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Este documento discute as recomendações do banco central de brasil para a abertura de contas de depósito vinculadas a consórcios após análise de idoneidade moral e financeira dos administradores. Além disso, analisa a nova etapa na disciplina do consórcio apresentada pela circular n.º 2.766/1997, que reduziu as exigências formais sobre os contratos de participação em grupo de consórcio e permitiu a liberdade de fixar limites para sua constituição. O texto também aborda a importância da administradora de consórcios na definição do consórcio, sua função e as distinções entre o mundo dos fatos e o mundo dos fatos jurídicos.
Tipologia: Notas de aula
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Orientador: Professor Doutor Alcides Tomasetti Júnior
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
São Paulo 2014
Dissertação de mestrado em Direito Civil sob a orientação do Professor Doutor Alcides Tomasetti Júnior.
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
São Paulo 2014
III
Agradeço aos meus pais, Walter e Christiane, por me sempre me ensinarem amorosamente que a única maneira de enfrentar tempos críticos, ferozes, difíceis de manejar, é pelo amor incondicional aos outros, a integridade aos valores e constante busca pelo conhecimento, pelo entendimento, pelo discernimento e pela sabedoria como uma vital empreitada para encontrar tesouros escondidos. Em todos os momentos da minha vida, bons ou ruins, meus pais sempre foram minha força protetora, minha companhia e, principalmente, meus melhores amigos.
Agradeço também ao Professor Doutor Alcides Tomasetti Júnior, que desde os tempos de graduação tenta iluminar os cantos escuros do mundo jurídico por meio do estudo da filosofia, da sociologia e da economia, introduzindo-me ao pensamento de Pontes de Miranda e modelos dogmáticos de pensamento com elevado grau de abstração, mas de fundamental utilidade na compreensão dos fenômenos jurídicos. Sou muito grato por todo o esforço do Professor em não apenas passar conhecimento, mas dar um limite, uma finalidade clara para aplicação quase matemática dos conceitos, compartilhando seu modo particular de enxergar o mundo jurídico.
Não posso deixar de agradecer a Fabiano Marques Milani, André Mestriner Stocche, Bruna Pires de Campos Belloto e a todos os colegas do escritório que sempre fizeram o possível e o impossível para me apoiar durante toda a pesquisa, fornecendo, além do seu tempo e companheirismo, imensa vontade de discutir e contribuir o desenvolvimento do trabalho.
Muitas palavras de agradecimento podem ser dirigidas a meus colegas Roberto Panucci Filho e Paulo Henrique Signori Pinese, que me aguentaram durante a graduação e pós-graduação e sempre estiveram prontos para contribuir com este trabalho de maneiras incontáveis, seja compartilhando as angústias e alegrias do trabalho de pesquisa, seja por trazerem constantes novidades que exigiram permanente renovação e validação do pensamento e da compreensão do fenômeno objeto deste estudo.
Por fim, quero deixar registrado meu sincero muito obrigado a Marcel Simões, a Leonardo Auriema e Júlio César Alves, amigos que se mostraram verdadeiros irmãos em tempo de aflição, com um apoio inestimável sem o qual o trabalho não seria concluído. Sem dúvida, a gratidão será eterna.
IV
A Camila Salina Bertan por me ensinar a enxergar a beleza nas pequenas coisas e a descobrir como amar de toda alma, de toda mente e de todo coração.
VI
A Lei n.º 11.795/08 trouxe nova disciplina ao mecanismo do consórcio, originário da prática diária e utilizado para lidar com falta generalizada de crédito e com a galopante inflação, transformado agora em um sistema amplo, reconhecido como instrumento de progresso social que se destina a propiciar o acesso ao consumo de bens e serviços. O consórcio é tratado socialmente como agrupamento de sujeitos reunidos para o levantamento ao longo do tempo de recursos financeiros a serem aplicados na aquisição de bens ou serviços da mesma espécie, em quantidade correspondente ao número de membros do grupo. Sob a óptica da dogmática jurídica, a gênese de toda a disciplina do consórcio concentra-se no contrato de participação em grupo de consórcio, definido legalmente como “ instrumento plurilateral de natureza associativa cujo escopo é a constituição de fundo pecuniário para a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento ”. O objeto deste estudo consiste na busca da compreensão do sistema de consórcios por meio da classificação e da qualificação jurídica do contrato de participação em grupo de consórcio.
Palavras-chave : consórcio, contrato, associativo, consumo, organização
VII
Law n. 11.795/08 has brought about a new understanding to consortium, which was initially developed by interested parties to remedy the general lack of credit and raging inflation and, is now transformed into a consortia system known as a social development instrument to facilitate the consumption of goods and services. Consortium is considered to an aggroupment of parties so gathered to raise financial resources to, in time, be used in the procurement of goods or services of the same nature, in a corresponding quantity to the number of members of the group. Under the perspective of legal doctrine, the genesis of all consortium related discipline is concentrated on the contract of participation on a consortium, which legal definition is “ a plurilateral associative document aiming to constitute a monetary fund to, isonomically, allow its participants to acquire goods or services by self-financing ”. The subject matter of this study is the search for comprehension about the consortia by the classification and legal qualification of the contract of participation on a consortium.
Key words: consortium, contract, associative, consumption, organization
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O fenômeno identificado por Z. BAUMAN^1 de liquidificação da sociedade pós- moderna apresenta-se cada vez mais claro, pois os sólidos laços humanos que outrora constituíram os pilares da vida social estão cada vez mais frágeis, mais globalizados, mais padronizados e o desenvolvimento tecnológico, ao mesmo tempo em que permite em larga escala o contato praticamente instantâneo entre pessoas^2 em extremos opostos da superfície terrestre, também banaliza tais contatos sociais. De fato, as conexões entre pessoas são desfeitas com a mesma facilidade com que são criadas: basta apertar um botão, girar uma alavanca, escorregar os dedos sobre a tela de um dispositivo móvel para criar novos laços e conexões, renovar o ciclo de amigos e, por que não, de namorados, cônjuges e companheiros. Esta mudança de uma sociedade sólida para uma sociedade líquida resulta em tensões, rupturas e quebras de valores compartilhados pelos membros de determinada sociedade. Com efeito, a sociedade moderna^3 era marcada pela busca de liberdade em um meio social considerado como um local seguro, edificado sobre os fundamentos da repressão, da imposição, do policiamento e da coação. Embora valorizassem essa sensação de segurança social, as pessoas buscavam, ainda que de maneiras particulares, um maior grau de liberdade, uma possibilidade para a satisfação de seus desejos e necessidades^4.
A sociedade pós-moderna, com seus laços humanos liquefeitos, por sua vez, continua a coexistir com o mesmo conflito segurança-liberdade, mas paulatinamente experimenta uma inversão no sentido do gládio, pois o valor máximo da sociedade líquida é a liberdade: todos são e devem ser livres ao extremo, respeitado tão somente o padrão
(^1) Cf. Z. BAUMAN, Amor líquido - sobre a fragilidade dos laços humanos , trad. port. Carlos Alberto Medeiros, Rio de Janeiro, Zahar, 2004, p. 15 e s. 2 Nesta subseção o vocábulo pessoa é empregado em sentido ético-social e não em seu sentido técnico-jurídico de ente autônomo de imputação de posições jurídicas subjetivas ativas e passivas (Cf. M. BERNARDES DE MELLO, Teoria do fato jurídico – Plano da Eficácia – 1.ª parte , 2.ª ed., São Paulo, Saraiva, 2004, pp. 125-162; A. 3 TOMASETTI JR., Teoria Geral do Direito Privado , mimeo, São Paulo, 2004). A expressão “sociedade moderna” não é empregada no texto em seu sentido técnico-histórico com relação à sociedade típica da chamada Idade Moderna. Esta se caracterizava pela divisão estamental da sociedade (clero, nobreza e resto), a centralização do poder político nas mãos do monarca e o consequente fortalecimento - e até criação - dos estados nacionais. No texto, “sociedade moderna“ refere-se ao conceito tradicional de estrutura social iniciada com a revolução industrial e que atingiu seu clímax no final do século 19 e na primeira metade do século 20. 4 Cf. S. FREUD, O mal-estar na civilização, 2.ª ed., Coimbra, Relógio D’Água, 2008. Sob a teoria econômica, o modelo de análise da conduta humana assume que a verdadeira força motriz do ser humano e a base dos conflitos intersubjetivos não é a necessidade natural, mas os desejos profundos imanentes ao homem (ver, por todos, M. C. JENSEN – W. H. MECKLING, The Nature of Man , Journal of Applied Corporate Finance , vol. 7, n.º 2, 1994, pp. 4-19).
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escassos^8. Em razão da relação entre escassez e aptidão para satisfação de necessidades e desejos^9 , os bens para consumo são passíveis de valoração econômica e consequente expressão pecuniária, cabendo ao Direito, em especial ao Direito Privado, utilizando a poderosa técnica da relação jurídica, proceder à ordenação dos bens entre os sujeitos.
Face ao evidente caráter patrimonial, o consumo depende da titularidade de meios de pagamento, ou, mais tecnicamente, de moeda corrente nacional, que também é escassa. Há titulares superavitários de recursos monetários enquanto outros necessitam destes mesmos recursos (= sujeitos deficitários), o que em qualquer sociedade, mas principalmente em uma sociedade orientada para o consumo, torna imprescindível a criação de mecanismos que permitam a transferência dos recursos dos sujeitos superavitários para os sujeitos deficitários e que, após receberem os recursos, poderão empregá-los em seus objetivos próprios. Em outras palavras, é preciso criar mecanismos de financiamento^10. Fomentar o consumo, então, passa a ser atribuição do Estado, pois o consumo total, ou melhor, a demanda agregada, relaciona-se diretamente ao crescimento macroeconômico e ao desenvolvimento nacional^11. No caso brasileiro atual, a política macroeconômica adotada depende do consumo total das famílias brasileiras, baseada em três pilares de sustentação: (1) metas de inflação; (2) responsabilidade fiscal; e (3) câmbio flutuante. A correta combinação desses mecanismos de política macroeconômica, associados a uma política prudencial adequada e forte supervisão, resultaram na capacidade de absorver choques internos e externos, na estabilidade macroeconômica e financeira, na possibilidade de crescimento sustentável, no desenvolvimento dos mercados de crédito e de capital e, por fim, aumento do investimento em todos os setores da economia.
Em anos recentes, verificou-se significativa melhora nos índices de diversos fundamentos macroeconômicos, tais como crescimento da renda, redução das taxas de
(^8) Cf. E. G. MANKIW, Introdução à economia , 5.ª ed., trad. port. Allan Vidigal Hastings, Elisete Paes e Lima, ver. téc. Carlos Roberto Martins Passos, Manuel José Nunes Pinto, São Paulo, Cengage Learning, 2009, pp. 3-4, para quem a economia é o estudo de como a sociedade administra os recursos escassos. 9 A relação de complementaridade entre o sujeito que experimenta uma necessidade e o ente apto a satisfazer tal necessidade consiste, consoante lição de F. CARNELUTTI, no conceito de interesse ( Teoria Generale del Diritto , 3.ª ed. Roma, Foro Italiano, 1951, p. 11 e ss.). Para uma súmula das diversas concepções de interesse na literatura jurídica, vide P. MOTA PINTO, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo 10 , v. 1, Coimbra, Coimbra, 2008, p. 481 e seguintes. A palavra “financiamento” é empregada no texto em sentido amplíssimo, entendido como o ato de obter recursos para determinado objetivo (Cf. F. J. MASSET LACOMBE, Dicionário de negócios - mais de 6.000 termos em inglês e português 11 , São Paulo, Saraiva, 2009, p. 289) Cf. J. M. KEYNES, The General Theory of Employment, Interest and Money, New York, Martino Fine Books, 2011.
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desemprego e maior formalização dos contratos de trabalho, que somando à redução das taxas de juros, gera forte estímulo ao processo de inclusão financeira e expansões expressivas nas carteiras de crédito, com destaque para o crédito imobiliário. De fato, o crédito ao consumidor possui suma importância no desenvolvimento econômico^12 , pois, conforme sustenta R. LEVINE^13 , um sistema financeiro bem estruturado deve apresentar cinco mecanismos básicos para atuação direta na atividade econômica: (1) produção antecipada de informações sobre possíveis investimentos e alocação de capital; (2) monitoramento de investimento e utilização de mecanismos de governance do tomador dos recursos; (3) facilitação da troca, diversificação e administração de riscos; (4) mobilização e constituição de poupança; e (5) facilitação da aquisição e troca de bens e serviços.
Com relação ao primeiro mecanismo, deve-se atentar para o inegável custo para obtenção de informações sobre os diversos investimentos e agentes econômicos, tendo em vista que a assimetria de informações^14 incrementa os custos de negociação entre os agentes ( transaction costs ) e aumenta os riscos de comportamento oportunista por parte daqueles dotados de mais informações^15. O segundo mecanismo apontado por R. LEVINE, desenvolvimento de instrumentos que permitam monitorar o tomador dos recursos, também são fundamentais para assegurar o uso ótimo dos recursos, reduzir os custos de oportunidade e aumentar a eficiência econômica como um todo. No tocante à administração de risco (mecanismo 3), os fatores fundamentais são a diversificação de risco entre diversos setores ( cross seccional ), o compartilhamento intertemporal do risco e a distribuição do risco de liquidez. Diversificam-se os riscos por meio de investimentos em portfólios bem diferentes, seja em projetos individuais, atividades empresariais, setores econômicos e até regiões de determinado país ou continente. Embora choques sistêmicos possam frustrar a mitigação do risco pela diversificação dos investimentos, é possível
(^12) Para uma análise histórica do papel do crédito financeiro no desenvolvimento dos países, vide N. F 13 ERGUSON , The Ascent of Money - a Financial History of the world, New York, Penguin, 2009. R. LEVINE, Finance and Growth - Theory and Evidence, in P. AGHION – S. DURLAF (eds.), Handbook of economic growth 14 , v.1, Amsterdam, North-Holland, 2006. Em economia, assimetria de informação entre duas partes envolvidas em determinada transação ou relacionamento econômico se refere à situação em que uma das partes detém informação que, se fosse de conhecimento da outra parte, faria com que esta mudasse seu comportamento, cf. H. R. VARIAN, Intermediate Microeconomics, 15 6.ª ed. New York, Norton, 2003, p. 668. De acordo com a teoria econômica, o oportunismo é característica marcante da ação humana nas relações sociais, e se caracteriza como a busca do interesse próprio com utilização do engodo, do erro e ou da ignorância, consoante exposição O. E. WILLIAMSON: “ Mais genericamente, o oportunismo se refere à apresentação incompleta ou distorcida de informações, especialmente a esforços calculados para enganar, distorcer, fingir, ofuscar ou de outro modo confundir ” ( The economic institutions of capitalismo, New York, Free Press, 1985, p. 47, tradução livre do original: “ More generally, opportunism refers to the incomplete or distorted disclosure of information, especially to calculated efforts to mislead, distort, disguise, obfuscate, or otherwise confuse ”).
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bens ou serviços da mesma espécie, em quantidade correspondente ao número de membros do grupo^17.
A participação do sistema de consórcios na economia nacional vem crescendo sensivelmente, com 5,63 milhões de consorciados ativos em outubro de 2013, correspondendo ao dobro do verificado em 2000, quando somou 2,81 milhões de consorciados. Nos últimos treze anos, o crescimento do consórcio se consolidou e diversificou a participação nos vários segmentos: veículos automotores, 86,8%, que, com sua totalidade subdividida, apresenta 49% em motocicletas, 46,6% em veículos leves e 4,4% em veículos pesados; tendo ainda os imóveis com 12,3%; eletroeletrônicos e outros bens duráveis com 0,6% e serviços com 0,3%. Os consórcios também apontaram expansão nas vendas de novas cotas e nas contemplações, com 2,09 milhões de novas adesões nos dez primeiros meses de 2013 e aumento de 3% no número de contemplações, de 1, milhão (jan-out/2012) para 1,04 milhão (jan-out/2013), no mesmo período^18.
Atualmente, o consórcio ganhou o status de sistema um microssistema disciplinado pela Lei n.º 11.795, de 8 de outubro de 2008 (Lei 11.795/08) e pelas normas específicas do Banco Central do Brasil, mormente a Circular n.º 3.432, de 4 de fevereiro de 2009, a Circular n.º 3.433, de 3 de fevereiro de 2009 e a Circular n.º 3.558 de 16 de setembro de
(^17) Cf. A. RIZZARDO, Contratos , 5.ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 1279. (^18) Cf. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ADMINISTRADORAS DE CONSÓRCIO, total de consorciados dobra em Treze anos e é recorde histórico, 2013, Disponível em < http://abac.org.br/sistemas/releases/1_(201312052342)MATERIA_DE_DEZEMBRO_2013__DADOS_DE_ OUTUBRO_DE_2013_A__29nov2013_FINAL.pdf>
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administradora de consórcios (art. 7.º, inciso I da Lei 11.795/08). A Lei 11.795/ reconhece no sistema de consórcios, um papel destacado como “ instrumento de progresso social que se destina a propiciar o acesso ao consumo de bens e serviços ”. Cada consórcio é em si um microssistema composto “ por administradoras de consórcio e grupos de consórcio ”, e os vários consórcios existentes estão organizados pelo Banco Central em um sistema mais amplo, um sistema de consórcios que integra o integra o Sistema Financeiro Nacional (SFN)^19.
Sob a óptica da dogmática jurídica, a gênese de toda a disciplina do consórcio concentra-se no contrato de participação em grupo de consórcio, definido legalmente como “ instrumento plurilateral de natureza associativa cujo escopo é a constituição de fundo pecuniário para a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento ” (art. 10 c/c art. 2.º da Lei 11.795/08). Desse modo, uma das melhores maneiras de compreender o sistema de consórcios é estudar o contrato de participação em grupo de consórcios, procurando classifica-lo e qualifica-lo dentro dos modelos dogmáticos. Não obstante, como se mostrará ao longo do estudo, autores que se dedicaram ao estudo do contrato de participação em grupo de consórcio o fizeram como um meio para atingir um fim maior, como a possibilidade de devolução imediata das entradas feitas pelo consorciado excluído ou desistente. Também existem estudos focados na aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação entre administradora do grupo de consórcios e os consorciados, estudos esses que acabam por focar tanto nessa relação que se ignora por completo a dicção legal no sentido de que o contrato é, acima de tudo, celebrado entre os consorciados para a formação de fundo comum cujos recursos serão aplicados periodicamente na aquisição do bem ou do serviço em favor do consorciado contemplado. Outros autores sustentam que o contrato de participação em grupo de consórcio é um contrato atípico, porque a legislação preocupou-se mais em disciplinar a operação econômica do consórcio do que as relações jurídicas completas.
Assim, a proposta do presente estudo é compreender o funcionamento do sistema de consórcios por meio da classificação jurídica desse contrato, o que envolverá a análise de pertinência a determinado grupo contratual, sendo os grupos repartidos com base na
(^19) E. FORTUNA admite, implicitamente, o sistema de consórcios como integrante do Sistema Financeiro Nacional ao inserir as administradoras de consórcios como “instituições não financeiras, mas participantes do mercado financeiro”, dentro do subsistema de intermediação (FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro : produtos e serviços. 18. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2010. p. 18).
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O objeto desta seção é permitir a compreensão do conteúdo semântico da palavra consórcio, com os diversos aspectos por ela evocados, e os contornos gerais do sistema de consórcio no qual o contrato objeto de estudo está inserido, passando pela evolução do sistema na realidade brasileira e compreendendo esquematicamente o funcionamento prático do consórcio no dia a dia das famílias brasileiras.
1.1 Noções Gerais
O vocábulo consórcio deriva da palavra latina consortium , com o significado literalmente de “comunhão de sortes, ou sorte comum”^20. No direito romano pré-clássico, existia a figura do consortium ercto non cito, uma espécie de propriedade coletiva acidental entre os coerdeiros do pater famílias presente na economia agrária que marcou as primitivas eras do desenvolvimento da civilização romana^21 , conforme explica Gaio:
“antigamente, quando morria o chefe da família [lit.: o pater famílias], formava- se entre os herdeiros naturais uma espécie de sociedade simultaneamente legítima e natural, a que se dava o nome de ercto non cit ”^22.
Ou seja, com a morte do pater famílias , os bens herdados passavam a ser de propriedade comum da família, sem que nenhum herdeiro fosse titular individual de uma quota ou quinhão sobre a herança, mas todos os direitos eram atribuídos à comunhão de
(^20) Consortium é formado por cum , que exprime a ideia de “companhia, sociedade, junção no tempo ou no espaço, qualificação, maneira de ser ou de estar, acompanhamento e consequência”, e do verbo latino sortis 21 , a “ação de tirar à sorte coisas atadas entre si”. 22 Cf.^ Consortium,^ in^ Enciclopédia Saraiva de Direito , v. 18, São Paulo, Saraiva, 1978, p. 296. G. 3. 154a, in Instituições – direito privado romano , trad. e notas J. A. Segurado e Campos, Lisboa, Calouste Gulbenkian, 2010, p. 340. Conforme explica R. ZIMMERMANN, a referência de Gaio no G.3.154 a uma sociedade pertencente ao direito das gentes gerava um acalorado debate na doutrina acerca da existência de uma sociedade pertencente ao direito civil. Nesse sentido, a descoberta de um fragmento das Instituições em uma loja de livros usados no Cairo em fevereiro de 1933 confirmou as suspeitas ao mencionar o consortium ercto cit e a societas omnium bonorum (in The Law of Obligations – Roman Foundations of the Civilian Tradition , Cape Town/Wetton/Johannesburg, Juta, 1992, pp. 451-452).
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herdeiros^23 , o que permitia atender a anseios de solidariedade social, garantir proteção em situações de guerras e conservar a unidade familiar como veículo propulsor do expansionismo romano, pois era exclusivo dos cidadãos romanos e regido pelo ius civile^24.
Pondera R. ZIMMERMANN que o consortium ercto cit teve um papel fundamental na construção da identidade familiar romana, impedindo que a morte do chefe da família levasse à decomposição da unidade familiar em tantas novas famílias quanto fossem os herdeiros. Pelo contrário, a morte do pater famílias mantinha os herdeiros unidos em uma comunhão de coerdeiros, que mantinha a antiga família tanto para fins sagrados quanto jurídicos^25.
O consortium , isto é, a comunhão de sortes, era decorrente da propriedade coletiva indivisível sobre os bens herdados, de modo que a expressão “ ercto non cit ” é traduzida consistentemente pelos romanistas como “propriedade não divisível”, embora para alguns, como o próprio GAIO, “ erctum significa ‘propriedade’, termo donde provém erus , que significa ‘senhor’; quanto a ciere , significa dividir ”^26 , enquanto para outros como V. ARANGIO-RUIZ, ercto vem de ercisco , que significa “dividir” e cit deriva de cieo , que significa provocar^27.
Em seus traços históricos originais, então, o consortium era uma imposição “natural” da impossibilidade de divisão da herança pelos coerdeiros, inexistindo decisão por parte dos integrantes da comunhão de herdeiros sobre a permanência ou não deste estado consorcial. Pode-se dizer o consortium ercto non cit pode ser definido como um “consórcio hereditário”^28.
A despeito do “consórcio hereditário”, GAIO também menciona outra espécie de consórcio, que podia ser formada pela decisão de irmãos e outros parentes de explorarem bens em conjunto por meio de uma ação perante o pretor, in verbis :
(^23) Cf. R. ZIMMERMANN, The Law of Obligations – Roman Foundations of the Civilian Tradition , Cape Town/Wetton/Johannesburg, Juta, 1992, 24 p. 452. Cf. DEL CHIARO, Le Contrat de Société en Droit Privé Romain sous la République et au Temps des Jurisconsultes Classiques, 25 Paris, Sirey, 1928, p. 20. Cf. The Law of obligations cit., p. 452; E. PETIT, Tratado Elementar de Direito Romano , trad. port. J. L. Custódio Porto, adap. 26 R. Rodrigues Gama, Campinas, Russell, 2003, p. 541. 27 G. 3. 154a, in^ Instituições^ –^ direito privado romano cit ., p. 340. 28 Cf. V.^ ARANGIO-RUIZ,^ La società in Diritto Romano,^ Napoli, Jovene, 1950, p. 3, nota 1. Cf. R. VENTURA RIBEIRO, Aspectos da societas Romana, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 101, jan./dez. 2006, p. 629. A ideia de um consórcio hereditário, ou, mais propriamente, uma comunhão hereditária, não é estranha ao ordenamento jurídico brasileiro, visto que o art. 1.791 do Código Civil enuncia norma por meio da qual a “ herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros ”, caracterizando-se esse todo unitário pela indivisibilidade das posições jurídicas dos coerdeiros até o momento da partilha.