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vulnerabilidade, tristeza e medo a perturbações mais graves e incapacitantes como quadros de depressão, ansiedade, isolamento social, crise espiritual e/ou ...
Tipologia: Notas de estudo
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Cabral, A. S., & Paredes, T. (2015). Distress e Perturbações de Adaptação. In E. Albuquerque, A. S. Cabral e L. Monteiro (Coord.), Temas Fundamentais em Psico-Oncologia (pp. 195-204). Lisboa: Lidel.
A doença oncológica é uma condição física que, apesar da evolução nas práticas de detecção e de tratamento registadas no último século, ainda constitui uma ameaça à saúde e à vida dos doentes, com repercussões a vários níveis, incluindo psicossociais. Tais repercussões podem iniciar-se desde cedo, numa fase em que existe só risco de doença, na eventualidade de história familiar e/ou risco genético, perante a realização de exames de rastreio ou de despiste, e durante o curso da doença oncológica, desde a fase de diagnóstico, tratamentos e sobrevivência, passando pela recaída, fase terminal e morte. Todo o processo da doença pode ser experienciado com algum grau de sofrimento emocional que pode abranger situações extremas desde a resposta psicológica natural de um doente perante a vivência do diagnóstico de uma doença grave e respectivos tratamentos a quadros patológicos com critérios para uma perturbação psiquiátrica especifica como quadros de ansiedade e de depressão. A este continuum, distress, podem corresponder diversos compromissos no funcionamento físico, psicológico e social e, por conseguinte, uma qualidade de vida diminuída (Badger et al., 2004). É sobre o conceito de distress que nos debruçaremos neste capítulo, abordando de forma mais pormenorizada um dos quadros de distress mais frequente no doente oncológico, as perturbações de adaptação.
Ser diagnosticado com cancro e ser submetido aos seus tratamentos habitualmente agressivos são acontecimentos potencialmente traumáticos e experiências difíceis que normalmente têm associadas imagens e representações negativas e ameaçadoras. Por sua vez, os sintomas da própria doença e os efeitos destes tratamentos podem resultar em alterações nas capacidades físicas e mentais, alterações nos papéis pessoais e sociais e alterações na aparência e imagem corporal (Moorey & Greer, 2002), consequências negativas que, juntamente com as diversas preocupações e medos experienciados (Holland et al., 2006), permitem compreender também as sequelas emocionais exibidas pelos doentes. Muitos doentes descrevem assim, uma ou mais vezes ao longo da trajetória prototípica da sua doença (diagnóstico, tratamento, remissão, recorrência, cuidados paliativos efase terminal), vivências de sofrimento enquadráveis numa “experiência emocional desagradável multifactorial de natureza psicológica, social e/ou espiritual, que pode interferir com a capacidade de lidar com a doença e sintomas relacionados, respectivos tratamentos e consequências decorrentes e que se estende por um continuum desde sentimentos normais de vulnerabilidade, tristeza e medo a perturbações mais graves e incapacitantes como quadros de depressão, ansiedade, isolamento social, crise espiritual e/ou de crenças”, experiência que alguns autores propuseram denominar de distress (NCCN, 2014). Para a maioria dos doentes, esta experiência emocional engloba respostas normais às notícias do diagnóstico e ao decurso da doença, as quais tendem a diminuir de intensidade com o passar do tempo, à medida que ocorre um ajustamento à vivência da doença, não se traduzindo em problemas psicológicos ou psiquiátricos
duradouros e relevantes clinicamente. Tratam-se, portanto, de sintomas esperados de distress emocional que são habituais e que podem ser considerados como adaptativos e fazendo parte de um processo normal de ajustamento (Bishop et al., 1994; Fawzy&Fawzy, 1994; Holland et al., 2006; Moorey&Greer, 2002). Contudo, e conforme referem Bultz e Holland (2006), o diagnóstico e tratamento do cancro podem, em alguns casos, ter consequências emocionais significativas, resultando a experiência da doença oncológica num considerável e permanente distress emocional (Bishop et al., 1994; Keiret al., 2008). Para este grupo de doentes, as reações emocionais iniciais parecem, assim, evoluir para problemas psicológicos e psiquiátricos clinicamente significativos, os quais, normalmente, ocorrem no quadro de uma perturbação de adaptação, perturbação depressiva ou perturbação de ansiedade (Holland et al., 2006; Moorey&Greer, 2002; Spiegel&Classen, 2000). Um dos primeiros estudos que analisou a prevalência de perturbações psicológicas ou psiquiátricas nos doentes oncológicos data de 1983 e é da autoria de Derogatis e de seus colaboradores (Derogatis et al., 1983). Posteriormente muitos outros estudos têm sido levados a cabo em amostras que variam entre si no que respeita, entre outros aspectos, à localização do tumor, aos tipos de tratamentos efectuados e à fase da doença. Duas metanálises recentes apontaram prevalências de 32% de perturbações não psicóticas (designadamente, perturbações de adaptação, de ansiedade e depressivas) em doentes oncológicos em início de tratamento (Singer et al., 2010) e de 29% em doentes oncológicos em cuidados paliativos (Mitchell et al., 2011). Atualmente é consensual que cerca de 1/3 de todos os doentes oncológicos exibem um distress emocional significativo associado ao diagnóstico e tratamento do cancro, que requer uma intervenção diferenciada (Carlson et al., 2004; White, 2001; Zabora et al., 2001), defendendo vários autores que, por este motivo, o impacto emocional do cancro não deve ser desvalorizado mas sim considerado o sexto sinal vital em oncologia (a seguir à temperatura, respiração, pressão arterial, batimento cardíaco e dor) e encarado como um componente essencial nos cuidados a prestar (Bultz&Holland, 2006; Bultz et al., 2011; Holland & Alici, 2010). Com efeito, reconhece-se hoje a importância do rastreio do distress emocional em todos os doentes oncológicos, da identificação dos doentes em risco e da intervenção dirigida ao sofrimento psicossocial (Holland&Alici 2010). Assim, e como já referido, o distress pode abranger situações extremas desde a resposta psicológica natural de um doente perante a vivência do diagnóstico de cancro e respectivos tratamentos a quadros psiquiátricos como perturbações de ansiedade e depressivas, passando pelas perturbações de adaptação. São vários os contextos que podem condicionar o grau de distress , sendo este conceptualizado por alguns autores como resultando da articulação de múltiplos factores biológicos, psicológicos e sociais, uns protetores outros agressores (figura 1) (Li et al., 2010). Figura 1 – Modelo explicativo do distress (adaptado de Li et al., 2010)
factores de stress psicossociais identificáveis, no período de 3 meses após o seu início (na CID 10 este período é de um mês). É suposto que tais sintomas não reúnam critérios para uma outra perturbação psiquiátrica e determinem um acentuado sofrimento, excedendo o esperado, ou um marcado prejuízo no funcionamento pessoal, social ou ocupacional (Tabela 2). Tabela 2: Critérios diagnósticos para perturbação de adaptação e/ou de ajustamento Perturbação de Adaptação: critérios da DSM V
Perturbações de Adaptação – 11,6% Depressão major – 5,3% Mama Perturbação de Adaptação
A avaliação sistemática do distress pode ser feita em qualquer contexto (sala de espera, gabinete de consulta, cama) usando instrumentos simples de rastreio. Deverá envolver todos os doentes oncológicos em diferentes fases da doença, para que os problemas subjacentes sejam identificados e orientados precocemente antes que se instale uma situação de crise envolvendo a necessidade de intervenções mais complexas.
O reconhecimento das repercussões psicológicas e psiquiátricas do cancro e dos seus tratamentos tem contribuído para que os cuidados psicossociais venham a ser considerados um aspeto importante dos cuidados oncológicos de qualidade, defendendo-se a sua integração na prática clínica em oncologia envolvendo todos os doentes (Holland&Alici, 2010; NationalBreastCancer Centre &NationalCancerControl Initiative 2003). Neste âmbito, e conforme já referido, a triagem do distress emocional assume especial relevância, devendo ser uma prática corrente em oncologia e defendendo-se a sua monitorização e o desenvolvimento de planos de tratamento, com encaminhamento para recursos psicossociais mais específicos quando necessário (NCCN, 2014). Situações de distress ligeiro ou até mesmo algumas perturbações de adaptação são, normalmente, ultrapassadas, verificando-se uma recuperação espontânea, sem qualquer intervenção (Shimizu et al., 2011). Porém, as intervenções psicossociais constituem, habitualmente, a primeira linha de atuação nestes casos (Li 2010), o que facilmente se compreende se tivermos em conta sua natureza. Estas intervenções, independentemente da abordagem que seguem, têm sido pautadas por objectivos como os seguintes: (1) melhorar a adesão aos rastreios de cancro; (2) promover a tomada de decisão em relação aos tratamentos de cancro e para definir e uniformizar as recomendações terapêuticas; (3) promover o ajustamento dos doentes ao cancro e facilitar o coping com os sintomas e os efeitos secundários e (4) ajudar os doentes a lidar com os desafios dos autocuidados de saúde e com os tratamentos (Petrie&Revenson, 2005, citado por Suls, Davidson &Kaplan, 2010). Para alcançar tais objectivos o National Câncer Institute propõe, entre outras componentes, o treino de relaxamento, promoção de estratégias de índole cognitivo-comportamental para lidar com situações difíceis, sessões informativas e educativas sobre a doença e reforço do apoio social (NCI, 2015). Também o Nationa lComprehensive Cancer Network sugere indicações concretas para lidar com os sintomas esperados e ligeiros de distress emocional, bem como intervenções mais especificas e diferenciadas para situações de níveis mais elevados e significativos de distress , disponíveis online (NCCN, 2014) e cuja leitura aconselhamos. O tipo de intervenção pode variar em função da formação do terapeuta, do perfil do doente e das possibilidades facultadas pela instituição prestadora de cuidados. Algumas intervenções, menos estruturadas e dirigidas aos doentes com ligeiro e não clinicamente significativo, podem e devem ser feitas por qualquer um dos elementos da equipa de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de serviço social, ... ) (Pitceathly et al., 2009), não esquecendo a importância do treino de competências de comunicação destes profissionais para uma resposta adequada às necessidades psicossociais dos doentes e para uma prestação de cuidados psicossociais de qualidade (NationalBreastCancerCenter&NationalCancerControlInitiative, 2003). Nas perturbações de adaptação, quando as intervenções psicoterapêuticas não surtem o efeito desejado ou alguns sintomas são muito disruptivos, pode ser útil o recurso a medidas farmacológicas (Strain et al., 2008). De facto, o uso temporário de medicamentos dirigidos para a insónia, ansiedade ou, até mesmo, sintomas depressivos podem ser benéficos particularmente quando as moléculas usadas têm uma dupla ação aliviando também sintomas físicos decorrentes do cancro como a fadiga (por exemplo, Bupropion), náuseas e perda do apetite (por exemplo, Mirtazapina e Olanzapina), dor (por exemplo, Amitriptilina e Duloxetina), afrontamentos (por exemplo, Venlafaxina) (Rodin et al., 2007; Li et al., 2010). Refira-se porém que existem poucos dados disponíveis na literatura sobre a abordagem psicofarmacológica das perturbações de adaptação, ainda que algumas metanálises recentes concluam pela eficácia do uso de antidepressivos no tratamento de sintomas depressivos para além do contexto de doença depressiva (Hart et al., 2012; Laoutidis & Mathiak, 2013). Um dos motivos que encontramos para a escassez na literatura de estudos direcionados para a abordagem farmacológica dos quadros de adaptação reside precisamente nas dúvidas já apontadas quanto à natureza adaptativa versus patológica desta entidade. De facto, se atendermos a que alguns autores defendem que, pelo menos em algumas situações, se trata de um período transitório e auto-limitado, percebemos que o tratamento mantido e continuado por alguns meses com um antidepressivo
pode não ser de todo necessário e até contribuir para uma excessiva medicalização da situação. Salientamos porém que quando partimos para a realidade dos doentes oncológicos, atendendo à complexidade do agente stressor e à sua permanência ao longo do tempo, a abordagem psicofarmacológica e psicoterapêutica conjuntas em doentes com o diagnóstico clínico de perturbações de adaptação podem ser fundamentais para diminuir o sofrimento emocional e promover uma melhor qualidade de vida. Por outro lado, importa salientar que sendo a perturbação de adaptação na maioria das vezes um estado transitório, é importante continuar a monitorizar o eventual desenvolvimento duma perturbação psiquiátrica major como perturbações depressivas ou de ansiedade. CONCLUSÃO Para um número significativo de doentes o diagnóstico de cancro é sinónimo de sofrimento, dor, ameaça à vida ou morte. Compreende-se assim que ao longo da trajetória de evolução da doença estes doentes possam vivenciar experiência(s) emocional(ais) desagradável(eis), que se estendem por um continuum , desde sentimentos normais de vulnerabilidade, tristeza e medo a perturbações mais graves e incapacitantes, nomeadamente síndromes depressivos e ansiosos. Neste capítulo focámo-nos no conceito de distress cujo rastreio deve estar incluído no acompanhamento de qualquer doente oncológico. Abordámos de uma forma isolada as perturbações de adaptação, condição psiquiátrica mais frequente em doentes oncológicos, salientando a importância de um diagnóstico correto e de um tratamento dirigido às necessidades de cada doente como forma de reduzir o sofrimento emocional, promover a adaptação, aumentar a adesão às recomendações médicas e melhorar o funcionamento global. BIBLIOGRAFIA