo e lugar e de que o objeto denominado causa precede o outro, a que chamamos efeito. Não existe um só caso em que possa ir mais longe, não me é possível descobrir uma terceira relação entre esses objetos. Suponhamos que uma pessoa, embora dotada das mais fortes faculdades de razão e reflexão, é trazida subitamente para este mundo; observaria, de facto, imediatamente uma contínua sucessão de objetos e um acontecimento sucedendo-se a outro, mas nada mais seria capaz de descobrir. Não conseguiria, a princípio, mediante qualquer raciocínio, alcançar a ideia de causa e efeito, visto que os poderes particulares pelos quais todas as operações da natureza são executadas nunca aparecem aos sentidos; nem é justo concluir, unicamente porque um evento, num caso, precede outro, que o primeiro é, por isso, a causa e o segundo o efeito. A sua conjunção pode ser arbitrária e causal. Pode não haver motivo para interferir um a partir do aparecimento do outro. E, numa palavra, tal pessoa, sem mais experiência, nunca poderia utilizar a sua conjetura ou raciocínio acerca de qualquer questão de facto ou certificar-se de alguma coisa para além do que está imediatamente presente à memória e aos seus sentidos. Suponhamos, de novo, que ela adquiriu mais experiência e viveu durante tanto tempo no mundo que observou que objetos ou eventos familiares se combinam constantemente; qual é a consequência desta experiência? Imediatamente infere a existência de um objeto a partir do outro. Apesar de tudo, não adquiriu, mediante toda a sua experiência, ideia ou conhecimento algum do poder secreto pelo qual um objeto produz outro, nem é induzida, por processo algum do raciocínio, a tirar essa inferência; mas, apesar de tudo, vê-se levada a tirá-la e, embora deva estar convencida de que o seu entendimento não participa da operação, continua, no entanto, no mesmo rumo de pensamento. Existe algum outro princípio que a leva a formar tal conclusão. Este princípio é o costume ou hábito , pois, onde quer que a repetição de qualquer ato ou operação particular manifeste uma propensão para renovar o mesmo ato ou operação, sem ser impulsionado por raciocínio ou processo algum do entendimento, dizemos sempre que essa propensão é o efeito do costume.»
David Hume, Ensaios sobre o Entendimento Humano , Lisboa, Edições 70, 1985, SECÇÃO V.
A questão do fundamento dos nossos raciocínios indutivos «Quando se pergunta Qual é a natureza de todos os nossos raciocínios acerca de questões de facto? a resposta adequada parece ser que eles assentam na relação de causa e efeito. Quando em seguida se pergunta Qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios e conclusões acerca dessa relação? pode- se dar a resposta numa palavra: experiência. Mas se ainda continuarmos com o nosso espírito inquiridor e perguntarmos Qual é o fundamento de todos os nossos raciocínios a partir da experiência? Isto implica uma nova questão, que pode ser de ainda mais difícil solução e esclarecimento.»
Investigação sobre o Entendimento Humano , p. 48.
4 Não podemos justificar em termos epistémicos as nossas inferências indutivas «O pão que comi anteriormente alimentou-me; isto é, um corpo com certas qualidades sensíveis estava, naquele momento, dotado com certos poderes secretos. Mas segue-se daqui que outro pão deva alimentar-me noutro momento e que qualidades semelhantes devem ser sempre acompanhadas de poderes secretos semelhantes? A consequência não parece necessária. Pelo menos, deve reconhecer-se que há aqui uma consequência extraída pela mente, que se deu um certo passo, um processo de pensamento e uma inferência que tem de ser explicada. Constatei que determinado objeto está sempre acompanhado de determinado efeito e prevejo que outros objetos aparentemente semelhantes também serão acompanhados por efeitos semelhantes. Admitirei, se quiserdes, que uma das proposições pode ser inferida da outra; na realidade, sei que é sempre inferida. Mas se insistirdes que a inferência é feita por intermédio de uma cadeia de raciocínios, desejo que façais esse raciocínio. A ligação entre estas proposições não é intuitiva. É necessário um meio que permita à mente extrair essa inferência, se pode de facto ser extraída por intermédio do raciocínio e do argumento. Que meio é esse tenho que confessar que ultrapassa a minha compreensão.
Que não existe aqui qualquer argumento demonstrativo parece evidente, uma vez que não implica qualquer contradição que o curso da natureza possa mudar e que um objeto, parecendo semelhante aos que experimentámos, possa ser acompanhado por efeitos diferentes ou contraditórios. Não posso eu claramente e distintamente conceber que um corpo, caindo das nuvens e que se assemelhe em tudo a neve, tenha, contudo, o sabor do sal ou a sensação do fogo? Há alguma proposição mais inteligível do que a que afirma que todas as árvores vão florescer em dezembro e janeiro e declinar em maio e junho? Ora, tudo o que é inteligível e pode ser concebido distintamente não implica nenhuma contradição e não pode ser provado como falso por nenhum argumento demonstrativo ou raciocínio abstrato a priori.
Dizeis que uma proposição [sobre o futuro] é uma inferência da outra [sobre o passado]; mas tendes de admitir que a inferência não é nem intuitiva nem demonstrativa. Então de que natureza é? Dizer que é experimental é assumir o que está em questão. Todas as inferências com base na experiência supõem, como seu fundamento, que o futuro se assemelhará ao passado. É impossível, portanto, que quaisquer argumentos baseados na experiência possam provar esta semelhança do passado com o futuro, uma vez que todos estes argumentos se fundam na suposição dessa semelhança. Admitamos que o curso das coisas tem sido até agora bastante regular, por si só, sem qualquer novo argumento ou inferência, isso não prova que no futuro o continuará a ser.»