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Redução de Glides em Ditongos Decrescentes: Estudo Sociolinguístico, Slides de Pedagogia

Um estudo sobre a redução de glides em ditongos decrescentes do português, baseado em pesquisas realizadas por labov, paiva, vianna da silva et alii, andrade, e assis veado. O texto discute os efeitos linguísticos e extralinguísticos descobertos em relação ao controle da variação fonológica, tentando esboçar possíveis caminhos para aplicação de pesquisas variacionistas no ensino de ditongos e do vernáculo. O texto também discute as variáveis que constituem ditongos rotulados de ‘legítimos’ e ‘ilegítimos’, o processo de cancelamento de glides em contextos específicos, e a importância de considerar o contexto fonológico ou categorial dos itens na abordagem lexico-difusionista.

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Abelardo15
Abelardo15 🇧🇷

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Ditongos decrescentes:
variação & ensino
Carlos Alexandre V. Gonçalves
Universidade FUniversidade F
Universidade FUniversidade F
Universidade Federal do Rio de Janeiroederal do Rio de Janeiro
ederal do Rio de Janeiroederal do Rio de Janeiro
ederal do Rio de Janeiro
Abstract
In this article, I examine the variable rule of semivowel ([y] and [w])
suppression in decreasing diphthongs of Brazilian Portuguese. More
precisely, my purpose is to discuss the practicability of application
of the variationist research into these diphthongs to Portuguese
teaching, particularly literary acquisition. For this, I utilize the
proposal of Mollica (1993, 1995 and in press), who establishes
pedagogical strategies for the use of quantitative research in the
production of didactic material.
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Ditongos decrescentes:

variação & ensino

Carlos Alexandre V. Gonçalves

Universidade FUniversidade F Universidade FUniversidade FUniversidade Federal do Rio de Janeiroederal do Rio de Janeiroederal do Rio de Janeiroederal do Rio de Janeiroederal do Rio de Janeiro

Abstract

In this article, I examine the variable rule of semivowel ([y] and [w]) suppression in decreasing diphthongs of Brazilian Portuguese. More precisely, my purpose is to discuss the practicability of application of the variationist research into these diphthongs to Portuguese teaching, particularly literary acquisition. For this, I utilize the proposal of Mollica (1993, 1995 and in press), who establishes pedagogical strategies for the use of quantitative research in the production of didactic material.

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  1. PRELIMINARES0. PRELIMINARES 0. PRELIMINARES0. PRELIMINARES0. PRELIMINARES

este artigo, tomo como objeto de investigação a regra variável de supressão das semivogais [y] e [w] nos ditongos decrescentes em português. Mais precisamente, procuro discutir a viabilidade de se aplicarem os achados de pesquisas variacionistas sobre esse tema ao ensino de língua portuguesa, espe- cificamente na alfabetização. Para tanto, utilizo como referencial teórico-metodológico a proposta originalmente esboçada por Mollica (1993, 1995 e no prelo), que estabelece estratégias didático-pedagó- gicas para a utilização dos resultados de pesquisas quantitativas na confecção de material didático.

  1. SOCIOLINGÜÍSTICA & ENSINO1. SOCIOLINGÜÍSTICA & ENSINO 1. SOCIOLINGÜÍSTICA & ENSINO1. SOCIOLINGÜÍSTICA & ENSINO1. SOCIOLINGÜÍSTICA & ENSINO: QUERELAS: QUERELAS: QUERELAS: QUERELAS: QUERELAS

Em seus mais de trinta anos de existência, a Sociolingüística Variacionista (Labov, 1966 e 1972) vem constituindo o arcabouço teórico-metodológico de uma massa considerável de pesquisas sobre fenômenos de variação e mudança lingüísticas em vários níveis de análise. No entanto, pouca atenção tem sido dada a possíveis aplicações concretas ao ensino do vernáculo. Nesse sentido, constata-se um hiato muito grande entre a pesquisa teórica realizada nos centros acadêmicos e a prática pedagógica do professor de língua nas escolas de primeiro e segundo graus, que conta, quase exclusivamente, com a orientação das gramáticas normativas, distantes, cada vez mais, do uso lingüístico real. No que diz respeito especificamente ao ensino de língua portuguesa em escolas de 1º e 2º graus, a prática pedagógica tem

N

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1995, entre outros). Também o GT de Sociolingüística da ANPOLL, num esforço pioneiro, optou por enfocar, em uma das atividades do Congresso de 1994, o binômio ora em discussão, considerando que, desde 1976, os sociovariacionistas vêm produzindo um grande volume de análises que buscam retratar nossa realidade lingüístico- social.^1 No entanto, ao que tudo indica, esses trabalhos debatem e focalizam os aspectos teóricos envolvidos na relação entre Variação & Ensino, não chegando a fornecer, de fato, uma aplicação concreta e efetiva das pesquisas até então realizadas sobre a variedade brasileira da língua portuguesa. De todos os trabalhos que vêm apontanto para a necessidade de se aplicarem os resultados da pesquisa sociolingüística ao ensino, o que lança as bases de uma proposta de atuação mais decisiva é o de Mollica (1995). Tomando por base o estudo acerca do uso da vírgula entre sujeito e verbo (cf. Mollica & Quental, 1984), a autora propõe estratégias didático-pedagógicas para propiciar o emprego da forma padrão, visando, assim, a corrigir o desvio de pontuação que investiga. Tais estratégias podem ser sumarizadas nas três premissas abaixo discriminadas:

(a) ir do mais freqüente para o menos freqüente; (b) ir do mais provável para o menos provável; (c) ir do texto para a sentença.

Nesse sentido, a proposta de Mollica defende a necessidade de se partir preferencialmente, na elaboração de exercícios, de estruturas mais comuns e que apresentem freqüência maior nos dados. Além disso, advoga a importância de se exercitarem especialmente estruturas que apresentem contextos mais favoráveis à aplicação da regra e partir, sempre que possível, de estruturas maiores para estruturas menores, no caso específico, do texto para a sentença. Considerando-se que aos fenômenos de variação lingüística podem ser dados significados sociais, uma vez que há os conside- rados estigmatizados, ou indicadores de classe social baixa, ao lado

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de outros, não sensíveis a pressões de natureza social, há necessidade de se distinguirem dois tipos de práticas pedagógicas:

a) uma pedagogia voltada única e exclusivamente para a fala; e b) uma pedagogia voltada para a escrita e para a fala, de acor- do com o que propõe Mollica (no prelo). Fenômenos (socio)lingüisticamente estigmatizados (como a permuta de /l/ para /r/ e a supressão de /a/ em início de palavras, por exemplo) requerem, assim, uma pedagogia voltada para a fala e, conseqüentemente, para a escrita, uma vez que, por receberem conotação social negativa, podem desfavorecer uma mobilidade social que porventura possa vir a acontecer (Mollica, no prelo: 2). A escola deve investir, pois, no uso da variante-padrão, tendo em vista o valor social negativo da variante-não-padrão, sem, no entanto, adotar uma postura normativa, taxativa e preconceituosa. Não se pode praticar a injustiça social, argumenta Scherre (1996:49), em nome da “boa língua”, humilhando o ser humano por meio da não- aceitação de um de seus bens culturais mais divinos: o domínio inconsciente e pleno de um sistema de comunicação próprio da comunidade ao seu redor. Outros fenômenos de variação lingüística, diferentemente, vão requerer uma pedagogia voltada única e exclusivamente para a escri- ta, visto que, na língua oral, não implicam conseqüências “drásticas” de natureza social para os falantes, pois não estão sujeitos a estigmas sociais muito fortes (Mollica, no prelo: 2). Exemplos de fenômenos que necessitam de uma pedagogia voltada unicamente para a escrita são o cancelamento de /r/ pós-vocálico, em posição de travamento final, e a redução de glide nos ditongos decrescentes, objeto de estudo do presente artigo. Nesses dois casos, o uso das variantes- zero não implica formas “grosseiras”, “de mau tom” ou “erradas”, visto não apresentarem qualquer significado social. Neste artigo, frisarei que uma aplicação efetiva das pesquisas variacionistas sobre os ditongos decrescentes só faz sentido nas

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português em dois tipos: verdadeiros/fonológicos e falsos/fonéticos. Ressalta que os primeiros, exemplificados por palavras como ‘reino’ e ‘fauna’, são, na estrutura subjacente, duas vogais ligadas à mesma rima, ao passo que os últimos, como em ‘peixe’ e ‘roubo’, que mais nos interessam no momento, são, na estrutura profunda, apenas uma vogal que se bifurca em nível mais próximo à superfície, originando o ditongo alternante de uma só vogal (p.285). Em artigo de 1994, Bisol revisita o tema, argumentando, mais uma vez, em favor da dicotomia proposta. Desta feita, no entanto, mostra que o ditongo que surge em dados como ‘três’ e ‘vez’, entre outros, vem a ser resultante de um processo semelhante ao que ocorre diante da fricativa palatal da sílaba seguinte, como em ‘baixo’ e ‘eixo’. Nesse sentido, o glide se forma por espraiamento dos traços vocálicos da palatal, uma consoante complexa. Por essa razão, Bisol (1994: 133) admite que, em se tratando de um glide derivado, o ditongo que aí aparece (...) é também um ditongo derivado. Gonçalves & Costa (1995), da mesma forma que Bisol (op. cit.), partem da fonologia autossegmental, mas classificam os ditongos do português do Brasil em dois tipos básicos: (a) legítimos e (b) ilegí- timos. Essa análise diverge da de Bisol unicamente no que concerne à distinção entre ditongos verdadeiros e falsos com base exclusiva- mente no critério da variação presença/ausência dos glides (cf. Bisol, 1992). Para Gonçalves & Costa (op. cit.), tanto os ditongos invariáveis (aos quais Bisol chama de verdadeiros) quanto os variáveis (denomi- nados de falsos por Bisol) constituem ditongos rotulados de ‘legí- timos’. Fundamentam essa visão com base nos seguintes argumentos:

a) Bisol admite uma regra de inserção de glide nos chamados falsos ditongos, regra essa que deriva o ditongo na estrutura de superfície. No entanto, parece difícil formular uma regra de tal porte, uma vez que ela acarretaria pouca economia e simplicidade na descrição do problema (ditongos), haja vista o fato de os contextos em que poderia operar serem bastante diferentes (diante de fricativa palatal e nasal bila- bial, entre outros). Por essa razão, haveria necessidade de se criarem várias regras para descrever o mesmo processo;

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b) para Gonçalves & Costa, parece mais consistente admitir um processo oposto nos denominados ditongos ilegítimos – o cancelamento dos glides [y] e [w] em contextos específicos, como fizeram as análises multivariacionais que retomarei na seção seguinte – em face de considerarem o ditongo (e não a vogal simples) o elemento subjacente em dados como ‘acabou’ e ‘peixe’, entre outros; c) os itens com variação entre presença e ausência de glide constituem contingente bastante pequeno, visto que somente os ditongos [ay], [aw], [ey] e [ow] alternam com vogais simples, ou seja, o universo invariável é muito maior que o variável; e, finalmente, d) mesmo nesses quatro casos, há muitos itens que mantêm o ditongo inalterado, como em ‘baita’ e ‘reino’, em oposição a ‘baixo’ e ‘treinar’, entre outros, o que mostra que o proces- so de cancelamento das semivogais é, até certo ponto, sensível ao contexto fonológico ou, mesmo, à categoria gramatical dos itens, o que justificaria uma abordagem léxico-difusionista, conforme mencionarei mais adiante.

Acredito que devam ser consideradas, pelo menos, as cinco situações de ditongos abaixo descritas. Considerem-se, assim, no Quadro 1, os conjuntos I-V, nos quais se incluem todos os tipos de ditongos que podem ser tomados para análise. De acordo com os dados vislumbrados nos conjuntos I-V, Gonçalves & Costa classificam os ditongos em ‘legítimos’ e ‘ilegítimos’, com base no seu status fonêmico e na sua recorrência no léxico. Tal proposta não é, por assim dizer, inovadora. Sugere, apenas, uma releitura da análise de Bisol por não considerar, em alguns casos, a vogal simples como elemento subjacente.^2 Ditongos legítimos são os que possuem uma sílaba pesada, visto que a rima é constituída de núcleo (vogal) e coda (semivogal), podendo a coda aparecer ou não na estrutura superficial (conjuntos I e V). Seu cancelamento, entretanto, é condiciondado por fatores fonológicos

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superficial, através de regras fonológicas (pós-lexicais, levando em conta o modelo de Mohanan, 1986) de inserção de glide, em contextos bem delimitados. Nesse sentido, consideram-se ditongos ilegítimos os casos a que Câmara Jr. (1975) chama de semiditongos. Os ditongos ilegítimos são aqueles em que um [y] e um [w] assilábicos são inseridos nas seguintes condições: (a) entre vogais, para desfazer hiatos em final de palavras, como em ‘coa’ ([‘kowå]) e ‘idéia’^3 ([i‘dEyå]), por exemplo; (b) entre vogal e consoante fricativa palatal, como em ‘mês’ ([‘meyS]); e (c) entre vogal e travamento consonântico nasal em final de palavras (isto no dialeto carioca), como em ‘homem’ ([‘o)me)y)]). Interessante ressaltar que a vogal assilábica introduzida em (a) e (c) é homorgânica da vogal prece- dente, haja vista que [y] aparece categoricamente após vogais [- recuada] e [w] invariavelmente após vogais [+ recuada]. Para os ditongos legítimos, admite-se uma interpretação oposta à dada aos ilegítimos. Enquanto nos ilegítimos opera uma regra de inserção, nos legítimos considera-se haver cancelamento de [y] e de [w]. Em português, existem treze ditongos decrescentes (Quadro 2). Desses, somente quatro alternam com vogais simples; [ay], [aw], [ow] e [ey], sendo o cancelamento de glide mais freqüente nos dois últimos.

ditongo com semivogal exemplos ditongo com semivogal exemplos [ - recuada] [ + recuada]

[ay] ‘baixo’ [aw] ‘flauta’ [Ey] ‘platéia’ [Ew] ‘chapéu’ [ey] ‘feira’ [ew] ‘comeu’ ––– ———- [iw] ‘viu’ [çy] ‘lençóis’ [çw] ‘sol’ [oy] ‘boi’ [ow] ‘louça’ [uy] ‘flui’ [uw] ‘último’

Quadro 2 – Ditongos decrescentes do português

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Não considerarei a vogal simples [o], que alterna com o ditongo [aw] (como em ‘restaurante’ – [heSto’rãtSi] e ‘Aurora’ – [o’RçRa]) como resultante de uma regra de cancelamento de semivogal. Opera aí um fenômeno de metaplasmo, no qual [aw] passa a [o]. Além disso, as formas com vogais simples se restringem à fala coloquial não-tensa, ao passo que os outros casos de alternância independem do tipo de registro. A redução do ditongo, nesses dados, é mais estigmatizada que as demais.^4 Embora não trate dessa alternância neste artigo, acredito que ela implica uma pedagogia voltada para a fala e para a escrita (cf. seção 1), haja vista o valor social negativo impresso às variantes não-padrão. Os ambientes que condicionam o cancelamento das semivo- gais dos ditongos [ay], [ey] e [ow] formam um continuum com relação ao alcance das restrições em que a regra atua – de contextos mais específicos a contextos menos específicos. Assim, o cancela- mento da semivogal do ditongo [ay] opera em um único contexto, qual seja, diante de consoante fricativa pós-alveolar surda ([S]), como em ‘baixo’. No caso de [ey], verifica-se que a queda também se dá quando a semivogal aparece precedida por outras consoantes, como [R] (‘engenheiro’, ‘beira’) e [g] (‘manteiga’), por exemplo. Finalmente, [w], de [ow], pode ser eliminado diante de qualquer consoante, mantendo-se apenas nas formas em que a lateral alveolar se vocaliza, como em ‘gol’ e ‘soltar’.^5 O cancelamento de [w] pode ocorrer, ainda, em final de palavras, como em ‘vou’ ([‘vo]) (o que não acontece com [ay] e [ey]^6 ). Há, pois, um processo geral de redução de [ow] a [o], desaparecendo, assim, a distinção entre itens léxicos como ‘poupa’ (do verbo ‘poupar’) e ‘popa’ (substantivo). Considero a redução de semivogal [+ recuada] um processo de mudança em curso já em franco estágio de consumação no Portu- guês do Brasil, resistindo, porém, nos nomes próprios (cf. ‘Douglas’) e em situações de formalidade muito alta (cf. Assis Veado, 1983). Nesse sentido, acredito ser relevante um estudo sobre Difusão Lexical (cf. Wang, 1969), tendo por base a evidência de que a inovação não atinge todo o léxico de forma regular e sistemática.

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Partirei dos trabalhos acima mencionados, com o intuito de descrever as variáveis que mais se mostraram relevantes para o fenômeno. Vale mencionar que em todos os trabalhos o foco de atenção incidiu sobre os ditongos decrescentes,^7 muito embora haja variação também nos ditongos crescentes (‘polícia’ ~ ‘poliça’; ‘armário’ ~ ‘armaru’). Sobre esses ditongos, os únicos trabalhos de que temos notícia são os de Lemle (1978) e de Couto (1995). No que diz respeito ao grau de estigmatização das formas, parece haver uma diferença bastante acentuada entre a variação dos ditongos crescentes e dos ditongos decrescentes. Os primeiros são sensivelmente notados como característicos de uma fala mais colo- quial, menos comprometida com a norma culta da língua, marcadora, portanto, de uma classe sócio-cultural menos prestigiada. Os últimos, diferentemente, são característicos de qualquer classe social. Segundo Lemle (1978), a supressão das semivogais nesse tipo de ditongo já avançou tanto que deixou de ser percebida como marca lingüística de fala não-padrão no Rio de Janeiro. Neste artigo, analiso a supressão de glide somente nos ditongos decrescentes, em vista de nenhuma pesquisa mais exaustiva ter sido feita para os crescentes, no escopo da Teoria da Variação Sociolin- güística. Dos treze ditongos decrescentes existentes em português (cf. Quadro 2), somente quatro, conforme vimos, são passíveis de redução – [ay] (‘baSu’), [ey] (‘fêRa’), [ow] (‘mandô’) e [aw] (‘restorante’). Desses, somente os três primeiros foram trabalhados nos estudos sociolingüísticos aqui referidos. De uma forma geral, os autores explicam as reduções separadamente, uma vez que, em termos estruturais, os contextos de aplicação das regras são diferentes. A redução de [ey] > [e], por exemplo, é menos geral em termos de contexto fonético e, contrariamente ao [ow], nem todas as ocorrências são passíveis de redução. No caso de [ey], tanto há ambientes estruturais favorecedores, quanto ambientes bloquea- dores. Parece haver, entre os três ditongos acima referidos, uma gradação quanto aos ambientes em que a regra atua (de contextos menos restritos a contextos mais restritos):

GONÇALVES (^172)

[ow] >> [ey] >> [ay]

Em termos não-estruturais, pode-se afirmar que a redução do glide nesses ditongos não atua nem como marcador de classe social, nem de idade, nem de sexo, ou seja, falantes de classe social alta ou baixa, adultos e jovens, homens e mulheres reduzem o ditongo quase categoricamente (numa proporção de 86% no Rio de Janeiro e em Sergipe e de 82% em Belo Horizonte). Os trabalhos que tomo como referência para esta investigação evidenciam pouca atuação de fatores extralingüísticos (exceção feita ao de Paiva, 1986, e ao de Assis Veado, 1983). Pode-se dizer, assim, que o processo opera dentro de determinadas restrições estruturais, ou seja, por meio de variáveis que condicionam, em maior ou menor grau, a supressão da semivogal. Ao que parece, essas variáveis são basicamente lingüísticas, o que torna o fenômeno sistêmico e pouco influenciado por fatores externos. Assis Veado (1983) admite que o fenômeno é índice de intera- ção social na comunidade (p.209), visto que uma situação de fala marcada pelos traços [+ coloquial] e [+ casual] tem peso decisivo na produção das variáveis (o) e (e) (p.209). A autora distingue três tipos de situações de fala – (a) fala casual; (b) noticiários; e (c) leitura de sentenças e de palavras – e verifica que a redução do ditongo tem mais chance de ocorrer no estilo casual (99%). Nos demais estilos, embora haja tendência bastante clara à supressão, o cancelamento de [y] e de [w] atinge percentuais menores (66% para noticiários, 39% para leitura de sentenças e 28% para leitura de palavras). Apesar de chegar a esses percentuais, Assis Veado (p.226) pondera que

nas realizações de fala mais cuidada, a simplificação é liderada pelo (o), mas tanto o (o) como o (e) apresentam um alto índice de redução, o que nos impede de dizer que esta seja marcadora de fala casual, em oposição à ditongação, que seria marcadora de fala cuidada. O que podemos dizer é que os contextos de fala casual favorecem semicategorialmente a redução e os contextos mais formais favorecem menos.

GONÇALVES (^174)

o ditongo [ey]: (a) contexto fônico seguinte; (b) tonicidade; e (c) estrutura interna da palavra. No que diz respeito à variável (a), os trabalhos tendem a distinguir os pontos e os modos de articulação dos segmentos seguintes (Paiva, 1986 e Vianna da Silva et alii, 1995 por exemplo). No primeiro grupo (modo de articulação), sobressaem as fricativas palatais surda e sonora ([S] e [Z], respectivamente), da mesma forma que em [ay], como o elemento preponderante na eliminação da semivogal (‘dexam’, ‘pexe’). O que parece haver aí é uma assimilação pelo traço [+ alto], característico tanto do glide quanto das consoantes palatais [S] e [Z]. No modelo de Clements (1991), a organização dos segmentos em traços hierarquizados oferece elementos que permitem melhor interpretar a supressão do glide nos ditongos [ay] e [ey]. Ocorre, nesses casos, um fenômeno de assimilação por espraiamento do traço vocálico [coronal], característico tanto das consoantes complexas [S] e [Z] quanto do glide frontal [y]. No grupo Modo de Articulação, o flape ([R]) sobressai como segmento favorecedor do processo (‘lesera’, ‘cansera’).^8 Contraria- mente, as vogais parecem ser elementos que bloqueiam o apagamento do glide. Em dados como ‘caseia’, por exemplo, caso ocorresse a supressão da semivogal, formar-se-ia um hiato, estrutura que a língua portuguesa tende a evitar desde a fase arcaica. Vocábulos arcaicos, como ‘cea’, receberam, no curso de sua evolução, um [y] epentético para que, por meio da ditongação, se desfizessem os hiatos que apresentaram. A formação dos hiatos, portanto, está na direção oposta à deriva da língua e, por isso, os ditongos são mantidos nesse caso. Quanto aos pontos e modos de articulação, outros segmentos atuam no sentido de preservar a forma antiga (ditongada), resistindo, portanto, à inovação (forma monotongada). Incluem-se, nessa lista, todas as consoantes oclusivas (dentais, labiais e guturais, exceção feita a [g], na palavra ‘manteiga’, unicamente) como elementos desfa- vorecedores da redução. Também as fricativas labiais e as consoantes laterais tendem a funcionar como “freios” para a inovação, resistindo,

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desta forma, ao impulso inovador. Assim, a variação [ey ~ e] se restringe às fricativas palatais, à nasal labial (‘temoso’, ‘quemado’), ao flape (‘cadera’), e à nasal alveolar (‘trenar’). Embora Paladino Neto (1990) e Paiva (1986) tenham consi- derado o fator tonicidade como relevante na supressão do elemento marginal dos ditongos, Assis Veado (1983) e Vianna da Silva et alii (1995) não o consideraram pertinente, visto que os resultados indicaram que a monotongação se dá independentemente de o ditongo situar-se em sílaba tônica ou átona. Nesse sentido, esses ditongos alternam com vogais simples, independentemente de sobre eles incidir o acento. Paiva (1986:171) ressalta, ainda, a estrutura interna da palavra como elemento condicionador. Ela controlou a variável Organi- zação da Estrutura Morfológica do Vocábulo e chegou aos seguintes números, que reproduzo na Tabela 2:

tipo de ditongo supressão na raiz supressão no sufixo

ay 135/300 = 42% 165/300 = 58% ey 144/413 = 33% 169/413 = 67%

Tabela 2 – Redução de ditongo e estrutura interna da palavra (Paiva, 1986: 19)

Apesar de chegar a resultados bastante positivos (Tabela 2), Paiva admite haver superposição com o fator Contexto Fônico Seguinte, decorrente do flape do sufixo -eiro (‘verdurero’, ‘sapatero’),^9 pois grande parte das ocorrências do flape se dá nesse ambiente mórfico. A autora afirma, então, que “a supressão, praticamente categórica de [y] do sufixo -eiro, é decorrente do ambiente fonético constituído pela consoante vibrante, cujo peso isoladamente é mais forte do que qualquer outra variável” (p.172).

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os resultados referentes à variável não autorizam a concluir sobre uma probabilidade maior de articulação do ditongo em falantes com maior nível de escolarização. Se, em termos percentuais, constata- se a irrelevância desse fator, em termos probabilísticos é atribuída ao nível primário (...) uma maior propensão à supressão de [w]. (...) Parece-nos, no entanto, que esse efeito positivo do baixo nível de escolarização pode dever-se ao acaso (p.176).

Assis Veado (1983:222) observou que a maior chance de ocorrer o ditongo [ow] está relacionada à leitura de palavras, visto que tanto no que ela denominou de “fala casual”, quanto no que chamou de “noticiário”, esses ditongos são quase categoricamente reduzidos a monotongos. Como conclusão a esta parte da análise, pode-se dizer que, confrontando o comportamento dos ditongos com semivogais [+ recuada] e com semivogal [- recuada], observa-se o caráter de maior disseminação na supressão do primeiro. Vale dizer que, enquanto em [ow] há um fenômeno quase completamente sistema- tizado, em [ey] verifica-se tendência à maior estabilização (cf. Assis Veado, op. cit., e Paladino Neto, 1990).^10 O cancelamento dos glides não se explica, pois, pelos mesmos condicionamentos, uma vez que o apagamento da semivogal [w] ocorre tendo por motivação apenas a estrutura interna do ditongo, ao passo que a supressão de [y] tem de olhar não só para a natureza da vogal-base mas também para o lado direito da cadeia sonora, buscando ali contexto inibidor ou favorecedor da sua articulação. Na próxima seção, proponho, com base nos dados advindos dessas pesquisas sobre redução de glides nos ditongos decrescentes, alternativas para aplicação efetiva ao ensino, distinguindo, mais especificamente, duas situações a considerar no trabalho com os ditongos em classes de alfabetização.

  1. OS DIT4. OS DIT4. OS DIT4. OS DIT4. OS DITONGOS NA SALA DE AONGOS NA SALA DE AONGOS NA SALA DE AONGOS NA SALA DE AONGOS NA SALA DE AULAULAULAULAULA: TEST: TEST: TEST: TESTA: TESTAAAAGEMGEMGEMGEMGEM

Nenhum dos trabalhos resenhados na seção anterior oferece uma proposta de aplicação efetiva ao ensino, muito embora Lemle

GONÇALVES (^178)

(1978: 70) mostre que há, nesse sentido, um interesse prático, além do interesse teórico:

(...) há um duplo interesse no desenvolvimento do estudo das mudanças em curso no que tange aos ditongos: o interesse teórico, de deslindar as interações de traços fonéticos que estão funcio- nando; e o interesse prático, de poder melhor estabelecer pontos previsivelmente problemáticos no processo de alfabetização, exatamente aqueles pontos em que a ortografia está mais distanciada da produção fonética real dos aprendizes. (Grifo meu).

Os resultados do trabalho de Paiva (1986) tendem a levar à conclusão de que um contato maior com a língua escrita implica a recolocação das semivogais, devido à sua existência gráfica, o que permite conjecturar haver aí mais um argumento a favor da interfe- rência da língua escrita na língua oral. Santos (1973), ao trabalhar com a percepção dos adolescentes do grau de estigmatização de determinadas variações lingüísticas, elencou, em seus testes de atitudes, a redução do glide nos ditongos decrescentes. E explica: solicitado a emitir julgamento sobre o status de variantes como [va’soRa] ~ [va’sowRa], de um lado, e [pe’dReru] ~ [pe’dReyru], de outro, o falante não se dá conta de diferenças entre as duas, atribuindo a ambas o mesmo valor (p.123). A conclusão a que se pode chegar é a seguinte: devido a seu caráter de entidade fonética nula, as semivogais desses ditongos constituem-se, portanto, em mais um caso de inadequação entre o sistema fônico e o sistema gráfico do português. Ao que tudo indica, os problemas decorrentes da variação entre presença e ausência de semivogal nesse tipo de ditongo serão exclusivamente de natureza gráfica, sendo os resultados das pesqui- sas realizadas úteis, sobretudo, à alfabetização. Nesse sentido, caberá ao alfabetizador a tarefa de mostrar aos alunos que a pronúncia de um dado vocábulo nem sempre coincide com sua representação gráfica. No caso específico dos ditongos, creio ser possível, assim, partir das premissas esboçadas em Mollica (1995, seção 1), para formular exercícios. A meu ver, qualquer tentativa de aplicação dos