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Dolo Eventual e Culpa Consciente: Conceitos Jurídicos Controversos, Notas de estudo de Direito

Este documento discute os conceitos jurídicos de dolo eventual e culpa consciente, enfatizando as dificuldades encontradas na aplicação prática desses conceitos em tribunais. O texto explora as diferenças entre a intenção de violar a lei e a negligência em relação aos riscos, além de discutir casos ilustrativos. O documento também aborda a teoria da aprovação e a questão da quantidade e qualidade de pena atribuível.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Michelle87
Michelle87 🇧🇷

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Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 55, p. 93-102, jul./dez. 2009
Livre Docente, Doutor e professor na Graduação e na pós graduação da Facul-
dade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.
DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE
José Cirilo de VARGAS *
RESUMO
O artigo trata de uma das mais complexas diferenças existentes
na teoria da conduta punível, ou, mais precisamente, no âmbito da
culpabilidade.
Quem queira se entreter com os conceitos de dolo eventual e
culpa consciente, visando a extremá-los, encontrará obstáculos tanto
no plano doutrinário quanto na prática dos tribunais.
Ainda não se chegou a um acordo, sequer acadêmico, para
afirmar, com segurança, que o agente atuou com dolo eventual ou
se sua conduta não ultrapassou os limites da assunção do risco do
resultado. Este é previsível em ambas as situações.
É comum dizer, na esteira da primeira “fórmula de Frank”,
que se o agente atuou com indiferença (“dê no que der; aconteça o
que acontecer, eu ajo”), milita ele na esfera do dolo eventual.
Se, ao revés, age “na esperança” de que o resultado ilícito não
sobrevenha, não ultrapassou a fronteira da culpa consciente.
Na prática dos tribunais, a valoração de uma ou outra conduta,
para efeito de responsabilidade penal e mensuração da pena, o assunto
é tormentoso.
E o grande problema que se apresenta diz respeito à qualidade
e à quantidade de pena atribuível, conforme se trate de dolo ou de
culpa.
E se adverte: o decurso do tempo não é apto nem generoso
no aparecimento de critérios originais e diferenciadores entre as duas
formas de culpabilidade.
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∗ (^) Livre Docente, Doutor e professor na Graduação e na pós graduação da Facul- dade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

José Cirilo de VARGAS * RESUMO O artigo trata de uma das mais complexas diferenças existentes na teoria da conduta punível, ou, mais precisamente, no âmbito da culpabilidade. Quem queira se entreter com os conceitos de dolo eventual e culpa consciente, visando a extremá-los, encontrará obstáculos tanto no plano doutrinário quanto na prática dos tribunais. Ainda não se chegou a um acordo, sequer acadêmico, para afirmar, com segurança, que o agente atuou com dolo eventual ou se sua conduta não ultrapassou os limites da assunção do risco do resultado. Este é previsível em ambas as situações. É comum dizer, na esteira da primeira “fórmula de Frank”, que se o agente atuou com indiferença (“dê no que der; aconteça o que acontecer, eu ajo”), milita ele na esfera do dolo eventual. Se, ao revés, age “na esperança” de que o resultado ilícito não sobrevenha, não ultrapassou a fronteira da culpa consciente. Na prática dos tribunais, a valoração de uma ou outra conduta, para efeito de responsabilidade penal e mensuração da pena, o assunto é tormentoso. E o grande problema que se apresenta diz respeito à qualidade e à quantidade de pena atribuível, conforme se trate de dolo ou de culpa. E se adverte: o decurso do tempo não é apto nem generoso no aparecimento de critérios originais e diferenciadores entre as duas formas de culpabilidade.

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE Acaba-se, portanto, no ceticismo em encontrar fronteiras seguras entre os dois institutos. PALAVRAS-CHAVE : Direito penal. Culpabilidade. Dolo. Dolo eventual. Culpa consciente. Fórmulas de Frank. Distinção entre os dois conceitos. Seja qual for a doutrina adotada, a estrutura de certa conduta punível difere uma da outra, segundo se trate de ilícito doloso ou de ilícito culposo. No primeiro caso, o desvalor da ação se expressa no dolo; no segundo, a valoração negativa consiste na infração de um dever de cuidado. Se considerarmos que o dolo expressa uma vontade dirigida contra bens jurídicos alheios, ou seja, o agente quer a violação do preceito contido na norma; e se, de outro lado, admitirmos que na culpa, mesmo com a previsão do resultado lesivo ou perigoso, a pes- soa age, rompendo um dever, então será fácil buscar a distinção entre dolo direto e culpa consciente. O problema se apresenta porém quando cuidamos de extremar os conceitos de dolo, que seja apenas eventual, e a culpa consciente. Aí, sim, estaremos em campo escorregadio, mas de fundamental importância na dogmática e na prática dos tribunais. A questão do dolo eventual traz consigo, como complicador, os diversos graus de intensidade em que um experto em psicologia pode apreender o momento volitivo necessário para afirmar que o ser humano atuou com dolo. De fato, apenas com o conhecimento dos elementos do tipo objetivo só está satisfeita a primeira das exigências na configuração do dolo. Além do conhecimento, ainda é preciso que o agente assuma o risco de produzir o resultado ilícito. Num plano estritamente teórico, a delimitação entre condutas dolosas e culposas pode parecer nítida: quem conhece e quer a realização dos elementos objetivos do tipo atua dolosamente; se falta o elemento volitivo, a atuação é culposa. As duas situações em exame possuem em comum a circunstân- cia de que em ambas o agente tem o conhecimento ou a representação da possibilidade de ocorrência do resultado.

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE encontra morta a criança. Depois de expelir grande quantidade de água pela boca e nariz, os médicos que fizeram a autópsia encontraram o estômago dilatado e com 80 cc de água. A criança morreu por asfixia, por penetrar água em seu sistema respiratório. A constatação do dolo ou simplesmente da culpa consciente não é tão simples quanto parece à primeira vista. Daremos breve notícia acerca das duas teorias mais consideradas. A teoria da probabilidade, ou da representação estabelece a fronteira entre os dois institutos através de um momento intelectivo. Afirma o dolo eventual quando o agente representa a realização do tipo como muito provável, e, apesar disso, pratica a conduta. Haveria culpa consciente na hipótese de se ter a realização típica muito longínqua ou remota. A teoria da aprovação, ou do consentimento procura delimitar o dolo eventual da culpa consciente através do momento volitivo. Afirma-o quando o agente não só representa a possibilidade de realização típica, mas também, interiormente, a aprova ou aceita. A teoria em apreço reflete o que se contém na segunda das chamadas “fórmulas de Frank”: “dê no que der; aconteça o que acontecer, pratico a ação”. A culpa se configuraria se ao agente se afigurasse seguro o resultado, deixaria ele de atuar. O que nos parece menos exposto à crítica é um possível desdobramento da teoria do consentimento, que, ao fim, não passa da teoria da vontade. De fato. O dolo eventual deve ser visto a partir do aspecto volitivo, ou da atitude do agente em relação ao resultado. A primeira das “fórmulas de Frank” (ou teoria hipotética do consentimento, vem assim expressada por Edmundo Mezger: “La previsión del resultado como posible, sólo colma el concepto del dolo cuando la previsión de dicho resultado como cierto no hubiera detenido al autor, no hubiera tenido la significación de um motivo decisivo de contraste”. Tratado de Derecho penal, II. Trad. de Rodríguez Muñoz. Madrid, Revista de Derecho privado, 1930, p.144) foi tomada, num segundo momento (Mezger), apenas como meio de prova, como originalmente concebida por Breidenbach, nos Comentários ao CP do Estado de Hesse, em 1844.

José Cirilo de Vargas Aceitemos, para argumentar, que a primeira “fórmula” seja meio de prova. Haveria dolo eventual se o agente, embora admitindo o resultado como certo, ainda assim atuaria. Desse modo, a questão se deslocaria para os domínios cerebrais. Os neurônios do agente é que deveriam ser investigados, para, se fosse o caso, avançar para a segunda “fórmula”, na qual é completa a indiferença quanto ao resultado (“dê no que der, etc, etc...”). De todas as teorias mais difundidas, constantes de manuais, artigos, conferências e teses não há uma sequer que deixe de lançar mão do subjetivismo, impedindo o traço demarcatório fundamental entre as duas entidades. Dir-se-ia que a dificuldade é própria da Ciência Jurídica, em que continua prevalecendo a velha máxima “em cada cabeça, uma sentença”. Mesmo reconhecendo um quid de verdade no dito popular, valemo-nos de Santiago Mir Puig: “Ante las dificuldades expresadas, um sector de la doctrina alemana actual se inclina hacia uma postura, en parte ecléctica, que combina la conciencia de la peligrosidad de la acción com um momento voluntativo. Se exige así, por uma parte, que el sujeto’tome em serio’ la posibilidad del delito y, por outra, que el mismo ‘se conforme’ com dicha posibilidad, aunque sea a disgusto. Tomar em serio la posibilidad del delito equivaldría a ‘no descartar’ que se pueda producir: a ‘contar com’ la posibilidad del delito. Conformarse com la posible producción del delito significa, por lo menos, ‘resignarse a ella, siquiera sea como consecuencia eventual desagradable cuya posibilidad no consigue hacer desistir al sujeto de su acción: significa el grado mínimo exigible para que pueda hablarse de ‘aceptar’ y, por tanto, de ‘querer’. No concurrirá – y por tanto existirá solo culpa conciente – cuando el sujeto actúa ‘confiando em que el delito no se produzca” (Derecho penal, PG. Barcelona, Reppertor, 2002, p. 262). Nos dois primeiros casos referidos por Díaz Pitta inclinamo- nos pela culpa consciente. No terceiro, ficamos em dúvida, enquanto que no último, estimamos que a mãe agiu com dolo eventual. Vistos, em apertada síntese, alguns critérios de distinção, resta saber se a diferença esboçada pode, ou não, ser levada em conta, na prática dos tribunais.

José Cirilo de Vargas o empregado que vão fumar seus cachimbos num celeiro cheio de palha; o primeiro responde por culpa consciente e o segundo, por dolo eventual. Noventa e cinco anos depois, a passagem continua sendo mencionada em manuais universitários (Derecho penal, PG. Trad. de Sérgio Politoff. Buenos Aires-Montevideo, B de F, 2007, p. 327). Chegou-se mesmo a ser proposto, de forma que nos pareceu razoável, reservar as penas dos delitos dolosos para sancionar os fatos praticados com dolo direto, e punindo de uma só forma as situações de dolo eventual e de culpa consciente. Com isso, identificar uma ou outra das duas categorias por último referidas deixa de ser maior do que outras situações do universo jurídico, de características semelhantes. Como exemplo, determinar quem seja autor por ter tido o domínio do fato e quem é partícipe por não tê-lo tido; afirmar a existência ou a inexistência do erro de proibição, e, em caso positivo, se era vencível ou invencível; ou determinar, em face de algumas lesões corporais, se foram causadas, ou não, com ânimo de homicídio. O perigo, pois, para a segurança jurídica dos cidadãos, nessa indefinição de que estamos cuidando, pode assim ser perfeitamente contornado. O que nos pareceu razoável, isto é, punir de uma só forma as situações de dolo eventual e culpa consciente é vivamente repudiado por Autores que só admitem o dolo “natural”, desprovido da consciência da ilicitude, como Mirentxu Corcoy Bidasolo. Argumenta a professora de Barcelona: “Octro sector doctrinal, en sentido opuesto, considera el dolo eventual como auténtico dolo, en otras palabras, como el tipo básico de dolo. Considera, esta teoria, que no es necesario el elemento volitivo en el dolo, y no sólo por la dificultad de prueba, sino por razones dogmáticas. De acuerdo con una concepción de injusto, como injusto del hecho, en el que lo relevante es la creación de um riesgo tipicamente relevante conocido por el autor, es irrelevante, en este contexto, la intención del autor que lo mueve a actuar. Para estos autores, la exigéncia del elemento volitivo en el dolo y, en particular, de “querer el resultado”, es um resíduo del concepto tradicional de dolo como dolus malus” (El delito imprudente. Buenos Aires-Montevideo, B de F, 2005, pp 250/251). Evidente que tal posição contrasta o direito positivo brasileiro vigente.

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE A motivação da sentença deve aqui também ser apreciada. É bem certo que o juiz dispõe de larga margem de arbítrio, interferindo diretamente na colheita da prova e com a prevalência de seu convencimento. O pedido de condenação é apenas genérico. Apesar da Constituição de 1988, os promotores públicos continuam apenas oferecendo uma denúncia, que o juiz pode mandar alterar. Condena ou absolve quando quer, independente da acusação. O poder do juiz só esbarra no dever constitucional de motivar suas decisões. Até o despacho de recebimento da denúncia tem de ser motivado; não é de mero expediente, como ingenuamente se supõe. Nenhuma decisão judicial, exceto as de simples impulso processual, pode vingar sem motivação. A propósito, conferir Gilmar Ferreira Mendes et alii (Curso de Direito Constitucional. Brasília, Saraiva, 2007, pp 514 et seq.) e Luigi Ferrajoli (Direito e razão. Trad. de Ana Paula Zomer et alii. SP, RT, 2002, pp 497 et seq). É tarefa relativamente fácil decidir motivadamente e com a prova. Mas no caso específico dessas considerações, é ele complexo, exigindo do juiz, sobretudo, tempo para valorar adequadamente a conduta do acusado. Entre nós, porém, o acúmulo do serviço judiciário não permite essa postura judicial. Alunos das diversas Faculdades de Direito são contratados para elaborar sentenças. Referimo-nos a fato notório e aceito pelas partes, com conhecimento, inclusive, da cúpula do Judiciário. Não basta que se haja produzido a prova da autoria e da materialidade, por mais escorreita que seja. A culpabilidade, que se busca, para embasar a condenação, não passa de indiciária ou circunstancial. Apresenta-se, por isso, um problema paralelo ao da prova indiciária do fato, ou seja, o de indiciar também os complexos processos psíquicos ocorrentes na mente do sujeito, com relação aos elementos subjetivos do tipo. Quando a prova é exclusivamente indiciária (como é o caso) pode surgir o problema de se realmente nos encontramos em face de indicações claras que nos levem a considerar fatos que efetivamente incriminam o acusado, ou se nossas conclusões não passam de