Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Brasil Representando Interesses Portugueses na Índia: Diplomacia e Relações Internacionais, Notas de aula de Relações Internacionais

Este documento analisa a participação do brasil na disputa diplomática entre portugal e índia após a ruptura de relações diplomáticas em 1947. O texto aborda as principais etapas da disputa, as razões para as diferenças na concentração da pauta e a atitude de atores como wendt. Além disso, o documento discute as relações comerciais entre brasil e índia durante a década de 1950 e as principais iniciativas da índia para com o brasil.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Wanderlei
Wanderlei 🇧🇷

4.5

(185)

214 documentos

1 / 147

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
Universidade de Brasília – UnB
Instituto de Relações Internacionais – IREL
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
Área de Concentração: História das Relações Internacionais
Relações Brasil-Índia (1947-1964):
A Descolonização dos Enclaves Portugueses
Dissertação de Mestrado
Rafael Arruda Furtado
Brasília, julho de 2008
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a
pf3b
pf3c
pf3d
pf3e
pf3f
pf40
pf41
pf42
pf43
pf44
pf45
pf46
pf47
pf48
pf49
pf4a
pf4b
pf4c
pf4d
pf4e
pf4f
pf50
pf51
pf52
pf53
pf54
pf55
pf56
pf57
pf58
pf59
pf5a
pf5b
pf5c
pf5d
pf5e
pf5f
pf60
pf61
pf62
pf63
pf64

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Brasil Representando Interesses Portugueses na Índia: Diplomacia e Relações Internacionais e outras Notas de aula em PDF para Relações Internacionais, somente na Docsity!

Universidade de Brasília – UnB

Instituto de Relações Internacionais – IREL

Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais

Área de Concentração: História das Relações Internacionais

Relações Brasil-Índia (1947-1964):

A Descolonização dos Enclaves Portugueses

Dissertação de Mestrado

Rafael Arruda Furtado

Brasília, julho de 2008

Universidade de Brasília – UnB

Instituto de Relações Internacionais – IREL

Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais

Área de Concentração: História das Relações Internacionais

Relações Brasil-Índia (1947-1964):

A Descolonização dos Enclaves Portugueses

Dissertação de mestrado apresentada por Rafael Arruda Furtado ao Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília – IREL-UnB – como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História das Relações Internacionais.

Orientador: Professor Dr. Antônio Carlos Moraes Lessa

Brasília, julho de 2008

Ao meu Avô Francisco

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Lessa, pela pronta e competentíssima orientação. Abriu-me o caminho da imaginação acadêmica dentro da seara da história das relações internacionais e auxiliou-me a confirmar a imensa satisfação em se produzir conhecimento nesse campo do saber.

À excepcional turma de mestrado e doutorado da qual tive a honra de fazer parte. Nas diversas aulas que juntos tivemos, pensava com freqüência o quão abençoado era eu por estar ali compartilhando conhecimento de alto nível e vivenciando o processo evolutivo do campo das relações internacionais.

Ao Instituto de Relações Internacionais que, para além das barreiras e dificuldades de uma universidade pública brasileira, resta patente ser realmente um centro de excelência composto por professores de alto gabarito, corpo administrativo experiente e alunos de potencial extraordinário.

À Universidade de Brasília, que me acolheu e muito me ensinou em minha graduação interdisciplinar e à qual sempre defendi quando era alvo de críticas cegas, mesmo sabendo de suas imensas dificuldades.

Aos funcionários do Arquivo Histórico do Itamaraty – RJ, especialmente ao Miranda que, sempre solícito e atencioso, proporcionou-me debruçar sobre os documentos necessários para desvendar o objeto de estudo a que esta dissertação se propôs trabalhar.

Um agradecimento especial às colegas e eternas amigas Mariana e Julia pelas horas dedicadas a discussões construtivas e ao mesmo tempo adoráveis, seja sobre temas acadêmicos seja sobre temas da vida que são parte indivisível da formação do pesquisador.

À cultura indiana, flor da Ásia, com suas enormes proporções, berço de saberes milenares, nascedouro de almas evoluídas e exemplo de paradigmas na quase totalidade das vezes impensáveis e incompreensíveis para o homem ocidental.

À minha família, pelo apoio irrestrito em todos os momentos, pelas conversas e por fazer desenvolver meu espírito crítico perante os problemas encontrados pela vida.

À minha querida e amada Renata, uma verdadeira estrela brilhante e musa inspiradora de meu caminhar.

ABSTRACT

The purpose of this dissertation is to analyze the first period of the relations between Brazil and India. A preliminary historical observation of the relations between the two countries allows its division in two main theme periods: the first, started after the Indian independence, in 1947, characterized by the diplomatic tension caused by the discussions among the decolonization of the Portuguese enclaves in India, of which the most important and known was Goa; and the second, beginning with the creation of the United Nations Conference on Trade and Development - UNCTAD, in 1964, and with the direction changing implemented by the new Indian government, initiated in 1966. The fundamental and central question of this work refers to the Brazilian participation in the dispute between Portugal and India, having as a particular focus to investigate in which way the tension between those nations influenced and became the principal theme of the relations between Brazil and India at that time. The Brazilian participation in the case was of great importance. After the rupture of the diplomatic relations between Portugal and India, Brazil started to represent the Portuguese interests in that country. During the whole process of fourteen years of tense diplomatic negotiations, with intense debates also at the UN, Brazil started to play a Double game, by one hand connected to Portugal by historical reasons and by the Treaty of Friendship and Consult, of 1953, and, by the other hand, searched to consolidate its image among the countries of the Afro-Asian group. This dissertation searches, through the methodology of the history science, to elaborate an sketch of the history of the relations between Brazil and India prioritizing the first period – that is referred to the post-war era, final of the decade of the 40’s, to the decade of the 50’s and to the beginning of the decade of the 60’s -, which, after the analysis of the most relevant aspects of the relations between the nations, might be characterized by a period in which the commercial trade was very low and in which the theme of the decolonization of the Portuguese enclaves in India was very delicate and corrosive.

Keywords : Brazil-India relations – post-war era – decolonization – Portuguese enclaves

  • Goa

LISTA DE SIGLAS

ALALC – Associação Latino-Americana de Livre Comércio BJP – Bharatiya Janata Party BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico CEE – Comunidade Econômica Européia CENTO - Central Treaty Organization CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe da Organização das Nações Unidas CPC – Centro Popular de Cultura FAO – Food and Agricultural Organization FMI – Fundo Monetário Internacional GATT - General Agreement on Tariffs and Trade IBAS – Fórum Trilateral Índia, Brasil, África do Sul IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICCICA - Comissão Provisória de Coordenação dos Acordos Internacionais de Produtos de Base IED – Investimento Externo Direto ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros Mercosul – Mercado Comum do Sul MRE – Ministério de Relações Exteriores OEA – Organização dos Estados Americanos OIC – Organização Internacional do Comércio OMC - Organização Mundial do Comércio ONU - Organização das Nações Unidas OPA – Operação Pan-Americana OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte PEI – Política Externa Independente SAP – Structural Adjustment Program SEATO - Southeast Asia Treaty Organization SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito TIAR – Tratado Interamericano de Assistência Recíproca UDN – União Democrática Nacional UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento UNE – União Nacional dos Estudantes UNESCO – United Nations Education, Scientific and Cultural Organization

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .........................................................................................

Capítulo 1. Política Externa do Brasil na República Liberal e o Tema da Descolonização ...................................................................................... 1.1. Marco Analítico para a Classificação de Matriz de Política Externa ................... 1.2. Governo Dutra (1946-1950): O Culto à Tradição .................................................. 1.3. Governo Vargas (1951-1954): Os Obstáculos Institucionais ................................. 1.4. Governo Café Filho (1954-1955): O Apoio Irrestrito à Causa Portuguesa .......... 1.5. Governo Juscelino Kubitschek (1956-1960): A Retórica dos Laços Tradicionais de Amizade a Portugal e o Avanço do Anti-colonialismo ............................................. 1.6. Os Governos Jânio Quadros e João Goulart (1961 a 1964): Universalismo e Anti- colonialismo ....................................................................................................................

Capítulo 2. Política Externa da Índia no Governo Jawaharlal Nehru ................................…………………………………….................. 2.1. A Independência da Índia e a Prática da Não-violência ....................................... 2.2. Política Externa do Governo Nehru ....................................................................... 2.3. A Economia Indiana do Pós-Guerra aos Dias Atuais ........................................... 2.4. Guerras – Paquistão e China - Segurança e Desarmamento ................................ 2.5. A Conferência de Bandung e a Participação Indiana ...........................................

Capítulo 3. O Primeiro Período das Relações Brasil-Índia (1947- 1964) ............................................................................................................ 3.1. Brasil e Índia – Os Primeiros Contatos .................................................................. 3.2. As Participações de Brasil e Índia no GATT e seu Intercâmbio Comercial ......... 3.3. A Descolonização dos Enclaves Portugueses e a Participação Brasileira .......... 3.3.1. Da Proclamação da República em Portugal ao Governo Salazar: A Reforma Constitucional e sua Repercussão ....................................................... 3.3.2. O Colonialismo e a Participação Brasileira na Descolonização dos Enclaves Portugueses na Índia ...........................................................................

CONCLUSÃO .........................................................................................

FONTES E BIBLIOGRAFIA ................................................................

O corpo dissolve-se no Universo. O Universo funde-se em uma voz insonora. A voz insonora funde-se na eterna luz. A luz funde-se na infinita alegria. Poema Hindu

A força gerada pela não-violência é infinitamente maior do que a força de todas as armas inventadas pela engenhosidade do homem.

Mahatma Gandhi

As relações entre o Brasil e a República da Índia só tiveram início formal em

  1. No dia 3 de maio desse ano foi inaugurada a primeira embaixada indiana na América Latina, mais especificamente no Rio de Janeiro, posteriormente transferida para Brasília em 1º de agosto de 1971. Nos últimos quase sessenta anos, a política externa de ambos os países sofreu claras mudanças, assim como as relações entre eles e as relações internacionais como um todo. O processo atual de transformações no cenário mundial exerce pressão para a abertura de novas articulações políticas entre as nações. As possibilidades de conexão são cada vez maiores. Não só as mudanças políticas, mas também a evolução dos sistemas técnicos, principalmente dos meios de comunicação, viabilizam uma nova percepção da geopolítica econômica, elaborada sobre temas como cooperação e interdependência. As parcerias entre os países decorrem da própria diminuição dos distanciamentos relacionados ao desenvolvimento das comunicações. A segunda metade do século XX presenciou grande crescimento industrial tanto do Brasil quanto da Índia. Mesmo sendo concorrentes em diversas áreas - e, possivelmente, por causa desse fato -, possuem complementaridades que os impelem à formação de grupos de pressão em busca de vantagens nos mais diversos campos das relações internacionais. O contexto atual da inserção internacional da Índia fornece elementos suficientes para que haja crescente interesse no Brasil em se estudar aquele país. Brasil e Índia já descobriram uma série de possibilidades de trocas e de ações conjuntas no cenário internacional. São duas grandes economias em desenvolvimento. Ambos são membros do “ General Agreement on Tariffs and Trade” - GATT e ainda parceiros atuantes na Organização Mundial do Comércio - OMC. Os dois países ocupam, de um lado, uma posição intermediária no sistema internacional global com sua conseqüente condição de system affecting states e, de outro, participam intensamente dos sistemas regionais e sub-regionais em que se encontram. Nos últimos anos, ambos os países, todavia, começam a se tornar claramente mais influentes, podendo já apresentar certos e iniciais sinais de system- influencing states.^1

(^1) Robert Keohane sugere quatro possibilidades de caracterização dos Estados, de acordo com suas capacidades de influenciar o sistema internacional: system-determinig states ou Grandes Potências – grande capacidade em moldar o sistema internacional; system-influencing states ou Potências Secundárias

  • não determinam individualmente mas exercem influência em seu rumo; system-affecting states ou Potências Médias – influenciam o sistema internacional através de alianças nos âmbitos regional e global;

Apesar de grandes diferenças em suas matrizes sociais e populacionais, são dois países de dimensões continentais que apresentam enorme diversidade cultural, regimes de governo democráticos e grandes populações multiétnicas e multiculturais. Ambos apresentam-se em estágio de industrialização relativamente desenvolvido, com programas avançados em tecnologia. Compartilham ainda percepções similares no que diz respeito a questões de desenvolvimento, além de cooperarem em foros multilaterais em temas como comércio internacional, meio ambiente, reforma da Organização das Nações Unidas - ONU e ampliação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Os últimos diálogos entre os líderes das duas nações têm projetado o grande potencial de amadurecimento e aprofundamento das relações.^2 A visita do Primeiro Ministro indiano ao Brasil, em setembro de 2006, depois de um intervalo de 38 anos, representou um momento importante na aproximação entre os países. Na ocasião, os líderes dos dois países assinaram um memorando que prevê a abertura de diversas frentes de cooperação, além de terem afirmado que se teria alcançado o nível de “parceria estratégica”.^3 Uma análise histórica preliminar permite pressupor que as relações entre Brasil e Índia podem ser divididas em dois grandes períodos, os quais são divididos por um critério temático. No primeiro período, que vai de 1947 até o início da década de sessenta, prevaleceu um comércio incipiente e de pouca aproximação, uma vez que o Brasil possuía prioridades voltadas para os países desenvolvidos, principalmente aos Estados Unidos. Durante este período, a aproximação da Índia com o mundo latino- americano ocorreu por meio de sua política externa de não-alinhamento e do início da articulação de grupos de pressão em prol da questão do desenvolvimento.^4

e os system-ineffectual states ou aqueles que não exercem direta ou indiretamente influência no sistema. (Para discussão aprofundada ver SENNES, Ricardo Ubiraci. As mudanças da política externa brasileira nos anos 80: uma potência média recém industrializada. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003; e KEOHANE, Robert. Lilliputian’s Dilemmas: Small states in international politics. In International Organization 2 , vol. 23, nº 2, primavera, 1969). Ao utilizar as recentes estimativas do potencial das trocas comerciais entre Índia e Brasil, Hardeep Puri assim constata: “ According to studies carried out including by organisations such as UNCTAD, based on recessed comparative advantage (RCA) analisys and going by the new trade and investment nexus that is emerging, Indo-Brazil trade can indeed easily reach US$ 10 billion in the next 3 to 5 years ”. PURI, Hardeep. India and Brazil – a new dynamic. In: SINHA, Atish & MOHTA, Madhup (editors). Indian foreign policy: challenges and opportunities 3. New Delhi: Foreign Service Institute, 2007, p. 848-849. Das declarações do atual Primeiro-Ministro indiano, Manmohan Singh, encontradas no sítio do Ministério de Relações Exteriores da Índia, consta a menção ao termo “parceria estratégica”: “ Brazil and India recognize that their relationship has now reached the level of a strategic partnership. ” ( 4 www.meaindia.nic.in). Acessado em 03 de abril de 2008. GUIMARÃES, Lytton Leite. Política externa e segurança: a perspectiva indiana. In: VAZ, Alcides Costa (coord.). Projeto: Líderes regionais e segurança internacional. Brasil, Índia e África do Sul. (Documento de trabalho n. 9). Universidade de Brasília, Instituto de Relações Internacionais, 2006, p. 30.

Durante todo o processo de quatorze anos de tensas negociações diplomáticas, as quais promoveram intensos debates também na ONU, o Brasil enredava-se em um jogo duplo, por um lado ligado a Portugal por razões históricas e pelo Tratado de Amizade e Consulta^7 , de 1953, e, por outro, buscava consolidar sua imagem junto aos países do bloco afro-asiático. Os governos de Dutra, Vargas, Café Filho e Juscelino Kubitschek pautaram-se, de forma geral, pelo apoio irrestrito à causa portuguesa. Para Portugal, o apoio brasileiro, nas palavras de José Calvet de Magalhães, “possuía um valor político inestimável”.^8 A condição brasileira de antiga colônia portuguesa, de país mais importante da América Latina e de nação de grande influência no chamado Terceiro Mundo faziam do Brasil peça chave na tentativa portuguesa de fazer emplacar a idéia de que seus territórios fora da península ibérica constituíam “províncias ultramarinas” e não colônias. A partir de certo momento, contudo, o Brasil percebeu a incompatibilidade de interesses gerada por sua atuação. Naquele momento já não era mais necessário defender uma posição parcial. A iminência de um conflito armado e a importância crescente da Índia e do continente asiático como um todo levaram a diplomacia brasileira a advogar claramente o pacifismo como a única forma de resolução dos conflitos. Não mais defendia Portugal em todas as suas requisições, mas também não o abandonava. Não mais se posicionava contra os interesses indianos, mas também não apoiava abertamente suas ações. É importante notar que, a partir da análise das documentações, o Brasil percebia a Índia, no período do pós-guerra, como um país estratégico para o discurso do desenvolvimento brasileiro e para a análise, em razão do posto avançado que aquele país representava, do contexto de guerra fria. O Brasil havia rompido com a URSS e não havia reconhecido a China continental. A Índia, não-alinhada, constituía-se, assim,

(^7) Assinado no Rio de Janeiro a 16 de dezembro de 1953. Promulgado pelo Decreto nº 36.776, de 13 de janeiro de 1955, publicado no Diário Oficial de 19 de janeiro de 1955. (BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Relatório. Rio de Janeiro: Serviço de Publicações da Divisão de Documentação do Ministério das Relações Exteriores, 1955); Para ver o inteiro teor do texto e discussão acerca dos antecedentes do Tratado e das Relações entre Brasil e Portugal consultar: SILVA REGO, A. da. Relações Luso- Brasileiras (1822-1853) 8. Lisboa: Edições Panorama, 1966. MAGALHÃES, José Calvet de. Breve história das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 99.

como um ponto privilegiado de compreensão da conjuntura bipolar e, também, da configuração das tendências asiáticas à época.^9 O segundo grande período temático, que não será objeto de estudo no presente trabalho, teve início com a criação da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento - UNCTAD, em 1964, e com a mudança de rumo implantada pelo novo governo indiano, iniciado em 1966. Esse grande período, que possui como tema central a questão do desenvolvimento, ainda hoje representa o mote da aproximação entre os dois países. Sob a temática do desenvolvimento, desde o início da década de sessenta, que no Brasil deve ser percebida em sua ligação com o universalismo, e na Índia deve ser vista com referência ao problema da segurança e da autonomia, para ambos os países, a dimensão multilateral é a que estabelece o ponto fulcral da ligação entre as duas nações. A parceria estabelecida, através desses quase sessenta anos de relações diplomáticas, teve, e ainda tem, como foco principal a reiterada parceria nas negociações entabuladas nos foros multilaterais. No plano externo, há duas formas empregadas em política externa que possuem como objetivo a consecução do desenvolvimento, quais sejam, a política de diversificação de parcerias e a busca de construção de acordos e fortalecimento de organismos multilaterais. A importância dessas iniciativas está em sua capacidade de possibilitar maior ou algum poder de barganha a Estados menos influentes no cenário internacional. O aumento desse poder de barganha espelha-se também na perspectiva da formulação e estabelecimento de normas jurídicas internacionais, de regimes internacionais e de organizações internacionais capazes de promover a transformação da ordem internacional. Os Estados em desenvolvimento buscam, com o fortalecimento da dimensão multilateral de suas políticas externas e da diversificação de parcerias, promover transformações que sejam capazes de melhorar as condições de vida de suas populações. Alguns Estados apostam mais no multilateralismo do que outras. E algumas relações entre países encontram maior densidade dentro da dimensão multilateral do que no estabelecimento de relações bilaterais. Esse é o caso das relações entre Brasil e Índia. No plano multilateral, é importante ressaltar que Brasil e Índia são parceiros tradicionais. A parceria política para a promoção do desenvolvimento entre os dois

(^9) Ofício de Caio de Melo Franco ao MRE. Argumentos acerca da importância estratégica da Índia para a política externa brasileira no continente asiático. Documento secreto de 27.12.1950. Arquivo Histórico do Itamaraty – Rio de Janeiro (AHI) - Ofícios da Embaixada Indiana no Rio de Janeiro.

relações daquele país com este bloco, pois a maior abertura dos Estados membros poderia ser aproveitada para a entrada de capital indiano e, ainda, poderia ser aproveitado como mercado consumidor da também recém e incipiente abertura econômica do país das monções. Iniciava-se, assim, a segunda fase nas relações entre Brasil e Índia, dentro do grande período temático do desenvolvimento.^13 O início da década de 1990 trouxe outras profundas transformações na ordem mundial. A evolução dos meios de comunicação foi fator determinante para que as interlocuções globais se fizessem com maior velocidade e freqüência. Não sem propósito ficou também conhecida como a década das conferências. No caso do Brasil, também na década de 1990, foram implementados um programa de liberalização comercial e um plano de combate à inflação. A tarifa média no caso brasileiro sofreu redução da ordem de 45% para 14% em um prazo de quatro anos e foi adotado um sistema de bandas cambiais dentro do Plano Real que valorizou em termos reais a moeda brasileira. A partir de então, os dois países iniciaram um maior aprofundamento em suas relações, tendo como foco a importância da criação do Mercosul, a conseqüente maior liberalização das economias do continente sul-americano e as mudanças na política econômica da Índia. Ocorreu, ainda, um processo de privatizações no sub-continente indiano, seguido de maior flexibilidade à entrada de capitais estrangeiros, assim como também passou a acontecer no Brasil. Houve, portanto, uma transformação na matriz de política externa de ambos os países. É importante ressaltar que o comércio entre Brasil e Índia sempre foi insignificante, excetuando-se a compra de arroz brasileiro na quantia de sete milhões de dólares no ano de 1966. A partir de 1964, uma noção das possibilidades de aumento das relações comerciais teve início especialmente pela missão comercial indiana que passou a demonstrar interesse em uma série de produtos manufaturados brasileiros como navios cargueiros, guindastes, tratores e pigmentos. O Brasil, por sua vez, acenava com interesse no gado^14 indiano, mas o problema do alto preço dos fretes ainda se mantinha.^15

(^13) Para maiores discussões sobre esse período ver: VIEIRA, Maíra Baé Baladão. Relações Brasil-Índia (1991-2006). Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, 2008. (^14) Curiosamente, grande parte do gado brasileiro é de origem indiana. “ This Grass fed variety ‘Zebu’, known locally as ‘Nelore’ (…) 2006 marked the hundredth anniversary of the first cattle being imported

Em que pese o incipiente intercâmbio comercial indo-brasileiro - que, entre os anos de 1962 e 1964, representou 0,3% das exportações brasileiras para a Ásia^16 -, a observação do momento histórico em que se iniciaram as conversações entre dois Estados, que hoje tornam-se parceiros políticos e, propõem alguns autores, estratégicos, é de extrema importância para a proposição de políticas futuras. Ao longo das últimas duas décadas, conforme dados pesquisados por Lia Valls Pereira, o comércio entre Brasil e Ásia, entendida aqui como China, Coréia do Sul, Japão e Índia, aumentou de cerca de US$ 3,5 bilhões para US$ 16,7 bilhões. O comércio total do Brasil nesta mesma época teve um incremento de US$ 40 bilhões para US$ 107 bilhões. O crescimento médio anual, no período de 1982/1990, das exportações brasileiras foi de 5,7% no resultado global e de 11,3% para aqueles países selecionados da Ásia. Somente para o período de 2000/2002, o crescimento global foi de 4,7% e para a Ásia de 18%, demonstrando a importância daquela região para os fluxos de comércio do país.^17 No ano de 2002, houve um impulso importante no comércio entre o Brasil e os países asiáticos. A Índia, por exemplo, passou de trigésimo oitavo para o décimo oitavo lugar na lista dos principais mercados de destino das exportações brasileiras. No mesmo ano, a China e a Índia ocuparam, na lista dos países que apresentaram maior variação absoluta em termos de valor exportado, o segundo e quarto lugar.^18 Os principais países de destino das exportações brasileiras para a Ásia foram China, Japão, Coréia do Sul e Índia, nessa ordem. A variação de 2001/2002 da Índia, no entanto, foi bastante maior do que a dos outros países, alcançando um percentual de 129,11%.^19 A Índia, porém, está presente entre os dez maiores mercados de exportação apenas nas vendas de óleo bruto de petróleo. Dos 24 principais produtos da pauta de exportação brasileira para a Ásia, a Índia encontra-se representada em apenas três produtos (medicamentos, óleos combustíveis e compostos heterocíclicos).^20

from India to North-Eastern Brazil. ” PURI, Hardeep. India and Brazil – a new dynamic. In: SINHA, Atish & MOHTA, Madhup (editors). 15 Op. Cit. , p. 846. 16 SELCHER, Wayne.^ Op. Cit. , p. 226-227. 17 Idem , p. 200. PEREIRA, Lia Valls. A participação da Ásia nos fluxos comerciais brasileiros – uma análise descritiva. In: BENECKE, W. Dieter, NASCIMENTO, Renata, FENDT, Roberto (orgs.). Brasil na arquitetura comercial global 18. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2003, p. 330. 19 A Índia teve um aumento de US$ 368,32 milhões ( Idem , p. 337). 20 Idem , p. 339. Idem , p. 343.