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Guias e Dicas
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Análise da Tragédia de Eduardo II: Personagens, Contexto e Interpretações, Manuais, Projetos, Pesquisas de Literatura

Uma análise detalhada da peça de teatro eduardo ii, de christopher marlowe. O texto aborda as personagens principais, a divisão da peça em duas partes, as relações complexas entre eduardo ii, gaveston, isabella e mortimer, e as interpretações históricas e sexuais da obra. Além disso, o documento menciona as influências do papado e a relação entre eduardo ii e gaveston, que é objeto de várias ambiguidades.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
MESTRADO EM LETRAS
PODER E SEXUALIDADE NA PEÇA HISTÓRICA EDUARDO II, DE
CHRISTOPHER MARLOWE
Mary Ellen Rivera Cacheado
Manaus
2013
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM LETRAS

PODER E SEXUALIDADE NA PEÇA HISTÓRICA EDUARDO II , DE

CHRISTOPHER MARLOWE

Mary Ellen Rivera Cacheado

Manaus 2013

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

MESTRADO EM LETRAS – ESTUDOS LITERÀRIOS

MARY ELLEN RIVERA CACHEADO

PODER E SEXUALIDADE NA PEÇA HISTÓRICA EDUARDO II , DE

CHRISTOPHER MARLOWE

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários, do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal do Amazonas, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Letras/Estudos Literários. Orientador: Prof. Dr. Lajosy Silva

Manaus 2013

À minha mãe ( in memoriam ) por me apresentar ao mundo das histórias, por me alfabetizar e por me amar.

AGRADECIMENTOS

A Deus pela vida e por ter me dado uma mente questionadora e livre. Tudo é dom de Deus. Ao meu orientador, Prof. Dr. Lajosy Silva, por sua dedicação, organização e brilhantismo de ideias, sem as quais teria sido impossível a conclusão deste trabalho. O seu amor e dedicação à literatura, ao teatro e a sua profissão são uma inspiração para mim! Obrigada! À professora Drª. Lisa Hopkins, da Sheffield Hallam University, Inglaterra, por me iniciar nos estudos „marlovianos‟. Aos professores Dr. Allison Leão, Dr. Esteban Celedón, Dr. Marcos Frederico Krüger, Dra. Michele Brasil, Dra. Nereide Santiago e Dr. Sérgio Freire, pelas valiosas contribuições ao longo do mestrado. Aos meus professores da graduação do Curso de Letras – Língua Inglesa da UFAM por terem também contribuído, imensamente, para a minha formação acadêmica. Aos meus queridos colegas do mestrado: Adriana Aguiar, Jany Alfaia, Leoniza Calado, Stephanie Girão, Werner Borges, em especial, ao querido amigo, José Benedito, pela revisão. À minha grande e eterna amiga Elaine Andreatta, que estará para sempre entre as minhas melhores lembranças do mestrado. Agradeço, aos meus eternos amigos, Ana Lessa, Alessandra Kanawati, Márcia Mendes, Silvete Escobar, Suymara Braga e, em especial, a Duanes Santos e Joelson Cavalcante que serviram de inspiração para esse trabalho. À minha família por torcer por mim, me desejar sempre o melhor e por me dar um sentimento de pertencimento. Agradeço, ao meu irmão, Carlos Rivera e, aos meus primos-irmãos, André e Anderson Tavares, as primas-irmãs, Ana Paula, Andrea, Adriana, Elizabeth, Verônica, Virginha e a minha tia-mãe, Maria José Cacheado. Muito obrigada! Ao meu companheiro Robson Girondi de Sales, o meu eterno agradecimento, pela compreensão e, principalmente, por me proporcionar a estabilidade emocional para que eu pudesse me dedicar a esse trabalho, sem esse companheirismo, tudo teria sido imensamente mais difícil. Obrigada! Dedico-lhes.

RESUMO

Esta dissertação de mestrado realiza uma análise histórico-literária da peça Eduardo II (1592), do dramaturgo inglês Christopher Marlowe. O contexto histórico abre o primeiro capítulo e as tradições grega e romana são analisadas na obra de Marlowe assim como as rupturas e inovações do dramaturgo nessa tragédia-histórica. Essas análises são baseadas nas obras: Poética de Aristóteles, História Mundial do Teatro de Margot Berthold e Tragédia Moderna de Raymond Williams. Na segunda parte, as personagens principais da peça e suas relações de poder e sexualidade são analisadas e essas mesmas personagens são comparadas às figuras históricas. Tais análises estão pautadas nas obras Personagem de Ficção, de Décio Almeida Prado, Para Ler o Teatro, de Anne Ubersfeld e, principalmente, na obra O Romance Histórico, de George Lukács. Na terceira parte dessa dissertação, foi realizada uma pesquisa sobre a recepção e crítica da peça Eduardo II na Inglaterra, assim como uma pesquisa sobre a história da homossexualidade. Ecos da obra do autor no cinema: Eduardo II de Derek Jarman, Coração Valente de Mel Gibson, na literatura contemporânea: Gaveston de Stephanie Merritt e no cânone: Richard II, de Shakespeare também foram lidas e analisadas.

Palavras-chave : Christopher Marlowe; Teatro; Tragédia; História; Poder; Sexualidade; Homossexualidade.

ABSTRACT

This master´s degree dissertation completes a historical-literary analysis of the play Edward II (1592) by the English playwright Christopher Marlowe. A historic context opens the first chapter and the Greek and Roman traditions are analyzed in Marlowe‟s work as well as the ruptures and innovations of the playwright in this historic tragedy. These analysis are based on the works: Poetics by Aristotle, History of World Theatre by Margot Berthold and Modern Tragedy by Raymond Williams. In the second section, the power and sexual relations of the main characters are analyzed and these same characters are compared to the historic figures. These analysis are based on the works Personagem de Ficção by Décio Almeida Prado, Reading Theatre by Anne Ubbersfeld and predominately on the work of George Lukács , The Historical Novel. The third section of the dissertation will research the reception and critique of the play in England, as well as a research into the history of homosexuality. Echoes of the author‟s work on the cinema: Edward II by Derek Jarman, Braveheart by Mel Gibson, on contemporary literature: Gaveston by Stephanie Merritt and on the canon: Richard II by Shakespeare are analyzed.

Key words : Christopher Marlowe; Theatre; Tragedy; History; Power; Sexuality; Homosexuality.

INTRODUÇÃO

Christopher Marlowe, dramaturgo do período elisabetano, pouco conhecido no Brasil, caíra no esquecimento logo após a sua morte, aos vinte e nove anos, em uma taverna em Londres, no ano de 1593. Além de sua morte precoce, todas as polêmicas que circundaram a sua vida podem ter contribuído para o seu anonimato, a escassez de fortuna crítica e de traduções de suas obras, já que Marlowe fora acusado de assassinato, ateísmo e homossexualidade, três crimes considerados terríveis para a época. Nada em Marlowe fora comum, nem sua vida e muito menos sua obra. Nasceu em Canterbury, em 1564, e foi educado na King’s School em Canterbury. Por seu brilhantismo como aluno, conseguiu bolsa de estudo para prosseguir sua instrução na prestigiosa instituição Corpus Christ College, em Cambridge, que lhe concedeu o diploma de Bacharel em Artes e, logo, em seguida o Mestrado em Artes. Durante sua curta vida, Marlowe foi tradutor, acadêmico e até trabalhou para o serviço secreto da coroa britânica. Escreveu obras que foram de grande importância para o teatro elisabetano, tais como o poema Hero and Leander e seis peças, Dr Faustus , Dido Queen of Carthage, Tamburlaine the Great Parts I and II, The Massacre at Paris, The Jew of Malta e Eduardo II. Todas essas peças tratam de temas proibidos e condenados naquela época, como pacto com o diabo, mulheres dominadoras, judeus, religiões, massacres e homoafetividade. Eram temas aparentemente proibidos e condenados nos palcos ingleses, mas também foram populares no período elisabetano. Atribui-se essa popularidade, ao fato de que Marlowe possuía uma capacidade de aglutinar temas controversos a uma escrita erudita e poética, porém, sem se render aos moldes acadêmicos e valorizando o verso branco, aproximando o teatro clássico do que, hoje, nos parece contemporâneo. Poucas dessas peças foram estudadas no Brasil ou traduzidas para o português. Dr. Fausto é, provavelmente, a peça mais estudada, sendo a primeira a ser traduzida para o português de Portugal. Há também uma tradução acadêmica de Dido, Rainha de Cartago (UNICAMP, 2009), fruto de uma dissertação de mestrado de Thaís Maria Giammarco. Todas as outras peças continuam não disponíveis em português e relativamente desconhecidas no Brasil. Escolhemos como objeto de nosso trabalho a peça Eduardo II , ainda pouco conhecida pelo público brasileiro, com pouca fortuna crítica, quase nenhuma em

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português, e que ainda não foi traduzida. Por essa razão, iniciamos sua tradução, chegando a traduzir dois de seus cinco atos, os quais se encontram em anexo. A peça Eduardo II trata da história de um rei, suas relações, ascensão e queda. Um dos temas dessa peça é o parasitismo nas relações de poder e sexualidade, tanto entre personagens heterossexuais quanto homossexuais, e os problemas causados por tais envolvimentos. Por se tratar de uma peça baseada em fatos históricos, fazemos uma comparação entre as personagens apresentadas por Marlowe e as figuras históricas. O procedimento metodológico está voltado para a análise histórico-literária da peça Eduardo II. Os questionamentos feitos pelo autor nos levaram a propor uma análise literária do ponto de vista histórico e sociológico, abarcando tanto questões estruturais, quanto de conteúdo, pois acreditamos que a forma espelha o conteúdo e vice-versa. Por ser uma peça que tem o espaço arquitetônico do teatro como exposição de um drama, observamos que Marlowe utiliza o drama histórico para descrever um fato ocorrido há algum tempo, porém, agregando uma leitura do seu tempo e, consequentemente, desenvolve uma análise que abarca o coletivo. Assim, há dois conceitos muito importantes explicados por Antônio Cândido e que nos parecem relevantes para a nossa análise: os conceitos de “arte de agregação” e “arte de segregação”. Uma obra está dentro dos moldes da “arte de agregação”, quando ela se inspira principalmente na experiência coletiva e visa meios comunicativos acessíveis. Procura incorporar-se a um sistema simbólico vigente, ou seja, é uma obra que apenas reflete o sistema social daquela sociedade sem questioná-la, sem tentar alterá-la. Já as obras dentro da “arte de segregação” são aquelas que “desejam renovar o sistema simbólico e criar recursos expressivos” (CÂNDIDO, 2006, p. 26). Isto é, são obras que trazem uma contribuição nova para aquela sociedade, seja em seus padrões comportamentais, na maneira de pensar, seja na estética literária. Assim sendo, esse trabalho tem por objetivo analisar aspectos sociológicos presentes na peça Eduardo II. Para essa análise, adotamos como embasamento teórico a obra: Literatura e Sociedade, de Antônio Cândido, dentre outras. Levantamos uma de suas questões fundamentais ao analisar uma obra do ponto de vista sociológico: “Qual a influência exercida pelo meio social sobre a obra de arte?” (2006, p. 22). Em que medida a obra espelha ou representa a sociedade? De que maneira, Marlowe contribuiu para manter e reforçar os pressupostos da sociedade

12 No segundo capítulo, tratamos mais especificamente das personagens da peça histórica Eduardo II , fazendo um contraponto entre as personagens ficcionais de Marlowe e as figuras históricas, para entendermos como se dava a relação entre as questões sociais, de poder e de sexualidade. Na análise das personagens, usamos como ferramenta teórica as vias principais de caracterização de personagens de teatro, descritas por Décio Almeida Prado em sua obra A Personagem de Ficção , tais quais: suas ações, o que elas revelam a seu respeito e o que é dito sobre elas. Levamos em consideração, também, um dos “fios condutores” sugeridos por Ubersfeld para a análise das personagens, aquele no qual as análises são feitas por oposição ou aproximação as outras personagens (2005, p. 75). Tratamos do conflito principal da peça que é o individualismo de Eduardo versus a questão sócio- histórica. Analisamos, também, o discurso das personagens como enunciações duplas: autor e personagem. Tratamos do drama histórico baseando-nos, na obra Eduardo II , do historiador Seymor Phillips, e as teorias de George Lukács em sua obra O Romance Histórico. Falamos do “espelhamento artístico” feito por Marlowe mostrando conflitos histórico- mundiais, não só através de fatos históricos, mas de paixões pessoais que conflitaram com a ordem mundial. No caso de Eduardo II, seria o seu individualismo contra o patriarcado medieval. Logo a seguir, comparamos as personagens históricas com as ficcionais. No terceiro capítulo, fazemos um apanhado sobre a fortuna crítica do autor e da sua obra. Sabemos que Marlowe tornou-se um autor obscuro por causa de sua morte prematura, de seus temas delicados e em função do cânone Shakespeariano. Por essas razões, fizemos uma pesquisa sobre a recepção da sua obra na Inglaterra. Trazemos críticos antigos assim como os contemporâneos, Lisa Hopkins, com Christopher Marlowe, Renaissance Dramatist e Thomas Dabbs, autor de Reforming Marlowe: The Nineteenth Century canonization of a Renaissance Dramatist , e outros. Uma breve análise da história da homossexualidade foi realizada para que pudéssemos entender o processo de apagamento da personagem histórica Eduardo II e do autor Christopher Marlowe. Para isso, pautamos nossa pesquisa na obra, Homossexualidade: Uma História , de Colin Spencer. Nesse mesmo capítulo, fazemos uma breve análise sobre o romance contemporâneo Gaveston , de Stephanie Merritt, no qual a autora traz personagens da peça de Marlowe para

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tempos modernos, mostrando possíveis repercussões daquele enredo, na Inglaterra contemporânea. Verificamos também de que maneira a temática da homossexualidade, presente, na obra de Marlowe, foi retratada em adaptações para o cinema. Por isso, buscamos ferramentas teóricas que estudam o cinema, a história e a literatura para que pudéssemos analisar a releitura de Derek Jarman: o caráter explícito do homoerotismo no filme, o engajamento político do diretor e as suas escolhas estéticas e, ao mesmo tempo, compará-las com a leitura que o ator e diretor Mel Gibson fez de Eduardo II (então príncipe), no filme Coração Valente , ao apresentá-lo como afeminado e criando inúmeras incorreções históricas. Para concluir, a questão da homoafetividade, problemas e preconceitos parecem ser temas bastante relevantes e cada vez mais discutidos, na atualidade. Um estudo mais aprofundado dessa peça, do posicionamento de Marlowe, dos elisabetanos e dos ecos contemporâneos dessa obra, nos levará à reflexão e a conclusões interessantes sobre posicionamentos passados e presentes daqueles, que são marginalizados pelo simples fato de pensar, agir e ser “diferentes”.

15 Elizabeth I (1533-1603) tornou-se rainha da Inglaterra e da Irlanda (1558-1603). Fruto do relacionamento de Henrique VIII e Ana Bolena (1501-1536), ela seria a última representante da dinastia Tudor a ocupar o trono da Inglaterra. Sob o reinado de Elizabeth I, teve início a regulamentação do comércio e do que seria o primórdio de uma indústria nacional, a qual foi consolidada a partir da Revolução Industrial, no século XIX, no reinado da rainha Vitória. Elizabeth I tinha uma preocupação extrema em apaziguar os conflitos religiosos, entre católicos e protestantes, a partir de negociações, valorizando também as artes como forma de criar uma identidade cultural para os ingleses. Na literatura, mais especificamente no teatro, a Inglaterra passava por um período de transição e os autores se inspiravam no passado, mas ao mesmo tempo, buscavam criar algo novo, descrevendo as inquietações do período em que viviam. De fato, o período do teatro elisabetano é constituído basicamente na sua fluidez, uma vez que boa parte do período consiste em uma transição, o desenvolvimento de uma prática dramática de autores como William Shakespeare e Christopher Marlowe (CRAIK, 2001, p. 29). Ao que tudo indica, essa prática dramática residia, justamente, em recriar a cultura clássica e certos preceitos aristotélicos, quando os gêneros drama e comédia são repensados, sob o aspecto formal (estrutura e forma), porém, adotando uma inserção de questões pertinentes para os autores, como a questão de uma unidade mais maleável (tempo e espaço) que pudesse abranger a efervescência cultural renascentista. Na obra Eduardo II , de Christopher Marlowe, por exemplo, é possível perceber a desconstrução de um herói, príncipe e rei, quando o espectador é confrontado com um rei que, no seu íntimo, não deseja ser rei, contrariando as expectativas de um modelo de herói aristotélico, aspirante a despertar a piedade de quem acompanha, em cena, sua trajetória. Assim como a religião, a política e a ciência viviam os dualismos próprios da Renascença, no teatro isso também ocorria, pois, este, vivia sob forte influência da tradição grega e romana e, ao mesmo tempo em que se criava um estilo próprio de entretenimento, que viria a ser chamado de teatro elisabetano. O teatro elisabetano (1558-1625) compreende o reinado de Elizabeth I (1533-1603). Historicamente, foi rompido com a ascensão ao poder, em 1603, de James I (1566-1625). Mesmo que autores como William Shakespeare (1564-1616) tenham escrito suas peças após o período elisabetano. Macbeth (1603 ou 1607), por exemplo, é encenada para James

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I, influenciado pelos estudos de misticismo para uma população ávida por questões ligadas ao ocultismo. Contudo, Christopher Marlowe (1564-1593) não sobreviveria a ponto de alcançar o reinado de James I, pois foi assassinado, em uma taverna, na cidade de Londres, aos vinte e nove anos, sendo classificado pelos estudos literários, como um dramaturgo do período elisabetano. A cultura grega exerceu forte influência sobre a cultura ocidental. Ela está presente nas ciências, nas religiões, ainda que de maneira sincrética, e também nas artes, já que os gregos contribuíram bastante com as primeiras teorias literárias sobre o teatro e, em especial, sobre a tragédia. O modelo grego de tragédia teve certa influência sobre o teatro ocidental e o elisabetano. Apesar de os autores do teatro inglês terem desenvolvido um estilo próprio de tragédia, que mostrava temas próximos ou próprios da realidade elisabetana, eles beberam nas fontes gregas e romanas. Segundo Marvin Carlson em sua obra Teorias do Teatro , em Oxford e Cambridge, “Aristóteles e Horácio (ao menos de forma fragmentária) eram estudados” (1997, p.74). Como sabemos Marlowe, aos dezesseis anos de idade, ganhara uma bolsa de estudos para estudar em Cambridge e chegara a fazer um mestrado ali, portanto, não há dúvidas de que ele tenha tido contato com as teorias de Aristóteles e Horácio e, dessa maneira, pôde se inserir na continuidade cultural greco-romana e elisabetana. Para Raymond Williams,

a tragédia é, à primeira vista, um dos mais simples e mais poderosos exemplos dessa continuidade cultural. Ela une, culturalmente, gregos e elisabetanos. Congrega helenos e cristãos numa atividade comum (WILLIAMS, 2003, p. 34).

A continuidade cultural grego-romana e elisabetana era, portanto, uma leitura adaptada dos preceitos clássicos para os palcos do período, levando a Inglaterra para a Idade Moderna, em uma clara tentativa de superar questões religiosas que tanto dificultavam a expansão do teatro como prática artística durante esse período. É notório, por exemplo, a interferência dos puritanos – dissidentes da Igreja Anglicana – que se opunham totalmente ao teatro, uma vez que ele seria uma forma perniciosa de desviar o indivíduo de preceitos religiosos fundamentalistas, abalando uma fé cega baseada nos preceitos cristãos. Sendo assim, é possível imaginar a

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por sua vez, teria a hamartia , peripécia, reconhecimento, o pathos , o clímax e a catarse. Essas partes apareceriam na estrutura da tragédia que se dividiria em prólogo, coro, episódio, coro, êxodo e parte coral (ARISTÓTELES, 1968, p. 59). No entanto, os dramaturgos ingleses do período elisabetano não eram obcecados por temas clássicos greco-latinos, uma vez que o assunto das suas peças era basicamente oriundo da história da Inglaterra, como Eduardo II , de Christopher Marlowe. O autor busca uma personagem histórica como base da historiografia inglesa, pois, como foi dito anteriormente, era importante construir uma identidade cultural inglesa a partir das artes, durante o teatro elisabetano. Além do mais, não existia uma distinção – a não ser dentro dos círculos acadêmicos – , entre um “teatro sério”, de inspiração clássica, e o teatro popular. Os dramaturgos ingleses tinham ciência de que deveriam agradar gostos e públicos diversos. Muitas vezes, fundiam elementos cômicos e trágicos, novelescos, para que o público pudesse reconhecer os conflitos do período, como as questões políticas. Nesse sentido, a luta pelo poder é levada às últimas consequências, em Ricardo III, de Shakespeare, e em Eduardo II , que são peças canônicas. Assim como representações de amores impossíveis tal qual, Romeu e Julieta. Nas obras de Marlowe, podemos ver alguma herança dessa tradição grega. Dr. Fausto , por exemplo, possui o prólogo que resume o enredo ao início da peça: o coro anuncia o crime de excesso de Fausto que almejava mais sabedoria e poder do que lhe era permitido. Ele acabou por fazer um pacto com Mefistófeles e, dessa maneira, cometeu a sua hamartia , ou seja, o seu ato perigoso ou o seu erro trágico. A peripécia e o reconhecimento não estão bem claros na peça, o que Aristóteles chamaria de uma peça de “ação simples”^1 , já que a mudança de fortuna ocorre sem peripécias e sem o reconhecimento. O pathos ocorre quando Fausto sofre por não conseguir arrepender-se e, por saber que, dentro de pouco tempo, ele terá perdido completamente a salvação. O clímax ocorre quando Mefistófeles chega para levá-lo ao inferno. O sofrimento de Fausto nos leva a uma reflexão sobre o seu erro e a sua falta de capacidade para o arrependimento, sendo essa a catarse em si. A tragédia grega apresentava principalmente as ações de pessoas importantes assim como reis e rainhas. A peça Eduardo II , é dividida em cinco atos, tem como enredo a história de um rei, sua ascensão e queda. O tema central dessa peça são

(^1) Idem, p. 56.

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as relações de poder e sexualidade tanto entre personagens heterossexuais quanto homossexuais, e os problemas causados por esses envolvimentos. Analisando a obra Eduardo II , percebe-se que já ocorreram muitas mudanças em sua estrutura, se compararmos ao modelo aristotélico e à própria peça Dr. Fausto , uma das primeiras de Marlowe. Em Eduardo II , não há prólogo ou coro, por exemplo, no entanto, as influências clássicas são notórias, como podemos ver através de uma das falas do próprio Eduardo:

Venha Spencer, venha Baldock, venham e sentem-se comigo. Julguem aquela filosofia que em nossas famosas creches de artes, vocês sugaram de Platão e de Aristóteles (MARLOWE, 2000, p. 214) 2 (Tradução nossa)^3.

As duas últimas linhas do trecho acima merecem atenção especial, pois, apesar da aparente influência grega, percebemos certo tom de ironia. Além de Marlowe desdenhar das famosas escolas de artes ao chamá-las de “creche”, ele ainda usa o verbo “suck” que guarda várias ambiguidades. De acordo com o dicionário Oxford , a palavra suck pode significar o simples ato de sugar algo com os músculos dos lábios, o que pode ter uma conotação sexual. Além do mais, essa mesma palavra pode também significar “bajular”, algo que talvez Marlowe esteja criticando nos intelectuais de sua época, seguidores fiéis dos modelos gregos e romanos em suas criações artísticas, “bajuladores” de tais modelos. Se colocarmos a peça em termos usados por Aristóteles, veremos que, apesar de Marlowe não seguir o modelo grego fielmente, a continuidade cultural procede. A hamartia de Eduardo teria sido a de não se adequar ao papel de rei e de marido, e por manter relações com seu favorito, Gaveston, o grande amor de sua vida. A peripécia da peça seria a mudança dos acontecimentos para o seu reverso, alterando assim o destino das personagens. No caso da peça Eduardo II , temos duas peripécias: ambas ocorrem no primeiro ato. Primeira: o rei manda uma mensagem para Gaveston pedindo-lhe que viesse compartilhar o seu trono com ele. Todavia, Eduardo II não esperava que os lordes, respaldados pelo Papa, fossem aceitar pacificamente o retorno de Gaveston

(^2) Come Spencer, come Baldock, come sit down by me;/ make trial now of that philosophy/ that in our

3 famous nurseries of arts/ thou sucked^ from Plato and from Aristotle^ (Marlowe, 2000, p. 214). Todas as citações das peças de Marlowe e de qualquer outro livro, em língua inglesa, foram traduzidas por nós, portanto, para evitarmos repetições, suprimiremos o (tradução nossa) de trechos futuros.