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Uma análise histórica das admoestações de francisco de assis, explorando a relação entre a cidade medieval e a espiritualidade de são francisco. O texto contextualiza francisco de assis na sociedade medieval, destacando as tendências, mentalidades e práticas sociais da cidade e explicando como elas influenciaram a vida e a missão de francisco. Além disso, o documento discute a penetração de franciscanos em universidades do século xiii e o impacto da nova concepção de mundo proposta por francisco.
Tipologia: Notas de aula
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Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em História, Curso de Pós- Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Fátima Regina Fernandes Frighetto
Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em História, Curso de Pós- Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Fátima Regina Fernandes Frighetto
Agradeço às instituições que me auxiliaram na concretização desta dissertação: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) pelo apoio financeiro; ao Centro Colaborador de Alimentação e Nutrição da Região Sul (CECAN) pelo custeio de impressões e fotocópias; ao Núcleo Paranaense de Pesquisa em Religião (NUPPER) pela oportunidade de compartilhar seu espaço de debate e estudo. Aos professores e professoras, pesquisadores e estudantes que, no decorrer desta caminhada de pesquisa, ajudaram-me das mais variadas maneiras: à Prof.ª Angelita Marques Vissali (Dep. de História - UEL) e ao Prof. º Eduardo Bastos de Albuquerque (Dep. de História – UNESP/Assis), que forneceram gentilmente seus estudos; ao Frei João da Rondinha, que manteve as portas abertas para a consulta de livros e periódicos, além do valoroso empréstimo de uma rara obra, imprescindível para a análise documental; aos demais franciscanos da Rondinha pela prontidão da ajuda que realizaram; ao prof.° Dr.° Luiz Carlos Ribeiro e à prof.ª Dr.ª Marionilde Dias Brephol de Magalhães, pela dedicação e presteza nas disciplinas do programa; à prof.ª Dr.ª Márcia Siqueira por mostrar uma leitura possível no exame de qualificação; ao prof. º Dr. º Euclides Marchi, por oferecer em sua disciplina do programa um novo rumo na forma de analisar, como também pelos apontamentos e considerações tecidas no exame de qualificação e, ainda, pelo convite para participar do NUPPER. À amiga e companheira de pesquisa, Cibele Carvalho, por compartilhar suas fontes, seus livros e por abrir as portas da Rondinha, sincero pax et bonum. À outra amiga, prof.ª Regina Lang pela ajuda na impressão desta dissertação e todos os seus rascunhos. Aos demais companheiros de disciplina, grandes debatedores: obrigado. À orientadora desta dissertação, prof.ª Dr.ª Fátima Regina Fernandes Frighetto, pelo primor da crítica, pela exímia condução do processo de pesquisa, pela compreensão exercida para com este orientando. Ao Marco Aurélio, meu irmão, pela prontidão e rapidez no trabalho de tradução. Aos meus pais, Apolo e Rosa, pelo incentivo constante ao estudo e, entre outras coisas, pelo trabalho de revisão gramatical e ortográfico. De coração: muito obrigado.
À minha pequena, pela paciência e dedicação e à minha pequenininha pela bagunça e risos. Com amor tudo fica simples, possível e prazeroso. Palavras não expressam o tamanho e a intensidade de minha gratidão, mesmo assim, são as que temos para tingir este papel. Com amor, obrigado.
RESUMO ...................................................................................................................vii
O escrito Admoestações de Francisco de Assis é considerado a carta magna da vida em fraternidade da Ordem dos Frades Menores, destacando-se por revelar traços característicos da personalidade de seu fundador e de propiciar uma visão, tanto do contexto sócio-religioso que Francisco queria transformar através de seus ensinamentos, quanto do novo mundo que almejava. A pesquisa teve como objetivo analisar esse documento com o intuito de compreender os efeitos de sentido do discurso de Francisco de Assis na sociedade urbana medieval entre o período de 1206 até 1226. Através dos pressupostos teóricos enquadrados no campo de saber da Análise do Discurso, buscou-se explicitar a eficácia do discurso. Para tanto, foi trabalhada a cena enunciativa do discurso admoestativo através da análise dos quadros gerais da sociedade medieval, especificamente a cidade e seus habitantes; em segundo, analisou-se o contexto político-religioso do recorte da pesquisa; em terceiro, o alvo de análise foi a vida de Francisco de Assis, desde do contexto político das lutas comunais e os episódios específicos, em que ele participou em Assis, até os acontecimentos que marcaram seu processo de conversão. Por fim, a análise do termo admoestação , passando pela revisão historiográfica do documento e finalizando na parte analítica dos textos admoestativos que o compõem. A esquematização das temáticas presentes em cada texto, que resultou na identificação de eixos temáticos e da hierarquia dos valores morais de Francisco, viabilizou a explicitação da estrutura simbólica do discurso admoestativo. As conclusões explicitam a eficácia do discurso e apontam novas questões sobre os efeitos de sentido do discurso religioso Admoestações.
Palavras-chave: Admoestações; Francisco de Assis; discurso religioso; cidade medieval; Análise do Discurso.
Qualquer trabalho que aborde, direta ou indiretamente, São Francisco de Assis acaba se defrontando com uma enormidade de obras sobre sua vida e da sua fraternidade. As produções de cunho científico ou religioso revelam a importância deste homem e de seu legado aos dias de hoje. A atualidade de São Francisco é expressa, por exemplo, nas freqüentes publicações de artigos e matérias em revistas científicas de cunho popular^1 , como também em lançamentos de novas biografias, que apesar de não significarem que trazem algo novo em termos históricos, comunicam uma nova linguagem, acessível a um público de não-especialistas, atendendo a uma demanda editorial, e resultando em sucessos de vendas^2. Francisco de Assis é o santo adotado pelos ecologistas e simpatizantes da natureza. Símbolo do pobre e da pobreza, Francisco de Assis atravessou o tempo e o espaço, rompeu barreiras entre religiões e culturas, e sua mensagem assumiu um caráter universal. Sua atualidade e permanência se justificam: a pobreza e a exclusão social, decorrente de processo de urbanização e de crescimento econômico, ainda existem, na verdade evoluíram, são uns dos maiores, se não os maiores, problemas da humanidade. Olhando para sua vida e para a época em que viveu, Francisco era mais um leigo entre outros que renuncia aos bens materiais e assume como propósito uma vida apostólica seguindo Cristo conforme o que estava escrito nos Evangelhos. Mais um entre uma enormidade de pregadores e penitentes que perambulavam pelas estradas e pelas cidades medievais naqueles anos de 1200. Em 1210, o mais um entre tantos se torna um entre poucos, aqueles poucos autorizados pelo poder maior da hierarquia eclesiástica, o papa Inocêncio III, como também pelo clero local, o bispo João de Assis, a pregar o Evangelho e viver um modo de vida de renúncia absoluta.
(^1) Comercializada em banca de jornal, a revista Revista das Religiões: o mundo da fé , da editora Abril, edição 14 de Outubro de 2004, teve como capa a matéria “A santa saga de Francisco”. Na mesma edição foi destaque outra matéria “Assis de todos os caminhos”. 2 São Francisco de Assis de Jacques Le Goff ,lançado em 2001 (original em francês lançado em 1999), é exemplo de sucesso editorial no Brasil. Francisco de Assis: o santo relutante de Donald Spoto é a mais recente biografia de Francisco de Assis em português no mercado brasileiro, publicado em 2003 (o original norte-americano é de 2002).
Após sua morte em 1226, parte significativa do mundo cristão ocidental (as cidades) conhecia Francisco de Assis e os frades menores, reconhecia seu carisma e o papel que a Igreja confiava em suas mãos: evangelizar o território urbano. Juntamente com outro movimento mendicante, o dos dominicanos, os franciscanos foram os que permaneceram entre um significativo número de movimentos religiosos laicos, restando a estes o fim de engrossarem justamente as fileiras franciscanas ou serem enquadrados como heréticos. Estas impressões me levaram, ainda na época da minha graduação, a lançar- me na pesquisa, neste primeiro momento, sobre a vida de Francisco de Assis e os primórdios do movimento franciscano. Participando do Programa Institucional Brasileiro de Iniciação Científica^3 tive a oportunidade de trabalhar com fontes históricas que contavam a vida do santo como também de suas próprias falas registradas em escritos. Isso me instigou a uma gama de problemáticas e a uma série de leituras e análises históricas que me levaram a desenvolver um trabalho de cunho monográfico^4 sobre a relação entre as cidades medievais e os escritos de Francisco de Assis. Ao fim de minha monografia esta era uma das certezas que obtive: estudar Francisco significa envolver-se com polêmicas. Sua vida nos foi contada a partir de rupturas: era rico e rompe com a riqueza; era leigo, rompe com a vida laica, se propõe uma vida religiosa; rompe com o pai; rompe com o orgulho e a avareza com um modo de vida fundamentado na caridade e na humildade. Polemiza com os vícios humanos, mas não polemiza com os vícios da instituição Igreja. Em um mundo hierárquico propõe uma solidariedade horizontal. Sua fuga do mundo é refugiar no próprio mundo, em suas regiões pecadoras e de pecadores, atuando nele. Ambigüidade e polêmica nutrem a historiografia franciscana. Outra certeza que tive é que estudar sobre Francisco de Assis é uma tarefa árdua. A enorme quantidade de trabalhos é uma primeira barreira; selecionar aqueles pertinentes à pesquisa remete a um segundo passo: identificar as linhas historiográficas às quais pertencem as obras, traçando as filiações e as
(^3) Bolsista PIBIC/CNPQ entre os anos de 1999 a 2001. (^4) Os Escritos de Francisco de Assis e as Cidades do Século XIII: Diálogos Possíveis. Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do curso de História do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná, no ano de 2003, tendo como orientadora a prof. ª Dr.ª Fátima Regina Fernandes Frighetto.
que o fundador da Ordem dos Frades Menores, graças ao fato que era exemplo do modo de vida que pregava, correspondia ao modelo de irmão ideal. “Se pois a Regra ou as Constituições representa o elemento institutivo ou formativo de muitas Ordens, os franciscanos, ao contrário, se vêem na contingência de interpretar e ilustrar sua Regra e Constituições a exemplo da figura viva do santo que deu origem à forma específica de seu gênero de vida” (REIS; SILVEIRA, 1996, p. 10). Esta particularidade aponta, por um lado, que conforme as cores que pintavam Francisco, pintavam-se também as legislações, ou seja, as tendências existentes dentro da Ordem distorciam a interpretação legislativa apoiando-se na imagem que construíam de Francisco - resultado direto desse fato é a elevada quantidade de biografias de Francisco que chegaram até nós^6 ; por outro lado, justamente por configurar autoria única de Francisco, os escritos parecem não responder a este jogo de imagens distorcidas, mas sim a fragmentos da personalidade e da visão de mundo de um único sujeito histórico. Entre os escritos , a Admoestações é vista hoje pelos peritos como a carta magna da vida em fraternidade, o cântico da pobreza interior e o sermão franciscano da montanha, ocupando do ponto de vista espiritual um lugar de primeiro plano. Entretanto sua importância não se restringe ao ensinamento espiritual. Destaca-se o fato que revela traços característicos da personalidade de Francisco. Admitindo que sua personalidade qualifica o ensinamento espiritual, e que sua experiência vivida e o contexto histórico do qual ele está inserido acabam qualificando sua personalidade, o documento propicia visualizar tanto o contexto sócio-religioso que Francisco queria transformar através de seus ensinamentos, como também o novo mundo que almejava. A pesquisa teve como objetivo analisar este documento - Admoestações^7 - com o intuito de compreender os efeitos de sentido do discurso de Francisco na
(^6) Jacques Le Goff realiza uma seleção das biografias aparecidas de 1967 a 1999, que totalizam 24 estudos biográficos de historiadores franceses, italianos e alemães (LE GOFF, 2001, p. 249-250). 7 Conhecido universalmente com o nome de Admonitiones ou Verba admonitionis (ADMOESTAÇÃO, 1999, p. 23). Parte integrante das Fontes Franciscanas – conjunto das principais fontes históricas relativas a Francisco de Assis – que no Brasil foi editada um só volume em 1981 com o título São Francisco de Assis: escritos e biografias de São Francisco de Assis, crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano. A presente pesquisa utiliza a sétima edição dessa obra organizada pelo Frei Ildefonso SILVEIRA (OFM) e por Orlando dos REIS. A parte que contém o documento mencionado, baseia-se na edição crítica de Kajetan ESSER (OFM) titulada
sociedade urbana medieval entre o período de 1206 até 1226. O recorte cobre o período que vai da conversão de Francisco até sua morte, desse modo preservamos a análise das distorções e apropriações feitas após a morte dele, além de corresponder aos anos que Francisco pregou os textos admoestativos que constituem o documento Admoestações. Especificamente, buscamos explicitar a eficácia do discurso, de acordo com a conceituação definida por Pierre BOURDIEU, estudioso cujos pressupostos teóricos são enquadrados no campo de saber chamado Análise do Discurso 8. Pierre BOURDIEU, ao definir poder simbólico como um “poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (2003, p. 8) pensa a linguagem como um dos mecanismos desse poder que ao ser ignorado é um poder reconhecido. O discurso, assim, seria representativo de uma realidade, possuindo certas propriedades: é autorizado, ou seja, tem uma instituição que confere autoridade ao discurso (1998, p. 85-96); tem um rito que institui o discurso (1998, p. 97-106); precisa de uma representação, isto é, ter uma representatividade (1998, p. 108-116); e que apresenta condições de eficácia (1998, p. 117-126). Neste ponto temos que a eficácia do discurso depende do desapossamento (a entrega do meu poder ao outro) do indivíduo, sendo que a coerção não garante a eficácia caso não tenha esse desapossar do exercício de poder. Outros dois estudiosos da Análise do Discurso são referências teórico- metodológicas da pesquisa: Dominique Mangueneau e Eni Orlandi. A partir da recomposição do conjunto da situação de enunciação, Dominique MANGUENEAU (1997, p. 29-52), apoiando-se nas noções de contrato, de teatro e do jogo oriundos da pragmática^9 , propõe analisar um discurso considerando a sua
como Die Opuscula des Hl. Franziskus non Assisi , que foi traduzida por Frei Edmundo Binder (OFM) com o título de 8 Escritos de S. Francisco. Escola teórica que se fundamenta nos conceitos de estrutura da Lingüística, de ideologia do Marxismo e da representação da Psicanálise, ancorando-se no campo da História no que diz respeito à contextualização histórica. 9 A pragmática tentou inscrever a atividade da linguagem em espaços institucionais apoiando- se em modelos emprestados do Direito (contrato), do teatro (uso do gesto e do espaço), e do jogo (regras). A noção de contrato diz que indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de praticas sociais reconhecem-se – a instituição delimita os sujeitos antecipadamente), isto é, legitimado pela posição que lhe é reconhecido de antemão. A noção de teatro está na encenação: o modo pelo qual o enunciador se inscreve no tempo e no espaço de seu interlocutor, em outras palavras, o uso do gesto e do espaço como elemento que constituí significado a enunciação. A noção de jogo é a que diz
como meio de captar e interpretar as atitudes e noções que fundamentam as práticas culturais. Conceituando cultura como “sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria de símbolos, ignorando as utilizações provinciais), a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições e os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade” (GEERTZ, 1989, p. 24). O estudo etnográfico daria conta do que ele chama de descrição densa , modo de análise que é caracterizado como: interpretativo; o que é interpretado é o fluxo do discurso; e a interpretação envolvida consiste em tentar salvar o dito num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis. Esta metodologia de descrição etnográfica apesar de ser direcionada para o antropólogo em seu trabalho de campo (utilizo as próprias palavras de Geertz: os antropólogos não estudam as aldeias, eles estudam nas aldeias), se coloca como uma metodologia que permite seu uso no campo da pesquisa histórica. Particularmente nesta pesquisa, que se trabalha com uma documentação, um discurso que diagnostica ações de sujeitos específicos, que apresenta um fluxo do discurso – as outras vozes das quais fala ORLANDI (2002) – que se busca analisar e explicitar, ou nos dizeres de Clifford GEERTZ (1989, p. 37) “anotar o significado que as ações sociais particulares têm para os atores cujas ações elas são e afirmar, tão explicitamente quanto nos for possível, o que o conhecimento assim atingindo demonstra sobre a sociedade na qual é encontrado e, além disso, sobre a vida social como tal.” A descrição densa inscreve o documento na sociedade da qual ele se insere, considerando a dinâmica que envolve as práticas culturais do meio social daquele final de século XII e início do XIII, apontando caminhos que permitem compreender a relação entre Francisco de Assis e a sociedade na qual está inserido. Considerando que a compreensão das Admoestações de Francisco de Assis está sendo buscada na relação entre o texto e o contexto, processo em que cada indício levantado remete-se a uma releitura do discurso, descrever densamente a cena histórica – a cidade medieval – é uma das exigências para efetuar a análise discursiva.
Os dois capítulos iniciais, O contexto da sociedade medieval e A cidade medieval: modelos e tipologias, contemplam essa descrição densa da cena enunciativa do discurso admoestativo, apresentando: primeiro, o panorama geral da sociedade medieval; segundo, o modelo da cidade medieval e a tipologia de homens medievais relacionados com a cidade. O capítulo seguinte, O contexto de Francisco de Assis , sai dos quadros gerais e modelos de estudos sobre a sociedade medieval, a cidade medieval e o homem medieval, e expõe o contexto político-religioso do recorte da pesquisa que envolve a cidade de Assis e Francisco de Assis. Os estudos de franciscanos – aqueles que são reconhecíveis pela parcialidade em torno da instituição eclesiástica e franciscana – deixam claro que os irmãos eram clérigos, religiosos, ou no mínimo com um perfil de religioso. O caráter laico do movimento é minimizado. Sempre citado, mas não ressaltado. O público limita-se a servos de Deus. A pesquisa busca mostrar que a cidade é rica em novas tendências, mentalidades e práticas sociais, o mercador, o citadino, o intelectual, o marginal – pobre, excluído, doente e herético – são tipos de homens medievais, esteriótipos que indicam as filiações de Francisco e as filiações daqueles que eram seu público, daqueles que se convertem à vida religiosa proposta por Francisco. O universo laico é que sustenta Francisco, por mais que a Igreja buscasse aproximar, maquiar e vincular Francisco a ela - ao bispo, ao papa, a hierarquia eclesiástica – Francisco é condição e, ao mesmo tempo, condicionado ao mundo da cidade, aos homens que lá convivem e que se caracterizam como citadinos. Uma outra exigência para a análise discursiva se refere ao autor do documento, Francisco de Assis. O capítulo quinto, Francisco de Assis , além de um quadro detalhado do contexto político das lutas comunais e os episódios específicos que Francisco presenciou e participou em Assis, apresenta a vida desse homem de forma sintetizada e condizente com a proposta e o desenvolvimento da pesquisa. Tarefa árdua, mas necessária, descrever Francisco corresponde a envolver-se em um emaranhado de biografias produzidas desde 1228 até a época atual. Atento ao fato que o movimento franciscano apresentava-se dividido antes mesmo da morte de Francisco, questão que Nachman FALBEL (1995, p. 3-48)
obra de Lucas Wadding perpetuava a imagem de um Francisco que representa os “meios franciscanos moderados”, enquanto que Paul Sabatier inaugura estudos que defendem um Francisco que representa os “meios franciscanos rigoristas” (LE GOFF, 2001, p. 54). Jacques LE GOFF (2001, p. 48-49) resume o problema inicial que o pesquisador tem que enfrentar quando trabalha com a vida de Francisco:
Assim, através do esboço sumário dos problemas que temos com as obras de São Francisco, percebe-se a fonte principal das dificuldades da historiografia franciscana: a existência, mesmo durante a vida do santo, de duas tendências dentro da Ordem, cada uma buscando atrair o fundador para si e interpretar em benefício próprio suas palavras e seus escritos. De um lado, os rigoristas, que exigiam dos Frades Menores a pratica de uma pobreza total, coletiva e individual, a recusa a todo aparato na liturgia dos ofícios da Ordem, assim nas igrejas como nos conventos, e a guardar a distância da cúria romana, suspeita de pactuar muito facilmente com o século. De outro lado, os moderados, convencidos da necessidade de adaptar o ideal da pobreza à evolução de uma Ordem de frades cada vez mais numerosa, de não repelir, por uma recusa a toda influência exterior, as multidões sempre mais densas que se voltavam para os Frades Menores, e da necessidade de ver na Santa Sé a fonte autêntica da verdade e da autoridade numa Igreja de que a Ordem era uma parte integrante. Onde situar o verdadeiro Francisco?
O “verdadeiro” Francisco para esta pesquisa foi construído a partir de biografias recentes, que priorizam o contexto histórico e diminuem a importância das fontes representarem um ou outro Francisco. O importante está em considerar tais representações como possibilidades que não excluem outras, mas que estão todas presas a um universo cultural, social, político e econômico delimitado, ou seja, cabe a nós trabalharmos com uma contextualização que dê conta tanto do autor como da documentação. Francisco de Assis é uma figura que impressiona. Olho para ele não como santo, não como aquele que pregava para pássaros - o ecológico - nem para urubus
de carne quando lhe era oferecido, embora não pedisse carne; o suficiente para não morrer de sede, vestir e dormir em local suficiente para não se adoentar em demasia. Ativo, por que atuava para mudar o seu presente, queria que o espiritual prevalecesse, que a paz vencesse, que os ensinamentos de amor ao próximo, ditos por Jesus, se concretizassem. Foi exemplo do que pregava, exemplificava o seu modo de vida, sua vida era a regra a ser seguida. Dentre as várias biografias sobre Francisco de Assis, que dispomos atualmente, escolhemos São Francisco de Assis de Franco CARDINI (1993), São Francisco de Assis de Jacques LE GOFF (2001), Francisco de Assis de Donald SPOTO (2003) e Francisco de Assis de André Vauchez (BERLIOZ, 1994, p. 243- 262). Enquanto que Donald Spoto apresenta a biografia mais recente, da qual trabalha com um conjunto amplo de estudos da década de 1990 sobre o contexto medievo de Assis e de Francisco, André Vauchez trabalha com maestria o aspecto religioso do período, preocupado em salientar Francisco como parte integrante da evolução da espiritualidade no Ocidente. Jacques Le Goff, por sua vez, escreve uma biografia que propõe uma terceira imagem de Francisco que não é um meio termo entre o radical e o moderado, mas sim um Francisco que oscila entre um e outro. Parte de real interesse para nossa pesquisa são as suas análises que buscam trabalhar o jogo das relações de poder entre o papado e o império, entre o clero e o laico, entre os maiores e os menores da cidade, triangulando com as ações e posicionamentos de Francisco. Por fim, Franco Cardini desenvolve uma biografia que foi adotada por nós como a espinha dorsal, cabendo às outras o papel de aprofundar em questões e aspectos específicos. Sua análise histórica permitiu uma compreensão pertinente do Francisco histórico sem diminuir o Francisco hagiográfico. Sua imagem de santo, e todo o sentido que isso assume naquela época e ainda em vida dele, coloca-se na análise de Franco Cardini como componente integrante para entender acontecimentos, ações, e principalmente, a personalidade de Francisco de Assis. O sexto capítulo, A proposta de Francisco para o mundo , inicia com a análise do termo admoestação , passando pela revisão historiográfica sobre o documento Admoestações , e finalizando na parte analítica dos textos admoestativos que compõem o documento.